sexta-feira, 4 de abril de 2025

Milei não tá nem aí pras Falklands?


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O dia 2 de abril é lembrado todos os anos na Argentina como de lembrança pela reivindicação de sua soberania sobre o arquipélago das Malvinas, que inclui duas grandes ilhas principais e várias outras menores, abrangendo um espaço marítimo que inclui diversos recursos minerais e pesqueiros importantes. Desde o início do século 19, ela está ocupada pelo Reino Unido, que chama a área de “Falklands” e na época formava o maior império territorial não contíguo de toda a história, e mesmo com a independência da Argentina ante a Espanha e seu império, os britânicos se recusaram a ceder seu controle a Buenos Aires. A reivindicação do país sul-americano nunca cessou e continua até hoje, num movimento que teve altos e baixos.

Já fiz duas publicações a respeito da questão: a primeira traz a história e a tradução da Marcha das Malvinas, hino oficial de celebração do 2 de Abril, mas composto muitos anos antes, e a segunda mostra uma canção de propaganda televisionada pela ditadura militar (1976-83, que chamava a si mesma “Processo de Reorganização Nacional” ou apenas “Processo”), geralmente chamada Argentinos a vencer. O que importa relembrar aqui, algo não muito confortável pro patriotismo platino, é que o ditador Leopoldo Galtieri resolveu aproveitar sua baixa popularidade pra tentar resolver a questão de uma vez por todas, manu militari, invadindo o arquipélago a 2 de abril de 1982 e unindo todo o povo numa onda de ufanismo histérico e anestésico. (Até Zelensky, que só era aprovado por pouco mais de 30% dos ucranianos, viu subitamente mais de 90% a seu favor após a invasão dos porcos ruSSos...) Todo mundo sabia que a Argentina não tinha as mínimas condições militares de enfrentar uma das maiores potências da época, mesmo arrastando o conflito por dois longos meses.

Margaret Thatcher, primeira-ministra conservadora do Reino Unido na época, também se via às voltas com os críticos de suas espartanas reformas econômicas e Galtieri também acabou lhe dando de graça um presente a sua popularidade. Contudo, não só a utilidade de manter as Malvinas foi contestada até mesmo pelo então presidente dos EUA, Ronald “Alma Gêmea” Reagan (que terminou adotando uma “neutralidade conivente”), como também o afundamento em águas internacionais do cruzador General Belgrano, apinhado de centenas de recrutas argentinos inofensivos e inexperientes, foi considerado um crime de guerra pela comunidade internacional. O desfecho quase natural foi a vitória britânica, mas ao custo de vários mortos e centenas de feridos, muitos dos quais graves e com permanentes traumas mentais, o que gerou críticas à “Dama de Ferro” mesmo dentro do próprio país – e ao uso político da “questão das Falklands”, que levou a reeleições prolongando seu mandato até 1990.

Mas não se engane: quase nenhum argentino contesta a soberania nacional sobre as Malvinas, que eles consideram um território usurpado por Londres, e é talvez a única questão (à parte o futebol?) que une pessoas de todas as ideologias, literalmente de um extremo ao outro do espectro político. Os veteranos, por exemplo, não se sentem tendo sido usados como bucha de canhão por um regime carcomido, e sim heróis da maior causa pátria moderna, e por isso são religiosamente respeitados. Por isso, a linha do presidente Javier Milei de dar pouca importância à contenda tem gerado incômodo entre a população, embora sua popularidade, a despeito do descalabro socioeconômico, se mantenha relativamente alta. Pra piorar, “El Loco” demonstrou abertamente várias vezes sua admiração (ao menos) pela política econômica de Thatcher, mulher considerada, porém, o KPta encarnado pelos hermanos, que jamais perdoariam qualquer elogio a ela. Os atos oficiais de 2025 parecem ter começado a fazer o vaso transbordar.

Primeiro, sua vice, Victoria Villarruel, não participou do ato no memorial da Praça San Martín com Milei e preferiu se encontrar com militares na Terra do Fogo. Seu pai, militar acusado de exações durante a última ditadura, também foi veterano das Malvinas; o tema lhe é tão caro que em 2024 chegou até a entrar em choque com a ministra do Exterior, Diana Mondino, que buscou diálogos mais condescendentes com o Reino Unido. Segundo, o trêmulo discurso de dez minutos de Milei na capital nacional, no último dia 2, foi considerado “desconjuntado”, por praticamente conter diversas defesas de seu próprio programa de governo e culpar a “casta política” (sempre ela...) pela derrota na guerra de 1982. Causou rebuliço a afirmação de que os “malvinenses” (“kelpers”, em inglês, que Buenos Aires considera não uma população, mas gente implantada pelo colonialismo) poderiam decidir “por conta própria” se tornar argentinos quando o país “se tornasse uma potência” (???). Um imperdoável alinhamento à tese britânica da “autodeterminação”, reafirmada por diversos referendos locais, contestados pelos presidentes anteriores, podendo se traduzir num suicídio político.



E terceiro, vários veteranos da Guerra das Malvinas foram proibidos de participar do evento em Buenos Aires, mesmo tendo vindo de longe pra estar no ato comemorativo, e se sentiram profundamente ofendidos. No ano passado, alguns chegaram até a se recusar a participar de outros desfiles na presença de Milei. O memorial foi fortemente cercado, reunindo um pingo de pessoas, muitas delas ligadas ao conflito, mas que não estiveram na mira do inimigo nem pegaram em armas. Entre os influenciadores, tantas contradições não passaram despercebidas, e um deles, o advogado e escritor Tomás Rebord, lembrou a data cívica no famoso streaming de humor político Blender, alinhado com ideias “progressistas”, segundo La Nación.

Mais uma vez consegui o grosso da transcrição usando o recurso de IA do Microsoft Clipchamp (que distingue entre os vários dialetos do espanhol!) e traduzi usando o Google, mas nas duas etapas, como sempre, dando meu toque final e tirando cacoetes orais. Decidi também terminar a publicação com outro vídeo de uma conta anônima anti-Milei no Équis, que não mencionou as circunstâncias da montagem do vídeo, mas que passa a mesma mensagem e, tendo sido legendado em espanhol (inclusive nas partes em inglês), preferi não traduzir:


Dar el obvio, pero no por eso menos importante. Mañana es 2 de abril, Día del Veterano y de los Caídos en la Guerra de Malvinas, es el día en el que se reivindica nuestra irrestricta e irrenunciable soberanía nacional sobre las Islas Malvinas y Atlántico Sur. Por más que estemos circunstancialmente en un gobierno al que eso no le importe tanto y permanentemente recalque su admiración por figuras como, por ejemplo, la criminal de guerra Margaret Thatcher. Así que me parece importante también desde este lugar irnos con algo parecido a un poquito de sentimiento patriótico, para lo que nos vamos a encontrar el día de mañana, como va a pasar absolutamente todos los años y siempre que quede un argentino en pie en el planeta Tierra. Muchísimas gracias por este espacio, por acompañarnos.

Dando o óbvio, mas não menos importante. Amanhã é 2 de abril, Dia dos Veteranos e dos Tombados na Guerra das Malvinas, dia em que reivindicamos nossa soberania nacional irrestrita e inalienável sobre as Ilhas Malvinas e o Atlântico Sul. Mesmo que eventualmente tenhamos um governo que não se importa muito com isso e enfatiza constantemente sua admiração por figuras como, por exemplo, a criminosa de guerra Margaret Thatcher. Então, me parece importante que também saiamos daqui com algo parecido com um pouquinho de sentimento patriótico, pelo qual vamos nos encontrar amanhã e como vai ocorrer todos os anos, enquanto houver um único argentino de pé no planeta Terra. Muitíssimo obrigado por este espaço e por nos acompanhar.



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