sexta-feira, 18 de julho de 2025

Prestes e o negro brasileiro (1934)


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Direto dos arquivos de meu backup, hoje temos a seleção de algumas falas de Luiz Carlos Prestes, líder revolucionário e longevo secretário do Partido Comunista do Brasil (PCB, “Brasileiro” a partir de 1961), na chamada 3.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central, reunida em Moscou em outubro de 1934. O evento permaneceu obscuro por muitas décadas, porque mesmo seus participantes jamais deram mais detalhes posteriormente, mas isso porque foi meio improvisado, aproveitando que as delegações já estavam lá mesmo após o 7.º Congresso da Comintern ter sido adiado pra meados de 1935. Contudo, as atas de suas reuniões foram mantidas nos arquivos soviéticos e há alguns anos têm sido consultadas por historiadores, inclusive de forma online. Em minhas teses de doutorado e mestrado, que podem ser consultadas aqui, abordei a influência dessas reuniões na atuação posterior do PCB e concluí que seu papel na eclosão das insurreições militares de novembro de 1935 foi muito superestimado.

Por terem sido retranscritas e traduzidas, as atas podem não representar fielmente o que Prestes disse verbalmente nas reuniões, mas vou tomar o conteúdo como alinhado aos pensamentos e práticas da época. No início de 2021, a pedido de um pesquisador baiano que estudava o tratamento da então chamada “questão negra” pelo PCB no período da Comintern, traduzi alguns documentos ou trechos de atas de reuniões sobre o assunto, até porque também a onipresença da língua russa dificulta a navegação no próprio portal dos arquivos. Acabei fazendo apenas parte do que poderia e perdi o contato com o historiador, mas gostei de ter encontrado estes trechos, pois revelam um fato muito especial: embora Prestes estivesse fora do Brasil há anos, tendo perdido contato, portanto, com nossa realidade, ele diverge da direção partidária ao não ver a necessidade de engajar negros e indígenas numa luta “nacional” ou “separatista”, como ocorria em outros países.

Por volta de 1934, a Comintern já tinha feito uma “limpa” na maioria das direções partidárias, que tinham se tornado completamente “stalinizadas” e, por isso, apenas reproduziam diretivas “de cima” e não sabiam como as aplicar em realidades totalmente distintas. Antônio Maciel Bonfim, o “Miranda”, por exemplo, era secretário-geral do PCB desde julho e foi acusado de inventar completamente que havia uma “situação revolucionária” no Brasil ao falar na 3.ª Conferência, gerando indignação mesmo entre os colegas delegados. Prestes, que carregava o prestígio popular da “Coluna Invicta” de 1924-27, estava na URSS desde 1931 trabalhando como engenheiro, mas sendo “lapidado” como uma nova liderança e ainda fora do PCB, tendo “Miranda” resistido ao máximo a sua entrada, finalmente efetuada por ordem de Moscou. “Miranda” deixaria o PCB em fins daquela década, enquanto o Estado Novo desmantelava o partido, e Prestes, preso em 1936, só chegaria à liderança em 1943.

É curioso como Prestes, ao contrário inclusive de outras correntes progressistas no Brasil, não só tenta trazer os negros pra frente de luta, como também ressalta o caráter racial de suas exigências, pois do ponto de vista “nacional” eles já teriam sido “desmantelados” durante a deportação da África e, depois, enquanto escravos e misturados entre origens diversas. Eu coloquei as notas entre colchetes como explicações, correções ou observações, assim como as três notas de rodapé, nada disso tendo sido alterado. Como não tive tempo de fazer novas revisões, me responsabilizo por eventuais erros ou imprecisões. Qualquer observação é bem-vinda, bastando escolher um dos canais de comunicação que apresento no menu à direita da página.



Trecho isolado de informe (fundo 495, dossiê 79, pasta 213, folha 225), codinome Fernandes

Até agora nossa luta tem se voltado principalmente para a formação [ideológica], para a tarefa de separarmos o proletariado da burguesia, mas hoje, quando, com mais força em alguns países e mais fracamente em outros, existe um Partido Comunista, existe um proletariado com ideologia própria, que está realmente apto a defender seus interesses – agora é indispensável saber manobrar, saber atrair para si também as vastas massas da pequena burguesia da cidade e do campo. Esse é o único meio de atraí-las à luta, o único meio aqui é desmascarar na luta a devoção desses elementos ao imperialismo, desmascarar os elementos reacionários da burguesia e sua [da pequena burguesia] estreita ligação com a burguesia. É um ponto importante analisarmos a questão do caráter da revolução em nossos países.

Não considero ser indispensável insistir que é totalmente compreensível que o campesinato é um aliado nosso, mas nessa questão não deve haver quaisquer limitações. Devemos ter aqui clareza absoluta. Não sabemos o que é um kulak, o que é um camponês rico. É verdade que o camponês rico será amanhã contra a revolução, mas se ele estiver apto a seguir do nosso lado, mesmo que por um dia ou uma hora, devemos nos valer dele.

Por outro lado, há a questão das nacionalidades oprimidas, da gente de cor, dos negros. Eles constituem uma camada bastante ampla da população. Os contornos do movimento são muito mais vastos do que frequentemente supomos, mas levamos em pouca consideração as diferenças de classe entre os caciques [pontos indicando um termo a completar]. As massas indígenas estão fundidas com os caciques. É necessário ter uma noção totalmente clara da profunda diferenciação aí. Devemos buscar aí o fundamento das classes dentro da tribo para mobilizarmos essas camadas contra o imperialismo.


Informe completo de Fernandes (codinome), fundo 495, dossiê 79, pasta 214, folhas 55-63

Camaradas, a delegação brasileira me incumbiu basicamente de colocar a questão do problema negro. Também quero aqui na conferência mostrar como entendemos no Brasil a questão do separatismo, que tem para nós um grande significado. Antes de passar à questão negra, não posso deixar de dizer algumas palavras a respeito do informe de ontem de Montero, (1) sobretudo com relação ao que disse sobre a tribo. Penso que nós no Brasil estamos totalmente de acordo com a linha revolucionária que o camarada Montero defendeu na questão nacional no Peru com relação aos índios. Não há dúvida de que no Peru temos a questão indígena como central e decisiva para elucidar quem é revolucionário e quem não é revolucionário. A questão dos indígenas no Peru está repartida entre, de um lado, quem luta pela libertação dos índios e, de outro, quem é contra a libertação dos índios, ajuda o imperialismo e ajuda na opressão nacional dos índios. A questão indígena no Peru é tão importante para o Partido, tão importante para o movimento revolucionário quanto a questão dos cangaceiros no Brasil. Esta é uma das questões decisivas, como disse o camarada Montero. Qual partido no Brasil está apto a defender os cangaceiros? Somente o Partido Comunista. A colocação aberta da questão da libertação nacional dos índios no Peru tem um significado decisivo. Devemos nos lembrar fortemente que o desenvolvimento econômico das massas indígenas no Peru ainda é muito insignificante, que dentro da tribo a diferenciação ainda não é significativa, que nós, se quisermos realmente lutar junto com as massas indígenas, devemos lutar junto com todos os índios, com toda a tribo. Nós não fechamos uma união revolucionária somente com o campesinato pobre, não faremos a revolução sem atrair conosco toda a tribo. Essa é uma posição absolutamente correta do camarada Montero nessa questão, o qual demonstrou sua linha revolucionária. Com todas as forças ele destacou a questão da luta junto a toda a tribo. Não há por que temer que a tribo venha até nós como organização colaboradora. O que é essencial aqui? É essencial que nós, lutando pela tribo, dirijamos a luta das tribos pela libertação nacional. Essa é uma enorme vantagem. Devemos atrair também a eles, impelir os camponeses pobres, médios e ricos à revolução. E não há por que alimentarmos ilusões quanto a isso. Devemos ter um partido pronto para unir blocos para a luta pela revolução, junto com as tribos, com [ilegível]. Para isso é necessário que haja um Partido Comunista, que haja um partido da classe operária. E quanto a isso quero dizer aqui algumas palavras contra o informe do camarada Montero.

O camarada Guralski, (2) com toda a acuidade e com toda sua vontade revolucionária, colocou e defendeu aqui a linha que estou defendendo agora. Não falarei aqui sobre formulações. Sem dúvida, a revolução é a revolução. E veremos a ação dos revolucionários na própria revolução. Mas ainda não passamos à ação. Infelizmente, ainda nos encontramos no período das formulações. E o que é que vemos no informe do camarada Montero? Por que a maioria dos camaradas reagiu assim à maioria das perguntas? Porque no informe do camarada Montero, apesar de seu caráter revolucionário, algumas coisas atravessam uma linha vermelha, ou melhor, não uma linha vermelha, mas um fio preto. Em que consiste essa linha preta de seu informe? Consiste em que o camarada Montero, ao examinar o Partido Comunista do Peru, alimenta enormes ilusões, grandes ilusões no tocante aos índios. Montero disse aqui que não há ilusões. Mas lá o tempo todo, no informe inteiro, era visível que essas ilusões existem. O camarada Guralski disse que essas ilusões existem porque não há índios no governo peruano. É justamente porque não há índios que há ilusões. Os índios das tribos não têm ilusões quanto às tribos. Penso que isso não é argumento, penso que existem ilusões. Quero trazer dois fatos. O camarada Chato da Colômbia discursou aqui e disse que a reação, que a mais rude exploração feudal atrapalha o desenvolvimento da tribo. O camarada Montero diz algo totalmente contrário. Que a reação, o feudalismo etc. tentam liquidar a tribo.

Essa é a deficiência da democracia. A opressão das forças internas nas tribos é que exatamente encontramos. As forças internas nas tribos visam ao desenvolvimento econômico. Aumentam as contradições? Por que não aumentam? É exatamente graças a essa opressão feudal.

Como a tribo resiste? A tribo é um foco de luta contra a opressão. É exatamente assim com a nacionalidade negra que luta contra a opressão. Mas a opressão existe. O que teremos no período da revolução? Defenderemos toda a legislação tribal? Isso seria uma utopia, uma utopia reacionária pequeno-burguesa. Esse é um erro muito grosseiro e um enorme perigo para o Partido peruano. O Partido peruano deve realizar uma virada em toda a sua linha revolucionária, deve conduzir uma luta contra toda ilusão pequeno-burguesa. É um erro enorme, porque o Partido peruano se encontra diante de fortíssimos combates revolucionários. Se nosso Partido peruano, sendo o partido da classe operária, não colocar a questão da revolução indígena como um partido do proletariado com uma linha marxista-leninista, ele entregará a revolução nas mãos da reação. Penso que com isso podemos concluir a questão e passar para a próxima.

Camaradas, passo agora à questão negra no Brasil. Infelizmente, como já mostrou o camarada Silva, (3) nós não podemos dar nada de prático com relação à colocação da questão negra no Brasil. Somente na última conferência no mês de julho nosso Partido adotou uma posição decisiva quanto à colocação da questão nacional, somente então ele entendeu o problema nacional. Até então, oscilávamos entre extremos, antes declarávamos que não havia nenhuma questão nacional no Brasil. Que não havia negros no Brasil, todos eram iguais. Por isso caímos no outro extremo, vendo em cada negro um problema nacional. Colocamos a questão da autodeterminação etc. para cada negro. O que o camarada Montero disse sobre Cuba, em minha opinião, relaciona-se exatamente com o Brasil. Avançamos a palavra de ordem da autodeterminação como uma palavra de ordem de ação direta. Colocar a palavra de ordem da autodeterminação como uma exigência parcial, exigir a independência como uma exigência parcial significa isolar os negros.

Como o Partido brasileiro coloca a questão no presente? A conferência partidária nacional discutiu essa questão e eu quero aqui esclarecer as posições do Partido. O significado da questão negra no Brasil é incomumente grande. Negá-la seria errôneo. Podemos dizer que uma porcentagem muito grande, não dando números precisos, em nosso país é de negros. No estado da Bahia, nos arredores da capital, há um território em que 60% da população são negros. A questão negra não é uma questão nacional somente do Brasil. O camarada Montero mostrou a diferença entre questão nacional e opressão racial. Eu concordo que existe realmente opressão racial. As massas negras sentem o que é a opressão racial, porque elas sabem que alguém negro é obrigado a fazer os piores trabalhos. Em uma palavra, todas as desigualdades para os negros são uma afronta para os negros. De onde saiu isso? De onde veio essa opressão racial? Sobre os negros pesam três séculos de escravidão. Antes eles eram trazidos da África ao Brasil. Ao chegarem no país, eram divididos, separados dos filhos, mandados uns ao Rio de Janeiro, outros à Bahia, e se transformavam em escravos. Esses grupos nacionais eram divididos. E os senhores feudais [sic] repartiam os negros desta forma: os negros do [Congo?] para tal trabalho, os negros de outro país para outro trabalho. Ocorria o deslocamento dos negros de diversas nacionalidades, de diferentes crenças religiosas. O objetivo era indispor um negro contra o outro. Com isso, todavia, as rebeliões não foram evitadas. Temos rebeliões no período da luta pela independência. Uma enorme rebelião negra, liderada por negros. Tivemos toda uma série de rebeliões. Deve-se dizer que os senhores de escravos tiveram muito sucesso. Eles dividiram as nacionalidades, separaram os negros. Se chegarmos agora ao estado da Bahia, onde se encontra uma maioria de negros, o que veremos? Podemos dizer que são negros do [Congo?] ou de outro país? Não. Eles dizem que são [ilegível]. Se colocarmos a questão da autodeterminação culminando na separação, eles [sem conexão lógica aparente] a questão negra no Brasil tal como a colocamos. Falamos que os negros no Brasil são oprimidos, são considerados a raça mais inferior. As nacionalidades estão divididas, destruídas, quebradas em pedaços. Somente a luta revolucionária contra o imperialismo, contra o feudalismo permitirá que essas nacionalidades evoluam. Elas só evoluirão no processo de luta contra o feudalismo, o imperialismo, no processo da revolução democrático-burguesa. Nesse processo surgirão enormes nacionalidades, sobre as quais sequer sabemos agora. O exemplo da URSS para nós é muito nítido. Dessa forma, nossa palavra de ordem programática deve ser: nós comunistas, como os maiores e mais fortes democratas do mundo, somos contra todo tipo de opressão, contra a opressão racial, contra a opressão nacional. Somos pela autodeterminação de todas as nacionalidades oprimidas culminando na separação. Mas essa é uma palavra de ordem programática, é nosso programa, é nosso princípio. Há uma enorme diferença entre nossas palavras de ordem programáticas e o modo como nos comunicamos com as massas.

E como é que nos comunicamos com as massas oprimidas? Colocando em cada manifesto, em cada panfleto a questão da autodeterminação dos negros de forma abstrata, não obteremos nada. Precisamos colocar diante dos negros, basicamente, a questão da igualdade de direitos. Nós, comunistas, somos contra toda e qualquer forma de opressão racial das massas. As massas nos entenderão melhor se lhes declararmos que somos contra o jugo racial do que se falarmos apenas de jugo nacional. Isso é que devemos falar às massas, e então as massas nos entenderão. Devemos começar pelas menores exigências econômicas contra toda opressão feudal. Desta forma realmente mobilizaremos as massas.

Quero aqui tocar na palavra de ordem que o Partido brasileiro ainda não colocou. Precisamos colocar esta palavra de ordem. Depois que o camarada Bueno trouxe a rica experiência do trabalho das massas negras no Brasil, precisamos enfatizar particularmente esta palavra de ordem. Um dos traços nacionais mais característicos das massas negras no Brasil consiste na religião e suas festas populares. O fetichismo religioso se funde com a medicina popular, com a bruxaria das festas religiosas. Não devemos apoiar as ilusões religiosas nas massas. Devemos lutar pela elevação do nível cultural das massas negras. Mas devemos começar a elevar o nível cultural antes da revolução. Começando a luta com as ilusões, não devemos esquecer que agora precisamos levar à luta as vastas massas com todas essas ilusões que existem nelas. A imprensa burguesa em [ilegível] anuncia que os índios se insurgem quando seus pajés são capturados. Os jornalistas burgueses se insurgem contra o fato de que na própria capital do Brasil encontramos pajés. Camaradas, estamos conquistando as massas negras que vivem nos confins miseráveis do Rio de Janeiro, defendendo seus direitos contra todo jugo. Em 1897 o camarada Lenin disse: “Somos contra toda opressão, contra a opressão religiosa, contra a opressão sectária. Somos os maiores democratas. Não podemos admitir essa opressão.” Através dessa luta, através dessa corajosa luta cotidiana pelos direitos dos negros, contra toda discriminação devemos dar a entender às massas o que significa a autodeterminação.

Nós temos agora no Brasil determinados bolsões onde existem grandes massas camponesas. Concretamente para cada localidade, para cada liga, para cada zona, devemos colocar a palavra de ordem da autodeterminação culminando na separação, por exemplo, o Recôncavo Baiano.

Entre os estados onde se concentra a população negra temos o estado de Minas Gerais. É um estado de concentração da população negra. Penso que se colocarmos a questão dessa forma, nos ligaremos com as massas negras, com as amplas massas dos negros na revolução contra o imperialismo, contra o capitalismo.

Nessa questão existem problemas muito importantes. Os negros no Brasil, sobretudo nos últimos anos, têm organizações políticas. A frente negra em São Paulo agora se encontra em processo de decomposição, mas ainda é muito forte. Temos organizações negras sob diferentes denominações. Temos em São Paulo uma organização de pessoas de cor negra, de negros.

Qual deve ser nossa tática com relação a essas organizações? Nessas organizações existem elementos corruptos, vendidos, elementos do imperialismo que tentam desviar as massas de seu caminho de luta.

Vamos nos relacionar de forma sectária com a frente negra? Somente na luta pelas reivindicações dos índios, por suas reivindicações específicas, poderemos desmascarar os líderes da frente negra. Somente chamando para a frente única, somente tendo formado a frente única com essas organizações saberemos desmascarar seus líderes. Isso tem a ver com todas as organizações negras, subentende-se, considerando todas as condições, particularidades de cada momento dado, de cada localidade etc. Mais adiante devemos ter clareza quanto à necessidade de atrair as amplas massas negras à revolução. Sem isso não poderemos lutar pela revolução.

Algumas palavras sobre o separatismo. É uma questão muito importante para o Brasil. Os camaradas brasileiros pedem que a conferência, no decorrer da discussão, examine essa questão. O Brasil é um país mais ligado ao mundo exterior do que com suas diversas partes, internamente. A ausência de vias de ligação, a exploração econômica que busca construir a monocultura também em outros países que estão absolutamente isolados desse país: esse é o movimento separatista. Aqui os imperialistas empregam a luta de São Paulo em 1932 contra Vargas. O imperialismo inglês emprega-a sob a bandeira da luta pelo separatismo.

Podemos dizer que aqui não há nenhum traço nacional característico? O sentimento de separatismo existe e é empregado em outros lugares. Isso tem distinções. Além das distinções econômicas, lá existem alguns traços nacionais, em particular no Nordeste. Lá existem nacionalidades oprimidas. Lá existe uma tendência mais séria ao separatismo, mas lá a questão se põe de modo totalmente diferente. Deve-se ter absoluta clareza nessa questão, coisa que não temos.

O separatismo não é um fenômeno exclusivamente brasileiro. Pensamos que em outros países da América do Sul e do Caribe existem os mesmos problemas. Eu não estava aqui quando o camarada mexicano discursou. Penso que lá o separatismo tem um fundamento nacional. Lá existem nacionalidades oprimidas, na fronteira entre a Colômbia e a Venezuela existe a província de Zulia, onde se aspira à formação de uma república separada. Isso constitui um fenômeno claramente separatista? Não. Lá existem traços nacionais empregados pelos imperialistas.

Estou colocando essa questão. Tudo leva a crer que em seu discurso de encerramento, Montero tratará disso.


Notas (Clique pra voltar ao texto)

(1) Eudocio Ravines, comunista peruano. Autor de La gran estafa (trad. inglesa The Yenan Way), por muito tempo uma das únicas fontes memorialísticas sobre a 3.ª Conferência. Segundo a historiadora Anita Leocádia Prestes, filha de Luiz Carlos e Olga Benario, o livro é malicioso e está “eivado de mentiras”.

(2) August Guralski, nascido Abram Kheifets (ou Jeifets), de família judaica da Letônia, participou em missões na América do Sul, trabalhou no Secretariado Sul-Americano (Buenos Aires), no Secretariado Latino-Americano da Comintern (Moscou) e, auxiliando em assuntos latino-americanos, no Comitê Executivo da Comintern.

(3) Provavelmente Lauro Reginaldo da Rocha, o “Bangu”, secretário-geral do PCB nos períodos anterior e posterior a “Miranda”.



quarta-feira, 16 de julho de 2025

Do Governo Provisório (3/3/1917)


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Embora meu primeiro serviço de tradução tenha sido publicado em 2017 na coletânea Manifestos vermelhos e outros textos históricos da Revolução Russa, sob a coordenação de Daniel Aarão Reis (a quem sempre vou ser grato por essa oportunidade), esta semana decidi trazer à página alguns dos textos que foram aí publicados, pois certamente sofreram alguma alteração dos editores e algum dia o livro pode se tornar raridade. Em 2022 eu já tinha publicado minhas traduções que não saíram na coletânea, mas agora trago meus outros originais, ainda que sob o risco de estar infringindo algum direito autoral. Infelizmente, nem todos os documentos em russo me foram fornecidos com a indicação da fonte, portanto, ela quase sempre vai estar ausente, mas quando a base mesma da tradução tiver sido conservada, ela vai aparecer após minha tradução ao português, com a ortografia atualizada.

Hoje temos minha tradução da “Declaração do Governo Provisório” (От Временного правительства), que expressa, como o título já diz, os planos do primeiro grupo que substituiu o governo imperial do tsar após sua renúncia, no início de março de 1917. Esse é o principal marco da chamada “Revolução de Fevereiro” (porque ainda era esse mês no antigo calendário), ainda controlada por velhos elementos, como o príncipe Lvov, mas possibilitada pela insurreição popular. Várias formações se sucederiam até o vácuo de poder aproveitado pelos bolcheviques em novembro de 1917. Como não tive tempo de fazer novas revisões, me responsabilizo por eventuais erros ou imprecisões. Qualquer observação é bem-vinda, bastando escolher um dos canais de comunicação que apresento no menu à direita da página.



Cidadãos!

O Comitê Provisório da Duma Estatal, com a ajuda e a aprovação das tropas e habitantes da capital, tem conseguido atualmente, sobre as obscuras forças do antigo regime, um grau de êxito que lhe permite lançar-se à mais sólida organização do Poder Executivo.

Com esse objetivo o Comitê Provisório da Duma Estatal designa como ministros do primeiro gabinete público as seguintes personalidades, cuja atividade social e política anterior lhes assegurou confiança dentro do país:

Príncipe G. Ie. Lvov, Presidente do Conselho de Ministros e Ministro do Interior; P. N. Miliukov, Ministro das Relações Exteriores; A. I. Guchkov, Ministro de Guerra e Mar; N. V. Nekrasov, Ministro das Comunicações; A. I. Konovalov, Ministro da Indústria e Comércio; M. I. Tereschenko, Ministro das Finanças; A. A. Manuilov, Ministro da Educação; V. N. Lvov, Procurador-Geral do Santíssimo Sínodo; A. I. Shingariov, Ministro da Agricultura; A. F. Kerenski, Ministro da Justiça.

Os fundamentos que nortearão a presente atividade do gabinete serão os seguintes:

  1. Anistia plena e imediata de todos os processos políticos e religiosos, incluindo atentados terroristas, insurreições militares, crimes agrários etc.
  2. Liberdade de expressão, imprensa, organização, reunião e greve, com extensão das liberdades políticas aos militares, nos limites admitidos pelas condições técnico-bélicas.
  3. Abolição de todas as restrições relacionadas a classe, culto e nacionalidade.
  4. Preparação imediata para a eleição, nos princípios do voto universal, isonômico, secreto e direto, de uma Assembleia Constituinte que estabelecerá a forma de governo e a Constituição do país.
  5. Substituição da polícia por uma milícia popular com chefes eleitos e submetidos à administração autônoma local.
  6. Eleições para a administração autônoma local com base no voto universal, direto, isonômico e secreto.
  7. Manutenção das armas e posições das unidades militares em Petrogrado que participaram do movimento revolucionário.
  8. Em se mantendo rígida a disciplina nas fileiras militares e se cumprindo a missão de guerra, supressão de todas as limitações para os soldados gozarem dos direitos sociais concedidos a todos os demais cidadãos.

O Governo Provisório considera seu dever acrescentar que em hipótese alguma ele tenciona aproveitar-se das circunstâncias da guerra para protelar a realização de qualquer uma das reformas e medidas supracitadas.

M. Rodzianko, Presidente da Duma Estatal; Príncipe Lvov, Presidente do Conselho de Ministros; Miliukov, Nekrasov, Manuilov, Konovalov, Tereschenko, V. Lvov, Shingariov e Kerenski, ministros.


Граждане!

Временный комитет Государственной думы при содействии и сочувствии столичных войск и населения достиг в настоящее время такой степени успеха над темными силами старого режима, который дозволяет ему приступить к более прочному устройству исполнительной власти.

Для этой цели Временный комитет Государственной думы назначает министрами первого общественного кабинета следующих лиц, доверие к которым страны обеспечено их прошлой общественной и политической деятельностью.

Председатель Совета министров и министр внутренних дел – князь Г.Е. Львов. Министр иностранных дел – П.Н. Милюков. Министр военный и морской – А.И. Гучков. Министр путей сообщения – Н.В. Некрасов. Министр торговли и промышленности – А.И. Коновалов. Министр финансов – М.И. Терещенко. Министр просвещения – А.А. Мануйлов. Обер-прокурор Святейшего Синода – В.Н. Львов. Министр земледелия – А.И. Шингарев. Министр юстиции – А.Ф. Керенский.

В своей настоящей деятельности кабинет будет руководствоваться основаниями:

  1. Полная и немедленная амнистия по всем делам политическим и религиозным, в том числе: террористическим покушениям, военным восстаниям и аграрным преступлениям и т.д.
  2. Свобода слова, печати, союзов, собраний и стачек с распространением политических свобод на военнослужащих в пределах, допускаемых военно-техническими условиями.
  3. Отмена всех сословных, вероисповедных и национальных ограничении.
  4. Немедленная подготовка к созыву на началах всеобщего, равного, тайного и прямого голосования Учредительного собрания, которое установит форму правления и конституцию страны.
  5. Замена полиции народной милицией с выборным начальством, подчиненным органам местного самоуправления.
  6. Выборы в органы местного самоуправления на основе всеобщего, прямого, равного и тайного голосования.
  7. Неразоружение и невывод из Петрограда воинских частей, принимавших участие в революционном движении.
  8. При сохранении строгой военной дисциплины в строю и при несении военной службы – устранение для солдат всех ограничений в пользовании бщественными правами, предоставленными всем остальным гражданам.

Временное правительство считает своим долгом присовокупить, что оно отнюдь не намерено воспользоваться военными обстоятельствами для какого-либо промедления в осуществлении вышеизложенных реформ и мероприятий.

Председатель Государственной думы М.Родзянко. Председатель Совета министров кн. Львов. Министры: Милюков, Некрасов, Мануйлов, Коновалов, Терещенко, В.Львов, Шингарев, Керенский.



segunda-feira, 14 de julho de 2025

Memorando ao tsar (Piotr Durnovó)


Endereço curto: fishuk.cc/memo-durnovo

Embora meu primeiro serviço de tradução tenha sido publicado em 2017 na coletânea Manifestos vermelhos e outros textos históricos da Revolução Russa, sob a coordenação de Daniel Aarão Reis (a quem sempre vou ser grato por essa oportunidade), esta semana decidi trazer à página alguns dos textos que foram aí publicados, pois certamente sofreram alguma alteração dos editores e algum dia o livro pode se tornar raridade. Em 2022 eu já tinha publicado minhas traduções que não saíram na coletânea, mas agora trago meus outros originais, ainda que sob o risco de estar infringindo algum direito autoral. Infelizmente, nem todos os documentos em russo me foram fornecidos com a indicação da fonte, portanto, ela quase sempre vai estar ausente, mas quando a base mesma da tradução tiver sido conservada, ela vai aparecer após minha tradução ao português, com a ortografia atualizada.

Hoje temos o famoso “Memorando Durnovó”, escrito em fevereiro de 1914 pelo político Piotr Nikoláievich Durnovó (1842-1915), de família nobre, ministro do Exterior de outubro de 1905 a abril de 1906 e membro do Conselho de Estado desde esta data até sua morte. O conselho funcionava como instância consultiva superior do tsar até 1906, quando a reforma constitucional o transformou em câmara alta (tipo Senado) do recém-criado parlamento. Escrevendo ao imperador Nicolau 2.º, cuja leitura do documento é incerta, Durnovó o aconselhou a não entrar em choque com a Alemanha, a fim de evitar uma grande guerra cujas consequências sociais negativas poderiam levar à derrubada da monarquia. Dado o que aconteceria nos anos seguintes, sua análise é considerada “profética” por muitos.

Como não tive tempo de fazer novas revisões, me responsabilizo por eventuais erros ou imprecisões. Qualquer observação é bem-vinda, bastando escolher um dos canais de comunicação que apresento no menu à direita da página.


O principal fator do período da história mundial pelo qual estamos passando agora é a rivalidade entre a Inglaterra e a Alemanha. Essa rivalidade deve levar inevitavelmente a uma luta armada entre elas, cujo desfecho se mostrará, com toda a probabilidade, fatal para o lado derrotado. Os interesses dessas duas potências são por demais incompatíveis, e sua existência simultânea como potências mundiais mais cedo ou mais tarde se revelará impossível. De um lado, um Estado insular cuja importância mundial assenta em seu domínio sobre o mar, seu comércio global e suas inúmeras colônias. Do outro, um poderoso império continental cujo limitado território não basta para uma população aumentada. Assim, ele declarou, aberta e francamente, que seu futuro está nos mares. Com magnífica rapidez, ele desenvolveu um enorme comércio mundial, construiu uma formidável marinha para protegê-lo e, com sua famosa marca registrada “Made in Germany”, criou um perigo mortal ao florescimento industrial e econômico de seu rival. Naturalmente a Inglaterra não pode se render sem luta, e entre ela e a Alemanha é inevitável uma luta de vida ou morte.

O iminente conflito armado resultante dessa rivalidade não pode se limitar a um duelo entre Inglaterra e Alemanha sozinhas. Seus recursos são extremamente desiguais e, ao mesmo tempo, elas não são suficientemente vulneráveis uma à outra. A Alemanha poderia provocar rebeliões na Índia, na África do Sul e, sobretudo, uma perigosa revolta na Irlanda, e paralisar o comércio marítimo inglês por meio da pirataria e, talvez, da guerra submarina, criando assim dificuldades para a Grã-Bretanha suprir-se de alimentos; mas, apesar de toda a ousadia dos chefes militares alemães, eles mal se arriscariam a aportar na Inglaterra, ao menos que um acaso feliz os ajudasse a destruir ou razoavelmente enfraquecer a marinha inglesa. Quanto à Inglaterra, ela encontrará a Alemanha totalmente invulnerável. Tudo o que ela pode conseguir é tomar as colônias alemãs, barrar o comércio marítimo alemão e, na melhor das hipóteses, aniquilar a marinha alemã, e nada mais. Isso, porém, não forçaria o inimigo a implorar pela paz. Não há dúvidas, portanto, de que a Inglaterra irá usar o método que mais de uma vez empregou com sucesso, arriscando uma ação armada apenas depois de assegurar que na guerra, a seu próprio lado, participarão as potências mais fortes em sentido estratégico. Mas desde que a Alemanha, de sua própria parte, não se encontrará isolada, a futura guerra anglo-alemã sem dúvida se transformará num conflito armado entre dois grupos de potências, um de orientação alemã e outro de orientação inglesa.

Até a Guerra Russo-Japonesa, a política russa não tinha nenhuma orientação. A partir do reino do imperador Alexandre 3.º, a Rússia teve uma aliança defensiva com a França, firme o bastante para garantir a ação comum de ambas as potências no caso de uma delas ser atacada, mas, ao mesmo tempo, não tão estreita que as obrigasse a apoiar incondicionalmente, pela força das armas, todas as ações e reivindicações políticas do aliado. Ao mesmo tempo, a realeza russa manteve as tradicionais relações amistosas, baseadas nos laços de sangue, com a realeza de Berlim. Exatamente devido a essa conjuntura, a paz entre as grandes potências se manteve intata ao longo de muitíssimos anos, apesar das inúmeras situações potencialmente explosivas na Europa. Estando aliada com a Rússia, a França estava prevenida contra um ataque da Alemanha; esta estava protegida, graças ao provado pacifismo da Rússia, de ambições revanchistas por parte da França; e a Rússia estava blindada, por conta da necessidade da Alemanha manter relações amigáveis com ela, contra as intrigas desmesuradas da Áustria-Hungria na península dos Bálcãs. Por último, a Inglaterra, isolada e contida por sua rivalidade com a Rússia na Pérsia, pelo histórico medo de seus diplomatas de que avancemos sobre a Índia e pelas tensas relações com a França, visíveis em especial durante o conhecido incidente de Fashoda, via com alarme o aumento do poder naval da Alemanha, sem arriscar, porém, nenhum passo decidido.

A Guerra Russo-Japonesa mudou radicalmente as relações entre as grandes potências e retirou a Inglaterra de seu isolamento. Como sabemos, durante toda a Guerra Russo-Japonesa, a Inglaterra e a América guardaram benévola neutralidade ante o Japão, enquanto fruíamos de uma símile neutralidade benévola por parte da França e da Alemanha. Aqui pareceria ter se dado o princípio do arranjo político mais natural para nós. Mas depois da guerra, nossa diplomacia se deparou de repente e entrou em definitivo na rota da aproximação com a Inglaterra. A França foi atraída para a órbita da política britânica; estava formado o grupo de potências da Tríplice Entente, com a Inglaterra exercendo o papel principal; e mais cedo ou mais tarde, um choque com as potências agrupadas em torno da Alemanha se tornou inevitável.

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Agora, que vantagens o abandono de nossa velha política de desconfiança da Inglaterra e a ruptura das relações corteses, senão amigáveis, com a Alemanha nos assegurou na época e agora? Considerando sem nenhum grau de cuidado os eventos que se deram desde o Tratado de Portsmouth, achamos difícil notar quaisquer vantagens práticas que tenhamos obtido em aproximarmo-nos da Inglaterra...

Em suma, o acordo anglo-russo nada nos trouxe com valor prático até agora, enquanto no futuro ele nos ameaça com um inevitável choque armado com a Alemanha.

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Em que condições se dará esse choque e quais poderão ser consequências? Os agrupamentos básicos numa futura guerra são óbvios: Rússia, França e Inglaterra de um lado, Alemanha, Áustria e Turquia do outro. É mais do que provável que outras potências também participem da guerra, dependendo das circunstâncias que possam existir durante sua eclosão. Mas, seja a causa imediata para o conflito fornecida por outro choque de interesses conflitantes nos Bálcãs ou por um incidente colonial, tal como o de Algeciras, o alinhamento essencial permanecerá o mesmo.

Por não ter nenhuma concepção sobre seus reais interesses, a Itália não entrará no campo alemão. Por razões tanto políticas quanto econômicas, ela sem dúvida espera expandir seu atual território. Tal expansão só pode se dar a expensas da Áustria, de um lado, e da Turquia, de outro. Desse modo, é natural que a Itália não se alie à parte que protegeria a integridade territorial dos países a cujas expensas ela espera realizar suas ambições. Além disso, não está fora de cogitação que a Itália se junte à coalizão antialemã, caso a escalada da guerra penda a seu favor, de forma a garantir para si as condições mais favoráveis ao partilhar a subsequente divisão dos espólios...

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O maior ônus da guerra sem dúvida cairá sobre nós, visto que a Inglaterra é muito pouco capaz de tomar parte considerável numa guerra continental, enquanto a França, pobre em poderio humano, provavelmente recorrerá a táticas estritamente defensivas, tendo em conta as enormes perdas que, no atual estado da tecnologia militar, atuar na guerra lhe causará. O ataque com baterias, abrindo uma brecha na muito espessa defesa alemã, caberá a nós, que toparemos com muitos fatores adversos a serem alvo de vasto esforço e atenção.

Descontados esses fatores desfavoráveis, devemos considerar o Extremo Oriente. Tanto os EUA quanto o Japão são hostis à Alemanha, o primeiro de forma enraizada, e o segundo em virtude de sua atual orientação política, e não há razão para esperá-los atuarem no lado alemão. Além disso, a guerra, qualquer que seja seu desfecho, enfraquecerá a Rússia e desviará a atenção para o Ocidente, um fato que obviamente serve aos interesses tanto japoneses quanto americanos. Assim, nossa retaguarda estará bastante segura no Extremo Oriente, e o máximo que pode lá ocorrer será nos solicitarem algumas concessões de natureza econômica em paga à benévola neutralidade. De fato, é possível que os EUA ou o Japão possam entrar no campo antialemão, mas, é claro, como meros usurpadores de uma ou outra das colônias alemãs desprotegidas.

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Estamos preparados para uma guerra tão aferrada quanto sem dúvida vai se tornar o futuro conflito das nações europeias? Devemos responder a essa questão, sem titubear, por uma negativa. Sou a última pessoa a negar o tanto que tem sido feito para nossa defesa desde a guerra japonesa, mas ainda assim é bem insuficiente, considerando a escala inédita em que inevitavelmente se travará uma futura guerra. A falha reside, em considerável medida, em nossas jovens instituições legislativas, que têm mostrado um interesse superficial por nossas defesas, mas ainda estão longe de entender a gravidade da situação política que emerge de uma nova orientação seguida nos últimos anos, com a simpatia do público, por nosso Ministro das Relações Exteriores...

Outro fator desfavorável para nossa defesa é sua vastíssima dependência, falando no geral, da indústria estrangeira, um fato que, em ligação com a acima mencionada interrupção de comunicações mais ou menos cômodas com o estrangeiro, criará uma série de obstáculos de difícil superação. Nossa artilharia pesada, cuja importância foi demonstrada na guerra japonesa, é muito insuficiente em quantidade, e há poucos tanques de guerra. A organização de nossas fortificações defensivas mal foi iniciada, e mesmo a fortaleza de Reval, que deve defender a rota para a capital, ainda não foi concluída.

A rede de ferrovias estratégicas é inadequada. As ferrovias possuem um material rodante que basta, talvez, para um tráfego normal, mas não à altura das colossais demandas que lhe seriam feitas no caso de uma guerra europeia. Por último, não se deve esquecer que a guerra iminente será travada entre as nações mais civilizadas e tecnicamente mais avançadas. Todas as guerras anteriores invariavelmente precederam alguma novidade no domínio da tecnologia militar, mas o atraso técnico de nossas indústrias não cria condições favoráveis para adotarmos essas novas invenções.

Todos esses fatores geraram reflexões muito pouco adequadas em nossos diplomatas, cuja atitude face à Alemanha, em alguns sentidos, é até agressiva e pode acelerar excessivamente o momento do conflito armado, um momento que, obviamente, é mesmo inevitável em vista de nossa orientação pró-britânica.

A questão é se essa orientação é correta e se mesmo um desfecho favorável da guerra nos garantirá vantagens suficientes para nos compensarem todas as privações e sacrifícios que deve provocar uma guerra sem paralelos em sua provável dimensão.

* * *

Os interesses vitais da Rússia e da Alemanha não se contrapõem. Há bases sólidas para uma coexistência pacífica desses dois Estados. O futuro da Alemanha assenta no mar, isto é, um domínio em que a Rússia, essencialmente a mais continental das grandes potências, não tem quaisquer ambições. Não temos colônias ultramarinas e provavelmente nunca teremos, e a ligação entre as muitas partes de nosso império é mais fácil por terra do que por água. Não há às vistas população excedente exigindo expansão territorial, mas, mesmo do ponto de vista de novas conquistas, o que podemos obter se vencermos a Alemanha: Posen, ou a Prússia Oriental? Mas por que precisamos dessas regiões, tão densamente povoadas por poloneses, se achamos bastante difícil dirigir até mesmo nossos próprios poloneses russos? Por que fomentar tendências centrípetas, que não cessaram mesmo hoje no território do Vístula, ao se incorporarem ao Estado Russo os inquietos poloneses de Poznań e da Prússia Oriental, cujas demandas nacionais nem mesmo o governo alemão, que é mais firme do que o russo, consegue reprimir?...

* * *

Em todo caso, mesmo se devêssemos reconhecer a necessidade de erradicar o domínio alemão no campo de nossa vida econômica, mesmo ao custo de banir totalmente o capital alemão da indústria russa, poderiam ser tomadas medidas apropriadas, ao que parece, sem guerrear contra a Alemanha. Uma tal guerra exigirá gastos tão enormes que eles excederão em muitas vezes nossas vantagens mais do que duvidosas em abolir o domínio [econômico] alemão. Mais do que isso, o resultado dessa guerra será uma situação econômica que, comparada ao jugo do capital alemão, será muito mais penosa.

Porquanto não se pode duvidar de que a guerra exigirá gastos situados além dos limitados recursos financeiros da Rússia, teremos de conseguir créditos dos países aliados e neutros, mas isso não será cedido de graça. Quanto ao que acontecerá se a guerra terminar em desastre para nós, não desejo discutir agora. As consequências financeiras e econômicas da derrota não podem ser calculadas nem previstas, e certamente resultarão na ruína completa de toda nossa economia nacional.

Mas mesmo vencendo encararíamos um panorama financeiro extremamente desfavorável; uma Alemanha toda arruinada não teria condições de nos ressarcir os custos despendidos. Ditada no interesse da Inglaterra, o tratado de paz não facilitará à Alemanha uma recuperação econômica suficiente para cobrir todos os gastos bélicos, mesmo num longo prazo. O pouco que talvez possamos conseguir lhe arrancar terá de ser dividido com nossos aliados, e em nosso butim não cairão mais do que migalhas insignificantes, comparadas com o custo bélico. Enquanto isso, teremos de pagar nossos empréstimos de guerra, não sem pressão por parte dos aliados, pois, após ter sido destruída a potência alemã, eles não precisarão mais de nós. Ou pior, nossa força política, melhorada com nossa vitória, induzi-los-á a enfraquecer-nos, ao menos economicamente. Portanto, é inevitável que, embora terminemos ganhando a guerra, cairemos no mesmo tipo de dependência financeira e econômica ante nossos credores, que fará nossa atual dependência ante o capital alemão parecer um sonho.

Contudo, por mais nocivas que possam ser as perspectivas econômicas que nos esperam como resultado da união com a Inglaterra e, nessa trilha, da guerra com a Alemanha, elas têm ainda importância secundária quando pensamos nas decorrências política dessa aliança essencialmente anormal.

* * *

Não devemos esquecer que a Rússia e a Alemanha são os representantes do princípio conservador no mundo civilizado, em oposição ao princípio democrático encarnado pela Inglaterra e, num grau infinitamente menor, pela França. Por estranho que possa parecer, a Inglaterra, internamente monarquista e conservadora até a medula, sempre atuou em suas relações exteriores como protetora das tendências mais demagógicas, fomentando de forma variada todos os movimentos populares que visam enfraquecer o princípio monárquico.

Desse ponto de vista, um combate entre a Alemanha e a Rússia, qualquer que seja seu desfecho, é extremamente indesejável por ambos os lados, por acarretar inevitavelmente a debilitação do princípio conservador, em cujo universo as duas grandes potências mencionadas acima são os únicos baluartes seguros. Mais do que isso, pode-se supor que nas excepcionais condições existentes, uma guerra geral europeia é mortalmente perigosa tanto para a Rússia quanto para a Alemanha, não importa quem ganhe. É nossa firme convicção, baseada em demorado e cuidadoso estudo de todas as tendências subversivas contemporâneas, que inevitavelmente deverá irromper no país derrotado uma revolução social que, tal como as coisas são naturalmente, espraiar-se-á para o país vencedor.

Durante os longos anos de pacífica coexistência cordial, os dois países se tornaram atados por muitos laços, e uma agitação social em um certamente afetará o outro. Não há dúvidas de que esses distúrbios serão de natureza social, e não política, o que se mostrará válido não apenas para a Rússia, mas também para a Alemanha. Um terreno particularmente fértil para levantes sociais existe na Rússia, onde sem dúvida as massas professam, inconscientemente, os princípios do socialismo. Apesar do clima de oposição ao governo na sociedade russa, tão inconsciente quanto o socialismo das vastas massas populares, uma revolução política é impossível na Rússia, e todo movimento revolucionário deve degenerar invariavelmente num movimento socialista. Os opositores do governo não têm apoio popular. O povo não vê qualquer diferença entre um funcionário do governo e um intelectual. As massas da Rússia, sejam operárias ou camponesas, não buscam direitos políticos que elas não querem nem entendem.

O camponês sonha em obter de graça um pedaço da terra de qualquer um; o operário, em se apossar de todo o capital e lucros do industrial. Essas são suas únicas aspirações. Se esses motes se propagarem por todo lado entre o populacho, e se o governo permitir agitações seguindo essas linhas, a Rússia se afundará na anarquia, do mesmo modo que sofreu o inesquecível período de revoltas em 1905-1906. Uma guerra com a Alemanha criaria condições extremamente favoráveis para uma agitação assim. Como já mencionado, essa guerra engendra enormes dificuldades para nós e não tem como desembocar numa simples marcha triunfal sobre Berlim. Tanto as catástrofes militares – que esperamos serem parciais – quanto todo tipo de problemas com nossas provisões são inevitáveis. Ante os excessivos nervosismo e espírito de oposição de nossa sociedade, esses eventos receberão uma importância exagerada, e toda a culpa será jogada sobre o governo.

Será bom se o governo não ceder, mas declarar prontamente que em tempo de guerra não deve ser tolerada nenhuma crítica à autoridade governamental e reprimir toda oposição. Em não havendo qualquer sólida influência da oposição sobre o povo, isso resolveria a questão. O povo não prestou atenção aos redatores do Manifesto de Wiborg na época, e não os seguirá agora.

Mas algo pior pode acontecer: a autoridade governamental pode fazer concessões, tentar chegar a um acordo com a oposição e dessa forma enfraquecer a si mesmo, bem quando os elementos socialistas estiverem prontos para agir. Mesmo podendo parecer um paradoxo, ocorre que esse acordo com a oposição na Rússia enfraquece positivamente o governo. O problema é que nossa oposição se recusa a levar em conta o fato de que ela não representa nenhuma força real. Por toda parte a oposição russa é intelectual, o que constitui sua fraqueza, pois entre a intelligentsia e o povo há um profundo abismo de desconfiança e divergência mútuas. Precisamos de uma lei eleitoral fictícia, de fato, necessitamos da influência direta da autoridade governamental, para blindar a eleição para a Duma Estatal dos ainda mais zelosos campeões dos direitos populares. Se o governo se recusar a apoiar as eleições, deixando-as correr naturalmente, as instituições legislativas não veriam entre suas paredes um só intelectual, exceto uns poucos demagogos agitadores. Por mais que os membros de nossas instituições legislativas possam insistir em que o povo confia neles, o camponês preferiria na Duma antes o funcionário estatal sem terra do que o senhor outubrista de terras, enquanto o operário trata o inspetor de fábrica assalariado com mais confiança do que o industrial legislador, mesmo se este professa cada princípio do Partido Cadete.

Nessas circunstâncias, é mais do que estranho que a autoridade governamental seja solicitada a levar seriamente em conta a oposição, renuncie, com esse fim, ao papel de regulador imparcial das relações sociais e apresente-se diante das vastas massas populares como o órgão submisso às aspirações classistas da minoria possuidora e intelectual da população. A oposição exige que o governo responda perante ela, que represente uma classe e obedeça ao parlamento que ele criou artificialmente. (Lembremos a famosa expressão de V. Nabokov: “Que o Poder Executivo se submeta ao Poder Legislativo!”) Em outras palavras, a oposição exige que o governo adote a psicologia do selvagem e venere o ídolo que ele mesmo criou.

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Se sairmos vencedores da guerra, a repressão ao movimento socialista não oferecerá nenhum obstáculo insuperável. Haverá distúrbios agrários, resultantes da agitação para que os soldados sejam compensados com lotes adicionais de terra; haverá distúrbios operários ao se transitar dos salários provavelmente aumentados durante a guerra para as tabelas regulares; e esperamos que isso seja tudo, enquanto a vaga da revolução social alemã não nos atingir. Mas em caso de derrota, cuja possibilidade não se deve negligenciar numa luta contra um inimigo como a Alemanha, será inevitável a revolução social em seu modelo mais extremado.

Como já foi dito, o problema começará quando culparem o governo por todos os desastres. Nas instituições legislativas começará uma amarga campanha contra o governo, seguida de agitações revolucionárias por todo o país, com palavras de ordem socialistas capazes de incitar e congregar as massas, partindo da divisão das terras e passando pela divisão de todas as propriedades e objetos de valor. O exército derrotado, tendo perdido seus homens mais confiáveis e impressionado pela maré da secular sede camponesa pela terra, sentir-se-á desmoralizado demais para servir de bastião da lei e da ordem. Carentes de autoridade efetiva aos olhos do povo, as instituições legislativas e os partidos da oposição intelectual ficarão impotentes para estancar a onda popular que eles mesmos atiçaram e a Rússia cairá numa irremediável anarquia, cuja solução não pode ser prevista.

* * *

Por mais estranho que isso possa parecer à primeira vista, diante da surpreendente frieza do caráter alemão, igualmente a Alemanha está destinada, caso vencida, a sofrer não menos insurreições sociais. O efeito de uma guerra desastrosa sobre a população será severo demais para não trazer à tona tendências destrutivas, hoje profundamente ocultas. A peculiar ordem social da Alemanha moderna assenta na influência realmente dominante dos agrários, os Junkers prussianos e os camponeses proprietários.

Esses elementos são o esteio do regime alemão profundamente conservador, liderado pela Prússia. Os interesses vitais dessas classes exigem uma política econômica que favoreça a agricultura, os impostos sobre a importação de grãos e, em decorrência, preços altos para todos os produtos agrícolas. Mas a Alemanha, com seu território limitado e sua população crescente, há muito tempo está se convertendo de um Estado agrícola a um industrial, de forma que a proteção à agricultura, de fato, traduz-se em taxar a maior parte da população em benefício de poucos. Essa maioria é compensada com o extenso desenvolvimento da exportação de produtos industriais alemães para os mercados mais distantes, de forma que as decorrentes vantagens permitem, assim, que patrões e trabalhadores paguem os caros preços dos produtos agrícolas consumidos no país.

Derrotada, a Alemanha perderá seus mercados mundiais e seu comércio marítimo, pois o objetivo da guerra – da parte de seu real instigador, a Inglaterra – será a destruição da competição alemã. Depois que isso acontecer, as massas trabalhadoras, privadas não somente dos salários mais altos, mas de todo e qualquer salário, tendo sofrido enormemente durante a guerra e naturalmente se ressentindo, oferecerá um solo fértil para a propaganda antiagrária e, a seguir, antissocial dos partidos socialistas.

Esses partidos, por sua vez, manuseando a revolta patriótica sentida pelo povo devido à derrota na guerra e a exasperação dele contra os militaristas e o regime feudal-burguês que o traíram, abandonarão a rota da evolução pacífica que há muito estavam tão firmemente seguindo e tomarão um rumo puramente revolucionário. Principalmente caso haja distúrbios agrários na Rússia vizinha, haverá também alguma participação da classe de agricultores sem terra, que é bem numerosa na Alemanha. Fora isso, haverá um renascimento de tendências separatistas até agora dissimuladas no sul da Alemanha, e o antagonismo oculto da Bavária contra a dominação da Prússia emergirá com toda força. Resumindo, criar-se-á uma situação que (em gravidade) será pouco melhor do que a da Rússia.

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Um apanhado de tudo o que foi afirmado acima deve levar a concluir que uma aproximação com a Inglaterra não nos garante quaisquer vantagens e que a orientação pró-inglesa de nossa diplomacia é essencialmente errônea.

Não andamos na mesma trilha que a Inglaterra: deixemo-la seguir seu próprio rumo, e assim não brigaremos com a Alemanha por causa dela. A Tríplice Entente é um arranjo artificial, baseada em nenhum interesse efetivo, e nada tem a esperar. O futuro reside numa aproximação estreita e muitas vezes mais vital entre a Rússia, a Alemanha, a França (pacificada com a Alemanha) e o Japão (aliada à Rússia por uma união estritamente defensiva). Uma tal combinação política, imune a qualquer agressividade ante outros Estados, conservaria por muitos anos a paz entre as nações civilizadas, ameaçada não pelas ambições combativas da Alemanha, como a diplomacia inglesa está tentando mostrar, mas unicamente pelo esforço perfeitamente natural da Inglaterra em manter a qualquer preço seu decadente domínio sobre os mares. É nesse caminho, e não na infrutífera busca em sustentar um acordo com a Inglaterra, tão contrário à natureza de nossos planos e metas nacionais, que devem se centrar todos os esforços de nossa diplomacia. É evidente por si que a Alemanha, de sua parte, irá ao encontro de nosso desejo de restaurar nossas provadas relações e a aliança amistosa com ela e de elaborar, em perfeito acordo conosco, os termos dessa nossa coexistência cordial de forma a não dar ensejo à agitação antialemã por parte de nossos partidos constitucional-liberais, os quais são impelidos, por sua própria natureza, a aderir não à orientação alemã conservadora, mas à liberal inglesa.


Fevereiro de 1914
P. N. Durnovo



sábado, 12 de julho de 2025

Atuação de Iuli Martov (1917-18)


Endereço curto: fishuk.cc/martov

Embora meu primeiro serviço de tradução tenha sido publicado em 2017 na coletânea Manifestos vermelhos e outros textos históricos da Revolução Russa, sob a coordenação de Daniel Aarão Reis (a quem sempre vou ser grato por essa oportunidade), esta semana decidi trazer à página alguns dos textos que foram aí publicados, pois certamente sofreram alguma alteração dos editores e algum dia o livro pode se tornar raridade. Em 2022 eu já tinha publicado minhas traduções que não saíram na coletânea, mas agora trago meus outros originais, ainda que sob o risco de estar infringindo algum direito autoral. Infelizmente, nem todos os documentos em russo me foram fornecidos com a indicação da fonte, portanto, ela quase sempre vai estar ausente, mas quando a base mesma da tradução tiver sido conservada, ela vai aparecer após minha tradução ao português, com a ortografia atualizada.

Hoje temos uma seleção dos principais discursos, entrevistas e atividades do chefe menchevique Iúli Mártov (1873-1923), nascido Iúli Tsederbáum, também conhecido como “L. Martov” (como o fundador da URSS, na clandestinidade, que assinava “N. Lenin”, e não “V. Lenin”) e que ficou à esquerda de seu partido durante a 1.ª Guerra Mundial, contra o combate ao lado dos aliados. Lembremos que a social-democracia (marxistas) russa se dividiu entre bolcheviques (programa máximo) e mencheviques (programa mínimo) em 1905 e daria origem a dois partidos diferentes em 1912. Os bolcheviques, que se renomearam “comunistas”, tomaram o poder em 1917, mais tarde jogando na ilegalidade os mencheviques, partes dos quais, porém, passou a apoiar o Poder Soviético em seus inícios. Um deles foi Martov, que só se exilou na Alemanha em 1920 devido a uma forte tuberculose, que finalmente o matou em 1923.

Mantive a formatação do arquivo original, tanto os negritos quanto a divisão dos parágrafos, o que levou alguns a ficarem longuíssimos. Como não tive tempo de fazer novas revisões, me responsabilizo por eventuais erros ou imprecisões. Qualquer observação é bem-vinda, bastando escolher um dos canais de comunicação que apresento no menu à direita da página.


SESSÃO NOTURNA EXTRAORDINÁRIA DO COMITÊ EXECUTIVO CENTRAL DOS SOVIETES DE DEPUTADOS OPERÁRIOS, SOLDADOS E CAMPONESES

A sessão é aberta às 12 horas e 25 minutos da madrugada sob a presidência do cam. Gots. O presidente comunica à assembleia que na ordem do dia consta a questão sobre a avaliação do momento presente.

Discurso de Martov – Sobre a questão dos acontecimentos em curso, o cam. Martov assinala que sem dúvidas, entre os membros do Comitê Executivo Central (CEC), não há quem negue o direito do proletariado à insurreição. Mas no atual momento as condições para tanto não são favoráveis. E embora os mencheviques internacionalistas não se oponham à passagem do poder para as mãos da democracia, eles se manifestam decididamente contra os métodos pelos quais os bolcheviques lutam por esse poder. O cam. Martov encerra com a indicação de que o CEC fez bem, que colocou na ordem do dia da sessão a questão sobre o momento presente, pois ele não cumpriria seu dever revolucionário se não realizasse um balanço das forças. Martov conclama a assembleia a aderir à resolução adotada pelo Conselho da República.

“Rabochaia gazeta”, 26 de outubro de 1917, n. 196.


O CONGRESSO DOS SOVIETES

Antes da abertura – Ao abrir-se o Segundo Congresso Pan-Russo dos Sovietes estavam presentes 562 delegados, dos quais 532 indicaram ser de um partido. Os delegados partidários se repartem da seguinte forma: 252 bolcheviques, 15 internacionalistas unificados, 65 mencheviques (dos quais 30 internacionalistas e 21 defensistas [oborontsy]), 7 sociais-democratas nacionais, 155 socialistas revolucionários (SR, dos quais 16 de direita). [...] Ocorrem o tempo todo reuniões das frações do congresso, principalmente dos mencheviques e SR. Às 9 horas da noite verificou-se que os mencheviques, também incluídos aí os internacionalistas, não julgam possível apoiar nem mesmo indiretamente a aventura bolchevique nem entrar em qualquer combinação que seja, com relação à composição dos órgãos de poder. Por isso os mencheviques decidiram renunciar à participação no congresso e, tendo manifestado sua declaração, abandoná-lo.


Abertura do congresso

PROPOSTA DE MARTOV – Em nome da fração menchevique internacionalista e do Partido Operário Social-Democrata Judeu, Martov apresenta a proposta, em primeiro lugar, de colocar na ordem do dia a questão da resolução pacífica da crise estabelecida. Martov declara que a fração menchevique internacionalista não julga possível assumir a responsabilidade política pela aventura empreendida pelos bolcheviques. Cumpre tomar medidas, diz o orador, para suspender as operações militares de ambos os lados. Martov insiste em que a questão da resolução pacífica dos conflitos seja colocada em primeiro lugar para ser decidida pelo congresso, pois ela é extremamente séria e a guerra civil já começou. Todas as frações aderem à proposta de Martov.


RESOLUÇÕES DOS MENCHEVIQUES

Considerando: 1) que uma conspiração armada foi organizada e realizada pelo partido bolchevique em nome dos Sovietes pelas costas de todos os outros partidos e frações neles representados; 2) que a tomada do poder pelo Soviete de Petrogrado na véspera do Congresso dos Sovietes constitui uma perturbação e uma sabotagem de toda a organização soviética e solapou o significado do congresso como representante plenipotenciário da democracia revolucionária; 3) que essa conspiração está arrastando o país a uma guerra intestina, frustrando a Assembleia Constituinte, concorrendo para a catástrofe militar e levando ao triunfo da contrarrevolução; 4) que a única saída pacífica possível dessa situação continuam sendo as negociações com o Governo Provisório sobre a formação de um poder baseado em todos os estratos da democracia; 5) que o POSDR (unificado) considera sua obrigação diante da classe operária não apenas afastar de si toda responsabilidade pelas ações bolcheviques encobertas pela bandeira dos sovietes, mas também advertir os operários e soldados contra uma política aventureira e nociva para o país e a revolução; a fração do POSDR (unificado) está deixando o presente congresso, convidando todas as outras frações que, assim como ela, recusam-se a levar a responsabilidade pelas ações dos bolcheviques, a reunirem-se imediatamente para debater a situação.

“Rabochaia gazeta”, 26 de outubro de 1917, n.º 196


O CONGRESSO DOS SOVIETES

Na sessão noturna de 25 de outubro, após as declarações dos S[ocialistas] R[evolucionários] e dos mencheviques, o cam. Erlikh toma a palavra para uma declaração não inscrita na ordem do dia.

Segunda declaração do cam. Martov – As notícias que se apresentam aqui exigem de nós, com ainda mais insistência, passos resolutos. (Aparte: “Que notícias? São apenas boatos”.) Aqui se relatam não apenas boatos, mas se vocês chegarem mais perto das janelas, também ouvirão os disparos de canhões. Se vocês querem que seu congresso seja idôneo não apenas porque ele está constituído conforme quaisquer estatutos, mas porque ele replica aos terríveis fatos do dia, vocês devem imediatamente adotar uma resolução afirmando que o congresso considera indispensável a resolução pacífica do conflito. É preciso formar imediatamente um governo democrático inclusivo, o qual a democracia toda reconhecesse. O congresso precisa dizer se deseja cessar o banho de sangue. Para encerrar, o cam. Martov pronuncia a declaração dos mencheviques internacionalistas e do partido operário socialista judeu “Poalei Tsion”.

A saída dos internacionalistas – O cam. Kapelinski apresenta a declaração não inscrita na ordem do dia, em nome dos mencheviques internacionalistas e o partido operário social-democrata judeu “Poalei Tsion”. Acreditamos que no presente momento a situação é terrível, e cumpre tomar medidas urgentes para evitar uma guerra civil que arruinará a revolução. É necessário encontrar um caminho pacífico para solucionar a crise, e quanto a isso nada há a discutir. De nossa parte foi feita a proposta de enviar uma delegação a todas as organizações democráticas para formar um poder democrático. Nossa proposta não apenas não encontrou simpatia, mas também recebeu desaprovação. Tudo isso nos obrigou a abandonar a sessão do congresso. Mas cada momento é precioso, e visto que, apesar de tudo, a atitude negativa para com nossa proposta não teve aqui manifestação incisiva, então voltamos para colocar a questão de uma discussão imediata. Pois bem, nós propomos novamente escolher uma delegação que vá a cada organização democrática. Podemos e devemos todos convergir quanto a isso se queremos realmente formar uma frente revolucionária unida. Lembrem-se de que tropas estão se aproximando de Petrogrado! A catástrofe nos ameaça! Se uma delegação não for imediatamente escolhida, nós sairemos do congresso.


CONGRESSO NACIONAL EXTRAORDINÁRIO DO POSDR (unificado)

O congresso é aberto em 30 de novembro, ao meio-dia.

O atual momento – Esgotadas as declarações não inscritas na ordem do dia, o congresso passa a discutir o primeiro ponto da ordem do dia: a questão do atual momento e das tarefas do partido na Assembleia Constituinte. Informantes: Liber, Martov e Potresov.

Discurso de Martov – O próximo a discursar é o cam. Martov. O golpe de 25 de outubro não foi casual, mas predeterminado pelo curso inteiro da revolução russa. O encerramento da guerra, a criação de condições para o desenvolvimento normal da vida econômica e a solução radical da questão agrária são os três problemas fundamentais de nossa revolução. Elas foram rapidamente assimiladas pelas massas, e o curso ulterior da revolução dependia de quais forças sociais podiam se candidatar para realizar essas tarefas. Objetando ao cam. Liber, o cam. Martov afirma que no curso da revolução, os burgueses podem implantar as fundações da nova ordem, mas a própria revolução pode ultrapassar as forças criadoras deles e, como se deu com as revoluções no Ocidente, pode chegar uma hora em que a revolução burguesa vai se desenrolar contra a burguesia. Isso também ocorreu conosco. Em seguida o cam. Martov demonstra que a democracia pequeno-burguesa e rural não tinha forças para realizar as tarefas da revolução, por não ver em si a vontade de livrar-se da atração pelas classes possuidoras, de atuar sem elas e contra elas. A coalizão com a burguesia e o esforço em fazer a todo o custo o poder de Estado na revolução representar toda a nação tornaram a pequena burguesia imprestável para o papel de líder nacional da revolução, apesar de toda a possibilidade de receber o apoio do proletariado. E aqui uma notável parte da responsabilidade recai sobre nosso partido, que graças às particularidades da evolução da revolução russa exerceu tão forte influência sobre a democracia pequeno-burguesa. Com nossa atitude para com a ideia de coalizão tão longamente predominante no partido, nós refreamos a autodeterminação da democracia burguesa. Há muito a coalizão já estava superada, e apenas a ação bolchevique de 3-5 de julho prolongou seus dias. A rebelião de Kornilov, tendo despertado uma enorme elevação de energia nas massas da democracia, criou um fato novo: em quase toda a parte os poderes locais passaram para as mãos dos órgãos revolucionários. Isso criou um ensejo para uma difusão extraordinariamente ampla da ideia de um governo revolucionário homogêneo. Mas a deliberação democrática não seguiu por esse caminho, e resultou que a aguda contradição entre o humor das massas e a organização do poder central ficou visível a todos; e a única pergunta era se ocorreria um estouro antes da Assembleia Constituinte ou se esta o debelaria. Tanto à esquerda quanto à direita havia grupos interessados em que a questão fosse resolvida por meio de uma explosão espontânea. A coalizão com os burgueses, pela incapacidade deles de cumprir as tarefas da revolução, impeliu o proletariado à ideia de que a solução delas era viável com suas próprias forças. Isso isolou os proletários, tanto mais que a mobilização de 10 milhões de camponeses fez da massa de soldados provisoriamente marginalizados um aliado do proletariado. Deu-se então que o caminho espontâneo já é uma realidade. Antes de tudo devemos constatar que o golpe de outubro, apesar de contrariarmos seu formato, impôs-se tarefas objetivamente progressistas. É indiscutível que o golpe, como toda tentativa de colocar tarefas objetivamente irrealizáveis, pode ser o prólogo da contrarrevolução, pois do contrário ele não pode terminar em fracasso. A única questão é sobre de que forma será efetuada a liquidação desse golpe: se na forma da derrocada da revolução russa ou por meio da restauração da unidade do movimento proletário e da coordenação das forças do proletariado e da democracia pequeno-burguesa. O fato de não estarem cumpridas as tarefas básicas da revolução e de serem impróprios os meios adotados pelos bolcheviques para resolvê-las vai criar a possibilidade de seguir uma segunda via. Isso explica a popularidade do lema do poder revolucionário unido, dos s[ocialistas] p[opulares] aos bolcheviques. Essa é a única chance de salvar a revolução. Pode ser que quando os bolcheviques concordarem com ela, já será tarde; mas nossa tarefa é tomar uma posição que evite à responsabilidade por esse fracasso recair sobre o partido da classe operária. Toda nossa tática na Assembleia Constituinte deve ser construída de forma que esse princípio básico oriente cada [membro] individual de nosso partido. Alguns nutrem a ilusão de que na Assembleia Constituinte, graças à vitória dos s[ocialistas] r[evolucionários], será possível um governo homogêneo sem os bolcheviques e sem elementos censitários. É um engano. Tal poder precisaria se esquivar da pressão das massas proletárias, ainda majoritariamente atraídas pelos bolcheviques, e ele seria, além disso, obrigado a apoiar-se na fração direita da Assembleia Constituinte, o que significaria uma restauração dissimulada da coalizão. Mas agora, depois do que aconteceu, tal coalizão só é possível passando por cima dos cadáveres do movimento proletário. Mesmo que apenas parte da burguesia se aloje no poder, resta-lhe apenas atuar como uma ditadura contrarrevolucionária. O proletariado deve recusar os métodos anárquicos da ditadura contra a democracia; mas a democracia também deve renunciar à ideia de formar um poder sem os proletários. O orador antevê que o desenrolar da luta pelo poder na Assembleia Constituinte será inevitável, e que os atuais detentores do mando não vão largá-lo sem luta. Mas a luta do partido do proletariado deve ser entendida como uma luta por uma reeducação, ou melhor, por uma primeira educação política. À medida que forem crescendo os inevitáveis conflitos internos dos bolcheviques, devemos aparecer na qualidade de uma força que coligue o proletariado em torno da ideia da Assembleia Constituinte. Não temos interesse em acelerar a crise, objetivo que, conforme vemos, é o dos bolcheviques. Para nossos fins, pelo contrário, é proveitosa uma solução gradual da crise. Devemos admitir, além disso, que não temos influência sobre as amplas massas, e nossa tarefa é congregá-las. Para isso, devemos conservar a plena independência de classe. Claro que isso não exclui acordos, mas exclui a dissolução. Precisamos de uma política tal que não nos acomode a incluir todas as forças num só organismo, pois o resultado comum deve resultar da luta dessas forças.

Sessão matinal de 1.º de dezembro – A sessão é aberta ao meio-dia, sob a presidência do cam. Krokhmal. Na ordem do dia está a discussão dos informes sobre a questão do atual momento e das tarefas do partido na Assembleia Constituinte.

Discurso de Martov – Martov começa objetando aos oradores precedentes. Potresov havia proposto combater o bolchevismo tal como os socialistas da Europa Ocidental combatem o antissemitismo. Mas agora a única questão é se eles vão se aliar à burguesia para reprimir os bolcheviques ou lutar apenas por meio da crítica. Os socialistas europeus lutaram contra um socialismo que estava levando os operários a morrer na guerra. Zhores havia até mesmo proposto um acordo e foi nisso apoiado por Kautsky. Levitski diz que eles não podiam “acomodar-se”. Não, em ampla medida era preciso: devia-se atuar de acordo com as circunstâncias. A base do movimento bolchevique repousa na incapacidade de uma coalizão realizar as tarefas da revolução. A realidade mostra que muito podia ter sido feito, mas não o foi a fim de se conservar a coalizão. Trotsky, por exemplo, conseguiu agora a libertação de Chicherin. E o que foi feito quanto a regularizar a indústria e out[ras] questões? Reduzir o bolchevismo às suas aventuras significa fechar os olhos à realidade. Dizem que um acordo com os bolcheviques é inadmissível. Mas no caso contrário é de fato inevitável uma coalizão com uma burguesia dirigida para promover a contrarrevolução aberta por longos anos. Se a burguesia tomar a mão de vocês, será apenas para esmagá-la com a dela mesma. Potresov acerta ao dizer que o regime bolchevique atrai os aventureiros, só que eles também não eram poucos em torno de Kerenski. Era um despotismo, embora muitíssimo esclarecido, mas ele habituava as massas ao arbítrio e com isso deu espaço à insurreição. Potresov censura que em nossos construtos concedemos pouco espaço à Assembleia Constituinte, o que é falso. As teses de meu informe desmentem isso. Pensamos que apenas fortalecendo as instituições democráticas o proletariado pode vencer. Um acordo com os bolcheviques, claro, é um compromisso. Mas é óbvio que com a questão do caráter burguês da revolução não se deve transigir. Um terreno para o acordo só pode se formar no curso dos acontecimentos, da desilusão das massas com o bolchevismo e da separação delas de seus chefes. Por enquanto esse terreno não existe, e talvez ele nem vá existir. Mas nossa consciência estará limpa. Potresov pensa que, isolando-nos do menchevismo e isolando o proletariado, conseguiremos que as massas, tendo se desiludido com o bolchevismo, virão até nós. Não, elas continuarão rodando e varrerão também a nós. Talvez seja isso que acontecerá. Mas é possível que a salvação esteja apenas em manter o movimento ofensivo da revolução, em cumprir as tarefas dela.


Seção noturna de 2 de dezembro

Discurso de Martov – Parte do congresso transformou os debates sobre a questão da guerra e do armistício num tribunal contra os internacionalistas. Isso se faz com vistas a utilizar a ruína do bolchevismo para desacreditar o internacionalismo e renovar a ideia nacional. Ontem nos gritavam: “O que vocês fizeram!”. Só que não fizemos uma política independente diferente da nossa. Seguindo nossa política, em 3-5 de julho, quando os bolcheviques chamaram à rua, nós não os acompanhamos. Também não os acompanhamos quando eles traduziram no front nossas ideias para a língua deles. Não fizemos isso porque não acreditávamos no internacionalismo e no socialismo das massas. Não acreditávamos na paz, à revelia e contra a maioria da democracia. Por isso nossa luta foi orientada para a conquista dessa democracia, ao esclarecimento classista das massas que nos seguiam. E visto que a política de vocês afastava da social-democracia as massas, nós a mantivemos, mesmo que num grau mínimo. Nossos êxitos não são grandes: as eleições mostraram isso. Mas há alguns: de congresso em congresso aumentam nossas forças dentro do partido. Não temos responsabilidade direta pelo que foi feito para alcançar a paz. Mas também não podemos ser acusados daquilo que é culpa dos bolcheviques, pois sempre lutamos contra a interpretação bolchevista das ideias internacionalistas. Estão nos acusando de intervenções contra o “Empréstimo da Liberdade”. Nós discursamos contra ele não porque esse dinheiro deveria ter sido gasto em canhões e espingardas, mas porque ele se destinava a canhões e espingardas inúteis. Para nós já em junho estava claro que era impossível reduzir o exército. Entretanto, apenas em setembro Verkhovski apresentou um projeto de tal redução, e exatamente graças a isso ele teve de ser retirado. Uma redução das forças armadas agiria em proveito da Aliança imperialista e nos interesses de nossos industriais. A questão sobre a existência futura da Rússia não se decide nem com um armistício, nem com uma paz assinada antes da Assembleia Constituinte, nem com uma paz que a assembleia será forçada a reconhecer. A questão sobre o futuro da Rússia pode ser reconsiderada. É indispensável renunciar à política da coalizão, cuja ruína foi mostrada quando não se realizou nem a Conferência de Estocolmo, nem a de Praga. Devemos colocar o partido nos trilhos da luta de classes e lembrar que nossas esperanças devem estar fundadas não na possibilidade de desforra, mas na avaliação do movimento democrático no Ocidente. Dessa forma pode-se conseguir que a insurreição bolchevique também se mostre um passo adiante no curso da revolução.


Sessão de 4 de dezembro – A sessão é aberta ao meio-dia. A palavra sobre a questão da unidade do partido é concedida a Iezhov.

Discurso de Martov – Passa-se a palavra final para o cam. Martov. Martov declara que os internacionalistas nunca ameaçaram sair do partido, como disse Dan. Eles não saíram sequer do Comitê Central (CC). Foi um mal-entendido, imediatamente elucidado, quando os internacionalistas decidiram retirar seus representantes da composição representativa do CC no Comitê de Salvação, mas Abramovich comunicou por engano que haviam sido retirados seus representantes do CC. Já os defensistas, 11 pessoas, realmente haviam saído. Somos acusados, por um lado, de termos reprimido com nossos votos opiniões contrárias às nossas no CC, formando uma maioria artificial, e, por outro lado, com uma organização própria, de termos combatido esse mesmo CC. Enquanto a possibilidade de termos maioria no CC era apenas eventual, é verdade que nos recusamos a fruir essa eventualidade. Mas o compromisso de não fruirmos nossos votos nós não demos. E quando, depois de 25 de outubro, o centro e nós formamos uma maioria bastante regular, estaríamos falseando a vontade do partido se, renunciando ao voto, tivéssemos formado uma maioria artificial na ala direita. Entenderam meu informe como um fundamento de divisão. Foi um erro. Penso que no partido deve haver disciplina, mas em condições de unidade orgânica das diversas tendências quanto ao essencial, e não o domínio de uma fração sobre a outra. Cumpre reconhecer apenas o princípio organizativo geral, deixando que o tato dos centros e frações o ponha em prática, que a consciência de cada fração decida se pode ou não permanecer nas fileiras do partido, tendo aceitado esse princípio. O princípio é reconhecer como critério diretor as noções de solidariedade internacional do proletariado e de luta de classes. Encerrou-se a discussão sobre a questão da unidade do partido. Para elaborar uma resolução sobre essa questão, o congresso elegerá uma comissão composta por Kibrik, Akhmatov, Iezhov e Martov. O congresso passa a discutir as questões sobre a atitude do partido diante da formação de províncias nacionais autônomas, agora ocorrendo em toda a parte, e sobre as necessidades que daí decorrem de mudar as formas como o partido está estruturado. A seção do congresso que estudou essa questão para aprovação unânime não chegou; por isso discursam os informantes de ambas as correntes nela delineadas – os cams. Liber e Semkovski.


Sessão de 7 de dezembro

Discurso de Martov – Eu partilho da opinião expressa na resolução de Martynov. Acredito ser possível entrar na CEC (Comissão Executiva Central), mas apenas quando se formarem condições adequadas para tanto. Saímos do congresso porque percebemos o naufrágio da linha anterior do Soviete e, ao mesmo tempo, o naufrágio de nosso partido. Não julgamos possível permanecer na qualidade de um pequeno e fraco grupo de protesto. Mas com relação a isso a situação agora não está melhor. As eleições mostraram isso. Porém, tenho esperança de que, quão rápido as massas se afastaram de nós, tão rápido pelas também podem nos retornar. E nós, nesse caso, já apoiados nas massas, devemos conduzir a luta não apenas fora, mas também dentro do Smolny. Por isso, não convém atar as mãos ao Comitê Central. Dan manifesta pouco alcance de visão ao não notar que a questão da participação nos Sovietes está estreitamente ligada à política expressa na fórmula “dos NS aos bolcheviques”. Considero prematuro e perigoso dizer que os Sovietes já devem ceder lugar a organizações políticas normais. Se novamente, assim como ocorreu nas jornadas de Kornilov, surgir um perigo contrarrevolucionário, formar-se-á mais uma vez o terreno para a existência dos Sovietes. Todas as revoluções conhecem organizações de massa não autorizadas, e essas organizações sempre se revelam dispostas a lutar contra os órgãos do sufrágio universal. Seria isso fatal? Eu penso exatamente que nossa política de acordo possibilita uma transição indolor do período revolucionário a um regime democrático normal. Essa política colabora para transformar os Sovietes em órgãos normais de pressão política.


1918
Congresso extraordinário
(Quarto Congresso dos Sovietes)

Discurso de Martov – O discurso de Martov causa forte impressão. Em particular prestam muita atenção ao orador quando ele fala da premência em designar uma comissão de inquérito para esclarecer em que circunstâncias foi dada a ordem para que o exército se desmobilizasse, enquanto ele podia ainda oferecer resistência. É preciso achar o culpado. O governo que levou o país a tal situação deve renunciar imediatamente e ceder o poder a uma democracia que o país inteiro reconheça. Onde estão as palavras de Trotsky sobre a guerra santa? – pergunta o orador. Faz muito pouco que Trotsky disse: “Se a Alemanha se recusar a assinar uma paz democrática, nós lhe declararemos uma guerra santa”. Onde está essa guerra? Exigimos – Martov conclui seu discurso – a convocação imediata da Assembleia Constituinte. Abaixo os imperialistas e seus capatazes! Martov desce do púlpito. Ouvem-se tempestuosos aplausos à direita e vaias à esquerda.

“Vecherniaia zvezda”, 16 de março de 1918, n.º 34.


Guerra e paz
(Discursos de Abramovich e Martov)

Com esse nome os mencheviques unificados realizaram ontem seu comício no Museu Politécnico. O comício atraiu um numeroso público, que superlotou a plateia e o balcão; compareceram 2 mil pessoas. Ao contrário do congresso dos Sovietes que se reunia ao lado, o humor aí era acerbamente antibolchevique. Vivo e repleto de ataques espirituosos, o informe de R. Abramovich foi recebido com um entusiasmo já há muito perdido em nossas reuniões públicas; nos momentos mais impressivos, o salão, tomado pela juventude intelectual e operária, lança ao orador entusiásticas ovações que constituem uma sólida manifestação contra os bolcheviques. A guerra civil na Ucrânia, dizia o orador, e a dissolução da Assembleia Constituinte assinalam a desintegração da Rússia em pedaços distintos. Os bolcheviques, agindo sobre os instintos profundos da multidão, conseguiu não a ditadura camponesa e operária, mas uma tirania do grupo predominante no comitê central bolchevista. A afirmação de Lenin de que a paz vergonhosa foi consequência da política do absolutismo e de Kerenski é falsa. Por acaso em 24 de outubro os alemães podiam ter ocupado Dvinsk com uma dezena de soldados em bicicletas? Será que 2 mil soldados russos teriam então fugido de sete alemães, como se passou em fevereiro? Teriam baterias e automóveis sido vendidos ao inimigo, e nas ruas de Petrogrado as metralhadoras saído por 25 rublos cada? E não foi em fevereiro que a tripulação de um célebre cruzador russo vendeu toda a mobília, louça e peças de cobre e dividiu o lucro em 8 mil rublos por cabeça?! Pergunto a vocês, camaradas, quem nos levou a isso?... De todos os lados da plateia se ouvem os brados: “Lenin, Trotsky...” O intento de reconstruir o exército em 24 horas sob princípios eletivos, continua o orador, foi uma ideia absurda, e o desejo dos bolcheviques de tomar o poder arruinou o exército. Em seguida o informante analisa as condições da paz e aponta que o pagamento aos alemães por meio de empréstimos russos equivalerá a liquidar o decreto sobre a anulação dos empréstimos, pois o capital é internacional. A leviandade fanfarrona dos bolcheviques em geral e, em particular, o “gesto vermelho” de Trotsky em Brest nos deram esse tratado vergonhoso recém-anunciado no congresso. Os bolcheviques não podem invocar as faltas de seus antecessores: eles estão no poder e eles são culpados. O informante folheia uma brochura com o acordo de paz e se espanta: onde está o mapa definindo os limites da ocupação alemã e as fronteiras do Estado ucraniano? O tratado faz referência a esse mapa, mas o congresso está obrigado a ratificar a paz às cegas. O orador passa a criticar as condições econômicas da “paz vantajosa”, como é agora chamada na Alemanha, pois ela dará a cada alemão 102 gramas a mais de pão todo dia. Na opinião do orador, o operário russo está doravante condenado ao papel de escravo do capital alemão. O informante encerra caracterizando o telegrama de Wilson ao congresso como uma advertência nos dizendo que em breve a Rússia será uma arena de luta entre as duas coalizões inimigas. Nossa única salvação é nos unirmos e cerrar forças para nos fortificarmos contra a próxima investida. Se criarmos nos Urais um centro de defesa e ao encerrar-se a guerra mundial restaurarmos ao menos em parte nossa potência de combate, termos de ser levados em conta e obrigaremos os imperialistas ocidentais a anularem as condições infamantes da paz bolchevique. Com essa paz, os bolchevistas destroçaram o socialismo alemão; seria cômico esperar que o operário alemão fizesse a revolução contra um poder que lhe deu o pão e a banha ucranianos, a manteiga siberiana, o metal e o carvão russos. Não há pelo que culparmos o operário alemão! O orador termina exigindo que se resista ao inimigo, o que só é possível realizando uma série de premissas políticas: é preciso restaurar a frente única revolucionária e unificar a terra russa. A melhor saída agora é recusar-se a ratificar o tratado de paz e convocar a Assembleia Constituinte. As últimas palavras do orador foram cobertas por tempestuosas e muito demoradas ovações de todo o salão em honra da Assembleia Constituinte. Pronunciando o último informe, L. Martov ilustra em pessoa a luta aferrada que é preciso sustentar no congresso da “oposição”, como testemunham seu semblante exausto e sua voz rouca. Daqui a algumas horas se decidirá a questão da assinatura da paz, diz ele, o que não significará o encerramento da guerra. Essa paz é um ato de partilha da Rússia, e se o país não acordar, ela será o prólogo do desmembramento final. Ao encerrar, L. Martov destaca a importância de terem os bolcheviques mudado o nome de seu partido, transformando-se em “comunistas”: o bolchevismo renegou a social-democracia, e ela não arcará com a responsabilidade pela paz desastrosa. Se for verdade a afirmação de que a revolução está rolando montanha abaixo, então é melhor morrer do que se entregar. Nossa missão é lutar contra a paz humilhante e para restaurar a república democrática. Somente uma Rússia democrática livre libertará os povos irmãos traídos pelos bolcheviques e guiará os povos rumo à reconstrução da Internacional operária. A plateia aplaude ruidosamente o orador. As posições que ele manifesta são tão compartilhadas pelos presentes que não se encontra quem queira contestá-las, e o comício termina sem debates.

“Russkie vedomosti”, 16 de março de 1918.


Os mencheviques e o Poder Soviético

(Entrevista com L. Martov) Pela última vez nos jornais soviéticos mencionava-se a desagregação do partido social-democrata e a passagem massiva de seus membros para o comunismo. Nessa ocasião, nosso colaborador entrevistou uma das figuras mais destacadas desse partido, L. Martov, para que explicasse a verdadeira versão dos fatos. – São reais os rumores – foi a primeira pergunta – sobre uma aproximação entre os mencheviques e o poder soviético? – Pelo visto você se refere ao artigo de Radek sobre “Uma voz da sepultura”, no Pravda. Ele percebe como uma tentativa de aproximação a nossa resolução em que não falamos da Assembleia Constituinte, mas exigimos apenas “uma radical mudança na política do poder soviético”. Está claro que é um absurdo. Uma radical mudança na política soviética é indispensável no crítico momento atual para que as massas populares da Sibéria, dos Urais, da Ucrânia etc. não receiem em unir-se à Grã-Rússia nem se aliem à ocupação estrangeira, que consideramos perniciosa. – Quer dizer então que vocês concordam em conciliar-se com o poder soviético? – De jeito nenhum. Permaneceremos convictos de que apenas na soberania popular, na república democrática as classes trabalhadoras encontrarão o expediente para libertarem-se e salvarem uma revolução ameaçada de todos os lados. – Mesmo assim vocês não desistem da Assembleia Constituinte? – E por quê? Mesmo sob o tsarismo avançamos a cada momento dado exigências cuja realização tornaria mais favoráveis as condições para alcançar a república e convocar a Assembleia Constituinte. Isso em nada implicava, como então nos acusavam os amigos do sr. Radek, a traição ao mote da Assembleia Constituinte. Assim procedemos também agora. – Então seu partido permanecerá na oposição, mesmo que mudem os rumos da política do poder soviético conforme vocês exigem? – Claro, pois a parte do proletariado que nos seguiu não pode confiar num “socialismo imediato” nem na construtividade dos meios pelos quais ele está se implantando. – E o que há de verdade ao dizerem que as massas que seguiam os mencheviques estão os deixando? – Não conheço nenhum fato que respaldasse isso. Pois os argumentos que usam para nos combater residem apenas em povoar as prisões com membros de nosso partido, em fechar todos os nossos jornais e organizações, em declarar nosso partido “fora da lei”. O grau de evolução da classe operária russa não é tal que convencê-la fosse possível aos detentores de semelhantes argumentos. – Mas Radek afirma que vocês podem constatar a saída das massas “pelas listas de membros de seu partido”. – Ah, não. Na maioria dos casos essas listas são reguladas pelas chekas, que com elas realmente reduzem os quadros de nosso partido, mandando-os em parte para o xadrez, e outros (como em Rybinsk, Nizhni [Novgorod] etc.), direto desta para melhor. – Porém, o senhor assentiu que politicamente seu partido atualmente está morto. – Ora, parece-me que a notícia de nossa morte é “um tanto exagerada”, como dizia Mark Twain. Tenho essa segurança ao ver que os nobres comunistas, embora nos declarem como um cadáver, já faz dois meses que não param de se interessar e se ocupar com o que pensamos e o que pretendemos fazer. Como sabemos, sobre os mortos se deve ou falar bem, ou não falar nada. Verdade, esse é um preconceito burguês, mas os comunistas fazem a mesma coisa. Veja por exemplo F. Lassalle. Esse “social-traidor” via no sufrágio universal o alfa e o ômega da ditadura do proletariado. Porém, não apenas lhe ergueram um monumento, como durante sua inauguração nem Lunacharski nem Zinoviev mencionaram suas fraquezas, e nem sequer uma vez o chamaram de “social-canalha” ou “lacaio da burguesia”, e até verteram para o defunto algumas lágrimas mornas. Enquanto isso, embora inventem histórias sobre nós “como que falando de mortos”, continuam nos dirigindo todo tipo de obscenidade. Disso concluo que estamos vivos, apesar de tudo. Em absoluto – diz L. Martov encerrando – a social-democracia marxista é um pessoal muito resistente.

“Utro Moskvy”, 21 de outubro de 1918, n.º 19.



quinta-feira, 10 de julho de 2025

Decreto n.º 1 do governo provisório


Endereço curto: fishuk.cc/decreto1-ru

Embora meu primeiro serviço de tradução tenha sido publicado em 2017 na coletânea Manifestos vermelhos e outros textos históricos da Revolução Russa, sob a coordenação de Daniel Aarão Reis (a quem sempre vou ser grato por essa oportunidade), esta semana decidi trazer à página alguns dos textos que foram aí publicados, pois certamente sofreram alguma alteração dos editores e algum dia o livro pode se tornar raridade. Em 2022 eu já tinha publicado minhas traduções que não saíram na coletânea, mas agora trago meus outros originais, ainda que sob o risco de estar infringindo algum direito autoral. Infelizmente, nem todos os documentos em russo me foram fornecidos com a indicação da fonte, portanto, ela quase sempre vai estar ausente, mas quando a base mesma da tradução tiver sido conservada, ela vai aparecer após minha tradução ao português, com a ortografia atualizada.

Hoje temos um documento chamado Ordem do dia n.º 1, 1.º de março de 1917 (Приказ № 1, 1 марта 1917 года), que pode ser considerado o primeiro decreto do Governo Provisório instalado durante a queda do tsar, o monarca imperial russo. Como vimos anteontem, Nicolau 2.º renunciou em prol de outro membro da família real, visando sanar o que ele considerava uma “grande crise” pra poder salvar o regime. Porém, esta declaração mostra como o poder efetivo já estava nas mãos dos chamados “sovietes”, conselhos de autogestão formados por trabalhadores e militares de baixa patente. O mais importante deles era o de Petrogrado (Leningrado no período soviético, São Petersburgo atualmente), então capital do império. Por alguma razão, “prikáz” se tornou “ordem de trabalho” no livro, mas tem o mesmo sentido de “comando”, “ordem militar” etc.

Como não tive tempo de fazer novas revisões, me responsabilizo por eventuais erros ou imprecisões. Qualquer observação é bem-vinda, bastando escolher um dos canais de comunicação que apresento no menu à direita da página.



Da guarnição do Distrito Militar de Petrogrado a todos os soldados da guarda, do exército, da artilharia e da marinha para exato e imediato cumprimento, e aos operários de Petrogrado para conhecimento.

O Soviete de Deputados Operários e Soldados decreta:

1) Que em todas as companhias, batalhões, regimentos, parques de artilharia, baterias, esquadrões e serviços especiais com tipos diversos de direções militares, bem como nos tribunais da marinha de guerra, elejam-se imediatamente comitês com representantes escolhidos dentre as baixas patentes das unidades militares supracitadas.

2) Que cada unidade militar onde ainda não tenham sido eleitos representantes para o Soviete de Deputados Operários escolha um representante das companhias, o qual deverá também se dirigir com atestados escritos ao prédio da Duma Estatal às 10 horas da manhã do dia 2 de março do corrente.

3) Todas as manifestações políticas da unidade militar estão submetidas ao Soviete de Deputados Operários e Soldados e a seus próprios comitês.

4) As ordens do dia da comissão militar da Duma Estatal somente devem ser cumpridas se não estiverem em desacordo com os decretos e resoluções do Soviete de Deputados Operários e Camponeses.

5) Todo o tipo de armamento, tal como fuzis, metralhadoras, carros blindados e outros, deve encontrar-se à disposição e sob o controle dos comitês das companhias e batalhões, e em hipótese alguma deve ser entregue aos oficiais, mesmo se eles assim o exigirem.

6) Em seus postos e no exercício de suas funções, os soldados devem observar a mais severa disciplina militar, mas fora do serviço e do posto, em sua vida política, civil e privada, eles não devem gozar de nenhum direito a menos de que gozam todos os outros cidadãos.

Em particular, estão abolidas a posição de sentido e a continência obrigatória fora do serviço.

7) De forma idêntica, estão abolidas as fórmulas de tratamento aos oficiais: vossa excelência, vossa honra etc., que serão substituídas pelos apelativos: senhor general, senhor coronel etc.

Está proibido tratar grosseiramente os soldados de qualquer patente militar e, em particular, usar com eles o pronome “tu”, e sempre que isso for infringido, bem como nos casos de mal-entendidos entre oficiais e soldados, cumpre a estes últimos levá-los ao conhecimento dos comitês de companhia.

A presente ordem do dia deve ser lida em todas as companhias, batalhões, regimentos, tripulações, baterias e demais destacamentos de combate ou auxiliares.


O Soviete de Deputados Operários
e Soldados de Petrogrado


По гарнизону Петроградского округа всем солдатам гвардии, армии, артиллерии и флота для немедленного и точного исполнения, а рабочим Петрограда для сведения.

Совет Рабочих й Солдатских Депутатов постановил:

1) Во всех ротах, батальонах, полках, парках, батареях, эскадронах и отдельных службах разного рода военных управлений и на судах военного флота немедленно выбрать комитеты из выборных представителей от нижних чинов вышеуказанных воинских частей.

2) Во всех воинских частях, которые еще не выбрали своих представителей в Совет Рабочих Депутатов, избрать по одному представителю от рот, которым и явиться с письменными удостоверениями в здание Государственной Думы к 10 часам утра 2-го сего марта.

3) Во всех своих политических выступлениях воинская часть подчиняется Совету Рабочих и Солдатских Депутатов и своим комитетам.

4) Приказы военной комиссии Государственной Думы следует исполнять только в тех случаях, когда они не противоречат приказам и постановлениям Совета Рабочих и Солдатских Депутатов.

5) Всякого рода оружие, как-то: винтовки, пулеметы, бронированные автомобили и прочее, должно находиться в распоряжении и под контролем ротных и батальонных комитетов и ни в коем случае не выдаваться офицерам, даже по их требованиям.

6) В строю и при отправлении служебных обязанностей солдаты должны соблюдать строжайшую воинскую дисциплину, но вне службы и строя в своей политической, общегражданской и частной жизни солдаты ни в чем не могут быть умалены в тех правах, коими пользуются все граждане.

В частности, вставание во фронт и обязательное отдание чести вне службы отменяется.

7) Равным образом отменяется титулование офицеров: ваше превосходительство, благородие и т. п. и заменяется обращением: господин генерал, господин полковник и т. д.

Грубое обращение с солдатами всяких воинских чинов и, в частности, обращение к ним на “ты” воспрещается, и о всяком нарушении сего, равно как и о всех недоразумениях между офицерами и солдатами, последние обязаны доводить до сведения ротных комитетов.

Настоящий приказ прочесть во всех ротах, батальонах, полках, экипажах, батареях и прочих строевых и нестроевых командах.


Петроградский Совет Рабочих
и Солдатских Депутатов