sábado, 13 de setembro de 2025

Golpe do “guia turístico no Brasil”


Endereço curto: fishuk.cc/golpe-guia

Este primeiro print não é meu, mas ilustra um tópico no Reddit sobre o mesmo fato que aconteceu comigo. Queria primeiro recomendar esta página em português, pois é uma perfeita compilação das principais tentativas de golpe online mais recentes, enviadas pelas vítimas potenciais pra confirmação pelos colegas. Algumas resvalam pro humor e dá até pra rir um pouquinho, de tão toscos que são os enredos, mas outras são realmente sérias. Sei que a probabilidade de encontrar informações é próxima de zero, mas em todo caso apaguei qualquer foto ou número de telefone relacionado à pessoa do outro lado da tela. E infelizmente, aqui estou eu de novo tendo que lançar um “alerta de utilidade pública”...

Depois do falso marqueteiro Allen Marvin, que me aborreceu por e-mail duas vezes, semana passada recebi em minha conta reserva do Telegram a mensagem abaixo de uma simpática japonesinha que parecia muito verdadeira. O começo, como você pode ver, é idêntico ao do sujeito acima, mas resolvi copiar aqui o conteúdo completo da conversa, tirando o que não interessava. A seguir, meus comentários:









Várias coisas imediatamente cheiram a golpe, por mais que queiramos fugir da realidade. Primeira e primeiríssima, por que a pessoa continuaria conversando, se viu imediatamente que não era quem estava procurando, ou seja, um “guia turístico no Brasil”? Segundo contam, é realmente dirigido a guias turísticos, mas sobre isso leia mais abaixo. Por enquanto, se lidamos com um adulto ou coroa carente e tarado, vamos pro segundo ponto: à resposta mais seca que você dá, começa toda uma jogação de confete e massagem de ego com elogios e reações de emojis amorosos. Quem não deseja a atenção de uma japinha nova e bonita, mesmo que ela nunca tenha te visto na vida?... Típico de qualquer golpe envolvendo relacionamento, sobretudo o da “loira russa” que calha ser um detento de país da África Ocidental.

O terceiro, mais gritante: por que a sujeita estaria escrevendo em português se vive em Londres? Bem, de fato continuei a conversa no número de WhatsApp indicado (antes de bloquear e denunciar como se deve) e recebi a seguinte história. “Jennifer”, 28 aninhos, teria nascido em Osaka, moraria na City há 20 anos (ou seja, desde os 8) e teria o desejo de conhecer o mundo. Ela disse que usava o Google Tradutor, o que até justifica os erros de concordância de gênero, mas há ainda outros erros meio inexplicáveis. Além disso, a forcei a falar em inglês, o que fizemos por umas mensagens, até que inexplicavelmente ela voltou com o português estropiado. Estranho pra uma londrina quase nativa, não?...

E quarto, mais irritante, na verdade: sei que isso às vezes ocorre com novinhas monossilábicas depois de um match em aplicativo de namoro, mas nossa “Jennifer” simplesmente se esquivava de várias perguntas que exigiam as respostas mais simples. Nem preciso falar do momento em que ela “achou” que eu me chamava “aberto”, mas veja como certos pedidos de detalhamento simplesmente eram encobertos por respostas não relacionadas ou pela mudança de assunto. Fiquei pensando na possibilidade de estar falando com um robô, mas realmente eles ainda não têm esse poder de personificar certas falas, e mesmo um presidiário golpista podia, querendo ou não, carregar nos erros de redação, o que os vítimos da “loira russa” em geral deixam passar.



Chega, não tinha jeito. Mesmo esperando antes de mandar um “I guess you’re a scammer” (Suspeito que você seja uma golpista) na cara “dela” e então bloquear, resolvi pesquisar no Google antes. Realmente, a partir deste ano, parece ter surgido um golpe no Telegram – que depois leva a gente pro WhatsApp, onde é muito mais fácil mandar link de armadilha – em que moças de feição oriental, geralmente japonesas, procuram esses guias brasileiros, realmente tentando enganar guias reais pedindo informações de roteiros. Vários dos casos, inclusive, ocorrem com números com DDI de países completamente diferentes daqueles aos quais as “moças” afirmam estar ligadas. Não foi meu caso, pois “Jennifer” dizia ser do Reino Unido e o número era de lá mesmo.

Dois ou três casos pelo menos foram publicados na página citada do Reddit, mas acabei tirando o print de traduções automáticas pro inglês antes de perceber que os originais eram em português. Como acredito que meu público tem um nível razoável na leitura daquele idioma, fiquei com preguiça de procurar de novo as fontes e tirar novos prints. Portanto, segue o material, que já resumi acima, um deles (original) tendo sido tirado do Facebook:






Porém, consegui guardar o link com o original desta publicação, que alerta pra grave hipótese dessas golpistas serem, na verdade, vítimas de tráfico humano obrigadas a enganar pessoas em outros países (não assisti ao vídeo). Por que o Brasil, não sei exatamente, mas isso pode ajudar a entender por que a conversa não parece tão “robótica”, por que os erros de tradução, apesar do uso do Google, parecem ter inputs humanos e por que os agrados parecem mesmo ser de uma fêmea bem entendida:




quinta-feira, 11 de setembro de 2025

Oleksandra Matviichuk na UFSC


Agradeço ao Claudio pela informação do primeiro evento e à Carol, pela do segundo!

Justiça em tempos de guerra: uma conversa com a Nobel da Paz 2022

No dia 15 de setembro, às 14h (BRT), a Prêmio Nobel da Paz 2022 Oleksandra Matviichuk conversa com estudantes de Relações Internacionais e demais áreas da UFSC em um webinar aberto ao público, com interpretação simultânea.

O evento “A Outra Frente de Batalha: Direitos, Verdade e Justiça na Guerra da Ucrânia” é organizado pelo NPSeD/PPGRI-UFSC, em parceria com a Embaixada da Ucrânia no Brasil e a ONG Ucrânia Resiliente.

Matviichuk, diretora do Center for Civil Liberties, é referência mundial na documentação de crimes de guerra e na defesa da democracia na Ucrânia.

A mediação será feita por Vicente Ferraro, pesquisador em política internacional, que também compartilhará um testemunho e conduzirá a sessão de perguntas e respostas.

Online via Zoom, inscrições aqui.


II Congresso Internacional de Pesquisadores em Estudos Judaicos 2025, 15-18 de setembro

O II Congresso Internacional de Pesquisadores em Estudos Judaicos será realizado de 15 a 18 de setembro de 2025, em formato híbrido, com atividades de abertura e encerramento presenciais e mesas temáticas virtuais.

Promovido pelo Departamento de Letras Orientais e pelo Programa de Pós-Graduação em Letras Estrangeiras e Tradução da FFLCH-USP, com apoio executivo do Centro de Estudos Judaicos da USP (CEJ-USP), o evento reúne pesquisadores de diferentes níveis e instituições, do Brasil e do exterior, que atuem na área dos Estudos Judaicos.

O objetivo do Congresso é promover o intercâmbio acadêmico, incentivar a divulgação de pesquisas em andamento e fortalecer os vínculos entre os estudiosos da área. O evento é voltado a estudantes de graduação e pós-graduação, docentes, pesquisadores independentes e interessados nas múltiplas dimensões da cultura, da história, das línguas, da filosofia e das literaturas judaicas.

Clique aqui pro caderno da programação!


terça-feira, 9 de setembro de 2025

segunda-feira, 8 de setembro de 2025

Você recebeu a corrente abençoada de são Carlo Orkutis


Endereço curto: fishuk.cc/orkutis


Protege contra cancelamentos, tias reacionárias do grupo da família, golpistas do bet e fotos sem camisa de homem grudento.

Repasse pra 5 pessoas e sua internet nunca mais vai cair nem seu 5G vai parar mais de pegar.

Repasse pra 10 pessoas e todos os bolsominions e lulaminions vão parar de brigar online pra sempre.

Repasse pra 50 pessoas e você nunca mais vai receber recomendações do Frei Gilson, do Café com Deus Pai, de pastores engomados ou de perfis bibliacoach em seu feed.

Repasse pra 100 pessoas e as comportas do Forno vão se abrir pra queda direta de Zuckerberg, Bezos, Musk, Durov, Trump e Bananinha juntos, o Équis, as redes da Meta, o Telegrão e o TicoTeco vão parar de funcionar imediatamente e todos os influenciadores de moda, estilo de vida, dancinha, maquiagem, desafios, céquiço e o escambau vão ficar eternamente presos numa ilha deserta sem qualquer acesso ao mundo exterior.

Repasse pra 200 pessoas e você nunca mais vai receber correntes de oração nem ver esta página zoando com o “primeiro santo millennial”, que teve a sorte de nunca ter usado smartphone!


domingo, 7 de setembro de 2025

O mito da economia planejada


Endereço curto: fishuk.cc/gosplan

A ilustração talvez não condiga muito com o conteúdo do texto, mas nesta conjuntura em que os fãs de Vladolf Putler querem ver em sua expansão imperial uma espécie de “URSS 2.0”, enquanto culpam o capetalizmu e o Ossidentx Mauvadaum pelo colapso da “união de povos nada livres”, é sempre bom recordar o nível de coitadismo e autopiedade contido tanto em certos discursos pró-Rússia quanto na mitologia bolchevista ainda ruminada por seitas acadêmicas mundo afora. E nada melhor do que o conteúdo produzido pela própria comunidade democrática no exílio, informado pela vivência na própria pele e pelos estudos mais avançados feitos in loco, pra refrescar nossa mente contra o discurso de “guerra fria”, seja de matiz ultraconservador ou antiliberal.

Na condição cultural em que ainda vive nosso esplêndido gigante Fazendil, traduzir essa nova produção e a divulgar ao máximo de pessoas possível é uma tarefa urgente, ainda que primária perto do nível em que a desinformação do Kremlin se infiltrou entre alguns grupos intelectuais e midiáticos. E a Novaya Gazeta Evropa, com seu genial editor-chefe Kirill Martynov e da qual já publiquei partes de análises históricas aqui, conta também com o economista Denis Morokhin, que apesar de sua semelhança com o “casseta” Marcelo Madureira, traz os problemas econômicos passados e presentes da Rússia com rara leveza didática. Foi o caso da série “Rossíiskoi ekonómike ostálos”, que apareceu em quatro partes e cujo título pode ser traduzido como “Ainda resta à economia russa...”, no sentido do tempo que ainda pode demorar pra um real colapso com o desvario causado pela invasão da Ucrânia.

A tese básica de Morokhin é a de que jamais foram feitas as reformas necessárias pra que a Rússia se tornasse uma verdadeira economia capitalista de mercado, saudável e pujante. Os problemas deixados pelo terraplanismo que foi a total estatização da economia (mal administrada, ainda por cima) no período soviético, além de terem sido enormes, não receberam as soluções devidas da parte dos reformadores sob Ieltsin. Abriu-se caminho, então, à simples espoliação das empresas públicas pelos antigos administradores burocratas (tornados “oligarcas”) e à excessiva intervenção estatal sob Putin.

O boom econômico provocado na década de 2000 pelo aumento no preço das commodities (fenômeno, aliás, também observado no Brasil nos primeiros governos de Lula) não foi revertido em industrialização e criação de reservas de emergência, enquanto permitiu a aquiescência geral diante do autoritarismo. Embora não claramente visível, o declínio se tornaria inevitável a partir da anexação da Crimeia (2014) e dos gastos militares desenfreados, culminando na invasão em larga escala da Ucrânia (2022) e na recessão que estaria agora ameaçando uma economia quase toda reenquadrada pela militarização da sociedade.

Este é o primeiro episódio, cujo mérito reside exatamente na desmistificação da economia planejada, que alguns idiotas de internet ainda querem romantizar aqui, e por isso não vou traduzir os três seguintes. Você vai ver que a culpa não é (só) de Gorbachov, da globalização, do Til Çan ou do ET Bilu, e que aquele bigodudo georgiano idolatrado por revolucionários de sofá fez muito pra quase destruir o país. Fiz uma transcrição em russo baseada na correção da legenda baixada, a partir da comparação com a fala de Morokhin, mas não vou a publicar, como fiz com o vídeo sobre Ivan Ilin, e posso enviar num arquivo à parte a quem me pedir. O Google Tradutor deu o texto-base em português, mas a parte mais árdua é justamente a da correção manual, nem sempre fácil por causa da necessária pesquisa de termos específicos. Notas minhas estão entre colchetes.


Este é o Univermag de Moscou em 1991. Prateleiras vazias. Nelas, uma carne assustadora e intragável. Cliente de olhares perdidos. Na cesta, uma seleção escassa: macarrão, leite. E este é um supermercado em Moscou em 2025. Meio quilômetro de produtos, uma enorme seleção, uma abundância completa de produtos.

Enquanto isso, já faz quatro anos que a Rússia trava uma guerra na Ucrânia e está sob as maiores sanções da história. A Rússia está praticamente isolada da economia global aberta. Como a economia planificada e distributiva da URSS conseguiu sobreviver a uma série de abalos? Como construíram em seu lugar uma economia de mercado e por que agora a guerra não a destruiu, apesar das inúmeras previsões de seu colapso iminente?

Vamos trilhar esse caminho juntos em nosso projeto “Ainda resta à economia russa...”. Serão quatro episódios. Meu nome é Denis Morokhin. Sou observador econômico da Novaya Gazeta Evropa. Se inscreva em nosso canal do YouTube pra não perder os próximos episódios.

Introdução – Você sabe o que um soviético podia comprar numa loja? Você tem ideia geral de como eram essas lojas? Talvez você tenha respondido sim ou não, mas na Rússia já cresceram duas gerações de pessoas acostumadas à abundância de produtos. É difícil acreditar agora que as lojas possam estar vazias, mas era exatamente assim que eram. A Rússia esteve à beira da fome na década de 1980, depois passou pelos prósperos anos 2000 e terminou na atual economia de guerra, quando trilhões de rublos são desperdiçados em tanques e assassinatos. Como foi isso?

Murmansk, anos 80 – Me deixem contar algumas histórias sobre mim. Esta é Murmansk, a maior cidade do mundo no Ártico, em meados da década de 1980. Me lembro bem de como as prateleiras das lojas eram repletas de potes de seiva de bétula. Também se vendia o queijo processado “Druzhba”, e o queijo de verdade só estava disponível pela manhã e esgotava rapidamente. Os laticínios incluíam leite e kefir em garrafas de vidro, mas a smetana era extremamente rara. Ainda em Murmansk, não havia ovos e eles deviam ser trazidos de Leningrado, de trem.

Além disso, a cesta básica de um soviético incluía um macarrão gordo, grosseiro e pálido, ervilhas malpassadas, cevada perolada e painço. Também se vendiam enlatados: carne cozida barata, carne ou peixe em conserva (závtrak turísta) e algas Laminaria. Também pó de sopas em saquinhos. Mas não havia trigo sarraceno, o favorito de todos. Só estava disponível pra diabéticos, em seções especiais. E pra o comprar, era preciso apresentar um atestado médico. No hortifrúti havia repolho, cenoura e pepino. Mas batatas, no início da década de 1980, só eram trazidas ocasionalmente. E comprá-las exigia ficar na fila a noite toda. Uma lembrança de infância: pra se aquecerem numa cidade do norte, as pessoas em fila acendiam fogueiras no pátio do hortifrúti.

Aliás, por que exatamente com as batatas havia tantos problemas? Ocorre que até 40% dos legumes e verduras simplesmente não chegavam às prateleiras. Eram armazenados e transportados indevidamente, apodrecendo ao longo do caminho. O maior mal da agricultura no final da URSS era a mecanização quase ausente: tudo devia ser feito à mão. Mas havia as famosas viagens pra colher batatas. Todos os anos, centenas de milhares de estudantes, engenheiros, professores e cientistas eram afastados do trabalho e levados aos campos pra colheita moribunda. Mas isso não fazia muito sentido: cada vez menos legumes e verduras chegavam às lojas, mas a TV soviética chamava esse esforço insensato de “batalha pela colheita”.

Mas minha Murmansk ainda era bem mais sortuda que outras cidades. Murmansk é um porto importante. Portanto, via de regra era peixe que se vendia. Mesmo que fosse o mais simples. É claro que aqui não estamos falando de iguarias. Por exemplo, o salmão só podia ser comprado, como se dizia na URSS, “por baixo do balcão” ou “pela porta dos fundos” [de forma ilegal, usando contatos e conhecidos]. Bem, por exemplo, capelim, arinca (eglefim) e bacalhau, havia alguns nas lojas. Halibute e perca defumados eram muito caros. E muito poucos tinham condições de os comprar.

Murmansk também tinha a sorte de ter por perto as bases da Frota do Norte e da aviação militar, e os dirigentes soviéticos se importavam com os militares, deixando de lado o resto do povo. Por isso, nas lojas das cidades militares fechadas quase sempre havia comida. E se você tivesse um passe, tudo era simples. Depois do trabalho, você pegava um ônibus, viajava cerca de uma hora e meia até a base militar e voltava pra casa à noite com sacolas pesadas. Aliás, por que só à noite? Sim, porque mesmo numa cidade fechada você ficava algumas horas em filas e, ao mesmo tempo, recebia xingamentos dos moradores locais, como “Aí estão eles de novo comprando todas as nossas salsichas”.

Me lembro de uma segunda história. Fomos visitar São Petersburgo. Nossos amigos moravam na periferia da cidade, onde as lojas eram totalmente vazias. E à noite, depois do trabalho, iam ao centro levando a filha pequena pra comprar salsichas no mercado da avenida Nevski. Você perguntaria: “Por que devia ir ao centro com uma criança?” É simples: eles davam meio quilo de salsicha por pessoa, e a criança garantia meio quilo a mais de comida. Também me lembro bem dos cupons de alimentação. “Que papel é esse que você sempre esconde num lugar seguro?”, perguntei uma vez a minha avó. “É carne e manteiga”, ela respondeu. A manteiga era na verdade uma margarina muito ruim.

Podemos listar infinitamente os produtos que agora são vendidos em qualquer loja, mas que os soviéticos nunca experimentaram. Isso inclui iogurte, nozes, abacate, chá verde e até chocolate de verdade feito de grãos de cacau, porque em vez disso vendiam uma barra doce que nem tinha gosto de chocolate. Quero lembrar à parte uma iguaria inédita: bananas. Essas frutas eram trazidas a Murmansk uma vez por ano e verdes. Você tinha que ficar na fila o dia todo. Escreviam na palma de sua mão o número de seu lugar na fila, e se saísse, não lhe permitiam voltar. Cada pessoa recebia 1 kg de bananas e, em casa, as frutas verdes eram postas junto à janela. Você tinha que esperar até ficarem maduras.

Por que na URSS as prateleiras eram vazias? – Nunca houve abundância de produtos na URSS. A carência de produtos essenciais começou muito antes da década de 1980. Nas décadas de 1920 e 1930, o governo soviético saqueou os camponeses durante a coletivização stalinista. Stalin precisava da destruição completa da propriedade privada no campo. E o ditador soviético também acreditava que milhões de pequenas propriedades camponesas não podiam alimentar o país e que, portanto, suas terras e gado deviam ser confiscados e transferidos todos pro colcoz. Alegava-se que só uma propriedade comunista comum podia alimentar o país, e quem se opusesse a ela devia ser morto ou exilado pra Sibéria.

A experiência fracassou completamente. O golpe sobre o campo foi tão fatal que, após a coletivização, o país não conseguia mais alimentar a si mesmo. Na década de 1960, o colapso da economia e uma verdadeira fome eram iminentes. Como não havia o que comer, a população começou a se rebelar e, para a reprimir, as autoridades enviaram tropas a Novocherkassk. Os moradores saíram para protestar, indignados porque a comida tinha sumido das lojas, mas os preços continuavam subindo. Os militares começaram a atirar. Cerca de 100 pessoas foram mortas ou feridas.

Mas então o povo soviético foi salvo da fome pelo milagre da descoberta de petróleo na Sibéria. A URSS começou a vendê-lo por dólares, que eram usados pra comprar grãos e outros produtos no exterior. De 1970 a 1980, a URSS aumentou em 15 vezes sua receita com exportação de petróleo aos países ocidentais, chegando a 15 bilhões de dólares por ano. Graças a isso, nos mesmos 10 anos o país aumentou suas compras de grãos no exterior em 12 vezes. Em 1980, importou 30 milhões [de dólares].

Assim, por pouco a fome total foi evitada, mas não por muito tempo. 13 de setembro de 1985 foi o dia sombrio do colapso da economia soviética e, no geral, um dos pontos de virada da história contemporânea. O então ministro do Petróleo da Arábia Saudita, Ahmad Yamānī, fez um anúncio histórico: “O país não vai mais limitar sua produção de petróleo”. Na sequência, a produção saudita aumentou 3,2 vezes e os preços do petróleo despencaram seis vezes. Foi uma sentença de morte pra URSS. Ela não podia vender nada no mercado mundial a não ser petróleo e gás. A tragédia foi agravada pelo fato de 1985 ter sido o pior ano pra agricultura e um recorde na importação de grãos. Então, a URSS comprou 45 milhões de toneladas do produto no exterior. Isso representa cerca de um quarto da necessidade de grãos. Em poucos anos, a URSS ficou sem dinheiro e não tinha mais como comprar alimentos no exterior pra se alimentar.

Tanques em vez de comida – Os líderes soviéticos mantiveram seus cidadãos literalmente à beira da fome, enquanto jogavam dinheiro fora. Por exemplo, a URSS fornecia petróleo e gás aos países socialistas da Europa Oriental praticamente de graça. Era assim que Moscou comprava a lealdade. O segundo projeto caro que a URSS não queria abandonar foi a produção de enormes volumes de armas. O Kremlin sequer levantou a questão da redução dos gastos militares até 1988, quando se tornou óbvio que não havia mais dinheiro. Submarinos nucleares, voos espaciais, participação em guerras no mundo todo. Todo o dinheiro foi parar nisso. O erário foi esgotado por uma série de projetos insensatos, como desviar rios do norte ao sul ou drenar turfeiras nos arredores de Moscou, as quais, aliás, queimaram terrivelmente em 2010 e cobriram a capital com fumaça cáustica.

Como resultado, no final da década de 1980, a URSS não tinha nem reservas de ouro suficientes pra comprar alimentos. E assim, os bancos do mundo recusaram empréstimos à URSS, pois os credores viam que ela não tinha com que pagá-los. Já nos anos de altos preços do petróleo, ela era considerada uma mutuária confiável. Em 1990 e 1991, os dirigentes soviéticos e, depois, russos admitiram: “A fome e os motins da fome são uma questão de meses”. Ao mesmo tempo, talões de racionamento e cartões de fidelidade foram amplamente introduzidos pra que pessoas de regiões vizinhas não viessem a Moscou comprar salsicha.

Multidões afluíam de Vladimir, Tula, Riazan, Iaroslavl e outras cidades à capital. E os trens em que chegavam eram chamados de trens da salsicha. Finalmente, a noção de ajuda humanitária se consolidou no uso comum. Suprimentos alimentares do exterior fixados na memória do povo com o apelido pernas de Bush: coxas de frango congeladas, mingau instantâneo, caixas de leite em pó e papinha de bebê trazidos de avião. E tudo isso se tornou a prova de que a economia planejada soviética não funcionava.

O fracasso da economia planificada – Por que a economia planificada soviética fracassou? Numa economia de mercado, à qual nos acostumamos todos ao longo das décadas, funcionam centenas de milhares e até milhões de empresas privadas. Elas fabricam e vendem o que os clientes desejam. Por exemplo, vejamos os brinquedos infantis. As crianças geralmente pedem que lhes comprem heróis de desenhos, pôneis coloridos, Pikachus. E você pode encontrar isso em qualquer loja.

Mas na URSS não era assim. Numa loja infantil soviética, se vendia apenas o que o ministério responsável pelas lojas infantis escolhia. As autoridades não se importavam, por exemplo, com a Cheburashka, que as crianças realmente queriam. Além disso, negócios privados sempre correm riscos: algo pode ser fabricado, mas não ser comprado, e a empresa vai à falência. Nos habituamos tanto a isso que nem conseguimos imaginar como poderia ser de outra forma. Mas na URSS tudo isso era completamente diferente.

Da década de 1920 até 1991, havia apenas um ator no mercado: o Estado. O comércio, tanto interno quanto externo, era estritamente monopolizado e as autoridades decidiam tudo. As autoridades fixavam o preço das mercadorias, as quais, segundo se dizia, eram “vendidas ao preço estatal”. Aliás, essa expressão tinha outro significado. Se estava ao preço estatal, na verdade não estava à venda. Ou seja, o povo soviético vivia numa economia de escassez, com as mercadorias disponíveis a um círculo restrito de pessoas que controlavam a distribuição. Havia coisas que podiam ser compradas em algumas lojas com vitrines em Moscou e Leningrado, como o GUM ou o Gostiny Dvor. Esse modelo centralizado não resistia à concorrência com o mercado e, como resultado, o funcionamento de toda a economia não conseguia cobrir uma grande parte das despesas do país, pois em 1993-1994 o déficit orçamentário da Rússia ultrapassava 10% do PIB. Isso é cerca de seis vezes mais do que agora.

O buraco foi remendado pela simples impressão de dinheiro. A isso chamaram empréstimos do Banco Central ao governo. O resultado foi que o dinheiro se desvalorizou e o erário secou. Andrei Nechaiev, Ministro da Economia do primeiro governo Ieltsin, lembrou que no início das reformas, as reservas cambiais russas somavam apenas 26 milhões de dólares, e agora são 690 bilhões de dólares. É verdade que quase metade desse dinheiro está retido desde a invasão da Ucrânia, mas ainda assim é impossível comparar esses valores. Além disso, até o final da década de 1980, a URSS emprestou muito dinheiro pra se alimentar. E segundo várias estimativas, o país tinha acumulado, no final de sua existência, cerca de 100 bilhões de dólares em dívida externa, mas não tinha dinheiro pra pagá-la.

Terapia de choque – Em 1991, a União Soviética se dissolveu. O governo russo conseguiu implementar as reformas conhecidas como terapia de choque. O choque consistia na liberação dos preços. Depois que todas as empresas foram autorizadas a definir seus próprios preços, eles dispararam. E não foram apenas as lojas russas. As empresas foram autorizadas a comprar produtos importados por conta própria. E afinal, semana após semana as lojas gradualmente começaram a encher.

Ao mesmo tempo, começou a privatização em pequena escala. Embora ainda não afetasse fábricas ou empresas grandes, as lojas, cabeleireiros, organizações de serviços e similares começaram a passar pra mãos privadas. E nos primeiros dois anos da privatização em pequena escala, em 1992 e 1993, foram privatizadas mais de 85 mil das mais de 100 mil pequenas empresas em todo o país. As pequenas empresas deixaram de ser estatais e passaram a ser privadas. Além disso, os cidadãos puderam comprar e vender dólares livremente e manter moeda estrangeira em contas bancárias. Lembremos que na URSS, isso podia levar as pessoas a serem longamente presas no GULAG ou até fuziladas.

As autoridades pararam de imprimir dinheiro e de investir enormes somas em projetos insensatos, como a rodovia transpolar ao longo do oceano Ártico através do permafrost ou o túnel até a ilha Sacalina. Cortaram-se os gastos estatais. E o principal, começou-se a gastar muito menos em tanques, mísseis e rifles e retiraram-se as enormes tropas dos países da Europa Oriental que se tornaram livres. E o plano em que se baseava toda a economia soviética se transformou em licitações (contratos) públicas. Finalmente, foi então que as autoridades implantaram um sistema de impostos pra empresas na economia de mercado. Em particular, surgiu o IVA, que se tornou uma fonte nova e muito grande de restauração do erário. E foram elaborados novos impostos pras empresas petrolíferas, porque era necessário restaurar o erário, antes reabastecido pela impressão de dinheiro.

As desvantagens das reformas – Bem, é claro que a crise da economia soviética era tão profunda que cada conquista das reformas teve um efeito negativo. Embora a liberação dos preços tenha enchido as lojas, levou à hiperinflação. Agora reclamamos de uma inflação altíssima girando em torno de 10% ao ano: verdade que é muito pra economia. Mas no fim de 1992, os preços tinham aumentado em média mais de 25 vezes: significa que a inflação foi de 2 500% em um ano. Você podia ir à loja e ver a manteiga custando 100 rublos num dia e 150 rublos no dia seguinte.

Praticamente todos os russos viram suas rendas caírem drasticamente na década de 1990. Os primeiros anos das reformas foram muito dolorosos para a esmagadora maioria das famílias. Frequentemente a privatização se resumia à tomada do controle pelos diretores, não tendo os trabalhadores comuns as mesmas oportunidades. E quando começou a privatização por vouchers, os funcionários inferiores simplesmente vendiam seus cheques, porque precisavam de algo pra viver hoje, mas não havia dinheiro suficiente, e alguns trocavam o voucher por uma garrafa de vodca.

Eis, por exemplo, a famosa história de como o oligarca Aleksei Mordashov se tornou proprietário da Severstal, uma das maiores produtoras de metal laminado. O esquema, chamado de vendas controladas, foi descrito em detalhes pela revista Forbes. Em meados da década de 1990, Mordashov criou a empresa Severstal Invest, da qual ele detinha 76%. A Severstal vendia metal a essa empresa a um preço baixo, e a Severstal Invest o revendia a um preço muito mais alto. Tendo acumulado capital, esta primeiro comprou ações da Severstal num leilão e, em seguida, comprou ações de trabalhadores que corriam pra vender suas ações por ser impossível viver com seus salários, em todo caso, há muito tempo atrasados.

A reforma tributária também teve um efeito negativo, já que pouquíssimas pessoas pagavam impostos. Em 1994, o orçamento não recebeu um décimo do que deveria. Em meados da década de 1990, esse número tinha crescido cerca de uma vez e meia, atingindo a enorme dívida tributária de 25 bilhões de dólares das empresas com o orçamento. Um dos motivos foram as alíquotas excessivamente altas: 32% de imposto de renda corporativo e 28% de IVA. Tudo isso ajudava a preencher o orçamento, mas não eram os pagamentos de impostos que cresciam como uma bola de neve. O orçamento continuou sofrendo de falta de dinheiro, os preços subiam e não havia como pagar benefícios e pensões, e muito menos aumentar o apoio social.

Podia ter sido feito melhor? – Economistas que estudaram as reformas de Ieltsin criticam com razão os reformistas e, sobretudo, sua lentidão e indecisão. Tudo devia ter sido feito mais rápido, e não por etapas, como o governo russo fez no início da década de 1990. E muitas reformas também foram iniciadas, mas não concluídas. A indecisão, por exemplo, residia em não ousarem privatizar a terra, o que teria ajudado, mais rapidamente, a lançar um novo agronegócio e a resolver o problema da escassez de alimentos. Mas os comunistas e uma parte significativa dos eleitores se opuseram veementemente.

O desamparo das autoridades também se refletiu no fato de grandes empresas acumularem dívidas fiscais por meses e anos a fio, empresas do porte, por exemplo, da Gazprom ou da Norilsk Nickel [Nornickel desde 2016]. Pra obrigá-las a cumprir suas obrigações fiscais, foi preciso convocar reuniões extraordinárias do governo, pôr as empresas sob pressão e reiterar as exigências. Os bens e contas bancárias da Gazprom foram confiscados. Em muitos aspectos, a lentidão das reformas foi motivada pelo confronto político entre o presidente e os parlamentares russos, o qual levou em 1993 a uma crise política generalizada e a tiroteios nas ruas de Moscou.

E os reformadores não explicaram aos russos os objetivos e o sentido das reformas, quando era necessária uma campanha educacional completa. [Como escreveu Pedro Doria, parte do sucesso do Plano Real se deveu justamente à receptividade de uma população previamente informada, o que hoje podia não dar totalmente certo, tamanho o poder da desinformação veiculada pela internet.] Além disso, o sistema de previdência social era extremamente precário e muitas pessoas se sentiam abandonadas e roubadas. Isso drasticamente privou de apoio o governo Ieltsin. Todos esses problemas não foram resolvidos e se acumularam por meses e anos, até a segunda metade da década de 1990. E eles começaram então a prenunciar outra crise econômica generalizada.

Conclusão – O que aconteceu depois? Centenas de fábricas fecharam, resultando em mais de 10 milhões de desempregados. Havia produtos em abundância nas prateleiras das lojas, mas poucos tinham condições de os comprar. IUKOS, Nornickel, Sibneft: os principais recursos naturais e as maiores empresas do país passaram às mãos de oligarcas ligados ao poder. Tudo isso na próxima parte de nossa série.



sexta-feira, 5 de setembro de 2025

Aula de Serhii Iosypenko (USP 2025)


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Em 31 de agosto de 2025, o filósofo ucraniano Serhii Iosypenko (transliterado quase sempre Yosypenko), professor do Instituto de Filosofia da Academia Nacional de Ciências da Ucrânia e da Universidade de Lausanne (Suíça), proferiu uma palestra online em francês, intitulada “24/2/2022: O retorno da guerra em grande escala”. Não sei quando ela vai estar (se estiver um dia) disponível ao público, pois se deu pelo aplicativo Zoom, com link previamente disponibilizado, mas a Folha de S. Paulo gentilmente publicou a tradução da transcrição, ambas feitas por Felipe Freller, sob o título “Por que invasão da Ucrânia, planejada para ser rápida, virou guerra sem fim?”. Doutor em Ciência Política e professor do Departamento de Ciência Política da USP, ele fez a mediação, traduziu simultaneamente a fala de Iosypenko pra quem não entendia francês (e as perguntas em português pro professor) e tornou a atividade muito agradável.

Mesmo sendo a “Foia” um veículo de circulação nacional, decidi malandramente copiar aqui o conteúdo, pois além deles tentarem ao máximo bloquear pra não assinantes, sabe-se lá quando pode lhes dar na louca de mandar o texto pro saco... Fiz alterações redacionais desprezíveis e inclusive mantive a errônea transliteração “Kiev”, um cacoete do jornal que há muito já devia ser trocado por “Kyiv”: afinal, acaso chamamos Putin de “Volodýmyr”, igual fazemos com Zelensky? Os comentários de leitores (até a linha 4) boçais no próprio portal, então, é melhor serem evitados pra prevenir dor de estômago.

Por isso, com todo meu agradecimento aos envolvidos por este presente, pela ocasião proporcionada em agosto e pela iniciativa do recém-fundado Núcleo de Estudos da Ucrânia, do qual um dos objetivos é combater a discriminação fomentada pela Rússia e por sabujos do Kremlin, inclusive dentro da própria USP, segue a palestra. No final da página vai também o cartaz que anunciou o evento e que também publiquei aqui alguns dias antes:


Filósofo ucraniano analisa contexto e particularidades da luta contra Rússia que se arrasta há 3 anos
[RESUMO] Filósofo ucraniano, à luz de conceitos do francês Raymond Aron e das guerras mundiais do século 20, reflete sobre a invasão de seu país pela Rússia, o que iniciou um conflito armado que já dura três anos, com magnitude que não se previa e sem perspectiva clara de fim. O artigo é a tradução de conferência apresentada no Cedec (Centro de Estudos de Cultura Contemporânea), em parceria com o Núcleo de Estudos da Ucrânia.


Sou um ucraniano nascido e criado na União Soviética, para quem o colapso do império comunista e a independência da Ucrânia foram o início da vida em um mundo novo, pacífico e livre.

Naquela época, em 1991, parecia que os pesadelos da “era dos extremos”, para retomar a expressão do historiador Eric Hobsbawm, pertenciam para sempre ao passado, e que, com o fim do “curto século 20”, a história do último império do Leste Europeu chegava ao fim. Todavia, a guerra que começou em 24 de fevereiro de 2022, com a invasão russa na Ucrânia, mudou sensivelmente essa visão.

Neste contexto, o trabalho do francês Raymond Aron (1905-1983) adquire uma importância única. Durante o período pós-Guerra Fria, ele foi considerado, principalmente, um filósofo da história, um clássico nas pesquisas sobre ideologias e regimes políticos, notadamente os totalitários, mas também um combatente contra as ilusões comunistas dos intelectuais ocidentais.

O retorno de um conflito armado no solo europeu deu particular relevância a seus estudos sobre a guerra, especialmente sua reflexão sobre as ocorridas no século 20. Particularmente pertinente me parece ser, hoje, seu livro Les Guerres en Chaîne [As Guerras em Cadeia, em tradução livre], de 1951, dedicado à análise da Primeira e da Segunda Guerras Mundiais e da Guerra Fria.

Com essa inspiração, proponho-me a tratar da Guerra na Ucrânia, que tem atraído a atenção do mundo inteiro desde a invasão em larga escala pela Rússia, concentrando-me menos em suas causas do que no próprio fato em si.

Faço isso não como historiador, que tem o privilégio de trabalhar com eventos já terminados, mas como filósofo da história e “espectador engajado” (retomando a expressão de outro livro de Aron), que está diretamente concernido por esse evento e que vem observando seu desdobramento há mais de 3 anos, vendo-o cada vez por um ângulo novo e inesperado.

Considero esta guerra, antes de mais nada, um evento-surpresa. Contudo, devemos primeiro distinguir a surpresa do ataque da Rússia da surpresa da própria guerra, o que requer duas observações.

Em primeiro lugar, lembro que a invasão russa à Ucrânia não foi algo inédito: tal ataque já ocorrera em fevereiro de 2014, na ocupação da Crimeia. Depois disso e, mais tarde, da anexação da Crimeia e da intervenção da Rússia no leste da Ucrânia, o conflito entre os dois Estados assumiu a forma de uma “guerra híbrida” e, no leste ucraniano, de um conflito armado de “baixa intensidade”.

Quando, no outono de 2021 e inverno de 2021-2022, a Rússia começou a se preparar abertamente para uma nova invasão em larga escala à Ucrânia, sem esconder suas intenções, nem os ucranianos nem o Ocidente acreditaram na realidade desses planos. Tiveram a esperança, até o último dia, de que ainda se tratava de uma chantagem russa.

O fato de tal ataque ter ocorrido não foi apenas uma surpresa, mas também um ponto de virada em nossa percepção das coisas. O que ontem parecia inacreditável e absurdo tornou-se simplesmente um fato consumado.

Consequentemente, desde então, muitos especialistas dizem que tudo estava claro desde o início, que era óbvio que tudo caminhava para tal fim; todos citam as palavras de Putin sobre a “catástrofe geopolítica”, seu discurso em Munique em 2007 etc.

Em minha visão, trata-se do fenômeno que Raymond Aron chamou de “ilusão retrospectiva de fatalidade”. O absurdo de ontem torna-se hoje uma realidade que parece perfeitamente lógica. E corremos o risco de passar de uma ilusão à outra, de “é impossível porque é absurdo” para “é completamente lógico porque aconteceu”.

Sustento, ao contrário, a posição de que surpresas e coisas inacreditáveis e absurdas acontecem na história, e que entender a história é entender seus eventos tais como eles são, em toda a sua improbabilidade.

Há um ponto ainda mais importante aqui. Referências retrospectivas a ações que antes pareciam inacreditáveis assumem frequentemente a forma de justificação e legitimação.

Por exemplo: “Putin exigiu algo, nós não lhe demos, portanto ele não tinha outra escolha além de atacar e ir para a guerra”. Sobre esse ponto, gostaria apenas de salientar que não há nem necessidade nem fatalidade em toda essa cadeia de eventos. Se a insensatez se torna realidade, isso não confere a ela lógica, justificativa ou legitimidade.

Outra observação: um ataque, por si só, não desencadeia necessariamente uma guerra. Para tal fim, tanto o ataque quanto a defesa são necessários. Considerar a guerra não apenas da perspectiva de quem ataca, mas também da de quem se defende, não é uma abordagem nova nem original, embora seja frequentemente negligenciada nas análises.

Como afirma o filósofo francês Vincent Descombes: “A causa da guerra não é a agressão, mas a defesa. A guerra não irrompe porque um povo toma a ofensiva, mas porque um povo se sente ofendido, considera-se em estado de legítima defesa”.

Se os ucranianos não tivessem demonstrado vontade e determinação para se defender, e, principalmente, se não estivessem em condições de resistir eficazmente ao ataque russo em larga escala, a guerra não teria acontecido. Teríamos apenas uma operação de retaliação e de anexação da Ucrânia, incomparavelmente mais brutal do que a operação de anexação da Crimeia em 2014, e muito maior do que a invasão russa à Geórgia em 2008.

Portanto, ao pensarmos como o ataque de 24 de fevereiro de 2022 se transformou em uma guerra em grande escala, é preciso analisar essa cadeia não apenas da perspectiva da lógica das ações ou dos desejos da Rússia e de Putin, mas também do ponto de vista das ações e das aspirações da Ucrânia e dos ucranianos.

Em minha visão, nem o próprio Putin, nem o Ocidente, nem os ucranianos esperavam que a invasão inicial marcasse o início de uma guerra de tal magnitude, intensidade e duração.

Esse ataque de três anos atrás foi planejado segundo o conceito de “choque e terror” – e foi realmente um grande choque psicológico, especialmente para todos aqueles que, como eu, acordaram com o som de explosões. Esse choque, porém, teve um efeito oposto ao previsto: a vontade de resistir. Essa resistência só se transformou em guerra em grande escala após uma série de transformações nas perspectivas e na natureza do conflito.

Desde o início, temia-se que os eventos se desencadeariam segundo o modelo da invasão do Iraque por Estados Unidos e Reino Unido em 2003. A propaganda russa era ainda mais categórica, falando da “tomada de Kiev em 3 dias”. Ao analisar as ações das forças militares russas, podemos concluir que essa fórmula correspondia aos planos reais.

Mais tarde, quando ficou evidente que a estratégia de Putin havia fracassado, surgiu a esperança de que se tratasse de outra opção: de uma espécie de “operação de imposição da paz”, ou seja, de coerção para que a Ucrânia fizesse certas concessões.

As negociações que ocorreram em Istambul, em março de 2022, inscreviam-se perfeitamente na perspectiva de uma operação militar curta e de um armistício rápido, mas seu fracasso se deveu ao fato de que a posição de cada lado era inaceitável para o outro. A Ucrânia podia estar até disposta a discutir certas concessões, mas a Rússia exigia, de fato, a rendição total.

A situação mudou com a retirada das tropas russas no norte da Ucrânia, simultaneamente com o fracasso das negociações em Istambul. A derrota militar em se apossar de Kiev indicou que, apesar do status reivindicado de grande potência, a Rússia se revelou incapaz de conduzir uma “pequena guerra vitoriosa” contra um país muito mais fraco.

Por outro lado, a Ucrânia, qualificada frequentemente de “Estado falido”, mostrou-se capaz de repelir com sucesso um ataque armado em grande escala conduzido por uma pretensa “grande potência”.

Isso determinou uma terceira perspectiva: a de um fim rápido da guerra com uma vitória ucraniana. Com efeito, após uma mobilização massiva e a chegada de armas ocidentais, a Ucrânia libertou Kherson e a região de Kharkiv no outono de 2022.

Após esse sucesso, com a ajuda de aliados, iniciou os preparativos de uma “grande ofensiva” em 2023, a qual deveria privar a Rússia de seu único sucesso real: o corredor terrestre para a Crimeia.

Essa ofensiva, contudo, falhou. Houve outra surpresa: a Rússia provou ser capaz de resistir às sanções ocidentais e, apesar de alguns fracassos, de se mobilizar para uma guerra em grande escala e de longo prazo.

Além disso, começou a aumentar as apostas. Em resposta à contraofensiva de 2022, anexou formalmente quatro regiões ucranianas que, mesmo hoje, ainda não estão inteiramente sob seu controle, e fez do reconhecimento dessa anexação e da “libertação” da parte não ocupada dessas regiões mais uma de suas exigências, que já eram inaceitáveis para a Ucrânia.

A partir do final de 2022, o conflito assumiu definitivamente a forma de uma guerra de atrito: os combates são principalmente de natureza posicional; cidades relativamente pequenas mudam de mãos ao custo de perdas consideráveis; a Rússia bombardeia sistematicamente o conjunto do território ucraniano, com o objetivo de destruir completamente sua infraestrutura de energia e transporte; a Ucrânia, por sua vez, começa progressivamente a bombardear o território russo em resposta.

A guerra entrou em uma fase que, como Aron explicou em seu livro de 1951, a propósito da Primeira Guerra Mundial, “só poderia ter sido evitada por uma vitória-relâmpago de qualquer um dos lados”. Naquele caso, disse o francês, foi “a Batalha de Marne [que] afastou essa possibilidade”.

“As condições para a guerra total estavam postas: bastava uma única oportunidade para que ela irrompesse, e essa oportunidade foi oferecida pelo equilíbrio aproximado de forças”, escreveu. No nosso caso, a transição para essa etapa ocorreu ao longo de 2022.

Em minha visão, temos todas as razões para traçar esse paralelo. O conflito mundial de 1914 a 1918 é uma excelente ferramenta para analisar os dias atuais. Assim como naquela ocasião, a escala, a intensidade e a duração da Guerra da Ucrânia foram uma surpresa completa.

Como relata Aron: “Os ministros e seus conselheiros militares acreditavam que estavam empreendendo uma guerra ‘como as outras’, cujo resultado seria decidido por algumas batalhas de aniquilação. Na verdade, eles estavam engajando os povos em uma longa prova de desgaste. Entre a antecipação e o evento, interveio o que proponho chamar de ‘surpresa técnica’”.

O que hoje poderia ser considerado uma “surpresa técnica”? Antes de responder, é necessário esclarecer: o que seria uma guerra “como as outras”, no nosso caso? Segundo a propaganda, a “operação militar especial” russa é uma guerra “assimétrica” (entre atores com capacidades militares e de organização muito desiguais, como um Estado poderoso contra uma guerrilha ou uma organização terrorista), mas, desde o início, foi concebida como “guerra dissimétrica”, na qual uma grande potência ou uma coalizão de Estados conduz uma operação militar para impor a paz ou restaurar a ordem internacional contra outro Estado com um Exército regular, mas muito menor e mais fraco.

Um exemplo típico disso foi a Guerra no Iraque, em 2003. No entanto, o caso presente se transformou, de maneira inesperada, em uma guerra clássica e, em muitos aspectos, simétrica.

Nossa surpresa consistiu no estabelecimento de um “equilíbrio aproximado de forças”, graças ao qual nenhum dos dois países conseguiu alcançar uma “vitória-relâmpago”.

Esse equilíbrio é determinado pelo fato de que ambos os países conseguiram mobilizar simultaneamente recursos suficientes para uma guerra em que combates de alta intensidade são travados na linha de frente por mais de mil quilômetros. Há uma troca ativa de ataques à distância, uma modernização do Exército e das armas, assim como a expansão permanente do combate para novas zonas e novos espaços.

Como esse “equilíbrio aproximado de forças” de dois países com potenciais tão diferentes, sob todos os pontos de vista, tornou-se possível? Há duas dimensões aqui: uma técnica e outra política.

No que diz respeito à dimensão técnica, convém lembrar que os dois beligerantes são herdeiros da União Soviética e conservaram estoques consideráveis de armas preparadas durante a Guerra Fria. A desproporção entre o potencial técnico e humano da Rússia e o da Ucrânia é compensada pela ajuda ocidental a esta última.

Ao mesmo tempo, essa ajuda tem limites muito evidentes. Políticos, em primeiro lugar: o fornecimento de armas visa apenas “igualar as chances” nos combates – e apenas no território da Ucrânia.

Limites técnicos: verificou-se que os aliados ocidentais, principalmente europeus, não têm armas e munições suficientes para uma batalha de tal magnitude, duração e intensidade.

Em contraste, a Rússia, apoiando-se principalmente sobre seus próprios recursos, muito maiores, em pouco tempo viu-se perante uma escassez de capacidades de produção e, principalmente, de tecnologia, beneficiando-se do fornecimento de armas e munições por parte do Irã e da Coreia do Norte.

A dimensão política dessa surpresa também é determinada pelo fato de que o conflito russo-ucraniano assumiu o caráter de uma “guerra nacional” para ambas as partes, desde 2014. A Ucrânia sofreu um ataque em grande escala de um vizinho mais forte que pretende restaurar o antigo império, inclui-la nele e, assim, privá-la de sua independência.

No caso da Rússia, uma eventual derrota significará o fim do projeto imperial (que, em certo sentido, pode ser visto como uma ideia nacional dos russos), tornando o país um “simples Estado-nação”.

Esse “equilíbrio aproximado de forças” também persiste porque a Rússia continua mantendo a aparência de uma grande potência que trava uma guerra assimétrica ou uma “operação militar especial” (ao mesmo tempo em que recusa chamá-la de “guerra”).

Apesar das perdas humanas significativas, a Rússia não declarou lei marcial (quando uma autoridade militar assume o controle das funções administrativas e judiciais do país) nem mobilização geral para as tropas, como fez a Ucrânia. Recruta em seu Exército sobretudo residentes de regiões desfavorecidas e trabalhadores migrantes estrangeiros. Além disso, desde 2024, tropas regulares da Coreia do Norte estão vindo apoiar as Forças Armadas russas.

Paradoxalmente, outro fator que contribui para o “equilíbrio aproximado de forças” nesta guerra, que se tornou uma guerra total – como define Aron, quando ocorre “mobilização implacável de recursos nacionais e uma corrida por invenções” –, é o status oficial da Rússia como potência nuclear, assim como a dissuasão nuclear por parte do Ocidente, primeiramente dos Estados Unidos.

O histórico conflito da Rússia com o Ocidente tornou-se aberto e adquiriu os traços de uma guerra híbrida (sanções econômicas, ataques cibernéticos, sabotagem, operações psicológicas e entregas de armas). O Ocidente apoia a Ucrânia em sua luta contra a agressão russa, tentando manter um equilíbrio delicado: a Ucrânia não deve perder, mas o Ocidente precisa evitar um confronto direto com a Rússia.

Por sua vez, a Rússia também evita qualquer confronto direto com o Ocidente, embora no plano da retórica política seus líderes só falem nisso.

Assim, por um lado, o status nuclear russo continua sendo uma garantia para evitar a intervenção ocidental direta; por outro, esse status dissuade a Rússia de uma guerra ilimitada contra a Ucrânia, com a utilização de armas nucleares, pois isso acarretaria automaticamente um conflito aberto com os EUA.

Esta guerra tem, portanto, o caráter bastante paradoxal de uma guerra total, mas dentro de certos limites, e não apenas territoriais. Esses limites são determinados pela estrutura do conflito descrita acima, ou seja, pela interseção desses dois níveis – entre a Rússia e a Ucrânia, por um lado, e a Rússia e o Ocidente, por outro –, bem como pelo papel da comunidade internacional e de suas instituições, principalmente o direito internacional e a ONU.

Deve-se notar que a guerra russo-ucraniana permanece uma guerra não declarada, o que deixa certas possibilidades abertas aos beligerantes, por exemplo, a circulação de civis. As partes também trocam regularmente prisioneiros (com a participação de mediadores).

Assim, alguns “pequenos” compromissos são possíveis (com um acordo negociado ou não), mas, por enquanto, não há perspectiva de terminar a guerra com um acordo de paz baseado no entendimento entre os beligerantes.



quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Ianukovych herda dentadura do Silvio


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Desde 2022, o ex-presidente da Ucrânia, Viktor Ianukovych, fantoche autoritário do Kremlin e defenestrado pela Revolução da Dignidade em 2014, não aparecia em público nas grandes mídias. Há alguns dias, escondido como está desde então na cidade russa de Rostov, defecou pela boca mais uma vez na agência estatal RIA Novosti ao culpar a “expansão indiscriminada da OTAN” sobre os antigos países socialistas. Logo depois que começou a invasão em larga escala dos porcos de Putler contra o vizinho, o corrupto fugitivo, ex-premiê de outro presidente (Leonid Kuchma) também corrupto, também culpou Zelensky pelo evento, novamente igualando agredido e agressor.

Nem vou insistir nessa calúnia ex-querdista sobre o “golpe de estado neonazi orquestrado pela UE”, porque um chefe de Estado contestado pelo próprio povo que o elegeu não pode matar mais de 100 manifestantes pacíficos e achar que depois não teria reação violenta. Não quis nem publicar o vídeo todo, nem traduzir o que ele possa ter falado. Mas como um trecho da declaração apareceu na mídia russófona exilada, não pude deixar de notar que ele está com uns dentões desproporcionais ao tamanho da própria boca e muito mais branco e alinhados. Mesmo que neste print que fiz não esteja aparecendo muito, não deu a impressão que ele herdou a dentadura do finado Silvio Santos?


Pra terminar a zoeira, lhe apresento Aimani Kadyrova, mãe de Ramzan “Don-Don”, o maior dançarino e ditador assassino da Chechênia. Como se sabe, todos os altos cargos de governo na republiqueta são distribuídos entre membros dessa família, e a Fundação Akhmat Kadyrov, acusada de participar da lavagem cerebral de crianças ucranianas deportadas pra Rússia, não era exceção. Administrada pela “Senhora Don”, a tal fundação caiu hoje sob sanções britânicas, assim como pessoalmente sua administradora, devido a esse trabalho nada humanitário. Não sei se você tem outra ideia, mas a meu ver, ela parece uma mistura de Sérgio Reis, Valdemar Costa Neto e Luiz Roberto Datena!


sexta-feira, 29 de agosto de 2025

Tusk e Macron falando romeno (2025)


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Mais um conteúdo inusitado que, traduzido, você só encontra aqui! A celebração pública dos 34 anos da independência da República da Moldova, realizada em 27 de agosto na capital Chișinău (antes chamada à russa de “Kishiniov” ou “Kishinev”) contou com diversos shows musicais em sua primeira metade e com os discursos de Friedrich Merz (chanceler da Alemanha), Donald Tusk (premiê da Polônia), Emmanuel Macron (presidente da França) e Maia Sandu, presidente do país-hóspede. Pra surpresa geral, embora Tusk tenha saudado em inglês e Macron em francês, ambos leram breves discursos inteiros em romeno, que no caso do segundo, apesar da gentileza, beirou o insuportável!

Como “Rambozambo” discursou em inglês e só falou uma ou duas frases em romeno, nem selecionei os trechos. Curiosamente, embora o som da letra “ă” apareça em certas pronúncias do francês, Macron insistiu em quase sempre, exceto quando o transformava num simples “a”, o transformar em nosso “ê”, um som nada a ver. Atualmente, os três países citados foram o núcleo da proteção militar da União Europeia e da oposição à invasão da Ucrânia por Vladimir Putin. Ao mesmo tempo, Moscou considera a Moldova um “quintal natural” seu, por ter sido uma república soviética (a “Moldávia”) de 1945 a 1991, e faz de tudo pra impedir sua integração com o Ocidente. Nem o sequestro da famosa Transnístria, hoje em colapso econômico e que podia ter sido o próximo alvo caso Odesa fosse tomada, está parando o processo.

A transcrição do discurso de Tusk foi publicada pelos portais da TVR da Romênia e da Moldova. Porém, nessas transcrições há frases que não são faladas e que não sei de onde saíram, e ao mesmo tempo, elas não contêm uma frase final de Tusk que, por sua vez, saiu na versão deste portal. O discurso de Macron também foi transcrito pela TVR da Moldova, bem como pelo Digi24:


Boa noite, Moldova! Caros amigos, hoje vocês celebram sua independência – o dia em que escolheram a liberdade e a dignidade em vez do medo e dominação estrangeiros. E eu, enquanto polonês, entendo o que isso significa.

A Polônia também sofreu ocupação e ditadura. Também pagamos um alto preço por nossa liberdade. Mas aprendemos uma verdade: quando um povo é unido e corajoso, nenhum império pode o derrotar.

Vocês, moldovos, já demonstraram que têm esse poder. Há três décadas, vocês se levantaram pela liberdade, pela língua romena. Há três anos, vocês abriram suas casas pros refugiados ucranianos.

No ano passado, por meio do voto, vocês defenderam o caminho europeu. Vocês mostraram ao mundo que a Moldova vive de acordo com nossos valores comuns, os valores europeus: liberdade, democracia, solidariedade.

O futuro da Moldova está na União Europeia. A Europa é um projeto de paz, e a Moldova faz parte desse projeto. Vocês têm um caminho claro pela frente, e nós, poloneses, vamos estar a seu lado. Pra que cada moldovo viva em segurança, prosperidade e com a dignidade que merece.

Hoje, lhes digo enquanto bom amigo da República da Moldova: o que vocês conquistaram é um resultado impressionante de sua coragem e trabalho. Defendam isso com a mesma determinação e apoiando sua líder, que também é a líder de todos os europeus livres.

Parabéns, Moldova!


Bună seara, Moldova! Dragi prieteni, astăzi sărbătoriți independența voastră – ziua în care ați ales libertatea și demnitatea în locul fricii și al dominației străine. Și eu, ca polonez, înțeleg ce înseamnă asta.

Și Polonia a cunoscut ocupația și dictatura. Și noi am plătit un preț greu pentru libertatea noastră. Dar am învățat un adevăr: atunci când un popor este unit și curajos, niciun imperiu nu-l poate înfrânge.

Voi, moldovenii, ați arătat deja că aveți această putere. Trei decenii în urmă, v-ați ridicat pentru libertate, pentru limba română. Trei ani în urmă, ați deschis casele voastre refugiaților ucraineni.

Anul trecut, ați apărat, prin vot, calea europeană. Ați arătat lumii că Moldova trăiește după valorile noastre comune, valorile europene: libertate, democrație, solidaritate.

Viitorul Moldovei este în Uniunea Europeană. Europa este un proiect de pace, iar Moldova este parte din acest proiect. Aveți un drum clar în față, iar noi, polonezii, vă vom fi alături. Pentru ca fiecare moldovean să trăiască în siguranță, în prosperitate și cu demnitatea pe care o merită.

Astăzi vă spun ca un bun prieten al Republicii Moldova: ceea ce ați obținut este un rezultat impresionant al curajului și al muncii voastre. Apărați-l cu aceeași hotărâre și sprijinind-o pe lidera voastră, care este și lidera tuturor europenilor liberi.

La mulți ani, Moldova!


Trechos que não foram falados:

“Știu asta din experiența Poloniei: în doar două decenii în Uniunea Europeană am devenit o țară mai puternică, mai sigură și mai prosperă.” (Sei disso pela experiência da Polônia: em apenas duas décadas na União Europeia, nos tornamos um país mais forte, mais seguro e mais próspero.)

“Și același drum s-a deschis acum și pentru voi.” (E agora o mesmo caminho se abriu pra vocês.)

“Nu lăsați Rusia să se întoarcă aici. Nu risipiți ceea ce ați construit. Nu lăsați viitorul vostru să fie furat.” (Não deixem a Rússia voltar pra cá. Não estraguem o que vocês construíram. Não deixem que seu futuro seja roubado.)


Boa noite, Chișinău! Boa noite, caros amigos moldovos!

Estou muito feliz por estar aqui esta noite, com Friedrich Merz e Donald Tusk, ao lado de Maia Sandu e de todos vocês, juntos, pra celebrar o Dia Nacional da República da Moldova. Graças a vocês, esta noite, o coração da Europa bate mais forte do que nunca, em Chișinău! Vim lhes transmitir a mensagem de amizade do povo francês, que admira sua luta pela democracia e justiça!

A República da Moldova pode se orgulhar do caminho percorrido desde a independência e estar confiante em seu destino e futuro europeus: vocês já fazem parte da família europeia e podem contar com o apoio e respeito da Europa.

A Europa significa unidade na diversidade, respeito por todas as identidades e culturas. É um projeto de paz, uma parceria inédita e de solidariedade entre países iguais, a serviço de todos os cidadãos!

Amanhã, nossa União Europeia vai ser mais forte junto com a Moldova, e também a Moldova vai ser mais forte e próspera na Europa. Juntos, vamos escrever um novo capítulo na história da Moldova e da Europa.

Por essa razão, estamos hoje com vocês e a presidente Maia Sandu, que luta, desde o primeiro dia, com grande coragem, por uma Moldova independente, forte, democrática e ancorada na Europa!

Viva a República da Moldova! Viva a Europa! Viva a Moldova na Europa! Viva a Moldova independente! Viva a Europa unida!


Bună seara, Chișinău! Bună seara, dragi prieteni moldoveni!

Sunt foarte fericit să fiu în această seară, cu Friedrich Merz și Donald Tusk, alături de Maia Sandu și de voi toți, împreună, pentru a sărbători Ziua națională a Republicii Moldova. Datorită vouă, în această seară, inima Europei bate mai puternic ca niciodată, la Chișinău! Am venit să vă transmit mesajul de prietenie din partea poporului francez, care admiră lupta voastră pentru democrație și justiție!

Republica Moldova se poate mândri de drumul parcurs de la independență încoace și poate avea încredere în destinul și viitorul său european: faceți parte deja din familia europeană și puteți conta pe sprijinul și respectul Europei.

Europa înseamnă unitate în diversitate, respectul tuturor identităților și culturilor. Este un proiect de pace, un parteneriat inedit și de solidaritate între țări egale, în slujba tuturor cetățenilor!

Mâine, Uniunea noastră europeană va fi mai puternică împreună cu Moldova, iar Moldova va fi și ea, în Europa, mai puternică și mai prosperă. Împreună, vom scrie un nou capitol din istoria Moldovei și a Europei.

Din acest motiv suntem astăzi alături de voi și alături de președinta Maia Sandu care luptă, din prima zi, cu mult curaj, pentru o Moldovă independentă, puternică, democratică și ancorată în Europa!

Trăiască Republica Moldova! Trăiască Europa! Trăiască Moldova în Europa! Trăiască Moldova independentă! Trăiască Europa unită!



quarta-feira, 27 de agosto de 2025

34 anos da Ucrânia (Rio de Janeiro)


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No último domingo, 24 de agosto, foi feita manifestação no bairro carioca de Copacabana em comemoração aos 34 anos da independência da Ucrânia e a favor da resistência contra a invasão de Putin. Meu amigo Claudio, que vive no interior do Paraná e defendeu em março sua tese de doutorado na UFRJ sobre a identidade dos ucranianos no Brasil, é um grande militante da causa e me enviou as fotos e vídeos abaixo dos arredores do Copacabana Palace. Sim, o braço com a bandeira é dele, rs. Selecionei as melhores versões e evitei algumas fotos com conteúdo repetido ou não muito relevante. Espero que você goste, e SLAVA UKRAINI: