Prosseguindo com os textos de meu ensino médio (2003-2005) que ainda julgo serem interessantes, trago hoje uma curiosa pérola intitulada “Os malefícios do telefone celular”, datada de 2 de fevereiro de 2005 e escrita pra matéria de Física, então lecionada pela meteórica Viviane (sim, a mesma que trouxe o instrutor de bomba atômica...). Não alterei as palavras, mas apenas atualizei a ortografia. Apesar da ostentatória nota dez, acredito que tenha sido um mero texto pra uma atividade pontual, talvez um projeto de “panfleto” que poderia ser distribuído ao público. A letra horrível do texto é minha, mas a dos nomes e da data, não: Alexânia (ou Alexxânia) era uma grande amiga minha, muito inteligente, enquanto as outras duas, a julgar por seu empenho nos estudos, provavelmente “parasitaram” a atividade, rs.
Telefones celulares não eram novidade e os célebres “tijolões” já tinham se tornado peça de museu. Mesmo os alunos adolescentes já os tinham (ligar pros pais buscarem na escola ou na balada...), mas aqueles de telinha azul ou cinza, com caracteres pretos e cabendo na palma da mão, estavam no ápice da sensação. Smartphones só viriam em 2007, e mesmo por um tempo foram “apanágio” de uns poucos endinheirados ou com profissão mais executiva (a primeira pessoa que vi usando foi minha psicóloga, em 2010, imagine por quê, rs); antes deles, o máximo que um “simprinho” podia ter era um jogo bem babaca. A maior diversão proporcionada por eles era colocar como toque de chamada, ao som de “bip-bip”, Danúbio Azul ou La Cucaracha.
Porém, por vários anos, houve dúvidas quanto aos danos da radiação, tanto de aparelhos quanto de torres, à saúde humana, incluindo temores de casos de câncer. Hoje se sabe que os celulares (ao menos os modernos) emitem uma radiação de perigo mínimo, salvo pela exposição excessiva à luz das telas que pode prejudicar o sono. Os receios expostos no texto, que hoje parecem humorísticos, podiam de certa forma ser transferidos pro uso excessivo de smartphones, embora eu acredite que o distanciamento dos adolescentes pudesse ser interessante: antes mesmo dos computadores de mesa, o maior incômodo dos pais “noventistas” eram meninas que passavam o dia todo tagarelando na linha fixa, rs.
Depois de experiências feitas com ratos submetidos às ondas eletromagnéticas emitidas pelo telefone celular, comprovou-se que seu uso excessivo pode causar vários efeitos nocivos à nossa saúde. Neste manual, vamos listar alguns desses malefícios e enumerar algumas medidas para evitá-los.
As experiências com cobaias ocasionaram as seguintes alterações nesses animais:
Queda de 26% na fertilidade de filhotes nascidos de animais expostos à radiação;
Atraso no amadurecimento dos óvulos e decréscimo de 3 a 4% no consumo de alimentos; o aumento no consumo de água já era esperado devido à radiação térmica emitida pelos aparelhos nos corpos dos ratos;
Aumento nas dificuldades de aprendizagem e de realização de tarefas comuns.
Todavia, como esses resultados foram obtidos com experiências indiretas, os supostos malefícios não são uma verdade absoluta comprovada. Por isso, há algumas providências que podem ser tomadas para amenizar os efeitos do aparelho sobre nosso corpo. Algumas das providências listadas por pesquisadores da fabricante de celulares Ericsson são as seguintes:
Usar o aparelho a uma distância a partir de 2,5 cm do ouvido;
Falar até 6 minutos sem interrupções;
Uso mais frequente de recursos como fones de ouvido e viva-voz;
Diminuir a frequência no uso do celular para menores de 16 anos, devido ao fato de o cérebro estar em desenvolvimento.
Prosseguindo com os textos de meu ensino médio (2003-2005) que ainda julgo serem interessantes, trago hoje dois textos bastante intrigantes do ano de meu “terceirão”. O primeiro é um pedaço de papel intitulado “Essa luta é nossa!”, datado de 11 de agosto de 2005, indicado como da matéria de História (mas não sei pra que atividade) e com as marcas manuscritas da nota “10,0” e da observação “belo texto”. A avaliadora foi Flávia, minha professora, que já citei várias vezes como uma das responsáveis por minha escolha de carreira. Você poderia dizer que parece mais um texto partidário da esquerda universitária, confirmando, portanto, a “hipótese” de que os estudantes secundaristas estariam sofrendo “doutrinação em massa” pelos malvados docentes de Humanas.
Se não gostou, culpe primeiro o colégio Pueri Domus, cujo método era então o empregado e cujas ideias não divergem muito do que escrevi. Um dos autores das apostilas de Português, por exemplo, era o renomado Sírio Possenti, linguista da Unicamp. E de fato, a Flávia era, sim, de “esquerda democrática”, jamais defendeu Stalin e Mao (como uns idiotas fazem hoje) e tinha “Jesus e Che” como seus maiores ídolos, rs. Porém, como também disse antes, eu me reivindicava então “socialista democrático” de minha própria cabeça e simpatizava com o Marechal Tito. Na verdade, minha simpatia era pelo PSOL, formado no ano anterior, porque eu me considerava “à esquerda do PT”, mas rejeitava ideias de revolução violenta.
Isso ajuda a explicar o segundo texto, que não tem data, título ou contexto, mas que devo ter escrito pra ser lido num evento público (mais provavelmente envolvendo os pais dos alunos) e trata das primeiras denúncias do “mensalão” petista. Chama a atenção como aceito acriticamente tudo o que a mídia hegemônica falava, mais especificamente a TV Globo, cujo Jornal Nacional eu devorava assiduamente como fonte primordial de notícias, às vezes salpicada pelo Estado de S. Paulo que minha escola assinava. Esse conteúdo mastigado, envolto num vocabulário radicaloide, poderia ser jocosamente chamado de lavajatismo de esquerda. Também salta aos olhos a série de políticos listados, que incluem Severino Cavalcanti, então envolvido em outros escândalos, e até Paulo Maluf, configurando uma aparente revolta geral com essa classe (pra variar...).
Mais impressionante ainda é que me esforço por dissociar Lula, de quem estranhamente eu nunca tinha gostado antes, de vários políticos do PT que seriam os “verdadeiros responsáveis” pelos escândalos – quando hoje sabemos que a Jararaca também nunca valeu nada. Porém, ressalto que em vinte anos, apesar de ocasionais sucessos no combate à corrupção – devidos mais às instituições fortes do que a um ou outro partido –, parecemos não ter aprendido nada, elegendo políticos ainda piores, ainda mais descarados quanto aos malfeitos, e sendo agora manipulados pelas redes sociais. Esses aplicativos criam personagens que não existem e medos sem fundamento, só pra que tudo “mude pra não mudar”!
Não alterei as palavras, mas apenas atualizei a ortografia, fiz revisões mínimas na redação, redividi alguns parágrafos (sobretudo do segundo texto) e adicionei pequenas notas entre colchetes. O primeiro texto tinha as frases divididas apenas por ponto-e-vírgula, portanto, adicionei tópicos pra ficar mais legível. O original escaneado estava digitado, por isso, consegui usar esta ferramentaonline gratuita pra recodificar o texto e poupar tempo e lesões:
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O Brasil precisa se tomar independente:
dos altos impostos aos quais seu povo está submetido e que tanto dinheiro sugam do já famigerado salário do trabalhador, sendo que seu destino deveria ser a melhoria dos serviços prestados à população, e não a engorda dos salários dos deputados federais e dos recursos luxuosos à disposição do Poder Executivo;
do domínio dos interesses financeiros internacionais, como os do FMI, que nos empresta dinheiro a troco da implementação nacional das mais maçantes regras do neoliberalismo, e os dos EUA, que, além de visar reviver a doutrina Monroe através da ALCA, impõem pesados tributos aos nossos produtos (o que também faz a União Europeia);
da massificação cultural imposta à nossa juventude, que, além de aliená-la da situação social vivida pelo nosso país, dá-lhe a distorcida visão, através da mídia, de que a cultura brasileira (moda, culinária, literatura, cinema, idioma e música), tão rica e tão pura, é repugnante e inferior à que vem dos países anglófonos;
da economia de mercado na sua forma atual, que deturpa totalmente o verdadeiro sentido da cidadania e derruba por terra as iniciativas sociais, governamentais ou não, para melhorar o nível de vida dos cidadãos mais humildes;
do preconceito racial e sexual [acho que me refiro ao machismo, e não à homofobia], que ainda hoje se manifesta pelos benefícios econômicos que uma classe tem sobre a outra e pelas atitudes violentas de grupos minoritários que consideram inferiores todos aqueles que não se encaixam nos seus “padrões”.
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Em nome de todo o 3.º ano do Ensino Médio, quero manifestar minha indignação com a atual situação da política brasileira, motivo pelo qual estamos todos reunidos aqui neste dia de luto e protesto. Todos vocês estão acompanhando, seja pelos jornais, revistas ou comentários de seus pais e professores denúncias de corrupção nos Correios e de compra de apoio por parte de políticos da base aliada feita pelo PT, o chamado “mensalão”. Ainda não sabemos se essas denúncias são verdadeiras, mas o que importa é que ninguém mais se conforma com o mar de lama que se tornou o Congresso Nacional, que poderia ser chamado de “Casa do Povo”, se não fossem os reais interesses que lá são defendidos por pessoas que nós mesmos escolhemos para apresentar nossas aspirações às autoridades máximas deste país.
Como todos sabem, os deputados adoram criar leis que aumentem os próprios salários, arrancando dos cofres públicos verbas que poderiam ser usadas na melhoria de estradas, de escolas, de programas de assistência social. Enquanto isso, trabalhadores braçais e operários simples, que mal conseguem pagar seu sustento, precisam se contentar com seu minguado e suado salário para alimentar bocas que muitas vezes chegam a um grande número por família. E professores públicos, em especial os que prestam serviços ao Governo do Estado de São Paulo, sofrem com salários defasados, sem aumentos há mais de dez anos, essa classe que mais sofre desde o governo de Paulo Maluf, homem cujas denúncias de corrupção foram abafadas pela imprensa após a instalação do caos no governo federal e do qual não devemos esquecer por todas as suas atitudes ilícitas.
No começo deste ano, vimos a campanha empreendida pelo deputado Severino Cavalcanti [1930-2020, então do PP, atual Progressistas] pela presidência da Câmara, não sei se vocês lembram. Ele teve como meta um gordo aumento no salário de seus colegas, motivo pelo qual acabou sendo eleito, mas, traindo os seus, não concretizou sua promessa: felizmente! Cavalcanti certamente não é uma pessoa na qual devemos confiar, principalmente porque ele assume publicamente que pratica o nepotismo, ou seja, contrata parentes para trabalharem com ele, o que é uma prática ilegal no Brasil [na verdade, diante da vagueza da legislação, só seria explicitamente proibida pelo STF em 2008], e porque sua família representa em Pernambuco uma linhagem oligárquica que exerce o poder há séculos, assim como os Magalhães na Bahia. Há até um verso feito no século 19 que diz: “Quem viver em Pernambuco/Deve estar desenganado/Que há de ser Cavalcanti/Ou há de ser cavalgado”.
A oligarquia, que muitos de vocês já devem ter estudado, significa “governo de poucos”, o que não deveria ser realidade em um país onde o regime vigente chama-se “democracia”, que significa, lembrando a muitos de vocês, “governo do povo”. Essa forma de governo parece ter morrido com o fim do poder dos grandes cafeicultores, na década de 1930, mas ainda é uma realidade infeliz em muitos estados do Norte e do Nordeste devido à sua forma de colonização. O governo de poucos leva a mais corrupção e a uma sede maior de poder, levando a mais e mais exclusão social. Não obstante, assistimos ainda a denúncias de corrupção na Câmara dos deputados estaduais [Assembleia Legislativa] de Rondônia, um estado que parece estar fora de nossa realidade, sendo talvez por isso que muitos de vocês não devem estar acompanhando esse escândalo. Deputados estaduais estão pedindo dinheiro ao governador Ivo Cassol para continuarem apoiando-o. Cassol chegou a denunciar o esquema de extorsão em vários programas, mas ele mesmo é alvo de várias denúncias de corrupção.
O mesmo acontece com o deputado federal Roberto Jefferson, o autor das denúncias sobre o “mensalão”. Ele mesmo tem várias acusações e é acusado pelos denunciados de estar se defendendo de suas próprias culpas, ou até mesmo de se vingar dos homens fortes do governo, que são os principais suspeitos, por causa de algumas rejeições que o deputado sofreu por parte deles. Seja como for, em ambos os casos, vemos caça querendo se tornar caçador, presa querendo se tornar predador. Ninguém tem coragem de assumir como homens dignos de respeito que erraram, que violaram as leis, que, como disse o presidente Lula, “esconderam a sujeira debaixo do tapete”. Eles pensam que podem errar e sair ilesos diante dos olhos do povo. E nosso pobre presidente Lula, grande homem, assiste a tudo isso apreensivo, com medo de que esses escândalos possam abalar sua imagem.
Não tenho vergonha de dizer em público o quanto admiro Lula pelos seus maravilhosos projetos de combate à fome e à corrupção. Eu conheço, e todos vocês devem conhecer seu passado de sofrimento e lutas. Vindo de Pernambuco, ele sempre batalhou ao lado dos operários diante da repressão do regime militar, na década de 1980, e fundou o mais relevante partido de esquerda, hoje corrompido por déspotas como José Genoíno: o Partido dos Trabalhadores. Não se cansou de disputar a presidência da República para representar os interesses populares e hoje ocupa o mais alto cargo de nossa política. Seu maior erro foi a confiança do poder a homens como José Dirceu e Ricardo Berzoini, que muitos de vocês não devem conhecer, gente que não sabe guiar os rumos de uma nação e que não sabem quais são os verdadeiros interesses das classes que eles deveriam defender. Pobre Lula, que possui um passado limpo, mas está parasitado por uma corja que só ajuda a gastar o dinheiro de nossos impostos.
Provavelmente essa geração de corruptos vem de uma longa corrente tradicional brasileira, que visa atender aos próprios interesses e não se preocupa em lutar pelo bem comum, ainda que esteja ganhando para isso. A população brasileira está seduzida pelos supostos benefícios trazidos pela “lei de Gérson”, um famoso ex-jogador da seleção brasileira de futebol. Essa lei diz que o brasileiro tem a tendência de querer levar vantagem em tudo o que faz. É claro que todos nós queremos levar vantagem, isso é natural do ser humano, mas será que vale a pena passar por cima das pessoas e usá-las como degraus para nos encontrarmos no topo da escada? Será que vale a pena desrespeitar as vontades das outras pessoas que convivem com a gente para vermos apenas nossos direitos conquistados? Será que obter as coisas pelo próprio mérito não vale mais do que usar o esforço do outro ou um descuido do mesmo em benefício próprio?
Pois é, falta ao brasileiro uma relação de valores que deveria ser usada para guiar nosso comportamento e fazer as coisas da maneira mais honesta possível. Recentemente circulou um texto pela internet [mais exatamente por e-mail, que republiquei aqui em português e esperanto e que, embora não errado de todo, simplifica demais um tema tão complexo quanto o subdesenvolvimento] refletindo sobre os motivos pelos quais um país é mais pobre que o outro, e o texto conclui que essa diferença não reside na idade, na raça predominante, no tamanho ou nos recursos naturais, mas na maneira de se portar da população. E alguns princípios citados como predominantes na população dos países desenvolvidos merecem ser aqui citados: A ética, como princípio básico. A integridade. A responsabilidade. O respeito às leis e regulamentos. O respeito pelo direito dos demais cidadãos. O amor ao trabalho. O esforço pela poupança e pelo investimento. O desejo de superação. E a pontualidade. Tudo isso faz com que um povo tenha vontade de crescer e prosperar e atingir altos níveis de desenvolvimento humano como os da Noruega e da Suécia ou baixíssimos níveis de corrupção como os da Finlândia.
Para que possa ser formada uma nova geração mais consciente, é preciso uma educação de qualidade para as nossas crianças e nossos jovens, tanto dentro das próprias casas quanto nas suas escolas. A vontade de se superar e de mudar a situação de nosso país deve partir de nós desde cedo. E vocês, que estão tendo essa oportunidade de refletir sobre os fatos recentes, aproveitem enquanto é tempo e exerçam seu papel de cidadãos, não só agora, na adolescência, mas em sua vida adulta, participando de movimentos, votando com sabedoria, lutando pelos seus direitos e levando uma vida baseada na ética e na honestidade. Só assim poderemos fazer um país melhor. A consciência de vocês vai agradecer, pois é ela quem guia nossas ações e nos diz o que é certo e o que é errado.
Nada melhor do que esse assunto pra começar meu “Mix de política ao redor do mundo” número “24”, rs. No último dia 13 de maio, Donald Trump participou de um fórum de investimentos saudita-americano na presença do príncipe herdeiro Rei do Picadinho Mohammad bin Salman na capital da Arábia Saudita, Riad (que em inglês se costuma transcrever “Riyadh”), enquanto viajava pelos países do Golfo. Essa turnê está sendo vista como uma ruptura nos hábitos geopolíticos ianques, mesmo pro padrão MAGA, pois as viagens do hoteleiro falido pelo genérico “Oriente Médio” não podem dispensar uma parada no posto Frango Assado do evangelismo antissemita, que é o Israel do Bibi do Hamas.
Hamas com quem, aliás, Trump negociou diretamente a libertação de um soldado israelo-americano, dando um passa-moleque em sua marionete orelhuda. E pra coroar o tabefe, o Rei do Mundo se encontrou com o Joãozinho Xará, boneco da Turquia que derrubou a Girafa al-Asad, e retirou duma vez só todas as sanções contra a Síria! Resultado: o Tsahal se vingou metendo o louco em Gaza, sem autorização “de cima”, com a UE criticando e até Trump, pela primeira vez na história, “se preocupando com o destino dos palestinos”...
É verdade que os bombardeios israelenses enfraqueceram o último vizinho baathista, mas foi só chegar o governo ex-corno “ex-terrorista” que Jerusalém começou a azucrinar as colinas do Golã, tão cobiçadas quanto o Papa-Léguas pelo Coiote. O aparente enfoderamento do Fidel Castro jihadista (e é sintomático que seu apelido binladesco, “al-Jawlani”, signifique exatamente “vindo do Golã”) pelos Esteites deixou os “cyoneshtas” pê da vida, mas faz parte da ideologia que chamo de “dinheirista” do inquilino da Bely Dom: negócios, negócios, negócios... e se favorecerem a própria família (patrimonialismo bananeiro inédito no país), melhor ainda!
Mas do que mais gosto na geopolítica são situações ou entrevistas que podem virar memes mais ou menos inteligentes. O primeiro, obviamente, é a execução de YMCA no final do referido fórum, em que não só faltou apenas Trump e Bin Salman se atracarem como também boa parte da família real enforcadora saudita estava lá. Realmente, só quem queria “acabar com todas as guerras” pode realizar um feito de$$$es: veja que até um hóspede americano dá uma risadinha em certo ponto, rs.
Na verdade, considera-se que os dois tiranetes estejam até mais poderosos do que no período 2017-2021, e além de poderem definir juntos o cenário global (a começar pelos palestinos, que é a última das preocupações do Guardião das Duas Mesquitas), essa festa parece ter sido feita sob medida pro convidado norte-americano se sentir num comício próprio. Se você abrir o vídeo original, pode ver que a própria abertura conta com o “hino MAGA” I’m Proud to Be an American. E pra anedota: segundo o próprio Village People, seu hit mais famoso não é originalmente nem deve ser interpretado como um “hino gay”. Aham, Cláudia, senta lá...
Também circulou esses dias pelas redes, sobretudo pelo WhatsApp, esta montagem em IA (tá virando um perigo já!) que acredito ser, se não uma das maiores obras do século, pelo menos da época atual. Meu amigo e rei dos memes Raphael me mandou uma interpretação peculiar de IarnuouWe Are the World na voz dos principais chefes de Estado em exercício (spoiler: tem Milei, mas não tem Lula...).
Não sei quem foi que teve tempo e paciência pra desenhar os rostos e adaptar as vozes, e o pior, imitando os respectivos sotaques! Pena que não assinou, mas suspeito que tenha sido um francês, pois inseriu Jean-Luc Mélenchon e Marine Le Pen, duas nêmeses políticas que só têm importância dentro do país:
Nem parece que uma semana atrás, o mundo tava atemorizado com uma possível guerra entre duas potências nucleares: Índia (que já tá mandando brinquedinhos pra Lua, coisa que nem o petê fez) e Paquistão (que muitos até consideram um “Estado falido”). Foi só assinarem um “cessar-fogo” pra submergirem nas inacabáveis notícias sobre as viagens de Trump, mas antes os programas de geopolítica requentaram o alarmismo e as explicações históricas remontando a 1947.
Por exemplo, nesta entrevista de Mohammad Faisal, alto comissário do Paquistão no Reino Unido, ao programa The World with Yalda Hakim, ele critica os indianos por supostas violações do direito internacional. Expõe sua opinião usando o pronome “vocês” (you) como se estivesse falando diretamente aos vizinhos, mas quando percebe que pode ser mal interpretado, acaba se corrigindo e criando uma pérola poética: “Com ‘vocês’, quero dizer, você sabe, ‘eles’”, rs. Recorte inteiro ou quadrado, à sua escolha:
E antes de encerrar, uma rodada aleatória de arte anti-Putin que achei num grupo de WhatsApp do qual até já saí. Bom proveito:
Achei interessante este artigo escrito por Anoushka Notaras e publicado em 9 de maio de 2025 na seção “Connaissances” do portal da Rádio França Internacional (RFI). Em português, o título ficaria “Guerra convencional, total, assimétrica, híbrida ou informacional: do que estamos falando?”, e traduzi usando o Google e depois cotejei com o original francês, fazendo leves adaptações. Dedico a meus leitores nerds em geopolítica e àqueles que agora precisam achar um uso prático pra bomba atômica feita em casa, rs:
A guerra é um fenômeno tão antigo quanto a humanidade. Desde os primeiros confrontos tribais até os conflitos contemporâneos, os homens desenvolveram estratégias de guerra e as foram adaptando de acordo com as transformações geopolíticas e sociais, aproveitando os avanços técnicos. Da Antiguidade e das conquistas de Alexandre, o Grande, às campanhas napoleônicas, das guerras mundiais do século 20 aos conflitos atuais, todas as formas de guerra foram exploradas. Aqui está uma visão geral, em treze palavras-chave.
Guerra convencional e não convencional – A guerra convencional, ou guerra regular, é um conflito armado entre forças regulares (infantaria, blindados, força aérea, marinha) de dois ou mais Estados que se opõem de acordo com regras estabelecidas (direito da guerra) usando armas convencionais (não nucleares, cibernéticas, de destruição em massa, biológicas ou químicas). Seus objetivos são enfraquecer, neutralizar ou derrotar o inimigo para obter um ganho territorial, político ou estratégico.
A guerra não convencional, ou guerra irregular, se refere a uma ampla gama de operações conduzidas usando métodos de enfrentamento diferentes dos da guerra convencional: guerrilhas, guerras cibernéticas, terrorismo, ações clandestinas ou apoio a grupos armados. Seus objetivos são desestabilizar ou controlar o inimigo sem necessariamente recorrer ao conflito direto.
Guerra total/guerra de alta intensidade – A guerra total é um conflito armado no qual todos os recursos militares, econômicos e humanos de uma nação são mobilizados. Não há mais distinção entre combatentes e civis, transformando toda a população num alvo. A propaganda pode ser usada pra obter apoio.
Seu objetivo é derrotar o inimigo e obter sua rendição destruindo todas as suas alavancas de resistência: seus recursos militares, mas também sua economia e sua infraestrutura. A Primeira e a Segunda Guerra Mundiais são exemplos disso.
No contexto atual de tensões geopolíticas e ameaças armadas, fala-se cada vez mais em guerra de alta intensidade. Ela consiste no emprego massivo de armas convencionais de alta intensidade, contando com a sofisticação tecnológica dos equipamentos com o objetivo de atingir a máxima letalidade num espaço e duração limitados. A França, por exemplo, integrou essa tipologia de guerra na nova lei de programação militar pra 2024-2030.
Guerra preventiva/guerra preemptiva – A guerra preventiva refere-se à ação militar tomada por um Estado para neutralizar uma ameaça de médio ou longo prazo antes que ela se materialize. Ela se distingue da guerra preemptiva, que responde a uma ameaça iminente e certa.
Seu objetivo [guerra preventiva] é manter uma posição de superioridade e impedir que o adversário adquira poder de ação ou capacidades militares suscetíveis de alterar o equilíbrio de poder. Ao contrário da legítima defesa, essa forma de antecipação estratégica é juridicamente controversa porque é considerada especulativa.
A invasão do Iraque em 2003, ordenada pelo governo Bush para “livrar o Iraque das armas de destruição em massa” sob a cobertura das resoluções 678 e 687 da ONU, é um exemplo de guerra preventiva.
Guerra assimétrica – Refere-se a um conflito entre beligerantes de força desigual: de um lado, o exército regular de um Estado, e do outro, um adversário geralmente mais fraco que usa táticas não convencionais, como guerrilha ou terrorismo. O objetivo do mais fraco é vencer por meio do desgaste e da desestabilização política e psicológica do adversário. Exemplos incluem as táticas do Viet Cong contra o exército americano durante a Guerra do Vietnã (1955-1975), a insurreição dos Talibã no Afeganistão (2001-2021) ou ainda o combate ao Daesh [vulgo Estado Islâmico].
Guerra híbrida – Refere-se a uma estratégia militar e política que combina meios militares convencionais (exércitos regulares) com meios não convencionais (ciberataques, espionagem, uso de mercenários, desinformação, pressões econômicas ou diplomáticas).
Sua natureza multifacetada, flexível e sofisticada permite ao agressor dar uma resposta adaptada aos objetivos do momento mantendo a ambiguidade quanto à sua responsabilidade direta e, assim, escapar de represálias internacionais.
Ao semear confusão no processo de tomada de decisão do adversário, a guerra híbrida possibilita adquirir vantagens geopolíticas significativas a um custo limitado. A anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 e suas intervenções no Donbás são exemplos disso.
Ciberguerra (guerra cibernética) – Refere-se a ações defensivas e ofensivas realizadas por um ator estatal ou não estatal no espaço digital (internet, sistemas informáticos e dispositivos eletrônicos). Seu objetivo é espionar, manipular, roubar ou hackear dados confidenciais de um adversário para enfraquecer ou paralisar sua infraestrutura crítica (energia, transporte, finanças, saúde, comunicação).
Exemplos incluem o Stuxnet , vírus de computador que desativou as centrífugas nucleares do Irã em 2010, e os ataques russos à rede americana Starlink, que possibilita aos ucranianos acessarem a internet. A ciberguerra também pode matar, como aconteceu com uma paciente após o ciberataque a um hospital na Alemanha em 2020.
Guerra por procuração (proxy war) – Refere-se a um conflito no qual pelo menos dois Estados ou potências externas se opõem indiretamente, sem comprometer suas próprias forças militares, fornecendo apoio aos beligerantes envolvidos no terreno (financiamento, armas, inteligência, assistência, treinamento).
Ao fazer isso, essas potências buscam preservar seus interesses estratégicos, expandir sua influência geopolítica, enfraquecer o adversário e evitar o risco de conflito direto.
É o caso da guerra civil na Síria (desde 2011) na qual Rússia, EUA, Irã e outros países estão envolvidos, e da guerra no Iêmen (desde 2014), que opõe o governo no poder, apoiado pela Arábia Saudita e seus aliados, e os rebeldes hutis, apoiados pelo Irã.
Guerrilha e guerra contrainsurrecional – A guerrilha, também conhecida como “pequena guerra”, remete à revolta popular espanhola contra as forças de ocupação napoleônicas de 1808 a 1812. É uma forma de guerra assimétrica, essencialmente política, travada por grupos armados irregulares e móveis – rebeldes, guerrilheiros [partisans] ou civis armados – contra um exército regular mais poderoso. Para compensar sua inferioridade material, seus combatentes usam táticas de desestabilização, ataques surpresa, emboscadas, sabotagem e desgaste, contando com um profundo conhecimento do terreno e com o apoio de uma parte da população.
Embora as guerrilhas tenham assumido várias formas ao longo da história (revolucionárias com Mao na China ou Castro em Cuba, independentistas com o Viet Cong vietnamita ou a FLN argelina, étnicas com os curdos no Oriente Médio ou os tâmeis no Sri Lanka), elas evoluíram hoje consideravelmente ao se adaptar à globalização e às novas tecnologias.
A guerra contrainsurrecional se refere às ações militares, políticas, econômicas e psicológicas realizadas por um Estado contra movimentos insurrecionais armados pra defender ou preservar sua autoridade.
Guerra tecnológica – A guerra tecnológica é travada tanto no domínio militar quanto no civil. Refere-se à competição entre Estados ou atores não estatais pra adquirir ou manter sua superioridade e autonomia no campo das tecnologias com forte impacto estratégico nos setores econômico e geopolítico: IA, cibersegurança, semicondutores, telecomunicações, infraestruturas digitais, gestão de dados etc. Ela exige investimentos massivos em pesquisa e desenvolvimento, políticas econômicas protecionistas ou mesmo espionagem industrial.
Os rápidos desenvolvimentos nessas tecnologias de ponta têm consequências diretas nos métodos e meios de guerra, como o uso de sistemas automatizados (drones autônomos, ciberataques, robôs) pra reduzir a exposição dos combatentes, lançar ataques cirúrgicos ou mesmo controlar o espaço eletrônico e as infraestruturas digitais.
Embora as guerras tecnológicas estejam redefinindo as relações globais de poder, elas também apresentam, sobretudo, novos desafios éticos, humanitários e legais.
“Zona cinzenta” (gray zone) – Em geopolítica, a “zona cinzenta” se refere a uma área na qual o controle do Estado soberano é enfraquecido ou ausente, deixando espaço pra micropoderes alternativos, desregulação social e ambiguidade legal. As ações hostis aí realizadas se enquadram no conceito de guerra híbrida (ciberataques, desinformação, pressões econômicas, presença militar disfarçada) e visam enfraquecer o adversário, mas evitando conflitos abertos.
A região do Kivu, no leste da República Democrática do Congo, onde grupos armados lutam pelo controle dos recursos minerais, é um exemplo. Ou o norte do Kosovo, onde a autoridade kosovar é contestada pela minoria sérvia, gerando uma situação de autoridades concorrentes e desregulação social.
Guerra informacional – Refere-se ao uso estratégico da informação e de tecnologias de comunicação pra infligir danos ou obter vantagem sobre um adversário. No contexto geopolítico, ela é utilizada principalmente na internet e nas redes sociais e visa influenciar ou manipular a opinião pública semeando dúvida e discórdia (desinformação, propaganda), desestabilizar as instituições ou destruir sistemas de informação (hackeamento informático).
Podemos citar o exemplo dos americanos que espalharam informações falsas sobre a presença de armas químicas no Iraque pra convencer a opinião mundial da legitimidade da segunda Guerra do Golfo, em 2003. Ou o caso da Rússia, acusada de interferir na eleição presidencial americana em 2016, por meio de campanhas no Facebook e no Twitter.
Guerra comercial – Refere-se ao confronto econômico entre países que impõem mutuamente medidas restritivas a suas trocas comerciais visando proteger seus respectivos interesses e dominar o mercado global. Essas medidas, que fazem parte de uma política protecionista, concernem principalmente a tarifas alfandegárias e cotas de exportação.
A guerra comercial entre os EUA e a China entre 2018 e 2020, durante o primeiro mandato de Donald Trump, atingiu uma escalada total em abril de 2025, quando o republicano, de volta à Casa Branca, impôs uma tarifa de 145% sobre produtos chineses importados pros EUA, à qual Pequim respondeu com uma tarifa de 125% sobre produtos americanos importados pra China. Diante das múltiplas consequências desse conflito (interrupção do comércio global, penalização de empresas, aumento de preços pros consumidores), foi anunciada uma trégua de 90 dias pelas duas maiores potências econômicas globais em 12 de maio de 2025, acompanhada de uma redução em suas respectivas tarifas. Mas o braço-de-ferro não acabou, e se essas batalhas visam manter ou adquirir predominância econômica, elas atendem plenamente aos desígnios geopolíticos das partes envolvidas.
Há alguns anos achei o vídeo abaixo no canal de um tal Antonio Roberto Vigne, mas só agora tive tempo de fazer uma publicação a respeito, rs. Publicado no YouTube em 2017, diz na descrição que está filmando o guardião do Templo Positivista do Estado do Rio Grande do Sul, o músico Érlon Jacques, que toca alguns hinos da Igreja Positivista (“Filosofia”, segundo Antonio) no órgão do “Templo da Religião da Humanidade”. Convidando os internautas a visitar o local, ele continua: “As prédicas dominicais são discussões filosóficas da proposta de Comte, algo extremamente interessante, pois é um culto coletivo, algo que não se vê facilmente e que merece apreciação social.”
O encontro de senhores e alguns moços parece bem simpático, mas as letras que o músico canta (ambas de sua autoria, suponho), destinadas a formar um futuro hinário positivista, poderiam muito bem ser executadas numa hipotética Igreja Ateísta do Reino de Dawkins! Ou falei cedo demais? Pois a se julgar por um artigo de 2023, o ex-popstar do “movimento neoateísta” da virada das décadas de 2000 e 2010 não renegou o ceticismo, mas aceita hoje o título de “cristão cultural”. Só pra dizer que, se tivesse de escolher entre Yeshua e Maomé, não hesitaria no coming out de sua islamofobia...
No século 19, os adeptos do positivismo de Auguste Comte (pelo menos da vertente chamada “religiosa”) criaram algo chamado “Igreja Positivista”, em que fazem uma espécie de missa, mas “cultuando” a Ciência, a Humanidade e outras coisas prosaicas que eles elevam a uma duvidosa categoria sacra. Enquanto filosofia, o positivismo no Brasil influenciou bastante o movimento republicano, sobretudo os militares, na virada dos séculos 19 e 20, e em cidades como o Rio de Janeiro ainda existem tais “templos”, abertos e funcionando.
Falo aqui em tom de zoeira, não só porque tudo o que cai em minha mão vira meme, mas também porque acho essa história de “religião positivista” uma baita bobeira e perda de tempo. Quem não crê em nada (mais exatamente, quem não crê em forças sobrenaturais), não precisa ficar cultuando nada e vai achar outras formas pra preencher o tempo, em especial pra se aperfeiçoar! Me lembrei desse vídeo ao ser instigado por um artigo de opinião bem aguado, publicado na Folha em 5 de maio por um tal Juliano Spyer, dizendo que “a religião está de volta”, já que, pro “lamento” de ateus e agnósticos, eles não conseguiram a trocar por nada.
Aproveitando a deixa de uma senhora que respondeu dizendo que céticos “não precisam distribuir panfletos nem encher templos”, acrescento que religião não é pra ser “substituída”, mas desmentida, mais exatamente no que tem de crenças errôneas, prejudiciais e concorrentes com o conhecimento científico ou mesmo o simples bom senso. Já os acréscimos pra arte e pra música são outra questão...
Os dois primeiros hinos, que transcrevi abaixo, dispensam explicações. O terceiro é uma homenagem à Liga da Defesa Nacional, entidade patrioteira criada em 1916 em meio ao fogo na periquita causado pela 1.ª Guerra Mundial e que teve o ufanista Olavo Bilac como um dos fundadores. A Liga continua ativa, sobretudo no Rio de Janeiro, e é basicamente ligada ao Exército e movida por um bando de milico reformado com saudades do “tempo em que se cantava o Hino Nacional nas escolas”. Nesta dissertação de mestrado, Tiago Siqueira de Oliveira aborda a história da Liga de maneira crítica.
A quarta canção é a faixa Positivismo, gravada pelo decomposto Noel Rosa. Ao final, o gaudério de lenço no pescoço empunha sua viola e repete o segundo hino, com poucas mudanças, mas numa versão cuja caracterização você pode escolher entre “Chico Mineiro” e “Odair José”, rs. Vários de seus trechos parecem uma involuntária descrição certeira da chamada “geração Z”... Enjoy it:
Livres de Deus
E abençoados pela Ciência
Sem preconceitos
Crendices e avarezas
Pela Santa Humanidade
Erguemos nossos braços
E elevamos nossas mentes
O vício do trabalho
Viver para servir
Pela Fraternidade
O Amor por princípio e por fim
[Dá pra substituir Deus por medo
também, se tiver num culto público,
pra não afrontar os teológicos... kkkkk]
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Há muito tempo atrás
Existiu uma geração consciente
Não temia assombração
Pra tudo havia explicação
Com causa e consequência
Com causa e consequência
Adorava uma deusa de verdade
A nossa mãe Humanidade
Que se chama Natureza
Que se chama Natureza
Se existisse consciência
Não estariam poluindo a Terra
Com químicas ou com guerra
Envenenando nossos rios
Envenenando nossos rios
Não estaria recebendo agora
Uma geração deformada
Inculta e inconsciente
Que adora ser manipulada
Que adora ser manipulada
Adorava uma deusa de verdade
A nossa mãe Humanidade
Que se chama Natureza
Que se chama Natureza
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Liga nosso Brasil
Liga um ideal
Liga nosso Rio Grande
Liga da Defesa Nacional
Um século de glória
Remonta sua história
Passado sem igual
Tiranos afastados
Heróis condecorados
Orgulho nacional
Liga nosso Brasil
Liga um ideal
Liga nosso Rio Grande
Liga da Defesa Nacional
Um século de glória
Remonta sua história
Passado sem igual
Tiranos afastados
Heróis condecorados
Orgulho nacional
Tchum, tchum!
Dawkins “matando Deus”, segundo o próprio autor da montagem, rs.
O nome humorístico desta publicação esconde a simples transcrição de uma palestra que foi proferida na Escola Viverde em 11 de maio de 2005, quando eu estava no último ano do ensino médio, por Cristiano R. Paes, então professor do Instituto de Física da USP. Ele foi convidado por nossa então professora de Física, Viviane, também formada na USP, de cujo nome completo não me lembro e que não completou o ano letivo com a gente, embora dominasse muito a matéria. Eu tive a iniciativa espontânea e pessoal de transcrever à mão a maior parte da palestra enquanto Cristiano falava, digitar uma primeira versão e dá-la pra correção da Viviane, resultando na versão final que você lê hoje, incluindo os desenhos à mão.
Eu digitalizei os papéis originais e guardei em formato PDF, mas demoraria muito tempo pra redigitar tudo. Por isso, mais uma vez resolvi testar a eficácia desta preciosa ferramentaonline gratuita de recodificação OCR, agora não pra transformar imagem em TXT, mas PDF em Word. E ficou bastante bom, tendo eu apenas que reparar alguns detalhes, dada a situação gráfica mais complexa desse arquivo! Os desenhos, óbvio, reproduzi em print e fiz arquivos novos, e finalmente vem a público o texto intitulado “Enriquecimento do urânio – conceito e problemas”, mais um trabalho de escola reproduzido aqui.
Sobre a charge de Chico Caruso que traz o falecido Enéas Carneiro como candidato à presidência pelo extinto PRONA em 1998, ela se refere a sua proposta, extremamente achincalhada na época, de criar uma bomba atômica tupiniquim. Como veremos na palestra, e admitindo a remota hipótese de vitória do cardiologista, essa iniciativa teria sido de difícil realização devido a nossa escassa tecnologia e às pressões internacionais. Relendo o texto, também me arrepiei como a questão das sanções foi exatamente o que aconteceu nos últimos anos com o Irã pela mesma razão, embora eu não saiba se Cristiano tivesse esse exemplo em mente.
Chico também tinha a particularidade de ser um puxa-saco de FHC, pois todas as suas charges da época são favoráveis ao tucano e ácidas com qualquer outro partido. No início do primeiro governo Lula, por exemplo, me recordo que o insuspeitíssimo Jornal Nacional exibia curtas vinhetas animadas suas – o que não durou muito tempo –, sempre zoando nosso primeiro presidente de origem operária.
Mas voltando ao assunto, seguem algumas dicas caso você queira realizar em casa o sonho de Enéas, sob o risco de algumas informações estarem desatualizadas; não fiz uma pesquisa adicional, e se você tiver algum acréscimo ou correção, comente ou me escreva à vontade! O mais importante é que contei com a carinhosa aprovação de minha “ex-prô”, rs:
Há núcleos de átomos de alguns elementos que podem sofrer fissão, ou seja, dividir-se, originando núcleos de outros elementos. Esse processo libera uma enorme quantidade de energia, que era a energia usada para manter unidos os elementos do núcleo. Essa energia é usada para diversos fins, desde a geração de energia elétrica até a fabricação de bombas, corno veremos mais adiante. Alguns núcleos são físseis (ou seja, têm tendência a sofrer fissão) e outros não, como, por exemplo, o U235 (ou seja, urânio com número de massa, que é a soma do número de prótons com o número de nêutrons, 235), físsil, e seu isótopo (isótopos são variantes de átomos de um mesmo elemento, mas com números de massa diferentes), U238, não-físsil. A representação da reação de fissão de um núcleo de U235 é a seguinte:
U235 + n → Ba141 + Kr92 + 3n
p = próton n = nêutron
Ou seja, um nêutron é adicionado a um núcleo de U235, de massa atômica (soma das massas dos prótons e dos nêutrons) 235, sendo suficiente para desestabilizá-lo e promover a sua fissão, resultando em um átomo de bário com número de massa 141 e massa atômica 141,56 u (unidade de massa atômica), em um átomo de criptônio com número de massa 92 e massa atômica 92,36 u e em três nêutrons, que serão adicionados a outros três núcleos de U235 do material, que também sofrerão fissão, iniciando, assim, uma reação em cadeia. Essa reação em cadeia será a base da geração de energia para usinas, bombas, submarinos etc., possuindo um potencial energético de 1010 kJ/mol (quilojoules por mol).
Em uma bomba nuclear de fissão (também chamada de bomba A), ou seja, que utiliza a energia liberada nas fissões para promover uma enorme destruição, há uma quantidade mínima de urânio, chamada de massa crítica, compactada ao extremo, assim atingido um volume crítico; essas “propriedades críticas” são necessárias para disparar a reação em cadeia, de modo que ela não possa mais ser controlada após seu início. Em reatores nucleares, usados em usinas, navios, submarinos etc., a energia das fissões e a energia cinética dos nêutrons disparados são usadas para aquecer a água que é transformada em vapor, propício para mover turbinas.
Porém, quando encontramos o urânio puro na natureza, a porcentagem de U235 é de apenas 0,7%, enquanto a de U238 é de 99,2%; pode-se dizer ainda que em 500 kg de minério, temos 1 kg de metal, sendo que 99% ainda é composto por U238. Por isso, para que se possa aumentar a porcentagem de U235, existe um processo chamado de enriquecimento do urânio. Para que se possa enriquecer 1 kg de urânio a uma porcentagem de 3,5% de U235, são necessários 2 300 kWh de energia. Em processos físseis, também pode ser usado Pu239, que, apesar de não necessitar de enriquecimento, é mais caro e mais difícil de se encontrar na natureza. Para o uso em reatores, o urânio deve estar enriquecido em pelo menos 3%, enquanto que para fins bélicos, a porcentagem sobe para 70%, sendo que a bomba A exige quase 100%.
O enriquecimento mais comum é o executado em centrífugas que giram a 60 mil rpm, feitas com fibras de carbono, muitas vezes substituindo ligas de aço, pois apresentam alta resistência mecânica e são bastante leves. O Japão é um significativo produtor desse tipo de máquina. O urânio é colocado no centro, dentro da qual é adicionado flúor, formando com o outro elemento o gás hexafluoreto de urânio (UF6), que é forçado a entrar em rotação. Neste processo, por densidade, o U238, que é mais pesado, concentra-se nos cantos da centrífuga, fazendo com que o U235 concentre-se no meio. Este é retirado e, mais tarde, transformado em dióxido de urânio (UO2) em pó, posteriormente transformado em pastilhas, então utilizadas em reatores. Já o U238 ainda restante é transferido a outras centrífugas, para que possa ser novamente enriquecido. Para a obtenção de 2 kg de U235 com enriquecimento de 3,5%, é necessária uma passagem de 8 horas por 16 centrífugas.
Das centrífugas comuns diferenciam-se as ultracentrífugas, que possuem mancais magnéticos de grande aerodinâmica e bom balanceamento. Seu grande comprimento e sua grande velocidade de rotação reforçam e otimizam o enriquecimento.
O Brasil começou seu programa nuclear na década de 1970, importando tecnologia alemã, fundando em 1974 a usina de Angra 1, que só começou a funcionar 24 anos depois, mas com uma produção ínfima de energia. Hoje a tecnologia dessa usina já está obsoleta em relação à de outros países, o que levanta uma questão importante sobre o fato de o Brasil estar sempre na “retaguarda” tecnológica, transformando o que os outros países não precisam mais em produto de importação. Mesmo assim, a discussão sobre a construção de Angra 3 ainda está em voga, com interesses e protestos de várias organizações governamentais e ONGs. Alguns franceses têm especial interesse em sua construção, pois a eles foi vendido o antigo grupo alemão que nos forneceu essa tecnologia. Quanto ao enriquecimento de urânio, inicialmente, o Brasil importava o urânio enriquecido, mas hoje o próprio pais começa a dominar essa tecnologia, gerando polêmicas entre os países mais desenvolvidos, especialmente os EUA, não pelo fato de o Brasil poder estar planejando às escondidas a construção de armas nucleares (o pais assinou, em 1990, o Tratado Internacional de Não Proliferação Nuclear), mas por simples disputas comerciais no mercado internacional por um maior pedaço na venda de urânio enriquecido. Os principais grupos internacionais comerciantes de urânio enriquecido são:
Cogema/Eurodif (França; vendia ao Brasil);
Ministério de Energia Atômica da Rússia;
Urenco (Reino Unido, Holanda e Alemanha; vendia ao Brasil);
Chinese Nuclear Energy Industry Co. (China);
JNFL (Japão).
Por aqui, os principais detentores dessa tecnologia são:
Centro Tecnológico da Marinha;
Centro Tecnológico da Aeronáutica;
Institutos de pesquisa de diversas faculdades, como o Instituto de Química da Unicamp.
Se por acaso um Presidente da República brasileiro determinasse a construção de uma bomba nuclear, ele não teria poder para fazê-lo, nem teríamos tecnologia suficientemente independente, pois apesar de termos pessoal capacitado conhecedor do processo de montagem dos artefatos, nosso enriquecimento de urânio não chega à porcentagem necessária para o uso em armas, somente em material destinado a reatores.
Outro grande fator de polêmica entre o Brasil e outros países é nossa insistência em esconder de técnicos e fiscais estrangeiros nossa tecnologia de enriquecimento de urânio. Isso ocorre porque se por um acaso descobre-se que está sendo enriquecida uma porcentagem de urânio acima da permitida, corremos o risco de sofrer várias limitações, como boicotes comerciais promovidos por outros países ou instituições, ou até mesmo por causa do medo de algumas pessoas de que outros países copiem nossa tecnologia e nos “passem a perna”.
Em meio a tantos problemas diplomáticos, à ínfima porcentagem de energia distribuída pelas nossas usinas e à riqueza de recursos naturais que poderiam ser mais bem utilizados, fica uma pergunta: será que compensa ao Brasil o uso da energia nuclear, principalmente em seu atual estado de desenvolvimento? Uma provável resposta é não. Segundo Cristiano, teria sido melhor que o dinheiro investido nos programas nucleares até hoje fosse utilizado em melhoras na distribuição de energia através de métodos já existentes e que tanto precisam de uma séria revisão.
Principalmente em meio a constantes ondas e ameaças de apagões que atingem várias regiões do Brasil de uma só vez...
Na manhã de 14 de abril de 2025, o político e historiador russo Vladímir Kará-Murzá concedeu uma entrevista em francês à Rádio França Internacional (RFI) pra falar de sua oposição à ditadura de Vladimir Putin, sua prisão na Rússia e sua vida no exílio. Abaixo você pode assistir à íntegra de sua conversa com o jornalista Arnaud Pontus no canal oficial, e achei o conteúdo tão importante que decidi, mesmo sem autorização, traduzir pro português e colocar aqui. No portal da RFI em português também há uma versão reduzida do programa, mas não a usei pra fins de comparação
Usei o programa Microsoft Clipchamp do Windows 11 pra tirar do vídeo uma primeira versão da transcrição usando a tecnologia IA, depois comparei o resultado com o áudio e finalmente traduzi com o Google a versão corrigida, tendo revisado manualmente o resultado. Sendo um grande intelectual, Kará-Murzá é fluente em francês, mas tive que tirar alguns cacoetes orais mais repetitivos e corrigir a gramática. Não sendo o francês minha língua materna, meu trabalho pode não estar perfeito, mas espero que possa ter contribuído a quem se interessa pelo assunto:
Olá, Vladimir Kará-Murzá!
Olá, muito obrigado pelo convite.
Obrigado por estar na RFI hoje. Três anos atrás, em abril de 2022, você foi preso e condenado a 25 anos de prisão por alta traição. A Justiça russa o acusava de criticar a invasão da Ucrânia. Você foi libertado em agosto passado na maior troca de prisioneiros com o Ocidente desde o fim da guerra fria. Como você está hoje, oito meses após sua libertação?
Às vezes ainda parece que estou assistindo a um filme, porque, para dizer a verdade, eu tinha certeza absoluta de que morreria naquela prisão na Sibéria. Essa troca em agosto passado foi um milagre e, de fato, foi a primeira troca desde 1986, que libertou não apenas os reféns, os cidadãos ocidentais que estavam nas prisões russas, mas também os prisioneiros políticos russos. E isso, para mim, foi uma mensagem muito importante, muito clara e muito forte dos países ocidentais, especialmente dos EUA e da Alemanha. E o sinal foi que eles entendem muito bem que os verdadeiros criminosos estão no Kremlin. São as pessoas que começaram a guerra na Ucrânia. Não éramos nós, que estávamos presos porque nos manifestamos contra essa guerra. E também foi uma mensagem muito forte de solidariedade dos países ocidentais com todas essas pessoas na Rússia. Há milhões de pessoas na Rússia hoje que são contra esta guerra, que são contra o regime autoritário de Vladimir Putin, e é muito importante que o mundo livre tenha se expressado assim.
Hoje, Vladimir Kará-Murzá, a guerra continua na Ucrânia. As negociações de cessar-fogo ainda não foram bem-sucedidas. Você deseja esse cessar-fogo?
Quero que essa guerra termine o mais rápido possível, porque centenas de milhares de vidas humanas já foram perdidas por causa dessa agressão, por causa dessa guerra criminosa travada pelo regime autoritário de Vladimir Putin.
Mas para que a guerra termine, Putin deve querer que ela termine. Vladimir Putin quer paz?
Não, claro que ele não quer paz. E é preciso dizer que você usou a expressão “cessar-fogo”, que está absolutamente correta. Não podemos dizer “paz”, porque não haverá paz enquanto Vladimir Putin permanecer no poder.
Ou seja, não pode haver paz total e verdadeira enquanto Vladimir Putin estiver no poder?
No longo prazo, a única maneira de garantir paz, estabilidade e segurança no continente europeu é ter uma Rússia democrática, uma Rússia que respeite as leis, os direitos e as liberdades de nossos próprios cidadãos e que também respeite as fronteiras de seus vizinhos e as normas de comportamento civilizado do mundo. Porque na Rússia, a repressão interna e a agressão externa sempre andam de mãos dadas, portanto, não haverá paz enquanto Putin permanecer no poder. Mas um cessar-fogo é possível.
Então você também diz que qualquer acordo de cessar-fogo deve incluir a libertação de todos os prisioneiros de guerra.
Absolutamente. Para mim, isso é o mais importante, porque no momento estamos vendo essas negociações entre representantes do governo Trump nos EUA e o regime de Putin na Rússia. E eles falam sobre minerais, sobre o retorno de empresas americanas para a Rússia, sobre os ativos congelados, não sei o quê, falam sobre dinheiro o tempo todo. E, de fato, os dois enviados, o sr. Witkoff do lado americano e o sr. Dmitriev do lado russo, são pessoas que dedicaram suas vidas ao dinheiro e não têm nenhuma relação com a diplomacia. E por isso, é ainda mais importante que a Europa, a União Europeia avancem essa questão, como você disse, da libertação de todos os reféns, de todos os prisioneiros dessa guerra. Porque há centenas de milhares de vidas humanas que já foram perdidas e não podemos recuperá-las. Mas ainda é possível salvar dezenas de milhares de vidas humanas, pessoas que são reféns e prisioneiras desta guerra. Estou falando, é claro, dos prisioneiros de guerra de ambos os lados, mas isso é coberto pela 3.ª Convenção de Genebra, portanto, está fora de debate. Falo também dos milhares de reféns civis ucranianos que foram deportados à força para a Rússia.
Principalmente crianças.
Falo também dos milhares de crianças ucranianas que foram sequestradas. De fato, se dissermos a verdade na Rússia ou nos territórios ocupados pela Rússia, e isso é muito importante, também estou falando dos presos políticos russos, os cidadãos russos, meus concidadãos que hoje estão presos porque se manifestaram contra essa guerra de agressão, que foi o que aconteceu comigo. Mas agora, enquanto estou falando com você, há, segundo as organizações de defesa dos direitos humanos, mais de 1 500 presos políticos na Rússia. O maior grupo entre eles são os russos que se manifestaram contra essa guerra criminosa. E para muitos deles, como por exemplo Aleksei Gorinov ou Maria Ponomarenko e muitos outros, não é apenas uma questão de cativeiro, não é apenas uma questão de prisão ilegal, mas também uma questão de vida ou morte, e essas pessoas devem ser salvas.
Vladimir Kará-Murzá, você nos diz que os enviados russos e americanos só falam de dinheiro. Você acha que a abordagem do presidente Trump é a correta? Você entende essa lógica?
Acredito que a política do atual governo dos EUA é vergonhosa, é completamente contraproducente, porque de fato é uma política de reaproximação, de normalização das relações com Vladimir Putin. E eu gostaria de lembrar a todos que Vladimir Putin, antes de tudo, não é um presidente legítimo. Ele está no poder há 25 anos, embora haja um limite constitucional de dois mandatos na Rússia, e ele encontrou truques pseudolegais para contornar esse limite constitucional. E devemos lembrar também que no ano passado, em 2024, o Parlamento Europeu e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa aprovaram resoluções reconhecendo Vladimir Putin pelo que ele é: um usurpador ilegítimo. Mas ele é mais do que isso. É também um assassino. É um homicida. Porque foi sob seu comando que os dois principais líderes da oposição democrática russa, Boris Nemtsov e Aleksei Navalny, foram assassinados. É sob seu comando que pessoas morrem todos os dias na Ucrânia, incluindo crianças recentemente na cidade de Krivoi Rog [ucr. Kryvy Rih]. Em todos esses 25 anos em que Vladimir Putin permanece no poder, ele mata, mata, mata, mata, ele mata dentro da Rússia, ele mata fora da Rússia. E é importante lembrar a todos os dirigentes ocidentais, especialmente aos americanos, que querem normalizar as relações com Vladimir Putin, devolver a Vladimir Putin essa legitimidade que ele não merece e apertar a mão de Vladimir Putin mais uma vez, é importante lembrá-los de que é uma mão coberta de sangue.
Você tem medo de que, seguindo os passos de Donald Trump, alguns considerem que Vladimir Putin tenha novamente se tornado frequentável?
Mas estamos vendo isso. Se observarmos o que o sr. Trump fez nos últimos dois meses desde que retornou à Casa Branca. Ele convidou Vladimir Putin para se juntar novamente ao G8. Os EUA votaram na ONU contra a Ucrânia e junto com a Rússia, Belarus e Coreia do Norte. Como lembramos, os Estados Unidos suspenderam a ajuda e a assistência militar à Ucrânia, o que causou centenas de mortes no país. E então vemos também, se falamos de ações práticas, que o governo Trump destruiu completamente a infraestrutura internacional de assistência à democracia e aos direitos humanos. E agora o governo Trump está destruindo o sistema de mídias americanas que disseminavam informações objetivas não apenas para os russos, mas também para os cubanos, os iranianos, os chineses, para milhões e milhões de pessoas ao redor do mundo que atualmente vivem sob regimes autoritários.
Você dizia agora mesmo que seu objetivo é alcançar uma Rússia democrática. Em uma sociedade tão isolada como a russa de hoje, com propaganda onipresente, como a oposição pode difundir sua mensagem?
Na verdade, para mim, uma das principais razões para a queda do regime comunista foi o fato de que esse regime, no início da década de 1990, já havia sido deslegitimado aos olhos de grande parte da população graças aos programas de rádio que eram transmitidos pelos países ocidentais e eram ouvidos por milhões e milhões de pessoas na União Soviética e em outros países comunistas. E, de fato, foram as mesmas pessoas que ouviam, digamos, a Rádio Liberdade na década de 1970 que saíram às barricadas em agosto de 1991, durante nossa revolução democrática na Rússia. Se era possível fazer isso com a tecnologia da década de 1970, certamente é possível agora. Agora existe a internet. Sim, há muita censura online sob o regime de Putin, mas existem VPNs e outras maneiras de driblar essa censura. O problema é que muitas vezes vemos que o Ocidente, as empresas e governos ocidentais, em vez de ajudar os cidadãos russos a terem essa verdade, essa informação objetiva, os vemos ajudando o regime de Putin a censurar essa informação, por exemplo...
São cúmplices, de fato.
Com certeza são cúmplices. Nestes últimos meses, por exemplo, a tão conhecida empresa americana Apple removeu mais de 50 sistemas VPN, o sistema que ajuda as pessoas a driblarem a censura, a pedido do regime de Putin. Não foi o regime de Putin que fez isso, foi a Apple. E como acabei de lhe dizer, agora o governo Trump está destruindo o sistema de mídias internacionais. E há alguns dias, a chefe do principal canal de propaganda da Rússia, Russia Today, Margarita Simonian, estava na TV, muito feliz com as ações do governo americano. Ela disse que, infelizmente, nunca conseguimos acabar com essas mídias. Mas agora são os próprios Estados Unidos da América que estão o fazendo.
Estão o fazendo. Onde está a alternativa democrática na Rússia, Vladimir Kará-Murzá?
Há milhões e milhões de pessoas na Rússia que são contra essa guerra, que são contra esse regime, que querem que a Rússia seja um país normal, civilizado, europeu, democrático. Vimos, por exemplo, no ano passado, durante o teatro que foram nossas “eleições presidenciais” entre aspas. Quando foi...
Uma farsa, você quer dizer, era uma encenação?
Bem, eram apenas Putin e alguns palhaços que ele havia selecionado. Mas, ao mesmo tempo, havia um candidato, um advogado, ex-deputado do Parlamento russo, chamado Boris Nadezhdin, que anunciou sua candidatura à presidência russa como um candidato antiguerra. Ele disse que era contra a guerra na Ucrânia. E a reação do público foi completamente incrível. De repente, vimos filas por toda a Rússia, enormes filas de pessoas querendo assinar as petições para registrar esse candidato. Na época, eu estava na prisão e recebia muitas cartas de toda a Rússia, e quase todas eram sobre essas filas enormes, pessoas votando com os pés, por assim dizer, no candidato antiguerra. Porque a propaganda putinista quer que todos acreditem que todos os russos apoiam a guerra e todos os russos apoiam o regime. Mas você sabe que eles podem fraudar eleições, o que eles fazem, eles podem fraudar pesquisas, o que eles fazem. Mas não há nada que eles possam fazer com as imagens das milhares e milhares de pessoas em toda a Rússia que acreditam em um futuro democrático e pacífico.
Então há uma sede por democracia na Rússia e além?
Há muitas pessoas que querem mudanças. Há muitas pessoas que querem que este regime finalmente perca o poder. E não tenho dúvidas, não apenas como político, mas também, sobretudo, como historiador, de que chegará o dia em que a Rússia será um país normal, civilizado e democrático, e nesse dia, finalmente poderemos ter uma Europa livre, integral e em paz.
Vladimir Kará-Murzá, como eu disse no início da conversa, você foi libertado em agosto passado, depois de passar dois anos e três meses na prisão. Como você conseguiu aguentar todo esse tempo, incluindo 11 meses na solitária?
Absolutamente. De fato, segundo o direito internacional, mais de 15 dias de solitária são oficialmente considerados uma forma de tortura. E nunca entendi o porquê, mas agora entendo muito bem, porque quando você fica o tempo todo nessa pequena cela, quatro paredes, uma janelinha com grades de metal, você está sozinho o tempo todo. Você não pode falar com ninguém, você não fala em lugar nenhum. Você não pode fazer nada, porque, por exemplo, até para escrever, eles te dão papel e caneta apenas por uma hora e meia por dia, e depois eles te tomam. E também eu era proibido de ligar para minha esposa e meus filhos, eu não podia contatá-los por telefone. Essa é uma velha prática soviética, quando o regime quer punir não apenas os opositores políticos, mas também suas famílias. E é... vou ser honesto com você, é muito difícil, em circunstâncias como essa, manter a cabeça fria. É muito importante ocupar a mente com algo importante, preencher o cérebro, se preferir, preencher o tempo também. E então, fiquei estudando espanhol, eu tinha um livro que eu lia o tempo todo, da manhã até a noite, eu estava estudando espanhol. E obviamente nunca pensei que iria usá-lo, porque, como eu já disse, não achava que seria libertado. Mas depois do milagre dessa troca, no ano passado, algumas semanas atrás, eu estava em Madri para encontros e reuniões com deputados espanhóis. Consegui praticar e aparentemente agora consigo falar espanhol.
Então, falar também espanhol?
Sim, até mesmo o tempo na prisão pode ser empregado em algo prático.
Com o que se parece sua vida hoje? Com a de um exilado? Você se sente livre?
Eu me sentia livre mesmo na prisão, porque nunca fui privado de minhas convicções, de meus princípios. Eles podem te aprisionar fisicamente, mas não podem parar seu espírito. E agora é um pouco louco, porque o problema é que eu não tive realmente uma transição entre o isolamento em uma prisão siberiana e a vida atual, quando estou, não sei, em quatro ou cinco países diferentes a cada semana, é um pouco louco, para ser sincero. Mas há tantas coisas para fazer, há tantos problemas para discutir, porque, como eu já disse, há mais de 1 500 presos políticos na Rússia e, para muitos deles, é literalmente uma questão de sobrevivência. E devemos fazer tudo o que pudermos para libertar essas pessoas cujo único “crime” entre aspas é o fato de não terem se calado diante das atrocidades cometidas pelo regime de Vladimir Putin.
E você se sente ameaçado, observado, mesmo estando fora da Rússia?
Não penso nisso, porque é um caminho para a paranoia, e não é o caminho que quero seguir. Eu sei que estou certo, sei que o que estou fazendo é correto e sei que estou do lado certo da história. Também sei que o que nossos colegas da oposição democrática russa estão fazendo é importante, e vou continuar o fazendo apesar de tudo.
Muito obrigado, Vladimir Kará-Murzá, por ter vindo à RFI.
Prosseguindo com produções de meu ensino médio (2003-2005) que ainda julgo serem interessantes, trago hoje dois textos dissertativos que resultaram de atividades indicadas pela mesma apostila de Geografia então em uso e, devido às temáticas interligadas, publicados ao mesmo tempo. O primeiro se chama “A difícil condição das trabalhadoras” (30 de setembro de 2005) e o segundo, “Preto por fora, branco por dentro” – sim, isso mesmo que você leu (18 de outubro de 2005). Sempre sou grato ao José Augusto, o “Zé”, que nos acompanhou durante todo o ciclo: rígido, mas humorado, em grande parte devo a ele, assim como a minha professora de História, Flávia, a opção pela graduação que segui.
Ao discorrer sobre as mulheres e o mercado de trabalho, e depois sobre a exclusão racial no Brasil, algumas ideias e mesmo o vocabulário parecem bastante bizarros diante da atual pesquisa de ponta. Porém, reconheça que pra um moleque de 17 anos cheio de banha e espinhas, soa até mais palatável que o discurso de alguns parlamentares “patriotas” e “pró-família” de hoje... Não alterei as palavras, mas apenas atualizei a ortografia e troquei algumas expressões que, de fato, seriam erradas numa correção de nível avançado. Desta vez, o original escaneado estava digitado, por isso, consegui usar esta ferramentaonline gratuita pra recodificar o texto e poupar tempo e lesões pra trazer essas belezas proceis:
Com as revoluções sociais das últimas décadas, cujo estopim se deu nos anos 1960 e 1970, a mulher obteve várias conquistas, entre elas o direito de ter o próprio trabalho, com salário autônomo e fora do ambiente doméstico. Porém, sofreu problemas quase piores do que aqueles enfrentados pelos homens, o que teve como consequência a queda da taxa de fecundidade feminina.
Legalmente, os direitos de homens e mulheres foram igualados [sic], o que propiciou à mulher abocanhar um bom pedaço do mercado de trabalho antes ocupado por homens, mas os preconceitos continuaram, e as exigências para a manutenção do emprego se tornaram mais rígidas. Ainda se supõe que os homens são superiores em sua produção devido à sua menor sensibilidade e à ausência de ciclos naturais dentro do qual elas estão inseridas, que podem causar várias alterações comportamentais e de saúde. Além disso, a necessidade de dedicação aos filhos também levaria à queda no rendimento, já que, com os cuidados à prole, o tempo ao trabalho se reduziria: compare-se ao celibato católico, cujo pretexto é o de fazer o sacerdote mais preocupado com os afazeres da Igreja. Por esses fatores de uma suposta “inferioridade”, os salários das mulheres também são reduzidos, e o seu desemprego, ao contrário, sofre crescimento, ou seja, somado aos problemas econômicos enfrentados pelos homens que tanto lutam por bons emprego e salário, está a própria condição de ser mulher. Para reduzir os efeitos do preconceito e da difícil vida social, as mulheres estão optando por ter menos filhos do que o tradicional ou não ter nenhum, a fim de igualar sua condição à dos homens, que não possuem o costume de dedicar boa parte de seu tempo aos afazeres domésticos. Isso acabou causando uma queda significativa na taxa de fecundidade feminina, concretizando uma das características da sociedade capitalista ocidental, em cuja dinâmica a figura feminina passa a se inserir: poucos filhos, a fim de conter despesas e de ganhar mais tempo para a profissionalização e para a especialização.
Costumes arraigados na tradição não mudam totalmente o perfil de uma sociedade, mas influem bastante no principal agente modelador, que é a política socioeconômica, sendo esta a principal transformadora de dados que revelam a face do brasileiro do início do século 21.
Apesar de o povo brasileiro ser de um tipo que constituiu sua cultura por meio da mistura de elementos europeus (brancos), africanos (negros) e ameríndios, os índices socioeconômicos continuam favoráveis àqueles descendentes dos colonizadores, enquanto aos outros, inclusive aos mestiços, seja de que raças tiverem se originado, resta ser componentes de números relativos à exclusão e à falta de oportunidades. Essa situação já vem de muitos séculos, e o transcorrer da História só favoreceu a continuidade desse processo.
Os negros e os índios sofreram uma “integração forçada” à nova nação por meio de sua escravização e submissão ao branco português. A eles restava praticar sua cultura, devido a proibições, disfarçada por panos europeus. Aos negros, foi proibido praticar suas religiões, o que os fez usar santos da Igreja Católica em seus rituais, e aos índios (e a toda a população branca), falar a língua geral (tupi adaptado), que acabou influenciando o idioma português brasileiro no vocabulário e no jeito de falar: assim se formou a cultura genuinamente brasileira. Mesmo a visão das raças não brancas como inferiores colaborou para o quadro da miscigenação: os senhores de engenho, mesmo que a elite se recusasse a se misturar com os negros, na falta de mulheres, mantinham consigo mulheres negras e tinham filhos mulatos com ela, que acabavam sendo entregues a outrem, e, mesmo entre os pobres, apesar de o racismo não predominar com tanta força, dominando a ideia de superioridade europeia, as negras preferiam ter filhos com brancos em sucessivas gerações para que ocorresse o gradual “branqueamento” da população, tal como expresso no famoso quadro A redenção de Cã. Porém, com a abolição da escravatura, mesmo que todos os negros passassem a ser homens livres, eles e boa parte dos mestiços acabaram entregues a um destino incerto, pois não receberam qualquer tipo de auxílio que os ajudasse a obter por conta própria uma vida digna de qualquer cidadão, e isso acabou gerando sua pobreza, que teve como consequência a indigência e a falta de acesso à educação de qualidade, por sua vez necessária para a obtenção de um bom emprego. O quadro se agravou com a vinda dos imigrantes europeus e asiáticos para o Brasil: além de ocuparem postos que poderiam ser ocupados pelos negros, mas não o foram por falta de especialização e favorecimento estatal, eles trouxeram o sentimento de xenofobia, que considerava inferior qualquer cultura que não fosse a europeia, gerando ideias de inferioridade de africanos e ameríndios e a discriminação presente mesmo nas mais “inocentes” piadas e colóquios diários.
O Brasil, no que tange ao “visível” e ao “audível”, ou seja, o fenótipo das pessoas, o jeito de falar, o vocabulário, a culinária, os costumes etc., é um país plural, mas com relação ao “invisível”, ou seja, as ideias sobre uma raça ou outra, os preconceitos, a igualdade de oportunidades etc., nota-se que é preciso uma cura para esse mal, que é difícil de ser extirpado porque está na raiz da formação nacional, ou seja, o brasileiro foi criado para ver o índio e o negro como pessoas inferiores e dignas [sic] de ser escravizadas.
Este foi um fichamento que fiz pra matéria de Teoria da História III, ministrada na graduação da Unicamp pela querida Margareth Rago e datada de 27 de março de 2008. Por causa dela, todo mundo se assombrou com o genericamente chamado “pós-modernismo” e as reflexões “explosivas” de Michel Foucault, rs. Eu fichei o artigo de Antonio Paulo Benatti, intitulado “História, Ciência, Escritura e Política” e publicado na coletânea Narrar o passado, repensar a história (org. Margareth Rago e Renato Aloizio de Oliveira Gimenes; Campinas, UNICAMP, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2000, p. 63-103), volume 2 da Coleção Ideias.
Fazendo uma pesquisa depois desta publicação, descobri que em 2014 a Unicamp teve a boa ideia de relançar a coletânea em 2.ª edição, pra baixar livremente em PDF e já com a ortografia do sobrenome do autor (sabe-se lá por quê) corrigida como “Benatte”, que ele usa em trabalhos mais recentes. Mesmo tendo o artigo original em mãos, espero que você também aproveite este conteúdo, cuja ortografia foi atualizada:
1. Ao analisar as teses e dissertações acadêmicas e livros com orientação científica, nota-se a “feiura” das ciências humanas advinda da oposição acadêmica à escrita literária, o que gera exclusões injustas. Na distinção de Barthes entre escritores (linguagem como meio e fim e como palco e alvo de perguntas) e escreventes (linguagem como instrumento e meio de fornecer respostas), os historiadores seriam escreventes, o que é fruto de uma “cultura cientificista” que culminou no século 19, na busca de dar estatuto científico à história. Com a crise dos modelos que sustentavam essa ideia, retornaram questões como o estatuto do discurso histórico, a neutralidade, a natureza do documento e o “retorno da narrativa” na escrita de uma história sem “dogmáticas cientificistas”. Mas como sua “cientificização” afastou-lhe a narrativa? (p. 63-66).
2. A oposição entre “fábula” e “história” começou com Heródoto e passou por Aristóteles, marcando o “ideal de conhecimento da historiografia ocidental”. Ela continuou com Voltaire, que tentou racionalizar a escrita da história, que por dever narrar o verdadeiro, exige o uso de documentos e arquivos e o afastamento dos elementos da fábula, e inovou com a “ideia de cientificidade para a história”, a ser construída com o mesmo “método universal da razão” usado na natureza. Assim, a “vontade de verdade” iluminista agravou o afastamento da narrativa, mas talvez essa pretensão científica já se encontrava no Renascimento (p. 66-68).
O Ensaio sobre os Costumes (Voltaire, 1756) reflete a ideia da racionalidade como caminho ao conhecimento e a história como o percurso em direção a ela, não se recusando de imediato a narrativa, mas iniciando-se a separação entre o verdadeiro e o belo, que originou a “consciência histórica moderna”. No século 18, mudam as concepções de “arte”, produtora de efeitos estéticos na qual é posta a literatura, e de “ciências”, baseadas no “exame crítico da documentação” ou na “busca de ‘leis’ do mundo humano” e nas quais é encaixada a história. Recusada a fábula, a narrativa é afastada da historiografia dos séculos 19 e 20 e separam-se o texto histórico e o chamado hoje de “literário” (p. 68-70).
3. Ranke apaixonou-se pela “beleza” dos fatos sem “invenção e fabulação”, pensando, como outros historiadores do século 19, que a subjetividade tirava a qualidade do relato fadado a ser concorde aos “fatos”, o que passava uma ilusória “relação imediata com o passado”. O historicismo alemão impôs o rigor dos métodos científicos de uma história livre do imaginário e sua extensão às “ciências auxiliares”, o que levou vários discípulos a desprezar a boa escrita e, no caso dos norte-americanos, sofrer críticas de Webb, para quem eles postulavam uma verdade “feita tão feia que ninguém duvide de sua virgindade”. O romantismo do começo do século 19, mesmo longe do racionalismo, contribuiu à crítica histórica que cientificizava a disciplina, o que prova uma continuidade entre os séculos 18 e 19 (p. 70-73).
4. A Introdução aos Estudos Históricos (1898), de Langlois e Seignobos, modelo que influenciou várias gerações de historiadores, ataca, em prol da “exposição científica” dos fatos, a “bela escrita” e, como retrocessos, o subjetivismo de Michelet e o “renascimento literário” romântico. A história, em meados do século 19, teria passado de gênero literário a ciência, exigindo dos historiadores não visar ser lidos nem “reviver o passado”, mas aumentar o “patrimônio científico da humanidade”. Assim, baseados em uma crítica documental científica, em provas e longe da literatura, os historiadores deveriam descrever os fatos em ordem cronológica tal como aconteceram, por uma linguagem livre de paixão e imaginação para não se afrouxar o rigor científico, visando a “neutralidade” e a “objetividade” (p. 73-76).
5. No século 20, os historiadores marxistas e os ligados à Escola dos Annales criticaram a “ingenuidade epistemológica da história fatual”, mas ainda rejeitavam a escrita literária. Os segundos, por muito tempo, viram a história como uma “semiciência” que deveria rejeitar a “rotina erudita” e o “empirismo”, posição que incentivou uma renovação guiada pela recusa do “dogmatismo científico” e traduzida especialmente no aperfeiçoamento da pesquisa, na nova visão sobre o documento e na interdisciplinaridade. Eles opõem, à “história-narrativa”, a “história-problema”, mais próxima da ciência, sendo aquela ruim pela proximidade com o jornalismo e pela ênfase no “tempo curto”, na “ação de seres excepcionais” e nos fatos “sem humanidade”. A história dos Annales na longa ou longuíssima duração, voltada a “processos anônimos e coletivos” e “mais quantitativa, serial e largamente matematizada”, eclipsou o acontecimento e recusou a ação “meramente descritiva e literária” (p. 76-79).
Os marxistas criticaram a história narrativa por ligar-se às concepções históricas das classes dominantes e não dar conta das “leis dos processos dialéticos da história” nem da complexidade da luta de classes que a move. A história marxista, a única “científica”, deveria buscar o porquê visando à transformação da realidade ao transpor os limites universitários e escolares. Mas essa historiografia fez-se muito acadêmica e hermética, sendo sectária ao tentar atingir as pessoas comuns (p. 79-81).
No século 19, para uma história científica, elaboraram-se métodos de crítica, modelos, teorias e leis, e excluiu-se a literatura até a década de 1980 devido a uma “ordem do discurso” excludente. A “inspeção rigorosa das fontes”, a “crítica dos documentos” e a interdisciplinaridade teriam abrigado das fábulas e da literatura a história da modernidade. Mas deixar em segundo plano a “estrutura narrativa” e aplicar métodos científicos semelhantes aos das ciências naturais não afastou a história da ficção, pois mesmo sem se pensar na forma, é impossível nunca se preocupar com ela (p. 81-82).
6. Notou-se o retorno da narrativa (não linear e fatual, mas ligada ao conteúdo e ao método) na história, devido ao ocaso dos grandes modelos explicativos, o aumento do público leitor e a recusa da pura quantificação de dados, mas, aceso o debate entre prós e contras, pode-se dizer que não foi um simples “retorno”, mas um reconhecimento, pois, com a “crise da ideia de ciência”, viu-se que todo saber produz sentido e tem caráter retórico. A modernidade não reconheceu o retórico na argumentação científica, depois descoberto como “presença generalizada de relações de poder em todos os tipos de interações” (p. 82-84).
A narração escrita é inerente à história e foi camuflada para lhe dar caráter científico, mas o sujeito neutro e objetivo é uma produção histórica, portanto a ideia de história como ciência também o é. Deixou as melhores obras quem escapou da dicotomia “forma versus conteúdo”, que trouxe prejuízos à historiografia, provando que os dois são inseparáveis e insubordináveis entre si. Hoje, a historiografia soma retórica e estilo aos procedimentos científicos e não se preocupa com o subjetivismo (p. 84-86).
7. Na discussão acadêmica sobre o conteúdo e a forma, o “caráter narrativo, retórico e poiético de todo o discurso”, constaram-se a crise epistemológica, o retorno da literatura e o fim do apego ao objetivismo na história, após um século de cientificismo. Mas a crítica à história-ciência é bem anterior, pois Anatole France qualificou o fato histórico como escolhido pelo historiador, o que exige sua imaginação, sendo a história uma arte ou, para Saramago, uma farsa, pois montada por “leitura baseada na bagagem social e individual” e predominantemente masculina, tendo sido diferente se escrita pelas mulheres e excluídos (p. 86-89).
A crítica pós-moderna da verdade histórica e da racionalidade ocidental denunciou a história como eurocêntrica, “masculina, branca, adulta e heterossexual” e extintora das diferenças, não se negando que o passado existiu, mas que se pode ter dele um conhecimento exato. Valorizar a ciência sobre a arte como forma de conhecimento é algo cultural e histórico que “não é alheio às relações de poder intra e entre sociedades”. Buscar a objetividade histórica liga-se à literatura realista do século 19, unida à teoria de que o texto reflete a realidade, quando, na verdade, ele mesmo é produtor de significado, e hoje a diferença entre “real” e “imaginário” na história é problemática, pois nada garante que os documentos sejam “elementos pré-textuais, empíricos”. Os “pré-conceitos” do historiador intervêm no documento, que é um “vestígio textualizado do passado” e não, como a linguagem, “a matéria bruta do discurso histórico” (p. 89-91).
8. Em especial marxistas acusaram de modismo, “irracionalismo” e mantenedora da ordem capitalista a desconstrução dos temas tradicionais feita pela nova historiografia, cujos adeptos se distanciariam do compromisso social e da “totalidade da Grande História”, submissos ao mercado editorial e à mídia. Essa reação autoritária e excludente refere-se à lógica binária da divisão entre marxistas e não marxistas, esquecendo que se preocupar com a forma é repensar o que são poder e política e politizar a linguagem e a forma que ela assume no discurso acadêmico (p. 92-93).
Os pós-modernos abalaram a “crença ingênua na ciência”, as “metanarrativas emancipatórias” e a noção comum de política, ao supor que o poder não está em um centro, mas em todos os lugares, difuso, inclusive, na linguagem. As análises de historiadores sobre a linguagem muito se atêm ao seu conteúdo, e não à sua forma, não servindo de “metalinguagem”, pois politizar o discurso é ver o poder na linguagem, poder que não é unitário, monolítico, mas difuso nos “mecanismos de intercâmbio social” (p. 93-94).
Na produção histórica, reservada a uma “elite cultural”, o poder está no uso de um jargão próprio e nas práticas que constroem o conjunto de textos “verdadeiramente históricos”. A palavra “história” designa, entre outras coisas, a narração feita pelos historiadores, que, poderosos por serem “sacerdotes da memória”, não deixam de ser subjetivos, mas cegados à questão da linguagem e dos poderes (p. 95-96).
Mesmo com a volta da “bela escrita” à história, o prazer estético não deve ser seu fim, mesmo não sendo dispensável, pois se deve problematizar a linguagem para se criticar a noção de verdade. É preciso notar “o aspecto político de toda escritura” para se debater a “questão da narrativa histórica”, pois a crítica da aliança do discurso da história com os poderes não deve ser feita na busca da “posição político-ideológica do autor” só no conteúdo, mas também na forma, que por vezes é inversa a ele. Chamam-se os “novos narrativistas” de desengajados, mas não são despolitizados, pois “escrever é comprometer-se”. A história, que tem sua razão de ser nas perguntas feitas pelo presente ao passado, refletiu as mudanças na sociedade contemporânea e pode driblar a influência do saber-poder na subjetividade dos historiadores por meio da escritura que cria “acontecimentos na linguagem” (p. 96-99).
9. Os novos historiadores criticaram, como os literatos, a escrita esotérica e pretendem tornar seu discurso mais aberto, sem tirar-lhe sua capacidade analítica, a um público maior e culto que pode satisfazer-se com ele e acompanhar os progressos da área. A busca pela verdade é uma construção histórica que atende demandas que não são mais as de hoje, quando se deve superar a “separação entre forma e conteúdo”, sem se ver isso como regra devido à particularidade dos textos, que não representam verdades absolutas. A história, pelo prazer e contra o poder, deve deixar as “identidades universais” e centrar-se nas diferenças, sem largar os problemas postos pelo presente, conquistando o público culto, e não a academia (p. 99-102).
No Brasil, deve-se e quer-se ampliar o público leitor, afastando a idéia de que fora da academia todos são “burros” e assumindo que “para escrever [...] é preciso pelo menos dois”, sem escrever em uma linguagem que se suponha “de todos”, mas lidar com a diversidade dentro do idioma mantendo a qualidade do conteúdo. A literatura e outros experimentos de escrita ajudam a lidar melhor com a descontinuidade e a desconstrução da história atual, garantindo-lhe vitalidade (p. 102-103).