Originalmente, publiquei parte deste “discurso” solo de Trotsky em 4 de setembro de 2018, mas há algumas semanas encontrei a versão completa, integrando um conjunto documental maior produzido entre 1931 e 1938, provável ano do discurso, pelo estúdio Pathé Frères (França, Reino Unido e Países Baixos) e republicado pelo museu visual holandês Eye. Conforme publiquei há algumas semanas, ele deve estar em Coyoacán, perto da Cidade do México, onde o líder viveu seu último exílio e foi assassinado. Em 2018, achei o trecho legendado em grego (longe de ser literal), com base no qual transcrevi com dificuldade o francês. Na primeira vez, fui grato aos tradutores Rui Correia, Jane Lamb e Silvio Levy pelo auxílio na transcrição, mas agora, pra revisar meu serviço completo, contei com o auxílio do profissional em tradução e interpretação Jens Munck. Por sua gentileza e paciência em ouvir os “buracos” que ficaram, recomendo que conheçam seu trabalho!
O dissidente soviético Leon Trotsky é filmado no exílio criticando, em língua francesa com sotaque, a política da Internacional Comunista (Comintern) dirigida por Iosif Stalin, de rejeição à “frente única” com os socialistas e a social-democracia. Isso teria levado à vitória de Adolf Hitler e, embora ele só fale em “desdobramentos na Alemanha” e “os eventos confirmaram”, parece evidente que ele fala da ascensão do nazismo. Seguem abaixo minha primeira legendagem, o trecho completo conservado pelo Eye, minha tradução e a transcrição, agora sem a cópia das legendas em grego.
Em 1921, diante do isolamento da Revolução Russa, Lenin decidiu lançar um apelo de unidade aos trabalhadores que ainda aderiam ao reformismo, política chamada “frente única”. Ao longo dos anos, sobretudo após a morte de Lenin, em 1924, essa política fracassou diante da resistência dos sociais-democratas, das lutas internas no PC soviético e da hostilidade ocidental à URSS. Na prática, desde 1928, Stalin e a Comintern tinham abandonado a política de “frente única”, embora mantivessem em palavras. As esquerdas não bolcheviques culparam a hostilidade para com os socialistas, que pros comunistas seriam um perigo “pior do que o fascismo”, pelo caminho deixado aberto pra Hitler ser escolhido chanceler em 1933. Na verdade, outros fatores também influíram nessa eleição, mas o racha das esquerdas alemãs enfraqueceu qualquer possibilidade de resistência, em meio a um ódio SPD vs. KPD que era mútuo.
Devemos lembrar que, na prática, a política da Comintern esteve imbricada, na maior parte do tempo, à política externa soviética, e que apenas em 1934 ia se pensar numa amenização dos ataques. Em 1935, a linha de “frentes populares” antifascistas obteve resultados unitários num curto prazo, mas não impediu o avanço de Hitler e o recrudescimento de Stalin. Trotsky, distante de sua terra desde 1929, excomungado por seu partido e por sua Internacional, faz outra atuação quixotesca desesperada, insistindo que a união com a social-democracia era imprescindível naquele instante. Discursando sozinho numa sala fechada pra um público imaginário, o pretenso chefe do proletariado luta insistentemente contra um moinho de vento que é o direcionamento stalinista do bolchevismo soviético. Ele não percebeu que se tornou uma peça descartada assim que pôde, na hora em que explodiu a luta pela sucessão de Lenin.
Camaradas!
Vocês querem que eu responda à pergunta: por que pertenço à fração dos bolcheviques leninistas, que está em aguda oposição à atual política da Internacional Comunista e do governo soviético? Vou tentar esboçar pelo menos os pontos mais importantes da questão.
O objetivo maior do Partido Comunista consiste em formar a vanguarda proletária reforçada pelas consciências de classe, capaz de combater, resoluta, pronta para a revolução. Mas a educação revolucionária exige um regime de democracia interna. A disciplina revolucionária nada tem a ver com obediência cega. A combatividade não pode ser preparada de antemão nem ditada por uma ordem vinda de cima: ela deve sempre se renovar e se fortalecer por si mesma.
A disciplina revolucionária [pequeno ruído] todo trabalhador comunista honesto e consciente, temos democracia no Partido: sim ou não? Fazer a pergunta é respondê-la. Até os mais irrisórios vestígios da democracia partidária estão desaparecendo mais a cada dia. Na União Soviética, o Partido Comunista está no poder, os sucessos econômicos são incontestáveis, o número de trabalhadores no país dobrou e triplicou, o nível cultural das massas aumentou notavelmente nos últimos quinze anos.
Nessas condições, a democracia partidária quer alcançar maior abrangência. Estamos vendo o exato oposto: apesar de todas as realizações e sucessos, o proletariado está preocupado com eles, e a vanguarda comunista em particular está presa pelo alicate de aço da burocracia do Partido e do Estado. A piora sem precedentes do regime partidário deve ter profundas causas sociais e políticas. Nós, Oposição de Esquerda, no decorrer do período posterior a Lenin, mais de uma vez analisamos e revelamos suas causas.
Alguma vez a liderança oficial do Partido submeteu honestamente nossos argumentos para discussão no Partido? Nunca! Quanto menos o funcionário é controlado pelas massas, menor é sua estabilidade, mais sensível ele se torna às influências externas, mais inevitavelmente as convulsões dos políticos tomam a forma de um tribunal febril, até malárico. É isso o centrismo. Repito: é isso o centrismo!
A aniquilação da democracia se torna eleitoralmente interessante para o desenvolvimento das influências ditas burguesas, oportunistas ou ultraesquerdistas. As divergências começaram em 1923 e residiam no funcionamento do regime partidário, na industrialização e nas relações com os kulaks. Em adição a isso, a plataforma da Oposição de Esquerda. Vocês tinham conhecido a Oposição de Esquerda russa de 1926. Vocês acompanharam o desdobramento subsequente da luta em torno do plano quinquenal e pela coletivização? Em todas essas questões, a contribuição da oposição consiste, de fato, em que, armada com um método marxista, ela exgergou corretamente, previu algo e alertou a tempo contra os erros.
Vocês leram os documentos que vieram a lume na luta de frações sobre as questões da revolução chinesa? Vocês conhecem as opiniões divergentes sobre o Comitê Anglo-Russo, a aplicação da frente única somente a partir de cima e, de fato, contra as massas em luta? Onde são conhecidos os escritos da oposição nesses domínios? Caso contrário, é dever de vocês familiarizarem-se com esses textos antes de definirem sua posição diante da Oposição de Esquerda.
Vocês certamente guardaram a memória das aventuras insensatas do “terceiro período”, que claramente comprometeram o comunismo aos olhos de todos os trabalhadores conscientes. Pode ainda um único comunista ter dúvidas a esse respeito?
Os novos desdobramentos na Alemanha dão um exemplo flagrante da política essencialmente falsa da direção do proletariado: assimilação da democracia ao fascismo, repúdio à política de frente única e, por conseguinte, renúncia aos sovietes, porque os sovietes só são possíveis com a realização da frente única dos operários pertencentes às diferentes organizações e inclusive aos diferentes partidos. Ninguém ajudou em tamanha medida a social-democracia alemã a se manter à tona quanto a política do aparelho stalinista internacional. Nós, Oposição de Esquerda, continuamos fielmente devotados à União Soviética e à Internacional Comunista.
Por outra devoção, por uma lealdade totalmente diferente, aquela da maioria da burocracia oficial, o operário que se considera comunista, mas se alimentou de fofocas, que não estuda documentos, não verifica por si mesmo os fatos, não vale grande coisa. Não, não vale grande coisa! Foi sobre esse tipo de gente que Lenin cunhou sua dura fórmula: “Aquele que acredita na palavra de um apolítico não passa de um idiota sem salvação”.
No décimo ano desde seu surgimento, a Oposição de Esquerda está próxima. Grandes eventos testaram e confirmaram nossa atitude. Quadros sérios estão sendo formados. Olhamos com confiança para o futuro. Nenhuma força poderá nos separar da vanguarda proletária internacional. A União Soviética é nossa pátria. Nós a defenderemos até o fim! As ideias e métodos de Marx e Lenin se tornarão as ideias e métodos da Internacional Comunista.
Camarades !
Vous voulez de moi une réponse à la question : pourquoi est-ce que j’appartiens à la fraction des bolchéviks-léninistes, qui est en opposition aigüe avec la politique actuelle de l’Internationale Communiste et du gouvernement soviétique ? Je vais essayer d’esquisser au moins les points les plus importants de la question.
Le but capital du Parti communiste consiste à constituer l’avant-garde prolétarienne forte des consciences de classe, apte au combat, résolue, prête pour la révolution. Mais l’éducation révolutionnaire exige un régime de démocratie intérieure. La discipline révolutionnaire n’a rien à faire avec l’obéissance aveugle. La combativité ne peut être préparée par avance ni dictée par un ordre d’en haut : elle doit toujours se renouveler par elle-même, et par elle-même s’étramper.
La discipline révolutionnaire [petit bruit] tout honnête et conscient travailleur communiste, avons-nous la démocratie dans le Parti : oui ou non ? Poser la question, c’est y répondre. Même les plus misérables vestiges de la démocratie du Parti s’évanouissent chaque jour davantage. Dans l’Union soviétique [sic], le Parti communiste est au pouvoir, les succès économiques sont incontestables, le nombre de travailleurs dans le pays s’est doublé et s’est triplé, le niveau culturel des masses s’est sensiblement élevé dans les quinze années.
Dans ces conditions, la démocratie du Parti veut atteindre plus d’ampleur. Nous voyons tout le contraire : malgré toutes les réalisations et tous les succès, le prolétariat en sont inquiets, et l’avant-garde communiste en particulier, sont étreints par les tenailles d’acier de la bureaucratie du Parti et de l’État. L’aggravation inouïe du régime du Parti doit avoir de profondes causes sociales et politiques. Nous, Opposition de gauche, dans le cours de la période après Lénine, nous avons plus d’une fois analysé et révélé ses causes.
La direction officielle du Parti a-t-elle jamais soumis loyalement à la discussion du Parti nos arguments ? Jamais ! Moins le fonctionnaire est contrôlé par les masses, d’autant moins grande est sa stabilité, plus il devient sensible aux influences extérieures, d’autant plus inévitablement les convulsions des hommes politiques épousent la forme de la cour fébrile, même paludéenne. C’est cela le centrisme. Je le répète : c’est cela le centrisme !
L’anéantissement de la démocratie devient d’intérêt d’élections pour le développement d’influences dites bourgeoises, opportunistes ou ultragauchistes. Les divergences commencèrent en 1923, et ce fut dans l’action du régime du Parti, l’industrialisation et les rapports avec les koulaks. Pour surplus, la plateforme de l’Opposition de gauche. L’Opposition de gauche russe de 1926, vous l’aviez connue. Avez-vous suivi le développement ultérieur de la lutte autour du plan quinquennal et de la collectivisation ? Dans toutes ces questions, l’apport de l’opposition consiste en fait que, armée d’une méthode marxiste, elle a vu juste, elle a prévu quelque chose et mis en garde à temps contre les fautes.
Avez-vous lu les documents qui se sont fait jour dans la lutte des fractions dans les questions de la révolution chinoise ? Connaissez-vous les divergences de conception sur le Comité anglo-russe, l’application du front unique par en haut seulement, et en fait contre les masses en lutte ? Les travaux de l’opposition dans ces domaines, où sont-ils connus ? Sinon il est de votre devoir de vous familiariser avec ces textes avant de fixer votre position envers l’Opposition de gauche.
Vous avez certainement gardé la mémoire des aventures insensées de la « troisième période », qui ont clairement compromis le communisme aux yeux de tous les travailleurs conscients. Est-ce qu’un seul communiste peut avoir encore des doutes à ce sujet ?
Les nouveaux développements en Allemagne donnent un exemple saisissant de la politique fondamentale fausse de la direction du prolétariat : assimilation de la démocratie au fascisme, répudiation de la politique de front unique et par suite renonciation aux soviets, parce que les soviets ne sont possibles qu’avec la réalisation du front unique des ouvriers appartenant aux différentes organisations et même aux différents partis. Personne n’a aidé, dans une telle mesure, la social-démocratie allemande à se maintenir à la surface que la politique de l’appareil stalinien international. Nous, Opposition de gauche, restons fidèlement dévoués à l’Union soviétique et à l’Internationale Communiste.
Par un autre dévouement, par toute une autre fidélité, qui est la majorité de la bureaucratie officielle, l’ouvrier qui se tient pour un communiste, mais qui s’est nourri des racontars, qui n’étudie pas des documents, ne vérifie pas par lui-même les faits, ne vaut pas grand-chose. Non, il ne vaut pas grand-chose ! C’est sur des gens pareils que Lénine a forgé sa formule dure : « Celui qui croit à la parole d’un apolitique n’est qu’un idiot sans espoir ».
La dixième année depuis la naissance, l’Opposition de gauche est proche. Les grands évènements ont vérifié et confirmé notre attitude. Des cadres sérieux sont éduqués. Nous regardons avec confiance dans l’avenir. Aucune force ne pourra nous détacher de l’avant-garde prolétarienne internationale. L’Union soviétique, c’est notre patrie. Nous la défendrons jusqu’au bout ! Les idées et les méthodes de Marx et de Lénine deviendront les idées et les méthodes de l’Internationale communiste.