quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Aidda Pustilnik: Agora a moda é o autismo


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Minha mãe compartilhou comigo este vídeo de uma psicóloga jurássica que vende oferece uma “terapia detox” coletiva consistindo em ficar dias confinados num sítio dela, sem falar nada e olhando um pra cara do outro... E ai de você se der o menor pio até com o jardineiro!

Tem gente que vai concordar com o conteúdo que selecionei abaixo, e realmente a mensagem é interessante: diagnósticos são coisa séria, remédios não devem ser prescritos a torto e a direito e traços congênitos não podem servir de desculpa pra defeitos de caráter! Outros obviamente vão achar “politicamente incorreto” e a acusar de capacitismo.

Julgue você mesmo, e lamente com ela: “Ah, os esquizoides...”, kkkkk:






sábado, 8 de novembro de 2025

João Quartim e os “amigos do povo”


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Na edição mais recente da revista Crítica Marxista (n.º 58), publicada pelo IFCH da Unicamp, foi publicado um artigo do professor João Quartim de Moraes intitulado “As posições filosóficas de Lênin” (com circunflexo mesmo). Nesse texto, ele expõe os princípios básicos da filosofia do revolucionário russo, percorrendo os principais escritos de sua vida, e já começa taxativo: “A filosofia está presente do começo ao fim da obra de Lênin.” Prolífico escritor e expositor, Quartim também é famoso por seus livros sobre os militares brasileiros e a política, especialmente aqueles setores fardados identificados com a esquerda.

Suas primeiras observações tratam do ataque de Vladimir Lenin (de fato, uma de suas primeiras polêmicas) aos narodniks, uma das correntes da esquerda russa no século 19 que não se identificava com o marxismo. A primeira nota de rodapé já contém uma observação interessante e a transcrevo na íntegra: “O título habitual dessa obra nas traduções em língua portuguesa não é O que são, mas Quem são os ‘amigos do povo’. Não conheço a língua russa, mas parece-me que as traduções para o inglês (What the ‘Friends of the People’ are) e o francês (Ce que sont les ‘amis du peuple’) oferecem um melhor sentido, a saber, O que são. Não se trata, com efeito, de identificar quem são os ‘amigos do povo’, perfeitamente conhecidos, a começar de Mikhailovski, mas de mostrar quais são suas ideias e refutar a superficialidade e a má-fé da crítica que fazem ao marxismo.”

O sublinhado é meu, e embora eu respeite o professor, com quem já tive bons intercâmbios, e considere altamente sua obra (especialmente a organização e as contribuições pra coletânea História do marxismo no Brasil), ando meio cansado desses especialistas em alguma coisa que não se põem, porém, a aprender o idioma relativo àquilo de que tratam. Não acho que esse seja o caso de Quartim, pois muito boas análises podem ser feitas a partir de traduções, as quais, aliás, servem pra isso mesmo. Contudo, não estamos falando de um mero militante, curioso ou não especialista que precisa fazer uma consulta rápida. Estamos falando de alguém que estuda profundamente um autor, um sistema de ideias e uma época, mas desconhece a língua em que foram expressados.

Imagine estudar Shakespeare, Hume ou Burke sem saber inglês, imagine pesquisar sobre Molière, Voltaire ou Comte desconhecendo o francês. Há décadas as universidades estaduais paulistas oferecem programas de ensino de russo, e hoje não é difícil encontrar online professores, aplicativos ou materiais diversos. Até Marx, perto do fim da vida, se pôs a aprender russo pra entender melhor o império tsarista, com cujos súditos socialistas trocava cartas. Mais uma vez, essa não é uma crítica direta a Quartim, muito menos à qualidade de seu artigo, ai de mim! Decidi apenas trazer hoje aqui um e-mail privado que lhe mandei apenas como comentário àquela nota de rodapé, fornecendo alguns lampejos gramaticais interessantes a respeito de sua própria dúvida sobre a melhor tradução. Além disso, achei que a mensagem podia ser de interesse público por conter outras informações estimulantes.

Ainda não recebi nenhuma resposta, se é que ela realmente vai chegar um dia. Quartim é de uma geração de “velhos guerreiros”, combatentes da ditadura civil-militar de 1964-85, portanto, não posso julgar seus conhecimentos linguísticos. Contudo, me preocupa que uma geração relativamente mais nova de pesquisadores e polemistas queira ter a última palavra (geralmente asquerosa) sobre assuntos bem mais sérios, mas igualmente se contenta com fontes indiretas traduzidas pro inglês, francês ou espanhol. E isso vale, com raríssimas exceções, pra inúmeros recém-formados “especialistas” em URSS e ideologia bolchevique.

Arlene Clemesha e Breno Altman (um jornalista, e não um historiador!), por exemplo, mentem aos quatro ventos sobre a história do sionismo e instilam insidiosamente o antissemitismo entre as “ex-querdas”, mas sequer leem árabe ou hebraico. Ele, pela natureza da formação, não tem Currículo Lattes, mas ela informa apenas que “lê razoavelmente” árabe, isto é, pode nem sequer entender pra acompanhar canais de notícias, e ambos, salvo engano, desconhecem o hebraico. Quebram aquela velha regra do método científico: se você quer falar sobre Israel, simplesmente ache um israelense e ouça sua opinião. Recentemente, também soube de uma doutoranda que pesquisa o feminismo iraniano, mas recorre quase sempre a versões francesas de uma revista porque seu persa ainda é incipiente.

Rigorismo? Despeito? Não, apenas honestidade, pois infelizmente esse problema é crônico na academia brasileira e demonstra como estamos formando apenas repetidores de terceiros, e não pesquisadores genuínos que criam conhecimento original direto das fontes. É minha concepção de mundo, e acabou. Se você não gosta de aprender idiomas, não seja historiador. Dito isso, segue a carta ao filósofo do Cemarx, por quem reitero meu profundo respeito.



Caro professor Quartim,

Folheando a última edição da revista Crítica Marxista, somente agora tive a oportunidade de me deparar com seu artigo sobre as réplicas de V. I. Lenin em 1894 aos populistas, como também são conhecidos os naródniks. Com todo respeito que guardo por seu trabalho de professor e pesquisador, gostaria de comentar as dúvidas que expressa em nota inicial sobre as diversas traduções do título da obra.

Sim, literalmente a tradução “O que são...” se justifica melhor do que “Quem são...”. Em russo, o início do título (não há problemas com o resto) é “Что такое...” (Chto takóie...), expressão que se refere, segundo o Wikcionário russo, a seres inanimados. Ou seja, neste caso, provavelmente ao grupo e às ideias, e não à identidade individual de seus adeptos.

Ressalto que a ausência do verbo “ser” no presente, característica das línguas eslavas orientais, compensa-se por meio de vários idiomatismos não traduzíveis literalmente nas línguas euro-ocidentais. Embora o uso do pronome “takóie” (aqui neutro singular) tenha essencialmente uma função enfática, ele também é muito usado para pessoas nas formas “takói” (masc. sing.), “takáia” (fem. sing.) e “takíe” (plural): “Kto takói... ” etc. Naturalmente, “kto” significa “quem" e “chto”, “o que”.

Confirmo também que o segundo volume da brochura se perdeu, isso não é uma suposição. Sendo uma das primeiras obras de Lenin, impressa e divulgada na clandestinidade, deve ter sofrido as vicissitudes a que tal situação impele. E se contarmos todo o turbilhão que se tornaria a história posterior da Rússia e da URSS, creio que o volume só poderia aparecer por um milagre. É o que informam o verbete da Wikipédia em russo sobre a brochura e o final da nota introdutória (p. 577) numa das versões em HTML da edição de 1967 das Obras completas.

É interessante que, segundo a Wikipédia, embora o segundo volume tenha se perdido, as mesmas teorias político-econômicas teriam sido expostas por Lenin no texto “Características (ou Caracterização) do romantismo econômico” (1897), também polemizando contra os populistas liberais. Na mesma versão italiana (mas não na russa, curiosamente), lemos que “O que são...” foi publicado anonimamente, o que nos leva à questão da adoção do pseudônimo “Lenin”.

Posso estar “ensinando o Pai-Nosso ao vigário”, mas “Vladimir Ilitch” aparece várias vezes em seu artigo como o nome verdadeiro do russo. De fato, sendo “Ilitch” (ou Ilich, Ilyich), i.e. “Ильич”, seu patronímico, a parte do nome formada com o prenome do pai (neste caso, uma forma irregular derivada de Iliá = Elias), é comum que ele seja mencionado, mesmo ausente, como “Vladimir Ilich” por uma questão de respeito. Essa também é a forma polida com que nos dirigimos a um desconhecido ou pessoa sem intimidade, no lugar de nosso “sr./sra. + sobrenome”.

Até hoje, chamar alguém em russo usando “gospodín” (sr.) ou “gospozhá” (sra.) antes do sobrenome é considerado rude e indicador de distanciamento, exatamente como Lenin faz no original de “O que são...” ao se referir a seus oponentes. Na própria Wikipédia russa, descontando as citações de terceiros, há alternâncias entre “Vladimir Ilich”, “Vladimir Uliánov” (que era seu sobrenome) e “V. I. Ulianov”. Calcula-se que, durante sua vida, ele tenha usado mais de cento e cinquenta pseudônimos, embora ele assinasse, já no poder, os documentos partidários e estatais como “V. I. Ulianov (Lenin)”.

É apenas uma observação à parte, mas tive receio de que, caso não conhecessem mais detalhes sobre a biografia de Lenin, os leitores viessem a pensar que “Ilitch” fosse seu sobrenome, no sentido que damos a isso. (E não por acaso, “sobrenome” em russo se diz “família/фамилия”...)


quinta-feira, 6 de novembro de 2025

EU SOU O PAI DO SUPLA


Foi a biblioteca do esquerdista Instituto de Economia da Unicamp que acabou de me enviar um e-mail dizendo que sou o político Eduardo Suplicy. Portanto, quem sou eu pra contestar? Rs...


domingo, 2 de novembro de 2025

Quando o JN tenta ser Casseta & Planeta


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No último dia 31 de outubro, bem na festa ianque do Relouim que resolveram bobamente importar pra cá, William Bonner se despediu da bancada do Jornal Nacional, outrora voz da ditadura civil-militar a partir de 1969 e agora o maior telejornal brasileiro visto por quem ainda só entende português e se senta no sofá com o cérebro desligado pra descansar da lida diária. A Grobe é um gigante com ótimos jornalistas de todas as cores, gêneros, origens, sotaques, formas e tamanhos, mas quem foram escolher pra substituir o ex da Fátima? César Tralli, com sua cara de bobo, esguias pernas arqueadas e cujos pitacos irritantes no fim das matérias deixavam o Jornal Hoje com pelo menos 1/3 a mais de duração do que o suficiente.

Você pode estar se perguntando: Ué, o Bonner vai, sair, f*da-se, não tenho nada com isso, já faz sei lá quantos anos que não assisto mais a essa m*rda. Por mais que a famiglia Marinho tenha irritado tanto lulaminions quanto bolsominions meramente por trazer fatos de cuja interpretação podemos duvidar, mas que incomodam a um montão de gente, o JN e seu mais famoso âncora se tornaram parte da cultura popular nos últimos 29 anos. Sem contar Cid Moreira, que apresentou a primeira edição e se tornou um ícone do jornalismo nacional. E em qualquer país é assim, pois seus jornalistas e telejornais noturnos mais famosos de canais abertos sempre viram alvo de piadas, bordões e memes. Até no Orkut, por exemplo, havia uma comunidade chamada “Eu dou boa noite pro Bonner”, e não sei se alguém chegou a fazer um print dela (sinta-se livre pra me enviar). Posso comprovar na prática: minha vó faz isso até hoje, rs.

Embora alguns critiquem Bonemer por seu jeito de trabalhar e atuar, ele tem qualidades que o distinguem de outros colegas, como a boa retórica improvisada (compare-o com o marido da Ticiane falando na edição daquele dia), a inteligência e, o melhor, um senso de humor que transborda até mesmo em reportagens cotidianas. Porém, esse humor aflora mais plenamente nos bastidores, entre quem já o viu imitando até mesmo Paulo Francis e Clodovil, e parece que nessa “festa da firma” ele resolveu mostrar ao país todo seu dom pro stand up. Não passaram despercebidas suas imitações de “si mesmo aos 8 ou 9 anos” cobrindo um piriri do Chapeleta pela primeira vez e de seu próprio companheiro de bancada, o locutor da Bíblia Sagrada, com quem conferenciava sobre o fato de ficar nervoso antes do programa.

Portanto, eu correria o risco de estar sendo redundante, porém, além de meus próprios comentários, só aqui você vê os trechos selecionados sem edição. E decidi aproveitar também a ocasião pra descarregar inúmeros memes vindos de diversos telejornais da Grobe, que estavam represados desde a queda do canal Pan-Eslavo Brasil ou que fui acumulando depois, além de coisas aleatórias mais recentes. Afinal, como já publiquei aqui constantemente, o JN e seus congêneres (H1, JH, JG e sei lá que outras siglas) nem sempre se tornam o Casseta & Planeta Urgente voluntariamente, mas muitas vezes “sem querer querendo”. Diverte-te:



O “beijo no Bonner” que o Genocida queria ter dado em 2022, rs.


O vídeo “principal” (em cujo fim Bonner diz estar nervoso) e outro vídeo em que ele faz uma gracinha com o sucessor (em que ele diz que “finge estar nervoso”, igual o menino fã do Raça Negra que dizia “fingir estar chorando” no Silvio Santos, rs):




Mais recentemente, o repórter Matheus Croce de uma afiliada em São Vicente, SP, quase morreu de susto quando entrou na Mansão do Medo, montada num shopping center bem antes do Dia das Bruxas (edição minha). De fato, segundo o próprio G1, depois ele teve uma queda súbita de pressão e quase passou mal:


Uma das intervenções mais fora de contexto do genro da Garota de Ipanema em 10 de setembro de 2025. Tão fora de contexto que nem me lembro mais de qual reportagem se tratava, rs:


Tirado a partir de um canal nostálgico da década de 1990. A vinheta “Serviço” era uma as que eu mais achava interessantes em minha infância, mas imagine toda reunida a “família tradicional brasileira”, com casal, vó e filhos pequenos, e de repente um locutor de voz cavernosa joga um “mucosa do pênis, vagina e ânus” na cara dura:


Reportagem de 12 de setembro de 2024 em que Renata Vasconcellos quase põe em órbita aquele catarrão logo no começo. Sem muita graça particular:


A mesma, anunciando o novo dono da Grobe:


Ainda a mesma, resumindo a essência do “sotaque paulistano”, mas provavelmente com fome, porque o jornal tava acabando e ela queria confirmar o pedido do Bonner no Aifode:


E, claro, o famoso “Alô, técnica” de 17 de novembro de 2020, que viralizou, sobretudo, no então chamado Twitter, porque parecia que “a técnica” tinha simplesmente morrido, revelando uma baita fragilidade na organização dos jornalistas. Não sei por que inseri o Jeno rindo no final (nunca o apoiei e nunca vou apoiar suas crias) quando publiquei em meu antigo YouTube, mas deve ter sido uma lembrança da entrevista eleitoral em 2018, quando “ela o sodomizou sem vaselina” depois de insinuação sobre o salário da apresentadora:


Maju Coutinho cobrindo um campeonato de arremesso de bebedouro após o jogo de futebol entre um time brasileiro e outro argentino, ou “Gente, foi isso mesmo, um jogador arremessando lá um bebedouro” (JH, 22 de julho de 2021):


Fora do mundo, Ana Maria Braga anuncia no Mais Você de 28 de junho de 2021 a captura e execução sumária do assassino em série Lázaro Barbosa de Sousa, que fez uma fuga espetacular pelo país e atemorizou os moradores por onde passava. Primeiro ela diz que “Lázaro não tinha relação com Lázaro”, e depois tenta chamar o repórter ao vivo dizendo “Oi, Lázaro, temos Lázaro?”:


Em meados de julho de 2021, no auge da segunda grande vaga da covid-19 com que o desgoverno nos tinha presenteado, Bonner afirma que “a Terra é redonda” e recomenda que todos tomem a segunda dose da vacina:


De novo Bonner, mas ainda sem a barba que o caracterizaria nos últimos anos, anuncia em 26 de dezembro de 2019 um “eclipse solar com Lula”, mal disfarçando que já sentia saudades e não via a hora do retorno do “ex-presidiário”:


Na década de 1980, Renato Machado está em Xernobiu Chornobyl tempos depois da explosão. Mas, como disse certa vez um inscrito de meu YouTube, parecia que ele estava descrevendo o Twitter, invertendo o famoso meme de Éric Jacquin usado quando alguma discussão estava ficando tóxica demais:


Além do “ônibus” (2006) e do “avião do JN” (2010), em que Bonner percorria o Brasil todo queimando a fortuna dos Marinho, entre as muitas iniciativas ridículas lançadas em época de eleições presidenciais estava a vinheta “O Brasil que eu quero” de 2018. Esta era muitíssimo mais econômica, pois em todos os telejornais apareciam vídeos breves de celular, com pedidos que os cidadãos faziam aos candidatos a diversos cargos. Um dos melhores certamente foi o da estudante paraense “Maria Bolacha”:


Após (uma das muitas) enchentes na periferia de São Paulo, em março de 2019, uma senhora identificada como “dona Florentina” elogia a ajuda que a Igreja Universal do Reino de Deus estava dando aos desabrigados ou prejudicados. A graça não está nisso, mas em que o repórter da GloboNews, por mais que tente tirar a IURD da conversa, se vê frustrado e constrangido pela insistência da idosa, rs:


No JH de 13 de fevereiro de 2020, Andréia Sadi e “o nome cotado para a vaca” involuntariamente resumiam como todos os partidos alternantes, sem exceção, sempre tentam “mamar nas tetas do Estado”:


O Fantástico entrevistava um eleitor de Joe Biden nas eleições americanas de 2020, quando uma passante patriota bolsonarista apoiadora de Trump, sem ser chamada, foi argumentar na única linguagem que sabe usar. Spoiler: a polarização mencionada só ia piorar e Biden daria tanta vergonha alheia que o Laranjão voltaria em 2024.


No JH de 2 de junho de 2020, Maju inventou um novo ministério pro milico golpista Augusto Heleno, que era o do “Gabinete de Segurância Institucional”:


Alguém consegue falar diretamente pra ele a “verdade coprológica”?

Vamos mudar de canal (e de país, e de língua). Na ditadura dinástica totalitária do Tajiquistão, mais uma daquelas Boratlândias de economia dependente da Rússia, o telejornal noturno da TV estatal conseguiu dedicar uma edição inteira somente à inauguração de inúmeros prédios frescos, incluindo escolas, numa cidade perdida chamada Danghara.

Óbvio que o dono do país, Emomali Rahmon, devia estar lá, e a lambeção de saco, que passa pela linguagem e pela reverência temerária, chega à recitação decorada de versos laudatórios (de fato, uma tradição do mundo persa) e a apresentações dignas de uma festa de formatura de pré-escola brasileira. Escolha seu ritmo preferido entre uma batida mais tradicional ou uma mixagem techno:




No fim de outubro, viralizou um vídeo em que um prefeito Mamãe Falei calvo de cidade russa destrata e demite em público um burocrata de cujo trabalho ele não gostou. Não lembro mais do que se tratava a obra, mas sinta-se livre pra usar o corte da Radio Svoboda, totalmente fora de contexto, “– O que é isto? – É uma pedra” (“– Что это такое? – Камень”):


E pra terminar de um jeito nada a ver, é curioso como entre as recomendações de canais do WhatsApp, o recurso mais mal copiado pra tentar fazer frente ao Telegram, aparecem coisas completamente aleatórias, sem relação com interesses gerais ou mesmos os seus próprios e de conteúdo absolutamente carente de nexo. Um desses “buracos” (nome mais apropriado) que me sugeriram foi um chamado “Meu FC [fã clube] Do Daily da Vavá”, o troço mais orkutizado que já vi desde a emergência das novas redes sociais. Não faço ideia de quem seja a Vavá, quem faça parte de seu fã clube e se a foto de perfil é da Vavá ou de alguma fã dela.

Embora eu tenha algum receio que isso seja um golpe ou um perfil falso, talvez até escondendo uma situação de abuso (eu denunciei à Meta), é incrível como de fato alguns adolescentes, sobretudo meninas, se expõem elas mesmas dessa maneira, apesar dos discursos mainstream sobre “adultização”. Mais cômico ainda é o pedido pra que os internautas parem de reagir com “emojis inapropriados” (o que é comum, aliás, quando canais bizarros são sugeridos do nada), solenemente desobedecidos com ainda mais berinjelas e dedos medianos. É mais uma prova de que os memes não são feitos, mas aparecem:



segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Rússia sofre com déficit de... palhaços


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Posso parecer desrespeitoso com os artistas de circo, mas lembre-se de que até mesmo o petê zoou e desceu a lenha no Tiririca em 2010, quando ele anunciou sua primeira candidatura (que se relevaria um sucesso estrondoso), mesmo concorrendo por um partido então aliado a Lula e Dilma. Na edição de sábado, 25 de outubro, do programa ironicamente chamado Notícias Terríveis e apresentado no YouTube da dissidente Novaya Gazeta Evropa, o jornalista Kirill Martynov aludiu a esta reportagem que apareceu no último dia 23 no periódico pró-Kremlin Moskóvski komsomólets. Se você sabe um pouco de história e de russo, já percebeu o saudosismo da URSS...

Assinada por Marina Bliashon, o título é “Anatoli Marchevski falou sobre a escassez de palhaços profissionais na Rússia”, em referência ao idoso artista circense que concedeu a entrevista. Confesso que muito do que ele diz é verdade, sobretudo sobre pedagogia e humor, porém há uma razão pra que Martynov o tenha inserido na rubrica “Cringe” de sua “revista eletrônica semanal” (que é muito melhor, aliás, do que os vídeos aguados e autocensurados do “agente estrangeiro” Aleksei Pivovarov em sua Redaktsia). Muitas de suas preocupações sociais relacionadas ao fenômeno do humor parecem ofensivas, num país que está voltando a ser uma ditadura totalitária e neste exato momento invadindo outro e matando sua população a esmo.

É curioso que a palavra pra “palhaço” (kloun) venha do inglês, assim como o substantivo “feik” e o adjetivo derivado “féikovy”, aplicados, sobretudo, ao que Putler não quer que se diga publicamente sobre a guerra. Depois de traduzir, apenas adicionei algumas notas explicativas e mesmo alusivas a coisas que me vieram à mente sobre o que Marchevski falou. Só canto a bola de que provavelmente os palhaços foram todos mandados pra uma certa “operação especial” contra outro palhaço. E não, você não leu errado, “até” palhaços negros alegram:



Anatoli Marchevski: “Um verdadeiro palhaço é uma mercadoria rara, não um artista de massa.”

Hoje em dia, as artes circenses são de alguma forma negligenciadas, mas é ao circo que vamos pra eterna celebração da vida, pra inspiração e alegria, pra provar que o impossível é possível e pra fé na bondade que os palhaços, ruivos, brancos e até negros, nos dão.

Anatoli Marchevski, artista de circo e Artista Popular da RSFSR [um título honorífico da época], começou recentemente a dar aulas de palhaço. Em entrevista ao MK, o queridinho do público discutiu por que as pessoas vão ao circo hoje em dia, como deve ser um palhaço moderno e como fazer o público rir hoje em dia.

O público de hoje é sofisticado; não é fácil fazê-lo rir. Como o público do circo moderno difere do público soviético?

A questão é que o repertório de um palhaço deve ser moderno e relevante, e as rotinas devem abordar temas familiares e identificáveis para o público. Consequentemente, o repertório muda com a vida: o que emocionava e era engraçado na era soviética é simplesmente incompreensível pro público de hoje. Pra um palhaço, o público mais importante são as crianças; elas reagem de forma muito sincera e direta às piadas do palhaço. Há uma crença comum na comunidade circense de que, se um novo número não fizer sucesso com as crianças, os adultos certamente não o aceitarão.

Há o público do dia a dia — as quintas-feiras são as mais difíceis, as pessoas estão cansadas e ansiosas pelo fim de semana, e o palhaço precisa se esforçar mais e dedicar mais tempo pra estabelecer um contato. Há também o público do fim de semana – avós com netos, pais com filhos, casais apaixonados – que estão em clima de relaxamento e diversão, e é mais fácil pro palhaço. O riso das crianças é sempre espontâneo, muito longo e estrondoso, mas se, por exemplo, a plateia estiver cheia apenas de soldados, a reação às piadas é explosiva, como se fosse um comando (risos): eles começam a rir ao mesmo tempo e depois param de rir ao mesmo tempo. É uma experiência interessante pro palhaço. Em geral, o ritmo da apresentação depende do público. O público também varia de cidade pra cidade.

Qual cidade tem mais circo?

Agora está tudo misturado. Mas, em geral, a cidade mais favorável ao circo é aquela com um circo permanente, funcionando o ano todo e com casas lotadas. Isso significa que o público não vem apenas uma vez por ano, mas regularmente, e, portanto, adquire um melhor entendimento das artes circenses. Na época soviética, todos os artistas de circo aspiravam a fazer turnês por Moscou ou Leningrado [atual São Petersburgo]. Pra um palhaço, Odesa, com seu humor característico e único, era o teste. Acreditava-se que, se suas apresentações fizessem sucesso lá, A URSS e a Europa inteiras estariam abertas pra você. Nosso país é um país circense; fomos líderes no cenário mundial por mais de 60 anos. Nenhum outro país no mundo tem tantos circos permanentes quanto a URSS e a Rússia hoje. As artes circenses sempre receberam apoio estatal e, por sua vez, desempenharam e continuam desempenhando uma função importante: a educação.

Por algum motivo, as artes circenses são menos comentadas do que a pintura, a música, a literatura e o teatro. O que torna as artes circenses únicas?

Fortalecem os laços familiares, porque a família inteira vai ao circo. As artes circenses são envolventes e acessíveis a públicos de todas as idades, não exigindo preparação especial, como ir à ópera ou a uma galeria de arte. E o circo é uma experiência memorável; não há tragédias ou dramas; proporciona uma visão positiva e otimista da vida, surpreende, alegra e impressiona.

O que um espectador deve levar ao sair do circo?

Com certeza, bom humor. O circo nos mostra a importância de acreditar em nós mesmos e em nossas habilidades, e a importância da continuidade geracional, já que os circos são administrados por dinastias, às vezes com duas ou três gerações de artistas na pista. E o circo também responde às perguntas da vida: o que é bom e o que é ruim, como tratar os animais e a natureza e como se comportar em diferentes situações.

Me deixe dar um exemplo. Eu tinha um espetáculo de palhaços chamado Cinderela, no qual as crianças, como espectadoras, participavam ativamente: com seus aplausos, gritos, berros e pisadas, elas salvavam a princesa, impediam que a madrasta malvada a maltratasse e lutavam por justiça. Intuitivamente, elas se aliavam ao bem e entendiam que estavam combatendo o mal. Com esses pensamentos e sentimentos, elas saíam do espetáculo e contavam aos outros como é importante lutar por justiça, ajudar, proteger e demonstrar compaixão pelos necessitados. É isso que as histórias de circo ensinam. Os princípios fundamentais de vida de uma criança são formados por meio da brincadeira, na qual ela se torna parceira dos artistas no picadeiro.

Recentemente você começou a dar aulas de palhaço na faculdade. Como isso se refletiu em sua vida?

Nossas vidas são feitas de acasos, e o acaso é um padrão. Acredito que sim. Agora trabalho no MosITI, o Instituto Iosif Kobzon de Artes Cênicas de Moscou. Lembro-me de Iosif Davydovich [não esqueçamos que ele sempre apoiou os terroristas no Donbás, onde fez shows] com muito carinho; fizemos turnês com ele pela América Central – Cuba, Costa Rica, Panamá – e até fomos ao Japão. Ele era um trabalhador esforçado, uma lenda, um verdadeiro patriota, que elevou a arte dos palcos ao mais alto nível. Sempre tive o mais profundo respeito por ele e, de repente, fui convidado pro instituto que leva seu nome! Se ele estivesse vivo hoje, provavelmente diria: “Oi, Tolia [forma carinhosa de Anatoli]! Vamos trabalhar!” Ele me tratou muito bem, e minha admiração por essa lenda vai permanecer pra sempre.

É ótimo que esse departamento tenha surgido, porque o gênero palhaço tem certos problemas.

Qual?

Há uma escassez de palhaços profissionais. É importante entender que não estamos mais falando de artistas fantasiados de palhaço, mas sim de palhaços com individualidade, filosofia e repertório próprios, que refletem seu mundo interior e sua atitude perante os acontecimentos atuais da sociedade. Se você percebeu, não há novos nomes surgindo no gênero palhaço. Infelizmente, existem programas de circo que funcionam sem um palhaço. O palhaço é o personagem central de uma apresentação circense, o orquestrador do humor do público; ele cria a integridade do espetáculo, ancora o programa; sem um palhaço, não há circo.

Durante 10 anos, apresentei o Festival Mundial de Palhaços no Circo de Iekaterinburg. Era uma celebração mágica de risos e humor. Apenas os melhores palhaços do mundo eram convidados pra este festival. E imagine, de uma população mundial de sete bilhões, só conseguimos encontrar 120 palhaços de verdade – indivíduos que representavam o humor de seus países. Todos tinham repertórios diferentes, mas eram igualmente vibrantes, alegres e talentosos. Repito, palhaços pintados, vestidos e coloridos não são palhaços; um verdadeiro palhaço é uma mercadoria rara. E tal mercadoria não aparece do nada. O nascimento de uma nova estrela dá um baita trabalho não apenas pro próprio artista (além do talento natural, uma atmosfera criativa, ensaios diários e domínio de vários gêneros são cruciais), mas também pra toda uma equipe (diretor, designer, compositor, intérprete, etc.).

Hoje, nós, educadores, enfrentamos uma tarefa ao mesmo tempo emocionante e desafiadora: repor o número cada vez menor de palhaços. Isso é emocionante pra nós porque envolve criatividade e criação. Somos, por assim dizer, pioneiros. Reunimos uma equipe de professores, todos profissionais de circo, experientes e conhecedores, um curso completo de palhaço. Nosso objetivo é não decepcionar.

Diga, o que faz o público de hoje rir? Como você pode fazer os visitantes do circo de hoje rirem?

Do que o público ri? Do engraçado! Mas a questão é o que exatamente é engraçado. O público é diferente e cada um tem um senso de humor diferente. Não há uma resposta específica. O que é engraçado está em constante mudança. O que fazia as pessoas rirem em meus números na URSS não fazia rir em Paris, mas o que era engraçado em Paris não evocava uma reação em nosso público doméstico. Leonid Iengibarov abriu sua própria página na história mundial dos palhaços; ele era um palhaço-filósofo. Ele fez coisas engraçadas e depois entrou num tom menor – um palhaço com o outono em seu coração. Ele tocou em temas de amor, gentileza, solidão. E Iuri Nikulin tinha temas sociais. Ele saía todo enfaixado e lhe perguntavam: “Iura, o que aconteceu? Você foi atropelado por um carro? Caiu da varanda?” E ele respondia: “Não, eu estava na fila pra comprar pratos.” Isso seria engraçado hoje? Não. Eles vão perguntar o que os pratos têm a ver com isso. Durante a era soviética, houve um tempo em que era difícil encontrar utensílios de mesa, com filas enormes nas lojas e, às vezes, até brigas [não lembra em algo a Black Friday?]. Esses eram os conflitos sociais da época...

Pra fazer os visitantes do circo de hoje rirem, você precisa ser capaz de ver o humor na vida a seu redor. Por exemplo, há um piano e um homem sentado numa cadeira, incapaz de alcançar as teclas. O que ele deve fazer pra alcançar o piano? Uma pessoa comum puxaria a cadeira. Mas um palhaço puxaria o piano em direção à mesa! [Tipo Mr. Bean?...] O teatro circense clássico é construído sobre a lógica da ilogicidade. Um palhaço torna engraçado o que não tem graça. Rimos de nossas deficiências, de nosso caráter, mas de uma forma gentil. Um palhaço é uma criança adulta que encara a vida com otimismo. Pra ele, tudo deve ser honesto, justo e, ao mesmo tempo, interessante e educativo, mas de uma forma lúdica.

O que devemos ensinar aos alunos de hoje, futuros palhaços, pra que se tornem verdadeiros artistas de circo?

É desejável que um palhaço domine vários gêneros, porque o circo é uma linguagem corporal, então é importante que ele seja diverso. Você pode tocar piano, pular ou fazer malabarismo. Quanto mais gêneros você dominar, mais expressivo vai ser e mais o público vai se envolver.

Você já teve a chance de “sentir” seus alunos? Que tipo de genética eles tinham?

Os jovens que vieram pra cá são muito bons, levam isso a sério! Alguns planejam trabalhar no teatro mais tarde, e pra eles, esse treinamento é uma maneira de expandir seu alcance de atuação e o aplicar às apresentações. Há aqueles que almejam uma carreira no circo. Muitos têm uma sólida formação de atores. O primeiro passo é determinar em que direção desenvolver cada um deles, e nós vamos lhes dar o máximo de ajuda e apoio possível.



Esse tiozão é um palhaço. Literalmente.

sábado, 25 de outubro de 2025

Por que presidente fica quatro anos?


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Pode chiar, mas ambas as fotos são duas de minhas preferidas da história do Brasil: os dois únicos momentos em que tivemos a passagem de faixa de um presidente eleito a outro presidente eleito de partidos diferentes DESDE 1961! Façamos as “contas”: de 1946 a 1964 vigeu uma Constituição que previa um mandato de cinco anos não prorrogável pro presidente da República, que podia ser eleito por maioria simples, isto é, menos de 50% dos votos (aliás, como ocorre em Taiwan, por exemplo). Detalhe: essa exigência de maioria simples não estava explícita na Carta Magna, de forma que várias posses quase foram meladas por golpes militares e pela agitação da UDN, partido anti-Vargas. Pra piorar, o único que obteve mais de 50% sob esse sistema foi seu inaugurador e candidato de Getúlio, o General Eurico Dutra, em 1945.

Não estou levando em conta a Primeira “Velha” República (1889-1930), cujo sistema eleitoral era completamente desconfiável e excludente, nem a genericamente chamada “Era Vargas” (1930-45), que, apesar das várias composições institucionais, constituiu um período de exceção. Já na Quarta República, era natural que toda contestação viesse da UDN, pois eles sempre perdiam as eleições. Curiosamente, só quando Jair Messias Jânio Quadros foi eleito em 1960 com pouco menos da metade, mas apoiado pela UDN, não houve rebuliço. Pra Vargas (retornando pelo sufrágio em 1950) e Juscelino Cu de Cheque Kubitschek (com seus formidáveis 35,68% em 1955), precisou-se recorrer à Justiça Eleitoral pra validar o pleito.

Durante a “Véia”, o presidente tinha mandato de 4 anos, sem direito à reeleição. De 1946 a 1964, pro estranhamento de nossos jovens, o mandato era de 5 anos, também não prorrogável. Após o golpe militar de 1964 e os primeiros imbróglios pseudolegais antes de 1969, a “Constituição” de 1967 manteve os 5 anos, mas você sabe o resto da história. Quando João Figueiredo assumiu, o regime já estava fadado ao fim, portanto, ele ganhou longos 6 anos, e após a derrota da emenda da eleição direta, seu sucessor civil José Sarney ficou novamente 5 anos. Mas a “Carta Cidadã” seria promulgada em 1988, e as prerrogativas presidenciais não ficariam imunes a discussão.

Em 1951, Vargas (PTB) recebeu a faixa de Dutra (PSD, partido também formado, porém, sob os auspícios do ex-ditador), de quem tinha se tornado um crítico acerbo no fim do mandato, e tirou a própria vida em 1954. Até a posse de JK em 1956, se sucederiam o vice Café Filho, Carlos Luz (cujo mandato foi mais veloz que seu sobrenome) e Nereu Ramos, e finalmente o “prezida bossa-nova” passou a faixa a outro eleito, opositor seu. Isso não se repetiria por um bom tempo, pois o vice João Goulart sucedeu ao ex-professor fujão e golpista e foi ele mesmo derrubado pelo nanopolítico Marechal Castelo Branco. Só em 1989 o Brasil teria Fernando Collor como presidente eleito, ele mesmo, porém, “impitxado” em 1992, o que fez Fernando Henrique Cardoso receber a faixa do vice em exercício, Itamar Franco, em 1995. A passagem de faixa pra Lula que você viu acima, culminância de um dos períodos mais prósperos e estáveis de nossa história, foi no início de 2003.

Como alguns jovens já sabem, Dilma foi eleita e reeleita, mas ela também era do PT, e além disso também foi impedida em 2016, adiando pra 2023 a possibilidade de uma real transição. A sequência é conhecida: o Jenossida perdeu e covardemente não passou a faixa, já nos bastidores da tentativa de golpe em 8 de janeiro, manchando assim duplamente nossa história recente. Mesmo assim, tal tipo de alternância legal ocorreu, mas a Fênix de Garanhuns corre o risco de ser reeleita em 2026 (se não advir nenhum acaso externo) e outra mudança de rostos pode ocorrer só em 2031. Lembremos, contudo, que a reeleição única só apareceu em nossa República com a emenda de 1997 (FHC) e foi criticada pelo PT, que, porém, usou e abusou do “previléjio”.

Os bafões da emenda da reeleição também são conhecidos e não vão ser meu objeto aqui. Esses dias, minha indagação foi sobre por que o mandato de 5 anos, criado em 1946 (curiosidade: com o golpe do Estado Novo em 1937, Vargas tinha se arrogado no mínimo 6 anos, mas enfim...), não teve sequência com o Efeagá. Se o Caça-Marajás ficasse exatos 5 anos, ele sairia em 15 de março de 1995 e o tucano, após a eleição de 1999 e eventualmente sem reeleição, ainda em 2000 (mas com as novas regras, foi reeleito em 1998). Desde minha infância, naturalizei o mandato de 4 anos, mas hoje me pergunto por que ele ressurgiu, lá do fundo do baú das oligarquias. O Gemini integrado ao Google me deu esta resposta:



Mais importante não foi a resposta em si, mas os links que a ela vieram anexados (meio que dando as “fontes” da busca da IA, o que acho interessante) e cujos conteúdos reproduzo aqui na íntegra. Em resumo, é interessante como, antes de tudo, tal resolução não teve caráter essencialmente prático, mas político, se bem que em tal caso é difícil distinguir ambos. Na França, por exemplo, o mandato de 7 anos (!) foi reduzido pra 5 em 2002 pra coincidir com as eleições legislativas: lá, elas ocorrem pouco depois da presidencial, e a relativa popularidade do novo presidente pode influenciar numa formação amigável da Assembleia Nacional. Talvez o raciocínio fosse parecido aqui, embora os pleitos fossem colocados no mesmo dia; nos dois casos, os deputados já tinham os respectivos mandatos de 5 e 4 anos, e falo só das “câmaras baixas”, pois Senados sempre têm dinâmicas diferentes. O lado político da discussão também tem a ver com a duração do mandato de Sarney, eleito indiretamente devido à vergonhosa rejeição da “Emenda das Diretas” em 1984.

Porém, apareceu outro fator: em 1994, estava prevista uma revisão da CF 88, pois em alguns países costuma haver essas revisões logo depois, uma delas prevendo aqui o plebiscito de 1993 que confirmou o sistema presidencialista de governo. Porém, parece que essa revisão “flopou” e poucas mudanças saíram dela, uma delas sendo a redução do mandato presidencial de 5 pra 4 anos. Em tese, Itamar Franco devia encher o buraco deixado por Collor até 15 de março de 1995. Mas a data de 1.º de janeiro escolhida pro dia da posse, embora também naturalizada em minha cabeça, também parece ter sido arbitrária, como disse em aula certa vez o professor Alvaro Bianchi. Tanto é que após mudança em 2021, Lula vai reinar pelo menos até quatro de janeiro de 2027.

Eis o resultado de minhas pesquisas e resgate arquivístico, que também espero servirem pra futuras consultas de curiosos. Apenas atualizei a ortografia e inseri explicações entre colchetes, quando necessário:


Volta a ganhar força o mandato de 4 anos (3 de maio de 1988, p. 3, assinado “C.C.”) – Brasília, Agência Estado

Dentro de três semanas, provavelmente, a Assembleia Nacional Constituinte estará votando o capítulo final do projeto de nova Constituição, das Disposições Gerais e Transitórias. Entrará em pauta, de início, o substitutivo do Centrão, que não aborda o problema do mandato do presidente José Sarney, ao contrário do texto da Comissão de Sistematização. Se aprovada genericamente a proposta do grupo moderado, duas hipóteses se abrirão. A primeira, de que o presidente tem seu mandato fixado em cinco anos, como todos os sucessores, por força do que dispõe o já aprovado artigo 93. Bastaria que se aplicasse o princípio da analogia, reforçado por pronunciamento feito um ano atrás por Sarney, referente ao seu desejo de permanecer cinco anos. Se houver necessidade de abordagem explícita do tema, a subemenda do deputado Matheus Iensen seria votada, estabelecendo que o atual período administrativo terminará a 15 de março de 1990.

A segunda hipótese, meio malandra, é de que não se faça nada a respeito do mandato do atual presidente, retirando-se, inclusive, a subemenda Matheus Iensen. Nesse caso, por força da interpretação jurídica de que Sarney teria direito a permanecer seis anos no poder, estaria criado um caso. Seu mandato seria aquele para o qual foi eleito junto com Tancredo Neves, estendendo-se até 15 de março de 1991.

Como se vê, a questão é política, mais do que jurídica. Se tiver força parlamentar, Sarney garantirá os cinco anos, desejo por ele manifestado, podendo até ceder às pressões de alguns áulicos e permitir o desenvolvimento da tese dos seis anos.

No entanto... No entanto, os ventos podem soprar em direção completamente oposta. Porque já não parece tão certa a aprovação da emenda global do Centrão. O grupo se liquefez. Não existe mais como base de sustentação do governo. Os 314 votos obtidos em favor dos cinco anos, há um mês, deram a impressão de que, de maneira monolítica, o grupo Sarney no mínimo reafirmaria aquela decisão, nas disposições gerais e transitórias. Não é mais assim. O debate sobre a ordem econômica demonstrou o fracionamento do Centrão. Acresce que o governo continua desgastado, ou melhor, desgastou-se ainda mais, de lá para cá. O presidente da República, por cautela, não deu início ao que se chamava de nova fase de sua administração. Preferiu aguardar a decisão definitiva dos constituintes e o tiro está saindo pela culatra. Ao mesmo tempo, a movimentação em torno da CPI da corrupção, no Senado, e de outras que começarão a funcionar nos próximos dias, na Câmara, como a que investigará as importações de carne feitas durante o Plano Cruzado I, contribuirão para aumentar as hostilidades entre governo e Congresso. Refletirão nas discussões e votações finais.

Há quem veja a emenda do Centrão derrotada, sem os 280 votos necessários à sua aprovação. Poderia, dois dias depois, ser aprovado o texto da Comissão de Sistematização, que prevê eleições presidenciais este ano? A princípio parece difícil, e, a resultar da falta de número para as duas alternativas, estará a negociação. Ou o buraco negro. Conclui-se não estar afastada qualquer alternativa.

Será nisso que joga o deputado Ulysses Guimarães? Pode ser. Sua influência surge decisiva, e sempre é bom lembrar que, para o seu futuro político, nada melhor do que eleições presidenciais em novembro próximo. Seria o candidato certo do PMDB, agora. No ano que vem, ou no outro, nem pensar.

Por tudo isso, sente-se o clima ficar tenso, em Brasília. Experiente, o presidente José Sarney gostaria de ver interrompida a guerra com a CPI do Senado. Ela funciona como pedra no sapato, incômoda e capaz de acirrar ainda mais os ânimos, influenciando a opinião pública e grupos constituintes. Mesmo sem se entrar no mérito da atuação da CPI, ou na motivação política de seus integrantes, basta reconhecer os fatos. A possibilidade de se interpelar o próprio presidente, por via judicial, seria menos traumática do que o seu inviável e impossível comparecimento diante dos senadores, mas também aumentaria as sequelas. Em suma, o que parecia certo, semanas atrás, ficou duvidoso: o mandato do presidente José Sarney poderá ser fixado em quatro anos, ainda que, por enquanto, a maioria pareça favorável aos cinco.

A maioria constituinte também sofrerá influência de outro fator, talvez o mais importante de todos: a opinião pública. Muitas vezes deputados e senadores têm decidido contra os anseios nacionais, como no episódio das Diretas Já, mas há um limite em que cada um costuma pensar duas vezes. Naquela época, havia o regime militar, e os cálculos se faziam, em parte, em função do medo. Ninguém garantia que uma decisão contrária aos desígnios do Olimpo não despertasse a ira dos deuses. Hoje é diferente. Os deuses são outros. Não vestem mais farda e perderam a máquina de lançar raios. Portam, isto sim, título de eleitor. A identificação de quem ficar contra os desejos gerais, inequivocamente em favor de eleições imediatas, poderá custar centenas de mandatos. As eleições parlamentares serão em 1990.

Uma informação final sobre os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte: espera-se para julho a promulgação da nova Carta [ela acabaria ocorrendo em 5 de outubro], entrando em discussão a melhor data. Ironicamente, não poderá ser dia 4, quando se comemora a independência dos Estados Unidos. Nem dia 14, queda da Bastilha. Muito menos a 26, aniversário da revolução cubana.


Mandato presidencial será de quatro anos (10 de março de 1994) – Folha de S. Paulo, da sucursal de Brasília

O Congresso revisor aprovou ontem, em primeiro turno, o parecer do relator da revisão [constitucional], deputado Nelson Jobim (PMDB-RS), reduzindo o mandato presidencial para quatro anos. O quórum foi um dos mais altos já registrados desde o início da revisão: 452 congressistas votaram. Deste total, 429 votaram a favor da redução do mandato presidencial, 17 contra e seis se abstiveram. A proposta de Jobim já reduz o mandato do próximo presidente eleito.

Os oito partidos que encontravam-se em obstrução (PT, PDT, PTB, PSB, PV, PC do B, PSTU e PMN) decidiram participar da votação, a partir do momento em que o painel eletrônico registrou que havia sido atingido o quórum mínimo necessário (293). As lideranças de todos os partidos encaminharam que suas bancadas votassem favoravelmente à redução.

A emenda aprovada em primeiro turno substitui a expressão “cinco anos” para “quatro anos”, do artigo 82 da Constituição, que dispõe sobre o mandato presidencial. O relator disse que o objetivo é fazer com que a eleição e os mandatos dos presidentes passem a coincidir com a dos parlamentares.

[Curiosidade: não pude deixar de notar que havia um deputado do PSTU, partido que nunca elegeu pra Câmara, até onde eu saiba. Porém, pelo que pesquisei, trata-se de Ernesto Gradella, eleito pelo PT, mas pertencente à Convergência Socialista, corrente expulsa em 1992 e reunida no novo partido em 1994. A informação é da própria Folha de 8 de abril de 1995, e mesmo não tendo sido eleito pra mais nada, Gradella segue vivo e atuante!]


EMENDA CONSTITUCIONAL DE REVISÃO N.º 5, DE 07 DE JUNHO DE 1994 (Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para Assuntos Jurídicos)

Altera o art. 82 da Constituição Federal.

A Mesa do Congresso Nacional, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, combinado com o art. 3.º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, promulga a seguinte emenda constitucional:

Art. 1.º No art. 82 fica substituída a expressão cinco anos por quatro anos.

Art. 2.º Esta Emenda Constitucional entra em vigor no dia 1.º de janeiro de 1995.

Brasília, 7 de junho de 1994.

HUMBERTO LUCENA
Presidente [do Senado Federal]


Revisão constitucional acabou após oito meses (10 de março de 1994) – Folha de S. Paulo, da sucursal de Brasília

Após oito meses o Congresso revisor encerrou terça-feira seus trabalhos. Em todo esse período, apenas seis mudanças na Carta foram aprovadas, quase todas elas de pouco interesse.

As emendas mais importantes foram a que reduziu o mandato do presidente da República de cinco para quatro anos e a que criou o Fundo Social de Emergência.

Em quase todas as sessões, faltou quórum ou houve obstrução. A última não foi diferente. A resistência do PDT e do PPR e, novamente, a crônica falta de quórum impediram a aprovação de proposta que permitiria a retomada da revisão em 1995.

Fracassada a revisão, os partidos começaram a discutir formas de viabilizar mudanças na Constituição no próximo ano.

Agora, a única forma é através de emenda constitucional, cuja aprovação exige quatro votações (dois turnos na Câmara e Senado, separadamente) e quórum de três quintos (302 na Câmara e 49 no Senado).


O fracasso da revisão constitucional de 1994 (19 de agosto de 2008) – da Redação da Agência Senado

A revisão constitucional, prevista na própria Carta de 88 para cinco anos depois, acabou em fracasso, com apenas seis emendas aprovadas no primeiro semestre de 1994. Quando os constituintes colocaram na Carta a previsão de que ela seria revisada pelo Congresso, imaginavam que então seria o momento para modificar o que não dera certo e melhorar alguns pontos.

No entanto, a revisão chegou em uma época de crise e de paralisia, pois o Congresso, depois da CPI do PC Farias, havia enfrentado a CPI do Orçamento, que levou à cassação de seis parlamentares e à renúncia de outros. O senador Marco Maciel (DEM-PE) afirma ainda que o presidente Itamar Franco também não se interessou pela revisão. Um ano antes, os brasileiros haviam manifestado em plebiscito que não queriam mudar a forma e o sistema de governo, mantendo a República presidencialista.

Fora isso, a revisão constitucional foi realizada quando os brasileiros estavam voltados para as primeiras medidas do Plano Real, a começar por uma estranha “moeda de referência” chamada URV – Unidade Real de Valor. Os supermercados exibiam preços em cruzeiro real e em URV. O ano de 1994 também teria eleições e os deputados e senadores não queriam mexer em uma Constituição que fora saudada com entusiasmo pela sociedade, lembra o senador Marco Maciel.

Some-se a isso o temor que tinham os parlamentares oposicionistas quanto à possibilidade de reorganização do grupo político conhecido na imprensa por “Centrão”, o qual poderia impor retrocessos aos avanços sociais obtidos cinco anos antes. Nos seus primeiros anos, a Constituição foi muito criticada por empresários, sob o argumento de que ela apresentava direitos em excesso e poucos deveres para os trabalhadores e cidadãos.

Assim, as seis emendas de revisão, que tratavam de assuntos específicos, foram aprovadas sem maiores polêmicas. Uma delas reduziu o mandato do presidente da República de cinco para quatro anos e outra criou o Fundo Social de Emergência, considerado como essencial para implantar o programa econômico do governo Itamar Franco, permitindo ao governo dispor com autonomia de parte da arrecadação para o saneamento financeiro da União. Foi aprovada ainda a suspensão dos efeitos da renúncia de parlamentar submetido a processo de perda de mandado.



sábado, 18 de outubro de 2025

Tião Chifrudo sodomiza ex-querdista


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Meu ministro preferido do quase-rei parisiense Mané Marcão, desde que ele assumiu o cargo em 2017, é seu “fiel de primeira hora” e o equivalente a nosso ministro da Defesa de 2022 a 2025. O nome de Sébastien Lecornu pode ser traduzido literalmente como “Sebastião, o Chifrudo” ou simplesmente Tião Chifrudo. Mas outro de que também gosto muito, não ministro, mas ex-deputado, foi um dos dois únicos (sendo o outro Franck Riester, e todos os outros foram contra) membros da então UMP, atual LR, a votar a favor da lei do “casamento igualitário” sob o governo do pinguim de geladeira Francês Holanda François Hollande. Ele se chama Benoist Apparu, literalmente “Benedito Aparecido” ou, como chamamos aqui no sítio, Dito Cido. Torço pela ascensão desse homem!

Só um aparte: a UMP era o partido do marido da Carla Bruni, que conseguiu perder a reeleição presidencial em 2012 e se tornar recentemente o primeiro ex-chefe de Estado preso no período republicano, por causa do financiamento que recebeu em 2007, pra sua eleição, de Muammar Gaddafi, o manequim mais estiloso de todas as Áfricas. Outro rebento dessa legenda é Éric Ciotti, o “Doutor Abobrinha da Quinta República” de voz irritante e que se juntou ao clã Le Pen pra tomar o Castelo, isto é, desestabilizar o governo.

Voltando a nosso herói principal: ainda perto de fazer 40, é uma daquelas figuras macronoides pseudojovens da política nacional que carrega nas costas, porém, uma vasta experiência política e administrativa iniciada no plano local. Um currículo do qual carece até mesmo seu patrão, como gostam de lembrar os analistas franceses. Tendo ocupado várias pastas desde 2017, Tião Chifrudo foi finalmente escolhido premiê por “Júpiter” (apelido quase oficial do ex-banqueiro), este acusado de ignorar as sucessivas derrotas do bloco presidencial nas eleições parlamentares de 2022 e 2024 e continuar escolhendo gente de seu próprio círculo pra formar governos.

Outro aparte: a constituição semiautoritária gaullista de 1958 tem inúmeros dispositivos bizarros que, por minhas conclusões, funcionariam melhor se todos os inquilinos do Élysée seguissem regras não escritas que terminaram se sedimentando ao longo das décadas. Primeiro, o regime é considerado “semipresidencialista”, mas o presidente francês tem muito mais prerrogativas, digamos, que um presidente “presidencialista” brasileiro, como a de (ah, que sonho pros desafetos de Bolsonaro!) dissolver a Assembleia Nacional (a câmara baixa, sendo que o Senado é indissolúvel e não é eleito por sufrágio universal, o que também acho bizarro). Acredito que o nome se deva muito mais à divisão de funções entre “Júpiter” e seu protegido, muito mais favorável ao segundo em países como o Reino Unido, do que ao poder de cada um. Segundo, o artigo 49.3 permitiu que em governos recentes, leis simplesmente passassem sem a aprovação da Assembleia, na mera canetada, o que Tião Chifrudo teve de “prometer não fazer”, apesar de ser direito seu. E terceiro, embora o presidente possa escolher quem ele quiser pro Palácio de Matignon, as chamadas “coabitações” (isto é, governos liderados pela oposição) são um costume consolidado, e não uma regra escrita, e por isso os deputados não têm dado sossego aos últimos ministérios do “Manú do Lula”.

Esse é um resumo da tão falada “crise política” francesa, na verdade as lacunas e contradições da Carta Magna (um documento ad hoc empurrado goela abaixo no meio do cul de sac de uma guerra colonial) levadas ao paroxismo. A real crise é econômica e social, que só termina agravada pela birra partidária coletiva, a qual, porém, não é sua causa primeira. E em todo esse trajeto, Tião Chifrudo ganhou fama de discreto, quieto, cinzento e lacônico, o que lhe teria “mineiramente” facilitado a ascensão, apesar de sua situação ser considerada frágil. Essa imagem sofreu uma chacoalhada durante seu “discurso de política geral” em 14 de outubro, quando teve o plano de governo escrutinado pelos líderes (chamados na ocasião de “presidentes”) das diversas frações parlamentares.

Cada um deles comentava os pontos apresentados e até exprimiam o desejo ou não de apresentar uma moção de censura contra o primeiro-ministro, e no final este podia lhes responder individual ou coletivamente. Olha, se você não gosta do “piçol” (confesso, votei no Boulos, ele é um verdadeiro lutador democrata!), conheça Mathilde Panot, líder da bancada da França Insubmissa (LFI) e marionete do extremista Jean-Luc Mélenchon, primo da tiazinha da Casa do Pão de Queijo. Ela dissecou tão minuciosamente os podres do “Júpiter” que, nesse aspecto, não tenho nenhum reparo a fazer e a parabenizo pela exposição corajosa. Porém, como toda filha radicalizada de família abastada, Thithi detesta ser contrariada e geralmente afoga seus argumentos em surtos e bufadas. Premiês derrubados, Michel Barnier chegou a “elogiar” sua “verve”, mas François Bayrou preferiu dizer que ela “não precisava berrar (hurler)” bem enquanto ele lhe respondia uma pergunta.

Ao responder a mais um dos chiliques da passadora de pano do Hamas (lembrando que, dada a falta de educação, eles ocorrem mais na resposta do que nas perguntas mesmas, em geral pontuadas por sua estudada oratória), que acusou Tião Chifrudo de “colaborar pro jenossídeo de Israel em Gaza”, ele perdeu sua calma habitual, já tendo no próprio ato de acusação tido uma reação que contrastou com os momentos restantes de concentração. Após o devido enquadramento por um cara-de-bobo, a despeitada ficou tão deputada que, se não fingia grunhir alguma coisa, inchava e fazia caretas à la Greta Thunberg por não ter sido mimada.

Seguem os trechos selecionados e minhas traduções com as transcrições, que não precisei tirar de ouvido porque já se encontram na página da própria Assembleia Nacional, com as devidas interpelações de colegas mais críticos. Apenas tornei os textos mais próximos dos áudios, porque foram bastante editados:


Mathilde Panot: Senhor primeiro-ministro, o senhor personifica, sobretudo, a cumplicidade da França no genocídio perpetrado por Netanyahu contra o povo palestino. O senhor mentiu ao afirmar que a França não estava fornecendo armas a Israel. Foi o povo francês que o impeliu a agir com a mais elementar decência: reconhecer o Estado da Palestina, que está agonizando perante o abandono do mundo. É o povo que está salvando a honra da França, agitando a bandeira palestina por toda a parte. Foi o próprio povo que se lançou ao mar para romper o bloqueio ilegal de Gaza.

(Vous incarnez surtout, monsieur le premier ministre, la complicité de la France dans le génocide mené par Netanyahou contre le peuple palestinien. Vous avez menti en affirmant que la France ne livrait aucune arme à Israël. C’est le peuple de France qui vous a contraint à la plus minime des décences : reconnaître l’État de Palestine, qui agonise à l’abandon du monde. C’est le peuple qui sauve l’honneur de la France en brandissant le drapeau palestinien partout. C’est le peuple lui-même qui a pris la mer pour briser le blocus illégal de Gaza.)

Tião Chifrudo: Senhora líder Panot, sua energia é bem conhecida aqui e, como disse Michel Barnier, tenho respeito pela senhora e repito isso. A única coisa que não posso aceitar realmente, realmente, é que diga que a França participou de um genocídio em Gaza. Nem uma única arma francesa partiu destinada ao Tsahal. Não paro de repetir há três anos, e a senhora mantém essa mentira. Nunca menciona a atuação das forças armadas quando distribuíram mantimentos, gêneros alimentícios e medicamentos à população de Gaza! Nunca se refere ao que o exército francês fez em Al-‘Ariish, notadamente com o navio-hospital Dixmude! Nunca fala do envolvimento das forças armadas na FINUL [Força Interina das Nações Unidas no Líbano] na fronteira, notadamente com soldados que foram feridos! Portanto, pare de caricaturar e mentir sobre a posição da França num assunto tão sério e tão sensível! Pare de colocar as francesas e os franceses uns contra os outros! A senhora tem o direito de se opor, tem o direito de ser brutal, mas não tem o direito de mentir sobre um assunto tão sério. É uma questão de dignidade. E é pela República!

(Madame la présidente Panot, votre énergie est bien connue ici, et comme avait dit Michel Barnier, j’ai du respect pour vous, et je vous le redis. La seule chose que je ne peux pas accepter vraiment, vraiment, c’est de dire que la France a participé à un génocide à Gaza. Pas une arme française n’est allée à la destination du Tsahal. Je ne cesse de le répéter depuis trois ans, et vous maintenez ce mensonge. Jamais vous ne faites état de l’action des forces armées lorsqu’elles ont distribué des vivres, des denrées alimentaires, des médicaments aux populations à Gaza ! Jamais vous ne faites référence à ce que l’armée française a fait à Al-Arich, avec notamment ce bâteau-hôpital, le Dixmude ! Jamais vous ne parlez de l’engagement des forces armées dans la Finul [Force intérimaire des Nations unies au Liban] à la frontière, avec notamment des soldats qui ont été blessés ! Donc, arrêtez de caricaturer et de mentir sur la position de la France sur un sujet aussi grave et aussi sensible ! Arrêtez de remonter les Françaises et les Français les uns contre les autres ! Vous avez le droit de vous opposer, vous avez le droit d’être brutale, vous n’avez pas le droit de mentir sur un sujet aussi grave. C’est une question de dignité. Et c’est pour la République !)


      

      

A LFI ocupa uma posição intermediária entre o “piçol” e o “peceó”, pois enquanto ainda compartilha muitas das posições libertárias do primeiro, adota a estrutura caudilhista e a complacência com jihadistas do segundo. Eu queria lhe poupar desta visão, mas assim que acessei por acaso o Instagrão de Rui Costa Pimenta dizendo que no Catar lhe falaram em árabe (quem? Os çaçinos do Hamas? Foi ajudar nas negociações com os cyoneshtas mauvadõens?) mais de uma vez, achando que ele era árabe, não pude deixar de reproduzir este arroubo cringe. O mais legal, porém, são os comentários zoeiros, um deles dizendo que ele era “nosso aiatolá”: afinal, mesmo dentro da ex-querda bananeira ele consegue fazer inimigos.

Montagem feita e sugerida por um amigo: “Free, free PalestAAAIIIIN!”. Qual dos dois é mais charmoso?

E esta é uma eleitora média do Dick Pepper que comenta por lá (só apaguei metade do nome pra não perder totalmente a graça):


Como vimos, a Thithi Barraqueira citou “o povo rompendo o bloqueio ilegal a Gaza” (que povo? Só tinha youtuber, acadêmico e político, kkkkk). A referência era à famosa flotilha cujos organizadores sabiam muito bem que iam ser presos pelo Bibi do Hamas a qualquer momento, sem entregarem um só falafel aos gazauís, e que quem quisesse “se conscientizar”, que fosse procurar as devidas mídias e leituras.

Vou evitar discorrer muito sobre essa presepada hipócrita, que faria melhor em aportar no Irã, na Ucrânia, no Sudão ou em Mianmar. Mas o fato da lógica dos likes, do engajamento e da fama súbita terem levado até os canhotos à “mamãe-falei-zação” da militância geopolítica me preocupa muito, sobretudo ao notar perto da Greta (a “filha do He-Man”, como alguns chamaram, rs), checando o alcance da lacração, um certo Thiago que disse no Inteligência Ltda. que “a Rússia não é uma ditadura”, mas lá “é complicado”.

Sempre temo repercutir materiais que possam ter sido tirados de contexto, mas não pude deixar de trazer isto. ATENÇÃO: não procurem por “Ana Alcalde” no Google!


E pra terminar esta semana lutando por uma Nova (Des)Ordem Mundial sem gordofobia:


sábado, 11 de outubro de 2025

A boiafake que você gosta (meme)


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Embora gramaticalmente a frase correta seria “A mina de que você gosta”, resolvi adotar a forma coloquial que se tornou mais difundida. Se você usa a “rede mundial” e não vive dentro de uma caverna, deve ter se deparado com o meme “A mina que você gosta”, que começa com uma moça ou mulher muito bonita de um determinado setor da sociedade e termina com “Você”, geralmente moço ou homem que encarna a antítese ou “ovelha negra” desse mesmo setor.

Já encontrei tantas montagens geniais (uma delas com o nome “No Japão é assim”, rs) que decidi fazer uma partindo da Ana Castela, maior “ídola” atual do que insistem em chamar de “sertanejo”, acabando com o humorista Barnabé e passando, além de algumas “participações especiais”, por vários astros e estrelas sertanejos de várias épocas. Alguns já faleceram e muitos não são amplamente conhecidos, mas gosto muito de vários deles, ao contrário dos “arteiros” que povoam hoje esse universo...

Uma das coisas com que tentei caracterizar é exatamente a presença do chapéu, embora nem sempre isso tenha sido possível (num dos casos, inclusive, saiu muito melhor do que se tivesse!). Além de aludir a sua ridícula autonomeação como “boiadeira”, me lembra uma das cenas do Chaves em que Seu Madruga o critica porque “não tira esse boné nem pra dormir”. Alguns são muito óbvios, mas não vou nomear todos, e se você quiser “jogar bingo” comigo, tenho uma sugestão. Compartilhe a foto (ou melhor ainda, a publicação) numa rede social sua, liste todas as pessoas na descrição (não precisa batizar a galinha e a vaca, rs) e me mande um print pra eu publicar aqui. Ou simplesmente me mande um e-mail ou um “Zap” com os nomes que você conseguiu encontrar!

Agora vou ser sincero: não gosto da música da Ana Castela, e não é hate de pós-adolescente incel mesmo, porque ela é realmente muito bonita quando produzida. Mesmo assim, sou mais acostumado com o “modaum” antigo e com o romântico dos anos 90 e começo dos 2000, cresci com isso e virou memória afetiva. Pra mim, a Ana simboliza aquela porção da geração Z que cresceu com redes sociais e valoriza muito mais a lata, com toda a apelação e dancinhas inúteis de TikTok, do que a sardinha. Além disso, pessoalmente penso que, dependendo da tomada, ela tem, sim, uma carinha meio acabadinha. Não posso a julgar pelo excesso de trabalho ou por possíveis diversões pouco saudáveis, mas enfim.

Um dado impreciso é que Ana Castela era nova demais pra ter votado na primeira eleição do Jeno, pois não tinha nem 15 anos. Até pensei em colocar 2022 e 2026, mas não só pareceria um suposto apoio descarado meu à Jararaca, como também suponho (me arriscando um pouco em teoria literária) que a protagonista seja sempre uma personagem atemporal e sem idade definida. Fique agora com o “meme”, cujo humor e escolhas podem ser completamente duvidosos, mas fiz um esforço pra parecer “descolado”. E não se esqueça: mesmo se você conseguir a pegar, você tem que suportar “a mina que você gosta” exatamente do jeito que ela acorda... e vestindo uma camiseta com o retrato do sogrão, rs:





segunda-feira, 6 de outubro de 2025

Canções partisans balcânicas (4)


Endereço curto: fishuk.cc/partisans4


Em tese, minha publicação com traduções de algumas das chamadas “canções partisans” iugoslavas seria a última, por isso, sugiro que a visite pra poder ter todos os detalhes a respeito desse gênero. Porém, fiquei com vontade de traduzir outras duas, a primeira porque acho importante, e a segunda porque acho muito bonita e tocante. A primeira, em servo-croata, se chama Uz Maršala Tita (Com o Marechal Tito), e a segunda, em búlgaro, se chama “Партизан се за бой стяга” (Partizán se za boi stiága), Um partisan se prepara pra luta (ou ainda “combate”, se quiser). Embora “Iugoslávia” signifique originalmente “terra dos eslavos do sul”, e os búlgaros também sejam eslavos meridionais, a Bulgária só não se uniu ao vizinho por pouco. Portanto, mesmo mantendo a numeração, intitulei estas canções como “balcânicas”.

Na Wikipédia em inglês, achei a história da canção Uz Maršala Tita, a tradução literal em inglês e a versão poética em outros idiomas iugoslavos. Porém, mesmo não tendo feito como no passado (jogar o original no Google Tradutor), me baseei essencialmente nessa tradução, procurando também as palavras no Wikcionário, quando necessário. Isso porque tanto no caso do servo-croata quanto do búlgaro, as letras são bastante simples e conheço razoavelmente os dois idiomas. No caso de Partizan se za boi stiaga, achei o texto original e uma tradução italiana neste famoso portal de canções de protesto, que já utilizei muito no passado. Aí também, fiz várias buscas no Wikcionário.

A canção iugoslava, que tem claros traços dialetais croatas (notadamente o uso de -(i)je- ao invés de e, como em smjelo, osjetiti e svijest), também é conhecida como Pjesma o pesti (Canção sobre o punho) sendo “pjesma” também croata típico. Ela foi composta em 1943 por Vladimir Nazor (letra, um croata) e Oskar Danon (melodia, um judeu bósnio), originalmente começando com o verso “Uz Tita i Staljina, dva junačka sina” (Com Tito e Stalin, dois filhos heroicos). Segundo Danon, o povo espontaneamente “rebatizou” a canção, até a versão original ser oficialmente proibida com a ruptura entre Tito e Stalin, em 1948. A referência aos godos se deve à ideia corrente entre os fascistas croatas pró-Hitler, segundo a qual seu povo teria mais origens góticas do que eslavas, algo refutado pelos comunistas. Enquanto essa era uma peça do culto à personalidade do marechal, Partizan se za boi stiaga tem autoria anônima, datando essa gravação de 1974 pelo Coral do Comitê de Televisão e Rádio da Bulgária socialista.

Escolhi usar a palavra partisan em francês, mais adequada ao contexto de 1939-45 e mais abrangente, equivalente ao eslavo meridional partizan (com “z”) e ao italiano partigiano Em francês, significa literalmente “partidário” ou “relativo a partido(s)”, mas evitei “guerrilheiro”, que às vezes é justamente traduzido como partisan fora do contexto europeu, porque a meu ver os partisans era apenas alguns dos adeptos, como vários em outros tempos e lugares, da “tática de guerrilha”. Não sei se também foi o Partizanski pevski zbor que gravou a canção iugoslava, mas o mesmo áudio está em vários vídeos, inclusive algumas traduções pro português que ignorei. Um dos vídeos em búlgaro tem a letra original, e o outro, em tom um pouco distinto, apenas o áudio lançado com direitos autorais:


Com o filho heroico Marechal Tito,
Nem o inferno vai nos deter.
Andamos valentes, de cabeça erguida
E punho fortemente cerrado.
Andamos valentes, de cabeça erguida
E punho fortemente cerrado.

Somos todos de antiga linhagem, não godos,
Somos partes dos eslavos seculares.
Quem diz outra coisa, calunia e mente,
E vai sentir nosso punho.
Quem diz outra coisa, calunia e mente,
E vai sentir nosso punho.

Todos os dedos nas mãos, na miséria e tormento
A consciência partisan se consolidou.
E agora se preciso, pro Sol ou pro céu
Erguemos o punho bem alto.
E agora se preciso, pro Sol ou pro céu
Erguemos o punho bem alto.

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Uz maršala Tita, junačkoga sina
Nas neće ni pakao smest’.
Mi dižemo čelo, mi kročimo smjelo
I čvrsto stiskamo pest.

Rod prastari svi smo, a Goti mi nismo,
Slavenstva smo drevnoga čest.
Ko drukčije kaže, kleveće i laže,
Našu će osjetit’ pest.

Sve prste na ruci u jadu i muci
Partizanska složila je svijest.
Pa sad kad i treba, do sunca do neba
Visoko mi dižemo pest.

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Уз маршала Тита, јуначкога сина
Нас неће ни пакао смест’.
Ми дижемо чело, ми крочимо смјело
И чврсто стискамо пест’.
Ми дижемо чело, ми крочимо смјело
И чврсто стискамо пест’.

Род прастари сви смо, а Готи ми нисмо
Славенства смо древнога чест.
Ко друкчије каже, клевеће и лаже
Нашу ће осјетит’ пест.
Ко друкчије каже, клевеће и лаже
Нашу ће осјетит’ пест.

Све прсте на руци у јаду и муци
Партизанска сложила је свијест.
Па сад кад и треба, до сунца до неба
Високо ми дижемо пест.
Па сад кад и треба, до сунца до неба
Високо ми дижемо пест.




Um partisan se prepara pra luta,
Joga um fuzil sobre o ombro!
“Adeus, mamãe, adeus, papai,
Adeus, querida irmãzinha!
Adeus, mamãe, adeus, papai,
Adeus, querida irmãzinha!”

“Estou indo à luta feroz,
Lá onde se morre e é morto!”
Seis meses se passaram,
A mãe ainda não viu o filho.
Seis meses se passaram,
A mãe ainda não viu o filho.

Certa manhã chegou uma carta.
A mãe pensa que o filho escreveu,
E na carta, duas-três linhas,
Comunicam do monte Chumerna:
E na carta, duas-três linhas,
Comunicam do monte Chumerna:

“Seu filho já foi morto
Na luta feroz contra o inimigo!
Foi um bom camarada nosso
E um excelente partisan.
Foi um bom camarada nosso
E um excelente partisan.”

A mãe, ao invés de chorar,
Ergueu orgulhosa sua cabeça,
Pois foi assim que educou o filho –
Pra que morresse pela pátria.
Pois foi assim que educou o filho –
Pra que morresse pela pátria.

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Партизан се за бой стяга,
Мята пушка на рамо!
“Сбогом, майко, сбогом, татко,
Сбогом, мила сестрице!
Сбогом, майко, сбогом, татко,
Сбогом, мила сестрице!”

“Аз отивам в боя люти,
Де се гине, де се мре!”
Шест месеца изминаха,
Майка сина не виде.
Шест месеца изминаха,
Майка сина не виде.

Една сутрин писмо стига.
Майка мисли син пише,
А в писмото два-три реда,
От Чемерник съобщават:
А в писмото два-три реда,
От Чемерник съобщават:

“Твоят син е веч загинал
В боя люти със врага!
Той ни беше добър другар
И отличен партизан.
Той ни беше добър другар
И отличен партизан.”

Вместо майка да заплаче,
Гордо вдигна тя глава,
Че отгледа такъв сина –
За родината да мре,
Че отгледа такъв сина –
За родината да мре.

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Partizan se za boi stiaga,
Miata pushka na ramó!
“Sbogom, maiko, sbogom, tatko,
Sbogom, mila sestritsé!
Sbogom, maiko, sbogom, tatko,
Sbogom, mila sestritsé!”

“Az otivam v boia liuti,
De se gine, de se mre!”
Shest mesetsa izminakha,
Maika sina ne vidé.
Shest mesetsa izminakha,
Maika sina ne vidé.

Edna sutrin pismo stiga.
Maika misli sin pishé,
A v pismoto dva-tri reda,
Ot Chemernik sâobshtavat:
A v pismoto dva-tri reda,
Ot Chemernik sâobshtavat:

“Tvoiat sin e vech zaginal
V boia liuti sâs vragá!
Toi ni beshe dobâr drugar
I otlichen partizan.
Toi ni beshe dobâr drugar
I otlichen partizan.”

Vmesto maika da zaplache,
Gordo vdigna tiá glavá,
Che otgleda takâv sina –
Za rodinata da mre,
Che otgleda takâv sina –
Za rodinata da mre.



sábado, 4 de outubro de 2025

Odair José traduzido ao esperanto


Endereço curto: fishuk.cc/odairjose


Eu traduzi estas duas músicas do português pro esperanto em 3 de outubro de 2025, ambas compostas e gravadas pelo cantor brasileiro Odair José. Seus títulos são Eu vou tirar você desse lugar, que traduzi como Forportos mi vin el ĉi tiu lok’, e Uma vida só (Pílula), que traduzi como Niaj vivoj estas unu nur (Pilolo). Embora não seja considerado uma “grande estrela”, Odair José é muito estimado por suas canções sobre temas muito polêmicos, mas com letras muito simples e rapidamente inteligíveis.

Eu vou tirar... (1972) fala de um homem que frequenta uma prostituta, mas no fim se apaixona por ela e a convida pra se casar e começar uma vida nova. Pílula (1973) fala da contracepção, então um tema muito moderno, mas aqui abordado do ponto de vista masculino, o que atraiu muitas críticas contra Odair José. Segundo informação sobre o LP original, Pílula foi composta junto com sua então esposa, Ana Maria Iório (outra famosa cantora conhecida pelo nome artístico Diana), mas essa colaboração não é mencionada em outras fontes.

Mi tradukis ĉi tiujn du kanzonojn el la portugala al Esperanto la 3-an de oktobro 2025, ambaŭ komponitaj kaj registritaj de la brazila kantisto Odair José. Iliaj titoloj estas Eu vou tirar você desse lugar, kiun mi Esperantigis Forportos mi vin el ĉi tiu lok’, kaj Uma vida só (Pílula), kiun mi Esperantigis Niaj vivoj estas unu nur (Pilolo). Kvankam ne konsiderata “granda stelo”, Odair José estas tre estimata pro la kanzonoj pri temoj tre polemikaj, sed kun tekstoj tre simplaj kaj rapide kompreneblaj.

Forportos mi... (1972) parolas pri viro, kiu iras ĉe prostituitino, sed fine ekamis ŝin kaj invitas ŝin por edziniĝo kaj komenco de nova vivo. Pilolo (1973) parolas pri kontraŭkoncipo, tiam tre moderna temo, sed ĉi tie pritraktata el vira vidpunkto, kio alvokis multajn kritikojn kontraŭ Odair José. Laŭ informo sur la originala disko, Pilolo estis komponita kune kun lia tiama edzino, Ana Maria Iório (alia fama kantistino konata per la artnomo Diana), sed oni ne mencias tiun kunlaboron en aliaj fontoj.


Forportos mi vin el ĉi tiu lok’

(originala teksto)

1. Aŭdu
La vizit’ unua mia tie ĉi
Estis simpla amuziĝ’
Seksumi nur ekvolis mi

Aŭdu
Tiam mi ekkonis, trovis vin
En nokto tre malvarma
Viaj brakoj
Min forportis al trankvil’

Aŭdu
La vizito dua mia tie ĉi
Estis ne por iluzi’
Mi ĉe vi revenas pro pasi’

Aŭdu
Viaj karesoj al mi mankis
Pro l’ kunesto mi al vi ne dankis
Kaj sola mi forgesis povis ne

Rekantaĵo (x2):
Forportos mi vin el ĉi tiu lok’
Kunportos vin por vivo en mia hejmo
Kaj neniom gravas
L’aliula kontraŭvok’

2. La ver’
Estas ke vi timas fiaskon nian
Timas estintecon agonian
Timas, ke min iam ekprenos pent’

Mi volas,
Ke pri malbonaĵoj vi ne pensu
Al amo vi permesu
Esti nia sola komunsent’

(Rekantaĵo)


Niaj vivoj estas unu nur (Pilolo)

(originala teksto)

Mi ne scias, jam de longe
Niaj vivoj estas unu nur
Nenio pli

Pasas, volas niaj tagoj
Kaj prokrastas viajn agojn
Nepre ĉiam vi

Ĉiutage ni amoras
Sed neniam naski volas vi
La frukton de la am’

Ne komprenas vi bezonon
En viv’ nia havi iun
Iel, gravas ne

Amon vi min dediĉas
Kaj nomas vin fidela virin’
Do, faru tiel, ke naskiĝu
Bela filo aŭ filin’
Bela filo aŭ filin’

x2:
Ĉesu gluti la pilolon
Ĉesu gluti la pilolon
Ĉesu gluti la pilolon
Ĉar ĝi
Naski infanon ne permesas al ni