sexta-feira, 11 de maio de 2018

As melhores canções de Vice Vukov (2)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/vice-vukov2



Nesta postagem, estou continuando a publicação de minhas traduções e legendagens do cantor croata Vice Vukov, pouco ou quase nada conhecido no Brasil. Enquanto no começo da semana postei canções gravadas em estúdio, hoje mostro aqui duas gravações ao vivo muito especiais. A antiga Iugoslávia sempre foi celeiro de grandes talentos musicais, sobretudo cantores, com destaque pras repúblicas da Croácia e da Bósnia e Herzegóvina, mesmo havendo bons nomes sérvios, como Zdravko Čolić. Os dialetos daquelas duas regiões são muito parecidos, e a pronúncia peculiar torna a musicalidade muito bonita. Além disso, o que vale especialmente pra Croácia e seu extenso litoral no Adriático, os iugoslavos sempre foram influenciados pela Itália, por si só uma potência cultural mundial.

Após me dar conta, no começo deste ano, do lixo que está inundando nossa música brasileira atual (e o YouTube, com os haters histéricos que só fazem replicar esses lixos), até mesmo meu querido sertanejo com boçais que gritam, decidi criar uma resistência. Não sou hater, não sou lambe-saco, por isso minha resistência é silenciosa, cultural e produtiva. Comecei a legendar pérolas musicais do mundo eslavo que quase ninguém no Ocidente, sobretudo no Brasil, veio a conhecer profundamente. Por meio desta iniciativa, que batizei Momento da Música Boa, quero que vocês conheçam coisas novas, mesmo que cronologicamente antigas. Porque não existe nada mais revolucionário do que o conhecimento e sua difusão. Em fevereiro conheci por acaso o cantor croata Vice Vukov, que possuía voz comparável, aqui, apenas a Cauby Peixoto, Agnaldo Rayol e Agnaldo Timóteo. Apresento hoje as quatro primeiras canções dele que traduzi.

Vinko Vukov, mais conhecido como Vice Vukov (1936-2008), ganhou fama instantânea em 1959 e durante os anos 60 se tornou um dos mais célebres cantores da Iugoslávia. Esteve no concurso Eurovision em 1963 e 1965, mas em 1972 teve sua carreira nacional interrompida por ter sido associado ao movimento nacionalista croata de protesto. Só em 1989 circulou um novo álbum seu sem assinatura, e com o fim do comunismo Vukov pôde retornar triunfalmente aos palcos. Foi eleito deputado federal em 2003, mas em 2005 sofreu uma queda que lhe feriu a cabeça e o deixou em longa agonia.

As duas canções que postei num antigo canal do YouTube são U duši s tobom (Minha alma está com você), uma forte declaração de amor incondicional, e Zvona moga grada (Os sinos da minha cidade), que narra as belezas do litoral da Croácia. Como outras músicas cantadas por Vukov, essas duas têm letra de Drago Britvić e melodia de Zvonko Špišić, dois caras que o acompanharam ao longo de toda a carreira. Britvić (1935-2005), poeta, jornalista e letrista croata, foi um dos mais famosos autores de letras pra festivais musicais. Formado em língua e literatura croata em Zagreb, alternava entre seu trabalho no rádio e nos jornais e a escrita de poesia e letras musicais populares. Tendo lançado seu primeiro livro em 1993, também produziu musicais, escreveu roteiros e publicou libretos de ópera. Špišić (1937-2017), também croata, foi cantor, compositor, letrista e artista plástico, que como autodidata em música, exerceu várias profissões. Mesmo assim, presidiu a Sociedade dos Compositores Croatas, ainda nos anos 70 foi parlamentar e recebeu vários prêmios nacionais e um polonês. Lançou três livros com as letras de suas canções. Nasceu e morreu em Zagreb, a capital da Croácia.

U duši s tobom é uma das mais emocionantes que já legendei de uma língua eslava, e fala de uma pessoa que percorre um longo caminho na tempestade fria pra encontrar a quem ama, mas cuja alma e “canções” já teriam chegado ao destino. Na poética terceira estrofe, a fumaça e a luz da casa a que se vai são a indicação de que o caminho está certo, como faróis, boias e ancoradouros no mar. Não há referências de gênero no poema, então os papéis do homem e da mulher são permutáveis, e podem ser até dois meninos ou duas meninas... O vídeo sem legendas deve ser de meados pra frente nos anos 90, e o programa da TV croata se chama Crno-bijelo u boji (Preto e branco em cores), exibido de 1992 a 2005 e que era especializado em mostrar vídeos antigos da Croácia, exibir séries e documentários e receber músicos e cantores.

No ano de 1970, Vice Vukov venceria com Zvona moga grada a edição do célebre festival musical de Split (vídeo sem legendas), localizada na Croácia (então parte da antiga Iugoslávia), quando se destacou a participação do italiano Sergio Endrigo com a canção Kud plovi ovaj brod, também cantada aí pela croata Radojka Šverko. Na ocasião, Endrigo gravou um compacto com essa música no lado 1 e com Više te volim no lado 2, a qual, por sua vez, Vice Vukov também interpretou no festival. O Festival da Canção Popular de Split, realizado desde 1960, é famoso ainda hoje por lançar as grandes estrelas da música croata, e Vukov também o venceu de 1965 a 1968.

Eu mesmo traduzi as duas letras direto do croata (que é uma variante específica do sistema “servo-croata” mais geral), com ocasional ajuda das referidas traduções russa e inglesa no caso de Zvona moga grada, e após ter recortado os enquadramentos, legendei os vídeos. Na descrição deste vídeo está o texto de U duši s tobom em que me baseei, e nesta página podem-se ler a letra em croata e as traduções em inglês e russo de Zvona moga grada. Está disponível ainda um breve texto em croata sobre o programa Crno-bijelo u boji.

É muito nítido, por exemplo, em Zvona moga grada o caráter croata da linguagem, como nas palavras com a variante ijekavica, que usa “(i)je” no lugar do “e” (vjenčanja, vječna, gnijezda, zvijezda, bijeli, čovjek, kolijevki), palavras típicas do dialeto local (glazba, música; povijest, história) ou palavras que designam a realidade local (trabakul, barco de carga e pesca, chamado trabaccolo em italiano; gromača, grande muro de pedras encaixadas sem cimento; kolonada, colunatas, ou colunas enfileiradas num pórtico ou corredor). Abaixo estão minhas legendagens, seguidas pelos respectivos poemas em croata (às vezes corrigidos pra alinhar-se a como Vice Vukov canta, ou com quebra de linha e pontuação adaptadas por mim) e traduções em português:


1. Već divlje guske
Lete iznad brijega,
Nad pustim poljem
Već se magle dime.
Nek’ ode s jatom
Tko se boji snijega,
A ja ću s tobom
U magle i zime.

2. Prostranstva plava,
Divlje guske lete,
Za suncem juga
Vuku ih daljine.
A ti se ne boj.
Nek’ nas snijeg zamete.
Ja za te čuvam
Dovoljno topline.

Pripjev:
U duši s tobom,
Od života jači,
Pa nek’ mi, stoput,
Snijeg zamete trag.
Dok može srce
Pravu stazu naći,
Pjesme će moje
Stići na tvoj prag.

3. Ko svjetionik,
Sidrište i bova,
Na mom su putu
Vredniji od zlata,
Taj pramen dima
Iznad tvoga krova,
Ta mrva svjetla
Ispod tvojih vrata.

(Opet strofa 1)

(Pripjev)

1. Os gansos selvagens
Já voam pelos montes,
Sobre o campo vazio
Já sobem as névoas.
Siga o curso do vento
Aquele que teme a neve.
Prefiro estar com você
Faça frio, faça neblina.

2. Nas vastidões azuis,
Gansos brutos voam
Além do Sol do Sul
Para longe do lobo.
Não fique com medo.
Pode nevar sobre nós.
Eu vou te proteger
Com bastante calor.

Refrão:
Minh’alma está contigo,
Mais forte que a vida,
E que a neve cubra
Cem vezes meu rastro.
Até que meu coração
Encontre a trilha certa,
Minhas canções vão
Chegando até seu lar.

3. Como o farol, a boia
E o ancoradouro
Em meu caminho
Valem mais que ouro,
Assim é a leve fumaça
Por sobre seu telhado,
Assim é o facho de luz
Debaixo da sua porta.

(Repete estrofe 1)

(Refrão)


Zvonila su za oluje,
Zvonila su za vjenčanja,
Zvonila su za živote
I za zadnja putovanja.
Kao neka vječna glazba
Naše slave, našeg jada,
Zvonila su od davnina
Stara zvona moga grada.

Boga su i ljude zvala
Za trabakul koji tone,
Zvonila su, zvonila su
Za gromače i balkone,
Skupljala su naše lađe
Kao ptice svoga gnijezda,
Ko da srce majke kuca
U zvoniku ispod zvijezda.

Dok spavaju stare luke
I treperi plavi svod,
Zvonici su kao ruke
Koje prate bijeli brod.
U kamenu nema neba,
Čovjek prođe težak put,
Al’ su jednom kad ih trebam
Stara zvona opet tu.

Pričaju nam našu povijest
Brižno kao otac sinu,
U večeri kao ova
Izlila su svu toplinu.
Kao neka vječna glazba
Kolijevki, kolonada,
Slušajte ih kako zvone
Stara zvona moga grada.

U kamenu nema neba,
Čovjek prođe težak put,
Al’ su jednom kad ih trebam
Stara zvona opet tu.

Pričaju nam našu povijest
Brižno kao otac sinu,
U večeri kao ova
Izlila su svu toplinu.
Kao neka vječna glazba
Kolijevki, kolonada,
Slušajte ih kako zvone
Stara zvona moga grada!

____________________


Soavam nas tempestades,
Soavam nos casamentos,
Soavam durante as vidas
E nas viagens para o além.
Como uma música eterna
De nossas glórias e penas,
Soavam há muitos séculos
Os velhos sinos de minha cidade.

Chamavam Deus e o povo
Ao afundar um pesqueiro,
Eles soavam, eles soavam
Rumo a muralhas e sacadas,
Recolhiam nossos barcos
Como pássaros a seu ninho,
Como se um coração de mãe
Batesse na torre sob estrelas.

Dormindo os velhos portos
E estremecendo o céu azul,
Campanários parecem mãos
Seguindo um barco branco.
Na pedra não existe céu,
O caminho humano é duro,
Mas se um dia preciso deles,
Os velhos sinos voltam aqui.

Contam-nos nossa história
Com o zelo do pai ao filho,
Em noites como esta
Verteram todo o calor.
Como uma música eterna
Do berço e filas de colunas,
Ouçam-nos, como badalam
Os velhos sinos de minha cidade.

Na pedra não existe céu,
O caminho humano é duro,
Mas se um dia preciso deles,
Os velhos sinos voltam aqui.

Contam-nos nossa história
Com atenção de pai ao filho.
Em noites como esta
Verteram todo o calor.
Como uma música eterna
Do berço e filas de colunas.
Escutem como badalam
Os velhos sinos de minha cidade!



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe suas impressões, mas não perca a gentileza nem o senso de utilidade! Tomo a liberdade de apagar comentários mentirosos, xenofóbicos, fora do tema ou cujo objetivo é me ofender pessoalmente.