Este é o trecho de um documentário francês sobre Leon Trotsky, produzido por Patrick Le Gall e Alain Dugrand em 1987, e publicado há muitos anos por um perfil trotskista alemão no YouTube. O arquivo também estava guardado pra que eu traduzisse e legendasse pro antigo canal Pan-Eslavo Brasil, mas após sua extinção, decidi apenas trazer os textos em português e francês, e por isso, quem quiser se aventurar na legendagem, fique à vontade! Entre colchetes, também acrescentei notas explicativas que achei necessárias. O trecho traz as contribuições eruditas dos historiadores franceses Pierre Broué (1926-2005), o maior especialista em Trotsky conhecido, e Jean-Jacques Marie (n. 1937), um dos maiores estudiosos da URSS e de Stalin.
No filme todo, as explicações dos dois acadêmicos entrecortam a voz do narrador e os depoimentos de militantes, neste caso, parte do concedido por Vlady Kibaltchitch (1920-2005), pintor falecido no México e filho do revolucionário russo Victor Serge, aliado de Trotsky. Este trecho integra a primeira parte, chamada “Revoluções”, que trata da Revolução de 1905 até a derrota da chamada “oposição de esquerda”, em 1927, e Broué também foi o conselheiro científico da produção. Trotsky também foi lançado no Reino Unido pela BBC, talvez dublado. Ainda não tive tempo de localizar o documentário completo, mas este texto já é um ótimo material didático pra estudantes e graduandos, meu primeiro presente de Natal ao público!
Em Moscou, em 1920, delegações dos partidos operários de todos os países participam do 2.º Congresso da Internacional [Comunista, a Comintern], que sedia um escritório permanente encarregado de elaborar, organizar e coordenar a estratégia da revolução mundial. Trotsky está particularmente atento à situação alemã. Já em 1919, a social-democracia, aliada ao Estado-Maior, afogou no sangue a insurreição espartaquista e assassinou seus líderes Karl Liebknecht e Rosa Luxemburg. Em 1923, ressurgiu a esperança entre os revolucionários alemães.
Pierre Broué – Trotsky, com todas as suas forças, faz soar o alarme: criou-se na Alemanha uma situação revolucionária, é preciso preparar a insurreição. Ele foi ouvido e a insurreição foi cuidadosamente preparada, técnica e politicamente... E finalmente, como sabemos, essa insurreição não aconteceu, em parte porque a liderança da Internacional e, talvez, a do partido alemão, se empenharam tarde demais e recuaram ante o gesto decisivo, tal, como se diz, Kamenev tinha feito em 17, recuou-se da insurreição. E foi esse recuo, o fato da insurreição ter sido desautorizada, que constituiu então uma derrota moral muito importante, e também aí Trotsky foi o primeiro a ter noção do alcance desse recuo, que ele criticava e não aprovava, mas no qual ele não teve a possibilidade de desempenhar um papel direto, já que o partido russo tinha recusado, rejeitado a proposta que os alemães lhes tinham feito, que era enviar Trotsky até lá, na Alemanha, pra dirigir a insurreição.
A classe trabalhadora alemã não vai se recuperar desse novo fracasso. Já em Munique, a sombra obscura está tomando forma.
Pierre Broué – Após o fiasco de 1923, ficou claro que a revolução ficaria longamente isolada lá também, na Rússia. Portanto, era preciso viver, era preciso resistir, e foi nesse momento que Stalin inventou seu “socialismo num só país”, e foi nesse momento que estava posto o problema da degeneração da revolução isolada num país pobre e atrasado.
Encarregado de reorganizar os transportes e a economia, Trotsky vive o auge de sua popularidade em 1922. Alguns o criticam por sua falta de sociabilidade: é verdade que frequentemente é austero, um pouco distante, não chama os desconhecidos de “você” [pronomes tu do francês e ty do russo], como era de costume, e tolera mal que fumem em sua presença. Ele está preocupado com a negligência cada vez mais evidente na cúpula do Partido. Apesar de seu estado de saúde preocupante, Trotsky multiplica suas atividades, o que lhe deixa pouco tempo pra vida familiar. Natália [sua segunda esposa], por sua vez, participa ativamente da divulgação das obras de arte [ela era encarregada dos museus, monumentos e antiguidades junto ao Ministério da Cultura]. Seus dois filhos fazem parte do Komsomol [a juventude comunista]. Quanto a suas duas filhas [do primeiro casamento], as quais ele revê de tempos em tempos, são militantes ativas, assim como a mãe.
Pierre Broué – Noutra parte do Kremlin, no Palácio do Arsenal [do Kremlin: Oruzhéinaia paláta ou Kremlióvskie kazármy, demolido em 1959; não confundir com o Palácio do Arsenal atual], no andar térreo, há algumas salinhas que dão diretamente pra sala onde se reúne o Birô Político. Assim, os caras dão de cara com a porta, ela se abre e eles vão parar na sala do Birô Político. Bem em frente está [alojado] Stalin, mas havia problemas, porque Stalin voltava tarde da noite, e quando ele aparecia, era levado de carro até a porta, acordando todo mundo. A família Trotsky reclamava dizendo: “Depois das 10 horas da noite, os carros não devem entrar no Kremlin...” Enfim, problemas de vizinhança, como em todo lugar.
Apesar de divergirem em alguns pontos, Trotsky se mantém muito próximo de Lenin, que lhe propôs a formação de um bloco contra a burocracia ascendente.
Vlady Kibaltchitch – Eu estava a 50 centímetros de Lenin, e a 50 centímetros de Trotsky, e todos os outros estavam lá. Toda a nata do Partido estava lá. Trotsky não falava nem escutava nada. Quando era questionado, ele escrevia. Ele escrevia sem parar. Quando era questionado, levantava a cabeça deixando a caneta no ar, e voltava a escrever. Todas a sua atitude é uma atitude de persuasão. Mesmo assim, ele era questionado o tempo todo por uns e por outros. Mas é apoiado por Lenin. Apoiado por Lenin, com Stalin por trás dele, que não deixou escapar nada da atividade de Trotsky.
Jean-Jacques Marie – Stalin é nomeado secretário-geral do Partido em abril de 1922, após um congresso durante o qual ele não diz uma palavra. É uma função que surge essencialmente visando à organização do trabalho do aparelho e não pode ter funções eminente ou essencialmente políticas, na medida em que pra todos existe um dirigente do Partido, que é Lenin. Só que a partir desse momento, quando a perspectiva, digamos, de ampliação da revolução se afasta após a derrota militar na Polônia, a derrota da Revolução Alemã etc., o aparelho é levado a ocupar um lugar que não tinha antes: primeiro o aparelho de Estado, depois o aparelho do Partido, que controla o aparelho do Estado. Visto que o aparelho se eleva acima da sociedade de um modo muito rápido, até vertiginoso, quem está no topo do aparelho ocupa um lugar que não tinha antes. Stalin alcança esse posto num momento em que as condições históricas estão mudando, e depois vai saber se aproveitar delas, o que é outra questão, mas não é ele quem as produz. Ele se aproveita de uma situação, mas não a cria.
Pela primeira vez, em novembro de 1922, Lenin está ausente das cerimônias de aniversário da Revolução. Trotsky compreende bem o perigo que ameaça o Partido. O Partido precisa retornar à iniciativa coletiva e ao direito às críticas livres e fraternas. É preciso renovar o aparelho e relembrar que ele é apenas o executor da vontade coletiva. Mas Trotsky hesita em se envolver sozinho na luta, enquanto Lenin, doente, vítima de um derrame, descansa longe de Moscou com sua esposa, Krúpskaia.
Pierre Broué – O Testamento é uma carta de Lenin ao Congresso, na qual ele considera as capacidades, qualidades e fraquezas de cada um. Os mais importantes entre os citados são Stalin e Trotsky: critica Stalin, talvez, por não saber usufruir de seus imensos poderes com suficiente comedimento, e Trotsky pelas tendências de ver [somente] o lado administrativo das coisas. Basicamente Lenin mantém o equilíbrio igual entre eles. Algumas semanas depois, ele se declarou contrário à destituição de Stalin do cargo de secretário-geral. Nesse meio-tempo, aconteceu que Lenin, doente, colocado sob o controle do Birô Político, entrou em conflito com Stalin, que queria impedir sua intervenção no âmbito político, e acredita que esse controle sobre ele, exercido por Stalin, é exercido contra ele e, em particular, contra sua esposa Krupskaia, sua colaboradora nessa questão. Então, nos encontramos numa situação totalmente nova. Até então, Lenin e Trotsky sabiam que havia um perigo geral de burocratização da Revolução, mas como uma espécie de fenômeno normal e objetivo. Ora, a partir daí se dão conta de que existe um organismo, o Birô de Organização, e um homem que o encarna, Stalin, que estão organizando o fortalecimento do poder dessa casta. Portanto, é o bloco Lenin-Trotsky contra Stalin que podia representar uma virada nessa sequência da Revolução e que, no fim das contas, não vai se materializar, já que Lenin adoece e, enfim, morre, sem que esse combate seja realmente empreendido.
À Moscou, en 1920 [mille-neuf-cent-vingt], des délégations des partis ouvriers de tous pays assistent au 2e [deuxième] Congrès de l’Internationale [Communiste, ou Comintern], où siège un bureau permanent chargé d’élaborer, d’organiser et de coordonner la stratégie de la révolution mondiale. Trotsky est particulièrement attentif à la situation allemande. Déjà en 1919 [mille-neuf-cent-dix-neuf], la social-démocratie, alliée à l’État-major, a noyé dans le sang l’insurrection spartakiste et assassiné leurs leadeurs Karl Liebknecht et Rosa Luxembourg. En 1923 [mille-neuf-cent-vingt-trois], c’est à nouveau l’espoir chez les révolutionnaires allemands.
Pierre Broué – Trotsky de toutes ses forces sonne l’alarme: il s’est crée en Allemagne une situation révolutionnaire, il faut préparer l’insurrection. Il a été suivi et l’insurrection a été minutieusement préparée techniquement, politiquement... Et finalement, comme nous le savons, cette insurrection n’a pas eu lieu, en partie parce que la direction de l’Internationale, celle du parti allemand peut-être, parce qu’elles ne s’y étaient pris trop tard, on reculait devant le geste décisif, comme, comme on dit, Kamenev l’avait fait en 17 [dix-sept], on reculait dans l’insurrection. Et c’était ce recul, le fait que l’insurrection a été décommandée, constitue alors une défaite morale très importante, et là aussi Trotsky a été le premier à mesurer la portée de ce recul, qu’il critiquait, qu’il n’approuvait pas, mais pour lequel il n’a pas eu la possibilité de jouer un rôle direct, puisque le parti russe avait refusé, repoussé la proposition que les Allemands leur avaient faite, d’envoyer Trotsky sur place, en Allemagne, pour diriger l’insurrection.
De ce nouvel échec la classe ouvrière allemande ne se relèvera pas. Déjà à Munich, l’ombre noire se dessine.
Pierre Broué – Après le fiasco de 1923, il devenait évident que la révolution était pour longtemps isolée là aussi en Russie. Donc il fallait vivre, il fallait tenir, et c’est à ce moment-là que Staline a inventé son “socialisme dans un seul pays”, et c’est à ce moment-là que se trouvait posé le problème de la dégénérescence de la révolution isolée dans un pays pauvre et arriéré.
Chargé de la réorganisation des transports et de l’économie, Trotsky est à l’apogée de sa popularité en 1922 [mille-neuf-cent-vingt-deux]. Certains lui reprochent son manque de sociabilité : il est vrai qu’il est souvent guindé, un peu distant, ne pratiquant pas le tutoiement, couramment utilisé, et tolérant mal que l’on fume en sa présence. Il est préoccupé par le relâchement qui se manifeste de plus en plus à la tête du Parti. Malgré son état maladif préoccupant, Trotsky multiplie ses activités, ce qui lui laisse peu de temps pour sa vie familiale. Natalia, de son côté, participe activement à la promotion des œuvres d’art. Ses deux fils sont partie des Komsomols. Quant à ses deux filles, qu’il revoit de temps à autre, elles sont, comme leur mère, des militantes actives.
Pierre Broué – Ailleurs au Kremlin, dans l’aile Cavalier, à rez-de-chaussée, ils ont quelques petites pièces allant directement sur la salle où se réunit le Bureau politique. Il arrive que les gamins tombent contre la porte, la porte s’ouvre, qu’ils roulent dans la pièce du Bureau politique. En face il y a Staline, or il y avait des problèmes, parce que Staline rentre tard le soir, et quand il apparaissait, il se fait mener par sa voiture jusqu’à sa porte, donc il réveille tout le monde et les Trotsky protestent, en disant “Passés 10 [dix] heures du soir, les voitures n’ont pas à entrer au Kremlin...” Bon, des problèmes de voisinage, comme tout le monde.
En dépit de quelques points de divergence, Trotsky reste très proche de Lénine, qui lui propose de former un bloc contre la bureaucratie montante.
Vlady Kibaltchitch – J’ai été à 50 [cinquante] centimètres de Lénine, et à 50 centimètres de Trotsky, et tous les autres étaient là. Tout le gratin du Parti était là. Trotsky ne disait rien, ni écoutait. Quand on le mettait en cause, il écrivait. Il écrivait constamment. Quand on le mettait en cause, il levait la tête laissant le porte-plume en air, et se remettait à écrire. Toute son attitude est une attitude des passionnants. Et pourtant il était mis en cause à chaque instant par les uns et par les autres. Mais il est soutenu par Lénine. Soutenu par Lénine, avec derrière lui Staline, qui ne laissait rien échapper de l’activité de Trotsky.
Jean-Jacques Marie – Staline est nommé secrétaire-général du Parti en avril 1922, à la suite d’un congrès au cours duquel il ne dit pas un mot. C’est une fonction qui apparait essentiellement comme une fonction d’organisation du travail de l’appareil et qui ne peut pas avoir de fonctions éminemment ou essentiellement politiques, dans la mesure où pour tout le monde il existe un dirigeant du Parti, qui est Lénine. Sauf qu’à partir de ce moment-là où la perspective, disons, d’élargissement de la révolution s’éloigne après la défaite militaire en Pologne, la défaite de la Révolution allemande etc., l’appareil est amené à prendre une place qu’il n’avait pas avant : l’appareil d’État d’abord, et puis l’appareil qui contrôle l’appareil d’État, celui du Parti ensuite. Et donc c’est parce que l’appareil s’élève en dessus de la société de façon très rapide, même vertigineuse, que celui qui est au sommet de l’appareil prend une place qu’il n’avait pas avant. Staline, lui, arrive à cette fonction à un moment où les conditions historiques changent, et il saura ensuite les utiliser, c’est une autre question, mais ce n’est pas lui qui les fabriquent. Il utilise une situation, il ne la crée pas.
Pour la première fois, en novembre 1922, Lénine est absent des cérémonies anniversaire de la Révolution. Trotsky mesure bien le péril qui menace le Parti. Il faut que le Parti revienne à l’initiative collective et au droit des critiques libres et fraternelles. Il est nécessaire de renouveler l’appareil et de rappeler qu’il n’est que l’exécuteur de la volonté collective. Mais Trotsky hésite à s’engager seul dans la lutte, alors que Lénine, malade, victime d’une attaque, se repose loin de Moscou avec sa femme, Kroupskaïa.
Pierre Broué – Le Testament, c’est une lettre de Lénine au Congrès, dans laquelle il envisage les capacités, les qualités et les faiblesses de chacun. Les plus importants de ceux qu’il mentionne sont Staline et Trotsky : il reproche à Staline, peut-être, ne pas savoir se servir avec assez de mesure de ses immenses pouvoirs, et à Trotsky, les tendances à voir le côté administratif des choses. Au fond il tient la balance égale entre eux. Quelques semaines après il se prononce contraire pour que Staline soit écarté du poste de secrétaire-général. Il s’est passé dans l’intervale que Lénine, malade, placé sous le contrôle du Bureau politique, s’est trouvé aux prises avec Staline, qui veut empêcher son intervention dans le domaine politique, et que ce contrôle que Staline exerce sur Lénine, il estime qu’il l’exerce contre lui, et en particulier contre sa femme Kroupskaïa, qui est sa collaboratrice en cette affaire. Alors, on se trouve dans une situation tout à fait nouvelle. C’est que jusque là, Lénine et Trotsky savaient qu’il y avait un danger général de bureaucratisation de la Révolution, mais comme un sort de phénomène normal et objectif. Or, à partir de là ils s’aperçoivent qu’il y a un organisme, le Bureau d’organisation, et un homme qui l’encarne, Staline, qui sont en train d’organiser le renforcement du pouvoir de cette caste. Alors c’est le bloc Lénine-Trotsky contre Staline qui pouvait représenter le tournant dans ce lendemain de la Révolution et qui finalement n’aura pas de conséquences, puisque Lénine tombe malade d’abord, ensuite meurt, sans que ce combat éventuellement était engagé.
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