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Durante o processo de produção do livro, tradutor e editora se viram diante de um pequeno dilema: como transcrever os nomes árabes? Simplificar a transcrição facilitaria as coisas para o leitor ou seria um desrespeito a ele? Sabe-se que o idioma árabe possui sons que não existem em português nem em qualquer outro idioma indo-europeu, como a faríngea sonora ᶜayn, som tipicamente semita. Se não existem, de que adianta utilizar um símbolo para grafá-los? Faz diferença, para o leitor não especialista, ler ᶜAlī em vez de Ali? E há o problema das demais convenções, como o som do ch em português; em inglês, usa-se o sh. Já as vogais longas, embora inexistentes em português, podem ser consideradas semelhantes às tônicas. O nome da narradora, como grafá-lo? Chahrazad, Xahrazad, Shahrazad ou a forma correta, que é Šahrāzād? Depois de alguma hesitação, estabeleceu-se que seria melhor evitar soluções precárias e adotar a convenção internacional, que, além de evitar os dígrafos, é bastante útil e operacional. Abaixo, as descrições:
1. As vogais longas ا و ي se transcreveram ā, ū, ī. Podem ser pronunciadas como se fossem vogais tônicas;
2. A gutural laríngea ء (hamza) se transcreveu com um apóstrofo fechado (’). Não foi marcada quando em início de palavra;
3. A ى, “a breve” final (alif maqṣūra), se transcreveu à;
4. Os chamados “sons enfáticos” do árabe, ص ض ط ظ, se transcreveram ṣ, ḍ, ṭ, ẓ. Sua pronúncia é semelhante a s, d, t, z, porém com maior ênfase;
5. A faríngea aspirada ح se transcreveu ḥ. Não há equivalente para esse som em português;
6. A velar surda خ se transcreveu ḫ. Seu som é semelhante ao do j espanhol ou do ch alemão;
7. A velar sonora غ se transcreveu ġ. Seu som é semelhante ao do r parisiense em “Paris”;
8. A interdental surda ث se transcreveu ṯ. Seu som é semelhante ao do th na pronúncia inglesa em think;
9. A interdental sonora ذ se transcreveu ḏ. Seu som é semelhante ao do th na pronúncia inglesa em the;
10. A faríngea sonora ع se transcreveu ᶜ. Não tem som semelhante em nenhuma língua ocidental;
11. A laríngea surda ه se transcreveu h, e se pronuncia sempre como o h do inglês home;
12. A uvular surda ق se transcreveu q. Seu som é equivalente ao do k, porém com maior explosão;
13. A palatal surda ش se transcreveu š. Seu som é equivalente ao do x ou ch do português, como nas palavras xarope e chapéu;
14. A palatal sonora ج se transcreveu j, e seu som é semelhante ao do português;
15. O s se pronuncia sempre como em sapo e massa, independentemente de sua posição na palavra;
16. O artigo definido invariável do árabe, al, foi grafado junto à palavra que determina, sem separação por hífen; e, quando a palavra determinada pelo artigo começa com um fonema que assimila o l, optou-se por sua supressão, como em assayf (em lugar de alsayf).
17. Para os nomes de cidades, utilizou-se a forma convencional em português quando esta existe, como é o caso de Bagdá (em lugar de Baġdād), Basra (em lugar de Albaṣra), Mossul (em lugar de Almawṣil), Damasco (em lugar de Dimašq) etc. Caso contrário, adotou-se a transcrição fonética;
18. Desde que não contivessem Abū, “pai de”, ou Bin, “filho de”, os nomes próprios que formam sintagma de regência mediado por artigo se transcreveram aglutinados. Assim, grafou-se Šamsuddīn, “sol da fé”, em lugar de Šams Addīn; Nūruddīn, “luz da fé”, em lugar de Nūr Addīn; ᶜAbdullāh, “servo de Deus”, em lugar de ᶜAbd Allāh; Qamaruzzamān, “lua do tempo”, em lugar de Qamar Azzamān etc.
Finalmente, um detalhe que faz jus a esta derradeira observação: os personagens do livro, quase que invariavelmente, “dizem”; eles não “perguntam”, não “respondem”, não “afirmam”, não “exclamam”; apenas “dizem”. Já houve quem observasse que variar os verbos dicendi é um recurso vulgar, mas no presente caso tal variação se fez necessária, uma vez que os personagens são autênticas máquinas de “dizer” e a repetição ficaria demasiado monótona.
São Paulo, 12 de setembro de 2004
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