domingo, 13 de dezembro de 2015

Como fazer projetos de pesquisa


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Por Erick Fishuk

Esta pequena lista se origina de anotações que fiz no início de 2013 para minha própria orientação na escrita do projeto de pesquisa visando ao mestrado. Outras pessoas também buscam um guia assim, mas mesmo sendo rico o material sobre o assunto na internet, são muito diferentes as dicas, geralmente aplicáveis a apenas uma área do saber. Decidi, então, compartilhar as anotações, adaptando-as um pouco e sintetizando o que dizem livros, guias, folhetos, artigos ou anotações de aula. Por ser historiador, escrevi concentrado nas ciências humanas, mas os princípios lógicos valem para qualquer pesquisa. Destaco o que foi produzido ou distribuído pelos professores Antônio Joaquim Severino, Silvio Sánchez Gamboa, Silvia Hunold Lara, José Carlos Köche, Robert Barrass, entre outros. É de se lembrar que cada Programa de Pós-Graduação tem suas próprias normas, portanto meu texto deve ser confrontado com elas.

Para quem é de esquerda e estuda ciências humanas, adicionei uma parte especial tratando da metodologia dialética, escorada nas ideias de Silvio Sánchez Gamboa e acrescida de outros aportes.




Partes de um projeto de pesquisa e como redigi-las

Fases de preparação para a construção do plano/projeto:

• Escolha do tema.
• Delimitação do problema.
• Revisão da literatura e documentação bibliográfica.
• Crítica da documentação.
• Construção de esquemas teóricos.
• Construção das hipóteses.

Para a escolha do projeto, contam acima de tudo a qualidade do texto e a adequação às áreas de concentração do respectivo Programa de Pós-Graduação.


Capa

Deve conter: autor, título, local e data.


Folha de rosto

Deve conter: autor, título, instituição, área, orientação, local e data.


Resumo

Equivale em parte à “Apresentação” ou “Introdução” em alguns guias. Consiste numa explicitação breve e objetiva do tema, do objetivo mais geral, da proposta da pesquisa e da relevância para a área escolhida.


Objeto e objetivos (tema e problema)

Deve abordar os seguintes aspectos:

• Apresentação (gênese do problema, como se chegou a ele, motivos de sua escolha).
• O problema em si, bem delimitado no tempo e no espaço (perguntas e pergunta-síntese), incluindo as fontes priorizadas.
• Justificativas (sobretudo relevâncias social e científica).
• Objetivos (pretensa contribuição) gerais (relativos ao diagnóstico de um problema, fenômeno ou objeto) e específicos (relativos às metas ou processos). Utilizar verbos ativos: caracterizar, descrever, analisar, compreender, diagnosticar, medir, dimensionar, tipificar, classificar, comparar, explicitar, revelar, sistematizar, interpretar, relacionar. Evitar objetivos de intervenção pedagógica, administrativa, extensão (contribuir, propiciar, facilitar, possibilitar, favorecer etc.).

A diferença básica entre “objetivos” e “justificativas” é que estas apresentam as razões, sobretudo teóricas, que legitimam cientificamente o projeto, conforme a relevância do problema, e os interesses pessoais ou de equipe, como “iniciação científica”, “aperfeiçoamento”, “titulação acadêmica” etc., enquanto os “objetivos” tratam dos fins teóricos e práticos a serem alcançados com a pesquisa.

Em alguns modelos, aparece aqui também o estado da questão (contraposição e balanço crítico da bibliografia); em outros modelos, ele está no debate bibliográfico.

O tema é mais genérico que o problema, o qual é uma interrogação bem delimitada diante de uma dificuldade. O problema é uma pergunta perante o mistério, a curiosidade, a indagação, a suspeita, a dúvida, ou perante respostas que já temos, mas que podem ser falsas ou admitem a suspeita da sua veracidade ou apresentam indicadores de serem limitadas ou falhas. A pergunta materializa a necessidade vivenciada por pessoas concretas, sendo localizada num lugar e num tempo.

A primeira fase da formulação da pergunta é localizar a “situação-problema” no espaço e no tempo, com suas formas de manifestação, expressão e ocultamento, aparências, e revelações, e sobre a qual se identificam os indicadores ou “sintomas” do problema (contexto empírico) e se pode fazer uma revisão bibliográfica, recuperando registros e antecedentes (contexto teórico). Em seguida, traduz-se essa problemática num corpo de indagações na forma de frases interrogativas, articuladas em torno de uma pergunta síntese ou de uma questão básica; diga-se, questões que se articulam, e não desconexas entre si.


Hipótese(s)

Deve abordar as seguintes fases:

• Tese (hipótese central).
• Hipóteses particulares (“degraus” para a construção total do raciocínio), que jamais devem ser pressupostos ou evidências prévias do quadro teórico.

“Hipóteses”, grosso modo, são respostas provisórias ao problema, e se ramificam especialmente se houver mais de um problema (problema geral e derivados), cada um com sua hipótese. A hipótese é uma proposição afirmativa ‒ enquanto o problema é uma interrogação ‒ formulada em contraposição à teoria já existente, nunca surgindo do nada.

Explicitam-se as hipóteses (respostas esperadas) ou os possíveis resultados da pesquisa que poderão orientar as diversas estratégias da organização das respostas e a coleta e organização de resultados.

No momento do projeto, a fase da construção da pergunta é enfatizada; já a elaboração da resposta é apenas anunciada ou prevista.


Debate bibliográfico

Contém os principais argumentos do debate sobre o tema e o período abordados, o estado da questão e dos conhecimentos a respeito (contraposição e balanço crítico da bibliografia) e o posicionamento da pesquisa nesse debate. Não é um enfileiramento de obras, mas um diálogo entre e com elas. Uma possibilidade é avaliar certos autores conforme a teoria adotada e manter os que seguem os pressupostos da pesquisa.


Quadro teórico (por vezes não é solicitado)

O processo do conhecimento deve articular-se numa teoria ou numa visão de totalidade que jamais é neutra, mas que implica uma visão de mundo. O quadro de referências teóricas fornece as categorias para formular a pergunta e as hipóteses, analisar as respostas e interpretar os resultados, ajudando a localizar o projeto num campo epistemológico específico ou no contexto de uma área do conhecimento. A teoria deve ser logicamente coerente, consistente, compatível com o raciocínio e o problema, servir como diretriz (e não como molde formatador) e não misturar elementos incompatíveis.

As categorias de análise e os referenciais para a interpretação e discussão dos resultados referem-se a campo disciplinar ou interdisciplinar, palavras-chave, conceitos que identificam o fenômeno e as partes que o constituem, campo conceitual, paradigma epistemológico e visões de ciência e de mundo, que constituem o horizonte interpretativo dos resultados.

No projeto, ao contrário da dissertação ou tese final, a referência teórica aparece apenas esboçada ou em linhas gerais, indicando a orientação e as diretrizes da pesquisa.


Metodologia (e técnica) e fontes

Nessa etapa deve-se dizer se a pesquisa é empírica, histórica, teórica, uma combinação delas etc. Listam-se ainda:

• Fontes (bibliográficas, documentais, vivas, observação direta ou participante, experimentais, modelos iconográficos, ciberespaciais ou metafóricos) onde se podem obter informações para a elaboração das respostas pertinentes ao quadro de questões e à pergunta-síntese.
• Instrumentos, materiais e técnicas para coletar, organizar e sistematizar as informações necessárias à construção das respostas (fichas, questionários, entrevistas, diários de campo, gravador, vídeo, tabelas de registro, materiais e instrumentos, equipamentos, protocolos, quadros de medidas e parâmetros, modelos informatizados).
• Técnicas de tratamento de dados e informações (quantitativas ‒ estatísticas, computacionais ‒ ou qualitativas ‒ análise de conteúdo, interpretação e análise do discurso).
• Organização e sistematização de resultados (esquemas, tabelas, índices, fórmulas, teoremas, proposições, silogismos, argumentações).
• Razões do privilégio de algumas fontes, procedimentos em relação à falta de certos documentos, utilidade de rever fontes já pesquisadas por outros.
• Maneiras de relacionar diferentes campos de especialidade (literatura e história, ciência política e história etc.).

Deve-se fazer uma diferenciação: método é a forma ampla do raciocínio, e técnica é um ato mais restrito que operacionaliza os métodos.

Provavelmente também entra aqui, se não em parte separada, a previsão de condição para a realização do projeto (indicadores da viabilidade técnica do projeto).


Cronograma (distribuição da pesquisa no calendário)

Trata-se da organização por trimestre ou semestre, sendo preferível o maior detalhamento possível, mas sem impor muito poucas tarefas ou tarefas demais.


Bibliografia

No projeto, ela ainda é incompleta, podendo abranger somente o que se usou para redigi-lo ou ainda os títulos que se pretende usar. É, portanto, restrita ao essencial, destinada à ampliação e atualização durante a pesquisa. Deve-se separar obras de referência dos livros e artigos.


Dicas de formatação:

• Fonte tamanho 12.
• Margens esquerda e superior de 3 cm, direita e inferior de 2 cm.
• Espaçamento 1,5 entre linhas.
• Confrontar sempre as normas gerais pesquisadas em diversas fontes com as normas de cada instituto, devendo ser do orientador a última palavra sobre a formatação.


>>> Para formatação e estruturação de trabalhos acadêmicos em geral, além de como fazer referências bibliográficas, este site é muito útil, e também aponta os documentos da ABNT a respeito.

>>> Leia também um documento sucinto redigido pelo célebre historiador Ciro Flamarion Cardoso com algumas instruções gerais para a elaboração de projetos de pesquisa, focadas na área de humanidades (formato PDF).


A metodologia/abordagem dialética

Na abordagem dialética de uma visão materialista de mundo, o conhecimento é construído por uma relação dialética entre sujeito e objeto, dentro de um contexto de realidade histórica (cultura) com certas condições materiais históricas, quando se vai primeiramente do todo para as partes e depois das partes para o todo, ora com predomínio do subjetivo, ora do objetivo.

O interesse da pesquisa, dentro da dimensão humana do poder, é o crítico e emancipador, usado para transformar e emancipar, e então a atividade intelectual reflexiva desenvolve a crítica e alimenta a práxis (reflexão-ação) que transforma o real e libera o sujeito dos diferentes condicionantes. O enfoque crítico dialético apreende o fenômeno em seu trajeto histórico e em suas inter-relações com outros fenômenos, compreendendo os processos de transformação, suas contradições e suas potencialidades.

O homem conhece e compreende para suprimir as alienações, as opressões e as misérias e propiciar ações (práxis) emancipadoras. A práxis ‒ reflexão e ação sobre uma realidade buscando sua elevação a maiores níveis de liberdade do indivíduo e da humanidade ‒ se transforma em critério de verdade e de validade científica.

A necessidade de superação das atuais condições da reprodução da vida e da superação das formas de exploração e exclusão social exige uma constante análise epistemológica dos instrumentos, das técnicas, dos métodos, das teorias e das visões de mundo que estão sendo utilizadas ou praticadas nos diversos processos da produção do conhecimento.