domingo, 29 de janeiro de 2017

“Ночь” (“Noite”), Maiakovski musicado


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/noite

Mais um vídeo que legendei com as meninas russas do canal do YouTube “3/4”, numa peculiar interpretação de um poema de Vladimir Maiakovski, musicalizado pelo artista russo Lobo e que se chama “Ночь” (Noch), Noite, com um texto bem próprio do futurismo russo.

Na Rússia, parece muito mais comum do que no Brasil os musicistas e cantores fazerem versões musicais dos versos de grandes poetas russos, os quais o povo preza muito, e Maiakovski, o poeta comunista das primeiras décadas da Revolução de Outubro, é um dos objetos preferidos. Seus trabalhos são muito inovadores, e favorecem tais iniciativas suas palavras provocantes e sonoras, suas formas nem sempre tradicionais e seus temas tão caros a quem tem sensibilidade artística. O poema Noite apresenta dificuldades especiais, pois o tempo todo ele usa metáforas e alguns vocábulos não muito comuns na língua cotidiana. Como futurista, pra descrever o pôr-do-sol, o anoitecer e a cidade noturna, ele usou na primeira estrofe a imagem de um cassino (a roleta “rubra e branca”, os panos “verdes” das mesas, as “cartas”), e na terceira, a de pessoas se abarrotando e depois saindo de uma sala, supostamente pra ouvir o poeta. Nas outras partes, ele usa outras figuras, mais ou menos inteligíveis. Por isso mesmo, a tradução literal parece não dizer muita coisa, e fica à inventividade de cada um traduzir as imagens pra si...

De fato, eu mesmo “boiei” enquanto traduzia literalmente, e precisei da ajuda de um site poético pra decifrar as figuras de linguagem. Quem lê russo, dê uma olhada nesta página. O que eu disse atrás é uma versão bem resumida do que se lê aí. Contudo, tomem cuidado pra não caírem ocasionalmente na mesma confusão em que caí no começo: esta versão musicada do poema Noite faz parte de uma iniciativa russa, em que diversos artistas gravaram versões musicadas de poemas de Maiakovski, e o artista Lobo é um deles. Nesta página há mais informações e é possível baixar todas as gravações, mesmo as que não entraram no CD original. Em 1984, o cantor soviético Nikolai Noskov representou na TV uma canção chamada “Ночь” (ou às vezes, Inacabado), mas baseada em versos de Maiakovski que estavam guardados, como rascunho de um poema que não veio a lume. Não é essa a canção em questão, a qual, aliás, foi proibida naquele tempo e realmente gravada só em 2012.

Quanto às meninas do vídeo, repito o que disse outras vezes: elas têm um canal chamado “3/4”, cantam e tocam muito bem e a pronúncia do seu russo é bem clara e bonita, constituindo um ótimo material ao estudante. Recomendo que o visitem e ouçam as muitas outras performances delas! O vídeo sem legendas está nesta página, e o texto do poema eu tirei desta página. Eu mesmo traduzi literalmente (e não poeticamente, embora eu tivesse de encurtar um pouco a letra pra caber na legenda) e legendei, postando o resultado, também visível abaixo, no meu antigo canal do YouTube. Depois do vídeo, seguem a letra completa em russo, em que adicionei os pontos nas letras Ё (io), em geral ausentes de texto impresso, e a tradução em português:


Багровый и белый отброшен и скомкан,
в зелёный бросали горстями дукаты,
а чёрным ладоням сбежавшихся окон
раздали горящие жёлтые карты.

Бульварам и площади было не странно
увидеть на зданиях синие тоги.
И раньше бегущим, как жёлтые раны,
огни обручали браслетами ноги.

Толпа – пестрошёрстая быстрая кошка –
плыла, изгибаясь, дверями влекома;
каждый хотел протащить хоть немножко
громаду из смеха отлитого кома.

Я, чувствуя платья зовущие лапы,
в глаза им улыбку протиснул, пугая
ударами в жесть, хохотали арапы,
над лбом расцветивши крыло попугая.

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O rubro e branco está jogado e amarrotado,
no verde lançaram punhados de moedas,
e às mãos negras das janelas convergentes
repartiram cartas amarelas ardentes.

As alamedas e praças não estranhavam
ver os prédios com togas azuis.
E antes os fogos, como chagas amarelas,
noivavam pernas passantes com pulseiras.

A multidão, gato rápido multicor,
fluía, arqueada, empurrada pelas portas;
todos queriam arrastar, mesmo um pouco,
o mundaréu dos risos da massa fundida.

Sentido as chamativas garras da roupa,
pus-lhes nos olhos um sorriso, com medo
das batidas na lata, gargalhavam patifes,
tendo florido asa de papagaio na testa.