quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Por que a Lava Jato não deu certo


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Esta matéria da Rádio França Internacional (RFI), publicada em 20 de janeiro de 2025 e assinada por Yann Le Ny, foi intitulada (em minha tradução) “O caso Odebrecht: do escândalo de corrupção internacional ao fracasso judicial”. Ela dá uma perspectiva, a partir do exterior, de como a célebre e histórica operação “Lava Jato” não foi destruída por razões políticas, e sim por erros processuais grosseiros e por armação política da parte de Sergio Moro, o “Marreco de Maringá”, e de Deltan Dallagnol, não citado na reportagem, mas que todo mundo sabe estar implicado nas “trocas entre magistrados”. Obviamente, como os próprios colaboradores ressaltam, essa destruição abriu caminho pra que outros corruptos subissem ao poder e prevenissem a emergência um combate melhorado à corrupção sistêmica...

Além de traduzir, retirei informações redundantes pro leitor brasileiro ou lusófono (como os nomes completos dos partidos e a explicação de que “lava jato”, na verdade também chamada aqui de “lava rápido”, significa “lavagem expressa”) e acrescentei notas entre colchetes com breves recordações interessantes, correções ou explicações. Também mantive na matéria os links originais que achei pertinentes.



Neste dia 20 de janeiro de 2025, começa no Panamá o julgamento por lavagem de dinheiro e corrupção da empresa Odebrecht, no qual são citados 31 réus, incluindo ex-membros do governo. Esse escândalo, que tem origens no Brasil com a operação “Lava Jato”, afetou muitos líderes em toda a América Latina.

Tudo começou em 2014 no Brasil, com uma grande investigação liderada por Sergio Moro, um jovem magistrado que rapidamente se tornou uma personalidade no combate à corrupção. A operação “Lava Jato” (em referência a uma busca realizada num posto de gasolina no início da investigação) revelou uma vasta rede de corrupção em torno da petrolífera estatal brasileira Petrobras e de dez grandes empresas de construção, incluindo a Odebrecht.

Durante cerca de dez anos, essas empresas de obras públicas partilharam entre si contratos no momento das licitações da Petrobras e os superfaturaram. Propinas foram então pagas aos dirigentes da petrolífera e a vários partidos políticos.

Uma bomba política no Brasil – A investigação teve um efeito explosivo, num Brasil em plena crise econômica. Diversos políticos do PT, do MDB e do PSDB foram alvo da investigação. Foram citados os nomes dos presidentes Michel Temer e Lula. Aliás, Lula vai passar quase um ano e meio preso por isso. Dilma Rousseff, então presidente do Brasil, e que tinha sido presidente do conselho de administração da Petrobras de 2003 a 2010, foi reeleita por estreita margem. Seu nome não apareceu durante a operação, mas o clima político se agravou. Após as eleições, os protestos massivos contra o governo aumentaram até seu impeachment, em 2016.

Gradualmente, o escândalo da Petrobras se transformou no caso Odebrecht, quando se descobriu que a construtora tinha implantado uma vasta rede de corrupção que afetava não apenas o Brasil, mas diversos países latino-americanos. Na época, a Odebrecht (que se tornou Novonor em 2020) era um poderoso conglomerado cuja principal atividade eram obras públicas.

No Peru, todos os chefes de Estado que governaram entre 2001 e 2018 (Alan García, Alejandro Toledo, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski) foram acusados de ter recebido propina da construtora brasileira. Alan García se suicidou antes de ser preso, em 17 de abril de 2019. No Equador, o ex-presidente Rafael Correa foi condenado a oito anos de prisão por corrupção em 2020. Outras 17 pessoas receberam a mesma sentença, incluindo o ex-vice-presidente Jorge Glas. No México, Emilio Lozoya, ex-diretor da petrolífera estatal Pemex e próximo do ex-presidente Enrique Peña Nieto, foi acusado de ter recebido 10 milhões de dólares em propina.

O escândalo também afetou Angola e Moçambique, dois países africanos de língua portuguesa. Em Moçambique, a Odebrecht teria pago quase 900 mil dólares em propina entre 2011 e 2014.

Um fracasso judicial – Mas após mais de sete anos de revelações, a operação “Lava Jato” foi bruscamente interrompida em fevereiro de 2021. Em 2019, uma investigação do The Intercept [a famosa “Vaza Jato”] acusou o juiz Sergio Moro, então muito admirado por seu trabalho, e os promotores de se acordarem pra excluir Lula das eleições presidenciais de 2018, mesmo que ele estivesse liderando as pesquisas. As investigações também provocaram um sentimento antissistema que impulsionou o político de extrema-direita Jair Bolsonaro à presidência em 2018. O próprio Sergio Moro seria nomeado ministro da Justiça por um breve período em 2019 [na verdade, até abril de 2020], sob a presidência de Bolsonaro.

O uso político do caso desacreditou a investigação. Aos poucos, o trabalho judicial realizado durante a operação “Lava Jato” ruiu diante das diversas deficiências observadas. Os magistrados recorreram a numerosos acordos de colaboração com a Justiça [como a delação premiada], detenções e buscas policiais que acabaram sendo consideradas excessivas.

O papel dos EUA na operação também pesou nas dúvidas sobre a “Lava Jato”. O Departamento de Justiça americano interveio graças a sua lei chamada Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), visando práticas de corrupção no exterior. Por meio dessa lei, a Odebrecht e a Petrobras tiveram que pagar ao Departamento de Justiça americano multas que deveriam retornar ao Brasil. Os promotores brasileiros preferiram alocá-las numa fundação privada, e não no tesouro público. Ao final, essa criticada iniciativa foi barrada pelo STF, que anulou a criação da fundação em 2019.

“A forma totalmente opaca como estes atores operaram no Judiciário, com violações de regras processuais, fez com que boa parte desses processos fossem por água abaixo”, aponta Gaspard Estrada, cientista político da unidade do Sul Global da London School of Economics. Em 2023, o juiz do STF José Antonio Dias Toffoli anularia todas as provas contra o presidente Lula, declarando que sua condenação tinha sido “um dos maiores erros judiciários da história do país” [matéria da CNN Brasil]. Em 2024, também foram anuladas as provas contra Marcelo Odebrecht, ex-chefe da empresa.

Recuo das conquistas no combate à corrupção no Brasil – Para Gaspard Estrada, o balanço da operação foi negativo devido a seu impacto sobre a corrupção: “Toda essa operação Lava Jato foi um grande desperdício, porque infelizmente podemos ver claramente que ela não acabou com a corrupção, nem no Brasil nem na América latina. Indicadores da ONG Transparência Internacional comprovam: a posição do Brasil na percepção da corrupção não avançou muito desde 2014, ou seja, desde o início da operação.”

Em resposta, os parlamentares brasileiros até reverteram as conquistas na luta contra a corrupção no Brasil. Em 2019, foram introduzidas sanções mais rigorosas contra magistrados que ultrapassassem suas funções. Para a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), isso “prejudica gravemente as instituições estatais destinadas a fazer cumprir a lei e a julgar práticas criminosas e prejudica a separação de poderes e a independência do poder judicial”. Além disso, sob a presidência de Bolsonaro, os parlamentares obtiveram o direito de distribuir fundos aos beneficiários da sua escolha por meio de um mecanismo apelidado de “orçamento secreto” devido à falta de transparência. Alegou-se que tais despesas foram utilizadas em casos de corrupção.

Uma década depois, a histórica operação contra a corrupção não conseguiu criar uma elite política que consolidasse as instituições democráticas e o Estado de direito no Brasil. E é disso que reclama uma parte da população, cuja desconfiança tem crescido desde então. “Todos esses procedimentos contribuíram pra degradar o vínculo de confiança que já estava enfraquecido entre as elites políticas e econômicas e a sociedade. Isso ajudou a ruptura democrática a se reforçar ainda mais”, acrescenta Gaspard Estrada.

Os desdobramentos externos também ameaçados? – Porém, no exterior, o trabalho judicial continua, mesmo após o fim da operação brasileira. O ex-presidente peruano Alejandro Toledo foi condenado a 20 anos e seis meses de prisão em outubro de 2024. Em 2023, o Ministério Público colombiano anunciou que indiciaria 55 pessoas, incluindo o ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, por atos de corrupção na construção de uma estrada entre o centro do país e a costa caribenha. Após anos de atraso, o Panamá iniciou um megajulgamento anticorrupção em que cerca de 36 pessoas vão estar no banco dos réus. Dois presidentes, Ricardo Martinelli e Juan Carlos Varela, são citados nas investigações, acusados de terem recebido propina entre 2008 e 2014.

O fracasso brasileiro poderia atingir outros julgamentos em países latino-americanos devido ao papel central dos EUA na cooperação judicial internacional. Uma colaboração entre magistrados que ocorreu informalmente sem a ciência dos ministros responsáveis. “Isso viola o princípio da soberania judicial, cria muitos problemas processuais, de rastreabilidade das provas e, portanto, prejudica o próprio processo”, afirma Gaspard Estrada. “Penso que vai ser interessante ver como os tribunais panamenhos vão resolver esse caso no tocante à admissibilidade das provas provenientes da cooperação judicial com os Estados Unidos. Vimos que em vários países, como no México, os advogados têm usado o encerramento de processos no Brasil pra justificar o fim dos processos no México.”



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