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Desde o ano passado, quando conheci o cantor Vice Vukov, eu já queria ter legendado esta canção em homenagem ao Dia das Mães, mas não consegui achar a letra. Finalmente, achei por acaso publicada num cancioneiro croata a letra de Draga mama (Mamãe querida), a tradução croata de Mama Juanita (às vezes “Huanita”), música que fez sucesso por causa do filme mexicano Un día de vida (1950, direção de Emilio Fernández, roteiro dele e de Mauricio Magdaleno). Este filme velhíssimo, porém, ficou esquecido por décadas no México, mas fez sucesso na antiga Iugoslávia (sob o nome Jedan dan života), onde seu tema principal recebeu diversas versões em croata e até esloveno, sempre com toada mexicana. No próprio México, a mesma melodia com outra letra é mais conhecida pela canção Las mañanitas, uma tradição dos aniversários.
A história do filme e da música é muito engraçada. Trata-se de dois homens durante a Revolução Mexicana, o general Felipe Gómez e o coronel zapatista Lucio Reyes, condenado à pena de morte em 1919 por se rebelar em armas contra o assassinato do líder revolucionário Emiliano Zapata. Os dois oficiais eram dois amigos de infância, mas depois se tornaram adversários, tendo Gómez sido encarregado de fuzilar Reyes. A mãe do que está preso, única parente com quem tinha contato e que já tinha perdido outros dois filhos durante a revolução, não sabe dessa mudança na relação: “Mamá Juanita” foi interpretada por Rosaura Revueltas (1910-1996), atriz mexicana de teatro e de cinema, e também dançarina, escritora e professora. Como último pedido de Reyes, deixam que ele vá visitar a mãe, acompanhado da jornalista cubana Belén Martí, que tinha vindo acompanhar as últimas mudanças no país. A graça do filme está em que o filho canta várias canções populares pra Juanita (inclusive Las mañanitas, que ele lhe cantava em todos os seus aniversários), que não pode conter as lágrimas, assim como Belén, que se apaixona por ele. Reyes poderia escapar da morte reconhecendo o governo, mas convicto de sua fidelidade a Zapata, deve voltar à prisão, e na manhã seguinte é fuzilado, tendo seu corpo sido retirado por Juanita.
Emilio Fernández, que era conhecido como “El Indio”, dedicou Un día de vida ao escritor cubano José Martí, herói nacional, e o homenageou dando esse sobrenome a Belén e recordando várias frases suas e partes de sua vida na história. Era o enredo perfeito pras necessidades do marechal Josip Broz Tito de legitimar a ruptura de sua Iugoslávia com a União Soviética de Iosif Stalin, mas a importação acabou também gerando gosto duradouro pelo cinema e música mexicanos no país balcânico. Isso só foi possível porque, com a cisão entre os dois países, Belgrado teve de tirar repentinamente de cena a maior parte dos filmes e discos em russo. Exibido em todas as repúblicas federais desde 1952, Un día de vida é bastante emocionante e dramático, levando umas duas gerações de iugoslavos ao choro nos cinemas. Elas possivelmente se identificaram com os personagens e enredo, por terem recentemente perdido parentes e amigos na 2.ª Guerra Mundial, não raro fuzilados pelos nazifascistas.
A partir dos anos 1950, quando foi decaindo a influência soviética, começou a primeira onda musical popular do pós-guerra, que consistiu justamente na música mexicana. Mama Juanita (o “j” espanhol soa idêntico ao “h” em servo-croata), traduzida nas línguas da Iugoslávia, influenciou todo um gênero que se desenvolveu no país nas décadas de 1950 e 1960. Artistas locais inclusive gravavam canções no célebre estilo mexicano mariachi, entre eles Slavko Perović e Nevenka Arsova, e Mama Juanita foi cantada por gente tão diferente quanto Ivo Robić, Nikola Karović, Mišo Kovač e a banda Pro Arte. E pra agravar os laços, o negativo original se perdeu durante o incêndio da Cineteca Nacional no México, em 1982, e a última cópia conhecida desse filme estaria guardada na Cinemateca Iugoslava, ou Arquivos do Filme Iugoslavo (Jugoslovenska kinoteka). A instituição até hoje funciona em Belgrado, hoje capital da Sérvia, mas embora possa ser de alto interesse dos mexicanos, é quase impossível conseguir uma cópia individual.
É sintomático que nas Wikipédias não haja nenhum artigo sobre o filme ou a música, nem em inglês e espanhol, nem mesmo numa das línguas da antiga Iugoslávia. Na Wikipédia, achei o artigo “Serbian pop” em inglês, os artigos sobre os cantores citados em servo-croata e os artigos sobre o mariachi nas duas línguas. Em blogs isolados que tive de caçar pelo Google há postagens em inglês e espanhol sobre Un día de vida e Mama Juanita, como a do “In Dreams”, com várias fotos e cartazes mexicanos e iugoslavos da época, e do “Hemeroteca” (em espanhol), que por sua vez copiou de outra fonte. Nas páginas 154 e 155 de Modern Mexican Culture: Critical Foundations, editado por Stuart A. Day e do qual achei alguns trechos no Google Livros, há também algumas informações sobre o filme.
A primeira montagem abaixo, com áudio de Vice Vukov, é um lindo trabalho com pinturas francesas e europeias, e eu apenas baixei pra pôr as legendas traduzidas. A segunda montagem, que eu mesmo fiz, tem o primeiro áudio da dupla croata Kraljevi ulice (“Os reis da rua”), gravado em 1994, e o segundo áudio do Trio Tividi, que gravou em 1961, bem quando vigorava a moda, e por isso a produção é menos dinâmica. Todos esses cantores são croatas, então posso dizer que traduzi a letra direto do croata, mas o texto-base que achei tem várias diferenças com todas as versões cantadas que encontrei. Segundo pude apurar, a canção mexicana tem autoria de Antonio Díaz Conde, enquanto o tradutor pro servo-croata foi Mario Kinel. Seguem abaixo as duas legendagens, as três letras em croata e suas traduções em português. Vejam o segundo vídeo duas vezes, lendo uma legenda de cada vez:
1. Nek’ putem sad tvoga života
Pripjev (2x):
2. Zaboravi majčice brige,
(Pripjev 2x)
Pripjev:
2. Zaboravi majčice brige,
(Pripjev) 3. Još jednom čestitamo sada
(Pripjev)
Pripjev:
2. Zaboravi majčice brige,
(Pripjev) 3. Još jednom čestitamo sada
(Pripjev) |
1. Que agora no curso de sua vida
Refrão (2x):
2. Mãezinha, esqueça as aflições,
(Refrão 2x)
Refrão:
2. Mãezinha, esqueça as aflições
(Refrão) 3. Agora felicitamos mais uma vez
(Refrão)
Refrão:
2. Mãezinha, esqueça as aflições
(Refrão) 3. Agora felicitamos mais uma vez
(Refrão) |
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