sábado, 15 de fevereiro de 2025

A interlíngua NÃO É pan-românica!


Endereço curto: fishuk.cc/iala-romanica

Um canal de curiosidades gerais com pouca identificação, mas razoável número de inscritos, publicou este vídeo short no YouTube sobre a interlíngua, e boa parte de seu conteúdo é basicamente a reprodução de um vídeo de Carlos Valcárcel sobre a compreensão imediata do idioma. Como não tenho canal próprio pra comentar, resolvi lhe escrever um e-mail no endereço que é oferecido, e ainda aguardo a resposta. Dado o interesse que as reflexões podem representar, após ter sido inspirado por este outro vídeo dizendo que o verdadeiro idioma pan-românico é o recém-surgido “neolatino”, e não a “interlíngua da IALA”, resolvi reproduzir a carta aqui, com poucas edições.



Após criar o mundo, Thomas Breinstrup tirou essa foto e não a trocou mais!


Meu nome é Erick, sou historiador e membro da União Brasileira Pró-Interlíngua (UBI) desde 2021, embora eu não pertença à atual diretoria. Encontrei por acaso no Google e assisti a seu short de dez meses atrás sobre a interlíngua, a qual você apresenta muito bem e com o merecimento de meus parabéns. Porém, você não forneceu informações adicionais nem na descrição do vídeo, nem no vídeo em si, e vários visitantes fizeram comentários bastante confusos. Ora acharam que era uma “mistura” de idiomas românicos, ora citaram (com justeza) o esperanto, ora justamente disseram que não encontraram material de aprendizado, o que não se justifica, dada a relativa abundância de materiais em diversos idiomas. Desta forma, resolvi lhe mandar esta cartinha para fazer alguns esclarecimentos, mas em meu nome, e não da UBI. E o faço por aqui porque uso o YouTube com meu perfil do Google, e não com um canal, portanto, não consigo deixar comentários por lá.

Em 2000 (mas com mais fôlego a partir de 2002), comecei a aprender esperanto, e em 2009, a interlíngua, ou “interlíngua da IALA”, como se costuma chamá-la, para não confundir com projetos semelhantes ou com o próprio conceito de “interlíngua” dentro das pesquisas em aprendizagem de idiomas. Agradeço por ter divulgado o trecho de um dos vídeos de nosso amigo Carlos Valcárcel, professor universitário galego e um dos maiores propagandistas atuais da interlíngua! Devido a sua facilidade e à ampla disponibilidade de material, aprendi ambos os idiomas sozinhos... Tais idiomas, por terem sido concebidos segundo um plano determinado, embora possam ocasionalmente evoluir em alguns aspectos, costumam ser chamados “auxlangs“ ou “conlangs“.

O primeiro termo se refere especificamente a idiomas como o esperanto e a interlíngua (ou o volapuque do século 19), que em tese seriam “línguas auxiliares” com o objetivo de facilitar a comunicação internacional sem o intermédio do idioma de um país específico. O segundo se refere apenas à natureza “construída”, independentemente de seu objetivo, como as línguas élficas e o klingon, usados em filmes de ficção. Não gostamos do termo “língua artificial”, muito usado até a década de 2000, porque mesmo nas atuais línguas “naturais” há elementos “artificiais”, criados deliberadamente por elites literárias e acadêmicas. O próprio hebraico moderno, cuja versão antiga era limitada à atividade religiosa, foi “reconstruído” para ser usado como idioma do movimento sionista e, mais tarde, do Estado de Israel.

Além disso, dado que seus criadores um dia saem de cena, as “auxlangs” também criam “vida própria” nas mãos de seus usuários, como é o caso do esperanto, que em quase 130 anos de existência incorporou novas palavras da modernidade. Assim, tanto a UEA (Associação Universal de Esperanto) e, em menor grau, a UMI (União Mundial Pro Interlingua) têm institutos que zelam pela manutenção de alguma unidade linguística e pela incorporação disciplinada de vocabulário novo.

Finalmente, ao contrário do que pensaram alguns internautas, a interlíngua não é nem foi designada para ser uma espécie de “idioma pan-românico”. Tais idiomas são chamados geralmente de “auxlangs zonais” e costumam ser muito mais rigorosos quanto à representatividade de todos os idiomas de um ramo, ou ao menos dos mais representativos, favorecendo, sobretudo, a compreensão imediata em detrimento do aprendizado rápido (o inverso do esperanto). No caso das românicas, já existe o neolatino, embora ainda seja pouco divulgado, e entre as línguas eslavas, o intereslavo já está em processo mais acelerado de codificação e difusão. A interlíngua foi concebida como uma espécie de “língua internacional” da cultura, da ciência e da diplomacia, por isso, tirando seus elementos das línguas nacionais mais utilizadas no Ocidente, e não criando muitos elementos ao acaso (que é o caso do esperanto).

Lembremos que no início da década de 1950, o conceito de “internacional” se limitava às Américas, à Europa Ocidental e alguns pontos ao redor do mundo bastante europeizados. Mesmo assim, se levarmos em conta que, de fato, poucas pessoas de uma comunidade realmente têm contatos internacionais, e que tanto o inglês quanto o espanhol e o francês são extremamente difundidos no mundo todo, a interlíngua ainda tem grande utilidade. Hoje, nem nós acreditamos que “apenas um idioma”, seja nacional ou construído, possa ser a “única língua universal” que transponha a barreira da incompreensão; preferimos pensar em meios que, por exemplo, poupem recursos com tradução e possam estar à livre disposição de qualquer um que se interesse numa “introdução geral” às línguas euro-ocidentais.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe suas impressões, mas não perca a gentileza nem o senso de utilidade! Tomo a liberdade de apagar comentários mentirosos, xenofóbicos, fora do tema ou cujo objetivo é me ofender pessoalmente.