Achei interessante este artigo escrito por Anoushka Notaras e publicado em 9 de maio de 2025 na seção “Connaissances” do portal da Rádio França Internacional (RFI). Em português, o título ficaria “Guerra convencional, total, assimétrica, híbrida ou informacional: do que estamos falando?”, e traduzi usando o Google e depois cotejei com o original francês, fazendo leves adaptações. Dedico a meus leitores nerds em geopolítica e àqueles que agora precisam achar um uso prático pra bomba atômica feita em casa, rs:

A guerra é um fenômeno tão antigo quanto a humanidade. Desde os primeiros confrontos tribais até os conflitos contemporâneos, os homens desenvolveram estratégias de guerra e as foram adaptando de acordo com as transformações geopolíticas e sociais, aproveitando os avanços técnicos. Da Antiguidade e das conquistas de Alexandre, o Grande, às campanhas napoleônicas, das guerras mundiais do século 20 aos conflitos atuais, todas as formas de guerra foram exploradas. Aqui está uma visão geral, em treze palavras-chave.
Guerra convencional e não convencional – A guerra convencional, ou guerra regular, é um conflito armado entre forças regulares (infantaria, blindados, força aérea, marinha) de dois ou mais Estados que se opõem de acordo com regras estabelecidas (direito da guerra) usando armas convencionais (não nucleares, cibernéticas, de destruição em massa, biológicas ou químicas). Seus objetivos são enfraquecer, neutralizar ou derrotar o inimigo para obter um ganho territorial, político ou estratégico.
A guerra não convencional, ou guerra irregular, se refere a uma ampla gama de operações conduzidas usando métodos de enfrentamento diferentes dos da guerra convencional: guerrilhas, guerras cibernéticas, terrorismo, ações clandestinas ou apoio a grupos armados. Seus objetivos são desestabilizar ou controlar o inimigo sem necessariamente recorrer ao conflito direto.
Guerra total/guerra de alta intensidade – A guerra total é um conflito armado no qual todos os recursos militares, econômicos e humanos de uma nação são mobilizados. Não há mais distinção entre combatentes e civis, transformando toda a população num alvo. A propaganda pode ser usada pra obter apoio.
Seu objetivo é derrotar o inimigo e obter sua rendição destruindo todas as suas alavancas de resistência: seus recursos militares, mas também sua economia e sua infraestrutura. A Primeira e a Segunda Guerra Mundiais são exemplos disso.
No contexto atual de tensões geopolíticas e ameaças armadas, fala-se cada vez mais em guerra de alta intensidade. Ela consiste no emprego massivo de armas convencionais de alta intensidade, contando com a sofisticação tecnológica dos equipamentos com o objetivo de atingir a máxima letalidade num espaço e duração limitados. A França, por exemplo, integrou essa tipologia de guerra na nova lei de programação militar pra 2024-2030.
Guerra preventiva/guerra preemptiva – A guerra preventiva refere-se à ação militar tomada por um Estado para neutralizar uma ameaça de médio ou longo prazo antes que ela se materialize. Ela se distingue da guerra preemptiva, que responde a uma ameaça iminente e certa.
Seu objetivo [guerra preventiva] é manter uma posição de superioridade e impedir que o adversário adquira poder de ação ou capacidades militares suscetíveis de alterar o equilíbrio de poder. Ao contrário da legítima defesa, essa forma de antecipação estratégica é juridicamente controversa porque é considerada especulativa.
A invasão do Iraque em 2003, ordenada pelo governo Bush para “livrar o Iraque das armas de destruição em massa” sob a cobertura das resoluções 678 e 687 da ONU, é um exemplo de guerra preventiva.
Guerra assimétrica – Refere-se a um conflito entre beligerantes de força desigual: de um lado, o exército regular de um Estado, e do outro, um adversário geralmente mais fraco que usa táticas não convencionais, como guerrilha ou terrorismo. O objetivo do mais fraco é vencer por meio do desgaste e da desestabilização política e psicológica do adversário. Exemplos incluem as táticas do Viet Cong contra o exército americano durante a Guerra do Vietnã (1955-1975), a insurreição dos Talibã no Afeganistão (2001-2021) ou ainda o combate ao Daesh [vulgo Estado Islâmico].
Guerra híbrida – Refere-se a uma estratégia militar e política que combina meios militares convencionais (exércitos regulares) com meios não convencionais (ciberataques, espionagem, uso de mercenários, desinformação, pressões econômicas ou diplomáticas).
Sua natureza multifacetada, flexível e sofisticada permite ao agressor dar uma resposta adaptada aos objetivos do momento mantendo a ambiguidade quanto à sua responsabilidade direta e, assim, escapar de represálias internacionais.
Ao semear confusão no processo de tomada de decisão do adversário, a guerra híbrida possibilita adquirir vantagens geopolíticas significativas a um custo limitado. A anexação da Crimeia pela Rússia em 2014 e suas intervenções no Donbás são exemplos disso.
Ciberguerra (guerra cibernética) – Refere-se a ações defensivas e ofensivas realizadas por um ator estatal ou não estatal no espaço digital (internet, sistemas informáticos e dispositivos eletrônicos). Seu objetivo é espionar, manipular, roubar ou hackear dados confidenciais de um adversário para enfraquecer ou paralisar sua infraestrutura crítica (energia, transporte, finanças, saúde, comunicação).
Exemplos incluem o Stuxnet , vírus de computador que desativou as centrífugas nucleares do Irã em 2010, e os ataques russos à rede americana Starlink, que possibilita aos ucranianos acessarem a internet. A ciberguerra também pode matar, como aconteceu com uma paciente após o ciberataque a um hospital na Alemanha em 2020.
Guerra por procuração (proxy war) – Refere-se a um conflito no qual pelo menos dois Estados ou potências externas se opõem indiretamente, sem comprometer suas próprias forças militares, fornecendo apoio aos beligerantes envolvidos no terreno (financiamento, armas, inteligência, assistência, treinamento).
Ao fazer isso, essas potências buscam preservar seus interesses estratégicos, expandir sua influência geopolítica, enfraquecer o adversário e evitar o risco de conflito direto.
É o caso da guerra civil na Síria (desde 2011) na qual Rússia, EUA, Irã e outros países estão envolvidos, e da guerra no Iêmen (desde 2014), que opõe o governo no poder, apoiado pela Arábia Saudita e seus aliados, e os rebeldes hutis, apoiados pelo Irã.
Guerrilha e guerra contrainsurrecional – A guerrilha, também conhecida como “pequena guerra”, remete à revolta popular espanhola contra as forças de ocupação napoleônicas de 1808 a 1812. É uma forma de guerra assimétrica, essencialmente política, travada por grupos armados irregulares e móveis – rebeldes, guerrilheiros [partisans] ou civis armados – contra um exército regular mais poderoso. Para compensar sua inferioridade material, seus combatentes usam táticas de desestabilização, ataques surpresa, emboscadas, sabotagem e desgaste, contando com um profundo conhecimento do terreno e com o apoio de uma parte da população.
Embora as guerrilhas tenham assumido várias formas ao longo da história (revolucionárias com Mao na China ou Castro em Cuba, independentistas com o Viet Cong vietnamita ou a FLN argelina, étnicas com os curdos no Oriente Médio ou os tâmeis no Sri Lanka), elas evoluíram hoje consideravelmente ao se adaptar à globalização e às novas tecnologias.
A guerra contrainsurrecional se refere às ações militares, políticas, econômicas e psicológicas realizadas por um Estado contra movimentos insurrecionais armados pra defender ou preservar sua autoridade.
Guerra tecnológica – A guerra tecnológica é travada tanto no domínio militar quanto no civil. Refere-se à competição entre Estados ou atores não estatais pra adquirir ou manter sua superioridade e autonomia no campo das tecnologias com forte impacto estratégico nos setores econômico e geopolítico: IA, cibersegurança, semicondutores, telecomunicações, infraestruturas digitais, gestão de dados etc. Ela exige investimentos massivos em pesquisa e desenvolvimento, políticas econômicas protecionistas ou mesmo espionagem industrial.
Os rápidos desenvolvimentos nessas tecnologias de ponta têm consequências diretas nos métodos e meios de guerra, como o uso de sistemas automatizados (drones autônomos, ciberataques, robôs) pra reduzir a exposição dos combatentes, lançar ataques cirúrgicos ou mesmo controlar o espaço eletrônico e as infraestruturas digitais.
Embora as guerras tecnológicas estejam redefinindo as relações globais de poder, elas também apresentam, sobretudo, novos desafios éticos, humanitários e legais.
“Zona cinzenta” (gray zone) – Em geopolítica, a “zona cinzenta” se refere a uma área na qual o controle do Estado soberano é enfraquecido ou ausente, deixando espaço pra micropoderes alternativos, desregulação social e ambiguidade legal. As ações hostis aí realizadas se enquadram no conceito de guerra híbrida (ciberataques, desinformação, pressões econômicas, presença militar disfarçada) e visam enfraquecer o adversário, mas evitando conflitos abertos.
A região do Kivu, no leste da República Democrática do Congo, onde grupos armados lutam pelo controle dos recursos minerais, é um exemplo. Ou o norte do Kosovo, onde a autoridade kosovar é contestada pela minoria sérvia, gerando uma situação de autoridades concorrentes e desregulação social.
Guerra informacional – Refere-se ao uso estratégico da informação e de tecnologias de comunicação pra infligir danos ou obter vantagem sobre um adversário. No contexto geopolítico, ela é utilizada principalmente na internet e nas redes sociais e visa influenciar ou manipular a opinião pública semeando dúvida e discórdia (desinformação, propaganda), desestabilizar as instituições ou destruir sistemas de informação (hackeamento informático).
Podemos citar o exemplo dos americanos que espalharam informações falsas sobre a presença de armas químicas no Iraque pra convencer a opinião mundial da legitimidade da segunda Guerra do Golfo, em 2003. Ou o caso da Rússia, acusada de interferir na eleição presidencial americana em 2016, por meio de campanhas no Facebook e no Twitter.
Guerra comercial – Refere-se ao confronto econômico entre países que impõem mutuamente medidas restritivas a suas trocas comerciais visando proteger seus respectivos interesses e dominar o mercado global. Essas medidas, que fazem parte de uma política protecionista, concernem principalmente a tarifas alfandegárias e cotas de exportação.
A guerra comercial entre os EUA e a China entre 2018 e 2020, durante o primeiro mandato de Donald Trump, atingiu uma escalada total em abril de 2025, quando o republicano, de volta à Casa Branca, impôs uma tarifa de 145% sobre produtos chineses importados pros EUA, à qual Pequim respondeu com uma tarifa de 125% sobre produtos americanos importados pra China. Diante das múltiplas consequências desse conflito (interrupção do comércio global, penalização de empresas, aumento de preços pros consumidores), foi anunciada uma trégua de 90 dias pelas duas maiores potências econômicas globais em 12 de maio de 2025, acompanhada de uma redução em suas respectivas tarifas. Mas o braço-de-ferro não acabou, e se essas batalhas visam manter ou adquirir predominância econômica, elas atendem plenamente aos desígnios geopolíticos das partes envolvidas.

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