domingo, 16 de setembro de 2018

Julio Iglesias: Un canto a Galicia (1972)


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Um dos meus cantores preferidos, Julio Iglesias gravou em 1972 Un canto a Galicia (Um canto/Uma canção à Galiza), na língua galega e de sua própria autoria, como seu primeiro sucesso internacional. Julio José Iglesias de la Cueva honrou suas origens cantando no idioma nativo da região mais pobre da Espanha, muito próximo do português. As duas línguas mesmas fazem parte de uma mesma sub-ramificação dos idiomas ibero-românicos, que é a galego-portuguesa. Isto era um único idioma até o meio da Idade Média, e então se dividiu em dois, sobretudo com a precoce formação do Estado português (1140).

O cantor nasceu em Madrid, em 1942, e seu pai, Julio Iglesias Puga (“Iglesias” é o sobrenome paterno de ambos), que viveu entre 1915 e 2005, nasceu na cidade galega de Ourense, capital da província de mesmo nome (a Galiza, como um todo, é considerada “comunidade autônoma”). A mãe do cantor era filha de um jornalista andaluz e de uma porto-riquenha, quando a ilha ainda pertencia à Espanha. Quando jovem, jogou pelo Real Madrid e estudou Direito, mas teve a carreira e a faculdade interrompidas por um grave acidente de carro em 1962. Durante o tratamento, aprendeu a tocar violão, e sabemos no que isso foi dar (curiosamente, retomou estudos de Direito nos anos 90). Tinha começado a carreira em 1968 e já alcançado a fama em 1970-71.

Un canto a Galicia ocupou o primeiro lugar nas paradas da Espanha, vários países da América Latina e na Holanda, França e Bélgica, além da posição 12 na Alemanha Ocidental (onde ganhou a versão Wenn Ein Schiff Vorüberfährt) e espaço de destaque na África do Norte e Oriente Médio. Gravado inicialmente em compacto, entrou também no disco Suspiros de España, de Manolo Escobar, em dueto com Iglesias. O astro também a incluiu em outras coletâneas e cantou também em italiano e português (Um canto a minha terra). Não sendo a língua materna do Julio, o texto foge um pouco do padrão culto, a começar pela peculiar pronúncia de pai e nai como pae e nae. Além disso, a forma normal de de esos (desses) é deses, bem como soidade é mais empregado que saudade. Uma grande polêmica rodeia leixos (longe): variante regional, nenhum dicionário oficial a registra, e ela quase não aparece nos corpora da língua. Uma espécie de cognata evolutiva do espanhol lejos, é por isso reputada “castelhanismo” e substituída por lonxe, em raros registros aparecendo a forma híbrida lexos.

Pelo que parece, Julio Iglesias “corrigiu” esses pontos em gravações posteriores. Esta matéria em espanhol do jornal La Voz de Galicia tem um relato interessante do dia em que ele estreou a música em público. Na internet, só aparecem as letras “corrigidas”, mas consegui achar o texto mais fiel ao aúdio no livro Writing Galicia into the World: New Cartographies, New Poetics, de Kirsty Hooper (Liverpool, Liverpool University Press, 2011), p. 54, disponível no Google Livros. A autora destaca o vínculo da canção com o sentimento de nostalgia da vasta imigração galega pelo mundo, mas outros analistas contrastam essa melancolia com a vivacidade do ritmo, ao menos nesta gravação. Pra piorar, há uma polêmica sobre se o galego é ou não idioma separado do português, tanto que há falantes que usam uma versão muito mais próxima deste, apenas com algumas alterações morfológicas. É meio o caso do polonês e do cachubo, este tido como dialeto do primeiro. Mas a variante mais comum tem fonética semelhante à espanhola e usa a ortografia do espanhol, que é o caso de Un canto a Galicia.

Julio Iglesias sempre destacou que a Galiza lhe é muito querida, e não raro lhe dedica esta música quando se apresenta. Eu mesmo traduzi e legendei, fazendo uma legenda bilíngue galego (em cima) e português (embaixo). Nesta página pode ser lida a letra alterada, gravada anos depois, mas seguem abaixo a legendagem carregada no meu canal Eslavo (YouTube), o texto do áudio e a tradução em português:



Eu quéroche tanto,
E aínda non o sabes...
Eu quéroche tanto,
Terra do meu pai.

Quero as túas ribeiras
Que me fan lembrare
Os teus ollos tristes
Que fan me chorare.

Un canto a Galicia, hey,
Terra do meu pai.
Un canto a Galicia, hey,
Miña terra nai.

Teño morriña, hey,
Teño saudade,
Porque estou leixos
De esos teus lares.

Teño morriña, teño saudade,
Porque estou leixos de esos teus lares
De esos teus lares, de esos teus lares,
¡Teño morriña! ¡Teño saudade!

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Eu amo tanto você,
E você ainda não sabe...
Eu amo tanto você,
Terra do meu pai.

Amo os seus riozinhos
Que me fazem recordar
Os seus olhos tristes
Que me fazem chorar.

Uma canção à Galiza, ei,
Terra do meu pai.
Uma canção à Galiza, ei,
Minha terra-mãe.

Eu sinto falta, ei,
Tenho saudade,
Porque estou longe
Dessas suas casas.

Eu sinto falta, tenho saudade,
Porque estou longe dessas suas casas.
Dessas suas casas, dessas suas casas,
Eu sinto falta! Tenho saudade!