domingo, 7 de dezembro de 2025

Pra assessor de Putin, capivara inexistia


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Em seu boletim semanal ironicamente chamado Notícias Terríveis, o editor-chefe da Novaya Gazeta Evropa (exilada em Riga, capital da Letônia), Kirill Martynov, sumariza informações sobre os crimes de guerra da Rússia na Ucrânia, a escalada da repressão no próprio país natal e, pra dar alguma leveza, curiosidades mais ou menos ligadas à reconfiguração belicista do Estado moscovita e que beiram o ridículo. Uma dessas que publiquei há alguns dias foi a presidente do Senado russo, Valentina Matvienko, dizendo que a ajuda humanitária à URSS durante seu colapso, sobretudo a distribuição das famosas “coxinhas de Bush”, foi parte de uma “guerra híbrida” contra a perdedora da “guerra fria”. Matvienko é a mesma que há quase dois anos propôs a criação de um “Ministério da Felicidade”, imitando a iniciativa (fracassada) do Butão.

Desta vez foi o historiador Vladimir Medinski, assessor pessoal de Putler e presente em negociações diretas com a Ucrânia (nas quais, pelo nível da delegação de Kyiv, deviam estar no mínimo o próprio ditador ou o sumido Sergei Lavrov, ministro do Exterior), que passou ridículo até mesmo na agência oficial TASS e na agência privada RBC, que só segue o fluxo porque não tem alternativa. Segundo as manchetes, ele assumiu que até sua filha lhe mostrar fotos da internet, pensava que as capivaras eram bichinhos fofos criados como personagens fictícios, ao modo da “Cheburashka” soviética ou dos atuais “labubus” chineses. A diretora do Zoológico de Moscou não deu ponto sem nó e aproveitou a deixa pra dar aquela chupada de saco no poder, convidando Medinski pra um “passeio didático” junto às capivaras!

Realmente, não fosse talvez a própria margem que a imprensa amordaçada se dá pra zombar levemente do regime terrorista, seria uma “não notícia” que no máximo passaria pros livros de memórias a serem fuçados por historiadores do futuro e sem grande interesse geral. Os putinistas bananeiros da blogosfera lulaminion certamente vão me condenar por estar zoando de uma “curiosidade intelectual legítima”, que poderia ocorrer com qualquer pessoa longe de um continente com animais desconhecidos. Mas se fosse um político de direita ou extrema-direita, a começar pelo presidiário Jair Messias, ou o governante de uma democracia ocidental, ah, sem dúvida que a ex-querdalha hipócrita ia se refastelar!

Medinski não é apenas um capacho do Kremlin, mas um verdadeiro ideólogo da deturpação histórica realizada em prol do “mundo ruSSo” neste primeiro quarto de século. Até mesmo historiadores sérios já fizeram longos requisitórios condenando seu nacionalismo radical e apontando erros em sua própria tese de doutorado. Ele já apareceu por aqui, quando abordei sobre os novos manuais escolares de História que louvavam Putler (não faltando, claro, espaços com citações do Grande Líder), mentiam sobre a agressão à Ucrânia e apresentavam mapas como se as quatro regiões ilegalmente invadidas (mais a Crimeia) já integrassem inteiras o Império. Sobre a Cheburashka, apelidada de “Mickey soviético”, eu também já trouxe um vídeo em que Denis Morokhin mostra que a economia era tão mal planejada que faltava até esse bichinho preferido das crianças.

A situação, certamente edulcorando a dura realidade da anexação imperialista assassina e o grande GULAG a céu aberto em que está de novo se transformando o país, também foi lembrada em memes como este, após o qual seguem as respectivas matérias da TASS e da RBC:



(Medinski) “Isso é uma capivara?”


Medinski falou sobre sua experiência de conhecer capivaras – O assessor do presidente da Rússia confidenciou que até recentemente não sabia que se tratava de animais de verdade.

Vladimir Medinski, assessor do presidente da Federação Russa e presidente da Sociedade Histórico-Militar da Rússia, contou à Agência TASS sobre sua experiência em conhecer capivaras, observando que até recentemente não sabia que eram animais de verdade.

“Antes eu pensava que a capivara era um bicho de pelúcia, algo peludinho [mokhnátoie] como a Cheburashka. Mas recentemente descobri que a capivara é um animal. Minha filha me esclareceu e me mostrou fotos”, confidenciou.

Ele disse que agora está planejando conhecer capivaras pessoalmente. “Por isso, ela e eu vamos agora fazer um passeio pra ver capivaras”, anunciou Medinski.

“Vivendo e aprendendo”, concluiu. [Essa frase consiste no ditado russo “Vek zhiví, vek uchís”, lieralmente “viva um século, aprenda um século”, que tem o mesmo sentido e se costuma traduzir como fiz acima. O Google também deu a curiosa tradução “Aprender com a experiência”.]


O Zoológico de Moscou convidou Medinski pra conhecer as capivaras

A diretora do Zoológico de Moscou, Svetlana Akulova, demonstrou interesse no desejo do assessor presidencial Vladimir Medinski de aprender mais sobre capivaras e convidou o político pra visitar o zoológico pessoalmente.

“Teríamos o maior prazer em lhe apresentar essas mesmas capivaras, lhe mostrar outros animais incríveis e simplesmente passar um ótimo momento juntos”, escreveu Akulova em seu canal no Telegram.

A diretora do zoológico também compartilhou a história de como conheceu Medinski: foi no Museu de História Militar da Sociedade Histórico-Militar da Rússia, instituição cujo presidente é Medinski.

“E como é ótimo quando nós, adultos, continuamos aprendendo e descobrindo mundos inteiros”, observou Akulova.


Achei fofo como Kirill Martynov terminou aquela edição das Notícias Terríveis, portanto, estou traduzindo a fala final dele após a “notícia” sobre Medinski e a “kapibara” (como a palavra entrou na língua russa). Onde diacho será que ele achou esse boneco de pelúcia?...

“Queria dizer a Medinski: as capivaras existem, existem capivaras, entende? São uma parte importante da fauna em geral. Na real, gaste mais tempo em autoaprendizagem, gaste menos tempo legitimando guerras agressivas. Embora isso talvez já não o ajude. Né, capivara?”


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