terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

A mãe do caçula de Lukashenka


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Certa vez, brinquei com uma amiga belarussa chamando Aliaksandr Lukashenka de “bátska” (algo como “papai”, “painho”, equivalente ao russo “bátko”), que é como o gado dele, seus apoiadores e a propaganda oficial em Belarus o chamam. Ela me respondeu rispidamente, sem perder o afeto: “Ninguém o chama de batska, afinal ele não é pai de ninguém. Aqui, nós o chamamos de dyktátar mesmo.” Sim, “ditador”, como ele mesmo várias vezes assumiu descaradamente ser.

E como todo ditador, incluindo Putin, sua vida privada, especialmente a familiar, é mantida no mais rígido sigilo, sem a preocupação de passar a imagem de “família nuclear cristã tradicional” (embora, ao contrário da Rússia, a religião não seja necessariamente uma coluna da ditadura de Lukashenka) que eles tentam impor ao vulgo. E também como todo ditador, incluindo novamente Putin, e mais uma vez em contraste com a rigidez moral que se pretende passar, as puladas de cerca são recorrentes, sem a mínima necessidade de prestar contas às esposas oficiais.

Caso você não saiba, foi descoberta uma suposta filha do inquilino do Kremlin nascida em 2003, Elizavéta (Liza) Krivonógikh, do sobrenome da mãe, Svetlána, ex-faxineira, formada em Economia e acionista do banco Rossía, não por acaso, administrado por um amigo de Putin. Também conhecida nas redes como Luíza Rózova, estaria vivendo em Paris sob o nome Elizaveta Rudnóva, sobrenome emprestado a mais um próximo do ditador, já falecido. A semelhança visual com o jovem de cara lambida espantou a todos, mas quando sua possível paternidade se tornou pública, ela começou a esconder o rosto, apagar as fotos da cara e, enfim, fechou os perfis. Tire você mesmo as conclusões sobre ambas...






No caso de Lukashenka, a coisa é mais complexa. Oficialmente, ele se casou com a pedagoga Halína Zhauniaróvich (nome de solteira) em 1975 e ela ocupa, portanto, o cargo de primeira-dama de Belarus. Seus dois filhos, Víktar e Dzmítry, têm alguma relação direta ou indireta com a política estatal, sendo Víktar, por exemplo, acusado de colaborar na cruenta repressão às manifestações de 2020. Porém, desde 1994 (ou seja, quando o ditador foi democraticamente eleito e tomou posse), e apesar de jamais se ter anunciado publicamente o divórcio, eles não vivem juntos, e também juntos quase não são vistos em eventos públicos, preferindo o ditador participar deles como se fosse solteiro. Assim como o suserano do Leste...

Porém, há muitos anos, Lukashenka aparece acompanhado de um menino loiro e elegante, posando como “filho”, e atualmente ele está muito alto e bastante atlético, embora também seja discreto nas redes sociais e praticamente não dê entrevistas. Trata-se de Mikalái Lukashenka (em russo, seria “Nikolái”, por isso também é chamado de “Kólia”), nascido em 2004 de uma suposta relação extraconjugal com Irýna Abélskaia, pediatra, endocrinóloga e sua ex-médica pessoal (pensou na semelhança com algum Gaddafi?...) que tinha assumido o posto em 1994. Ela também raramente aparece ao lado de qualquer um dos varões, embora leve igualmente uma vida de luxo, tal como a “oficial” do ditador e a ex de Putin.

Segue abaixo a tradução de três fontes, as quais misturei e privei de repetições, sobre a biografia de Abelskaia, o “aparecimento” de Mikalai e sua relação com Lukashenka, a começar pela própria Wikipédia em russo. Também me vali de um artigo assinado por Anna Konakova pro portal 24SMI e de um artigo (versão em russo) assinado por Katsiaryna Hardzeieva pro portal belarusso de oposição Nasha Niva. Quando achei importante, também adicionei precisões por conta própria, e sempre que possível, transliterei os nomes próprios conforme sua versão em belarusso, e não em russo.



Num dos perfis ativos de Mikalai, esta última atualização antiga na comemoração do Dia da Vitória contra os nazistas recebeu um comentário mais ou menos recente: “O filho é digno do pai e da mãe que tem.” Outro, cujo nome de usuário curiosamente significa em belarusso “A ditadura vai ruir”, responde: “As p*tas vão parar na cadeia.”


De nome completo Irýna Stsiapánauna Abélskaia, nasceu em Brest em 6 de setembro de 1965. Com doutorado em Medicina, de 2001 a 2007, e novamente desde 2009, é médica-chefe do Centro Médico Republicano da Administração Presidencial da República de Belarus. Sua nomeação aos 36 anos pro cargo foi considerada fulgurante, pois esse centro, desde os tempos soviéticos, tratava tradicionalmente de altos funcionários, políticos, artistas, atores e cientistas. Sua mãe, Liudmýla Postoiálko, nascida na província ucraniana de Poltava, foi ministra da Saúde de Belarus de 2002 a 2005, e sua fulgurante ascensão é atribuída por muitos justamente à carreira da filha. No final de 2005, Postoialko deixou o ministério por estar gravemente doente com câncer, mas curiosamente manteve a cadeira no Conselho da República, câmara alta do parlamento, até sua morte, em 2007. Não surpreende que Abelskaia seria eleita pro mesmo conselho em 2024: seus membros são escolhidos indiretamente pelos órgãos locais ou, numa cota de oito membros, nomeados diretamente pelo presidente.

De 1994 a 2001, Abelskaia trabalhou como médica no hospital da direção central de um dos complexos médicos da administração presidencial e, ao mesmo tempo, como médica pessoal de Lukashenka. Com o estabelecimento do cargo de preisdente de Belarus, que substituía o de presidente do antigo Soviete Supremo, decidiram também lhe guarnecer de um médico pessoal, e a Administração Presidencial decidiu (sabe-se lá por que critérios) que o perfil ideal pro cargo seria uma mulher divorciada, mas sem companheiro, com cerca de 30 anos, boa aparência (!) e mãe de uma criança, de preferência menino. Após busca em todas as clínicas da capital Minsk, a escolha recaiu sobre Abelskaia. No outono de 1994, ela foi transferida com urgência pra trabalhar na comissão médica e foi designada pra equipe do departamento de endocrinologia como médica de categoria superior. Ela quase nunca aparecia na clínica, mas desde então começou a acompanhar sempre o futuro ditador por todo lado.

Abelskaia era frequentemente vista ao lado de Lukashenka, mesmo durante viagens internacionais, e aos poucos começou a ser considerada uma das mulheres mais próximas dele. Assim, o administrador da Presidência de Belarus, Iván Tsitsiankóu, embora formalmente superior à médica, recordou que “transmitia através de Irýna Stsiapánauna” as demandas feitas ao presidente. Que ela era responsável não só pela saúde do ditador ficou claro durante sua primeira e única visita oficial à França, em 1996. Violando todos os cânones diplomáticos, Lukashenka ordenou que o ministro do Exterior belarusso fosse tirado de seu quarto pra que Abelskaia se deslocasse pra lá: o quarto ficava ao lado do quarto do próprio Lukashenka. Depois disso, ninguém ficou surpreso quando soube que ela tinha se mudado pra residência presidencial em Drazdý, distrito de elite em Minsk onde vivem funcionários do governo e pessoas intimamente ligadas ao ditador.

Enquanto estava na faculdade, Abelskaia conheceu seu futuro marido, Iauhén Abélski. Logo depois, se casaram e tiveram o filho Dzmitry Abelski. No entanto, logo se divorciaram e sozinha ela criou o filho, que se tornaria oftalmologista. Abelskaia é dona de uma villa em Drazdý. Quanto à religião, ela se declara ortodoxa praticante. Quem a conheceu pessoalmente, afirma que ela permaneceu uma pessoa modesta e tranquila, pra alguém que ascendeu à Administração Presidencial de Belarus.

Em 31 de agosto de 2004, ela teve outro filho, Mikalai: segundo a mídia independente, trata-se do segundo filho ilegítimo de Lukashenka (ver abaixo sobre o primeiro). Os boatos surgiram no final dos anos 2000, até que o ditador apareceu pela primeira vez em público com o menino em abril de 2008, quando ele tinha 3 anos e 7 meses. Lukashenka logo confirmaria que sim, Kolia era seu filho, mas não revelou o nome da mãe, dizendo apenas que trabalhava como médica. Isso deu motivos pra pensar que Abelskaia tinha dado à luz o herdeiro mais jovem do ditador, mas nada jamais foi oficialmente confirmado. Mikalai aparece em eventos com o pai, mas não há fotos do jovem junto com a suposta mãe em fontes oficiais.

Agora um pouco de “trivia”, rs. Pra manter a forma, Abelskaia abriu mão de farinha e doces, além de batatas, o que é considerado impensável pra uma representante da nacionalidade belarussa. Todos os dias, acorda às 5h30min e começa o dia com uma caminhada na companhia de seu cachorro. Ela tenta caminhar pelo menos 5 km e, quando tem tempo livre, anda de bicicleta.


  

Infelizmente, como revelou a agência Nexta em abril de 2021, toda essa história também tem um lado triste. Lukashenka e Abelskaia teriam outro filho juntos, mais velho do que Mikalai, mas cujo destino seria totalmente desconhecido do público. Segundo a Nexta, teria sido registrado como Matséi (Matvéi, em russo) Postoiálko, nascido em 30 de novembro de 2002, e sofreria de autismo, retardo mental e microtia (subdesenvolvimento do ouvido externo). Ele foi registrado com o sobrenome de solteira de sua mãe porque o “casal” temia que uma criança deficiente prejudicasse a carreira política de seu pai.

Na época da primeira foto, revelada apenas muitos anos depois, Matsei tinha 10 ou 11 anos, e a segunda foto consegui localizar numa espécie de base de dados russa, não tendo relação, portanto, com a Nexta. Depois, nenhuma outra foto do menino jamais apareceu em qualquer veículo ou plataforma.

Vejam só, aquele que é chamado de “batska” pela propaganda abandonou um filho inválido! Matsei vive atualmente no internato psiconeurológico pra idosos e deficientes n.º 2 na rua Vaupshásava, em Minsk, mas nada faltaria pra seu cuidado, tratamento e alimentação. Porém, quando Lukashenka soube da gravidez de Mikalai, teria chegado a entrar em altercação com Abelskaia, pois tinha medo que o mesmo fenômeno se repetisse. Por isso mesmo, dizem, ele teria demorado anos pra mostrar Kolia ao público, esperando que não demonstrasse problemas em seu desenvolvimento...


segunda-feira, 3 de fevereiro de 2025

Redes sociais manipulam opinião?


Endereço curto: fishuk.cc/rede-manipula


A imagem acima não é manipulada: eu mesmo encontrei em fontes diferentes e coloquei lado a lado Donald Trump e Saddam Hussein, duas mentalidades autoritárias, segurando um sabre em posição erguida. Sim, Trump fez isso no dia da posse, e quando o inacreditável vídeo apareceu num programa francês, foi a primeira coisa que pensei, e curiosamente um dos participantes teve a mesma ideia. A tradução que fiz desta entrevista em francês foi o ensejo pra que eu pudesse publicar as duas fotos lado a lado.

A entrevista foi publicada no portal da RFI em 17 de janeiro de 2025, como parte do programa Por que a RFI está falando isso?, apresentada pela jornalista Juliette Rengeval, que conversou com Steven Jambot, repórter de mídias digitais da mesma emissora. Eles abordam a sobrevivência dos grandes veículos de informação numa época em que as pessoas parecem só se informar nas redes sociais, geralmente com conteúdo produzido de qualquer jeito e por pessoas não especializadas. Dada a importância do conteúdo, publiquei abaixo tanto a tradução quanto a transcrição do áudio original, cujo trecho separei do resto do podcast e pode também ser ouvido a seguir:


Juliette Rengeval – Nos Estados Unidos, a ascensão de Donald Trump ao poder tem raízes sociais e econômicas, mas foram também as redes sociais que lhe deram a vitória: X, Facebook, Instagram, inicialmente redes para socializar, depois para se informar e que podem transformar numa máquina formidável de manipulação da opinião. Em todo caso, a perspectiva preocupa a União Europeia e os profissionais da imprensa. Olá, Steven Jambot! Toda semana, você analisa em seu programa as notícias sobre a mídia na era digital. Que papel, então, uma mídia tradicional como a nossa pode desempenhar em nossos tempos?

Steven Jambot – Então, pra simplificar, se olharmos, por exemplo, um site de notícias como o da RFI, se olharmos o público do site da RFI, ele se divide de três maneiras, digamos: 60% do tráfego no site da RFI é o que chamamos de “consciência de marca” [brand awareness], ou seja, pessoas acessando a página inicial da RFI ou abrindo o aplicativo da RFI. Então, isso é 60% do público. 30% do público vêm da pesquisa, de mecanismos de busca – Google, em sua grande maioria. E os 10% restantes vêm de redes sociais ou outras fontes de tráfego, como newsletters ou outros. Eis que essa proporção é o tráfego de entrada no site da RFI. Isso é pra dar uma ideia da proporção, pra dizer que sim, as redes sociais estão aí, são hiperpresentes, mas também não representam tudo. Então, se amanhã fosse feita a escolha de não estar mais nesta ou naquela plataforma, bem, também não cortaríamos um braço, já que as pessoas sabem que veículos como a RFI têm ambientes próprios. E o desafio agora é dizer que nem tudo acontece nas redes sociais, que existem também nossos sites, nossos aplicativos, que são ambientes sobre os quais nós, as agências, temos o controle e pelos quais difundimos a você informação de qualidade, produzida com rigor e honestidade, com padrões de ética e conduta profissional que nem todos necessariamente compartilham.

Rengeval – Tem-se a impressão que as redes se tornaram uma máquina formidável de fabricação da opinião e, talvez, nem tanto de difusão de informações que iluminem o mundo. Pra uma empresa como a Rádio França Internacional, pra qual você e eu trabalhamos, é complicado?

Jambot – Digamos que é complicado, porque de fato as redes sociais têm sido uma oportunidade pra muitas pessoas ao redor do mundo: lembramos das “primaveras árabes”, por exemplo, que aconteceram no Facebook. E então, nós, jornalistas, tivemos que utilizar as redes sociais e as utilizávamos como um território de investigação e reportagem, já que antes das redes sociais, era o jornalista quem escrevia o primeiro rascunho da história. Mas com as plataformas sociais, qualquer pessoa com um celular estava em posição de mencionar o presente, tirar fotos, gravar vídeos. E então nós, jornalistas, tivemos que nos apoderar que dessas plataformas pra contar a história, contá-la de outro jeito. E agora percebemos que essas plataformas estão sendo cada vez mais usadas pra espalhar desinformação. Então temos que estar mais vigilantes do que antes.

Rengeval – Como podemos ser mais vigilantes do que antes? Quais são as boas armas pra um jornalista usar nas redes sociais, agora que, seja no X ou no Facebook, vemos que não há mais checagem de fatos [fact-checking], ou que logo não vai haver mais?

Jambot – É sempre uma questão de estar vigilante, de demonstrar bom senso, de se perguntar várias vezes: “Este material, esta foto que estou vendo, o que é? Quem está a divulgando? Existe algo, alguém ou uma ideia por trás?” E também é bom pegar o telefone às vezes só pra fazer ligações, descobrir se é verdade, sim ou não, e ir até o local, encontrar as pessoas pra fazer nosso trabalho, que é a investigação e a reportagem.

Rengeval – Falamos das redes sociais, que são uma fonte de informação pra muitos ouvintes, jovens ou nem tanto. Essa é a principal fonte de informação hoje?

Jambot – Digamos que é uma fonte de informação gratuita para todos: você não paga pra se registrar no Facebook, no Twitter ou no WhatsApp. Portanto, não há custo de entrada, como às vezes acontece quando compramos um jornal e pagamos pra ter acesso a esta ou aquela fonte de informação. Então isso é verdade pra muitas pessoas: a primeira coisa que elas fazem de manhã é pegar o celular e olhar suas contas do Facebook. Elas consomem informações nas redes sociais. Então sim, podemos dizer que eles se informam por essas redes, quer queiram ou, às vezes, não. Elas nem sempre tomam a iniciativa de recorrer à mídia tradicional, assistir à televisão, ouvir rádio e se preocupar em se informar bem com fontes consideradas confiáveis. Mesmo quando não queremos nos informar, as informações chegam até nós e, às vezes por aí mesmo, muita desinformação também.

Rengeval – Você estava falando sobre o custo, mas ouvir a RFI ou acessar o site da RFI é de graça.

Jambot – Sim, de fato, é gratuito, mas nem todo mundo necessariamente toma mais essa atitude. Alguns veículos também precisam se questionar. Então, como jornalistas, sempre nos perguntamos: com quem estou falando e como estou falando com essa pessoa? Então, alguns veículos estão começando a falar diferente, a mudar o formato, o modo como produzem informações, às vezes a maneira como falam no microfone. E é aí que alguns veículos conseguem se superar trabalhando o tom, por exemplo, falando diferente, tentando falar com as pessoas estando mais próximos delas. Tem que soar verdadeiro, e nós, como jornalistas, temos que voltar ao básico: é bom sair e encontrar pessoas, produzir informação de qualidade, deixar falarem as vozes de um lado, as vozes do outro. Por quê? Tentando nivelar nossos ouvintes por cima, dizendo a nós mesmos que todos são inteligentes, não nos pomos a dizer às pessoas como elas devem pensar, mas a lhes dar as chaves pra que possam ter êxito no quê? Em ser cidadãos, pessoas bem informadas e esclarecidas.

Rengeval – Pra ajudar as pessoas que, apesar de tudo, vão continuar nas redes sociais, precisamos da educação midiática, aumentar as ações de checagem de fatos?

Jambot – Olha, pra mim, a educação midiática é realmente fundamental. E em todas as idades, já que sempre costumamos dizer: “Educação midiática, devemos ensinar os jovens a se informarem bem, os estudantes do ensino fundamental e médio e os jovens universitários devem saber aonde ir pra se informarem bem.” E, de fato, estudos mostraram que quem mais espalha desinformação são pessoas de 50, 60 anos, geralmente homens, que espalham tudo e qualquer coisa de seus computadores. Então sim, a educação midiática e informativa é fundamental. O que isso significa? Saber o que é um veículo de qualidade e, portanto, questionar quem é o dono desse veículo. Significa também saber diversificar suas fontes de informação. No mundo de hoje, temos uma infinidade de veículos nos quais podemos encontrar informações de qualidade.

A seguir, a checagem de fatos: você a via por toda parte, de fato, é fundamental fazer checagem de fatos, mas às vezes os jornalistas não podem desperdiçar energia demais querendo checar fatos desinteressantes ou que são justamente informações falsas produzidas de propósito pra fazer os verificadores perderem tempo com esses conteúdos. Então, os jornalistas devem se questionar, saber distinguir quando há um sinal forte, um sinal fraco, se há uma empresa de desinformação enviando conteúdo de desinformação, essencialmente bombas de desinformação. Se dezenas de milhares de postagens são enviadas a um determinado lugar, pode valer a pena dominá-las. Mas é preciso ter cuidado pra não perder de vista que, por vezes, essa desinformação é produzida deliberadamente com esse aspecto de “carpet bombing” [técnica militar dos bombardeios de saturação] pra que jornalistas e verificadores se precipitem, de cabeça baixa, com o risco de deixarem passar outra informação, essa sim, muito mais interessante e importante.

Rengeval – Certo. Então, checagem de fatos, sim, mas é preciso identificar com sabedoria as informações que são válidas. Pode nos dar um exemplo de informação que não precisaria ser verificada?

Jambot – Se eu lhe dissesse, por exemplo, que hoje em Paris havia torrentes de lama descendo do Sacré-Cœur em Montmartre até o Moulin Rouge. Que eu lhes transmita um vídeo, mostre um vídeo e lhes diga: "Olhe essas imagens, é incrível" e tudo mais, e que esse vídeo foi muito compartilhado por pessoas do outro lado do mundo. Vale mesmo a pena checar esses fatos ou perder tempo telefonando pra Prefeitura de Paris? Cabe a nós, jornalistas, ir lá tirar uma foto do Sacré-Cœur, do Moulin Rouge, e ver que, realmente, não há água nenhuma correndo. Hoje, aliás, na verdade nem choveu, então não houve dilúvio algum em Paris. Não vou perder tempo verificando esse tipo de coisa, há muitas outras coisas que merecem atenção. E também precisamos admitir que produzir imagens, sejam fotos ou vídeos, usando inteligência artificial está ficando cada vez mais barato. Então, entendemos por que vemos cada vez mais material sendo difundido nas redes sociais e, portanto, cabe a nós, jornalistas, ficar cada vez mais alerta.



Juliette Rengeval – Aux États-Unis, l’arrivée au pouvoir de Donald Trump a des racines sociales et économiques, mais ce sont aussi les réseaux sociaux qui ont fait son élection : X, Facebook, Instagram, des réseaux pour socialiser d’abord, ensuite pour s’informer et qui pourraient se transformer en une formidable machine à manipuler l’opinion. La perspective inquiète, en tout cas, l’Union européenne et les professionnels de la presse. Bonjour, Steven Jambot ! Vous auscultez l’actualité des médias à l’ère du numérique toutes les semaines dans votre émission. Quel rôle peut alors jouer un média traditionnel comme le nôtre, dans notre époque ?

Steven Jambot – Alors, pour faire simple, si on regarde par exemple un site d’informations comme celui de RFI, si on regarde les audiences du site internet de RFI, elles se divisent de trois façons, on va dire : 60% du trafic sur le site internet de RFI est ce qu’on appelle la « notoriété de marque », c’est-à-dire des gens qui vont sur la page d’accueil de RFI ou qui ouvrent l’application de RFI. Voilà, ce sont 60% de l’audience. 30% de l’audience, c’est de la recherche, des moteurs de recherche – Google, dans son immense majorité. Et les 10% restants, ce sont des réseaux sociaux ou d’autres sources de trafic de type infoletter, newsletter ou autre. Voilà donc, cette proportion-là, c’est le trafic entrant du site internet de RFI. C’est pour vous dire un peu la proportion, de vous dire que les réseaux sociaux, certes, sont là, ils sont hyperprésents, mais ils ne représentent pas non plus tout. Donc si demain le choix était fait de ne plus aller sur telle ou telle plateforme, eh bien, on ne se couperait un bras non plus, puisque les gens savent que les médias comme RFI ont des environnements propres. Et l’enjeu actuellement, c’est de dire que tout ne se passe pas sur les réseaux sociaux, qu’il y a également nos sites, nos applications qui sont des environnements sur lesquels nous, médias, avons la main et sur lesquels nous vous diffusons de l’information de qualité, produite avec rigueur, avec honnêteté, avec des standards d’éthique et de déontologie que tout le monde ne partage pas forcément.

Rengeval – On a l’impression que les réseaux sont devenus une formidable machine à fabriquer de l’opinion et peut-être plus tellement à fournir de l’information qui éclaire sur le monde. Pour une entreprise comme Radio France Internationale, pour laquelle on travaille, vous et moi, c’est compliqué ?

Jambot – On va dire que c’est compliqué, parce qu’effectivement les réseaux sociaux ont été une chance pour de nombreuses personnes à travers le monde : on se souvient des « printemps arabes », par exemple, qui se sont passés sur Facebook. Et donc pour nous, journalistes, on devait se servir des réseaux sociaux et on se servait des réseaux sociaux comme un territoire d’enquête, de reportage, puisqu’avant les réseaux sociaux, c’est le journaliste qui rédigeait le premier brouillon de l’histoire. Mais avec les plateformes sociales, tout et chacun avec un téléphone portable était en mesure de référencer le présent, de prendre des photos, de faire de la vidéo. Et donc nous, journalistes, on a dû se saisir de ces plateformes-là pour raconter l’histoire, raconter l’histoire autrement. Et on se rend compte maintenant que ces plateformes-là sont de plus en plus utilisées pour diffuser de la désinformation. Donc on doit faire preuve de davantage de vigilance qu’auparavant.

Rengeval – Comment on fait preuve de plus de vigilance qu’auparavant ? C’est quoi, les bonnes armes d’un journaliste pour aller sur les réseaux sociaux, alors, que ce soit X ou que ce soit Facebook, on voit qu’il n’y a plus de fact-checking, ou qu’il n’y en aura plus bientôt ?

Jambot – C’est toujours déjà d’être vigilant, de faire preuve de bon sens, de se poser plusieurs fois la question de savoir : « Cette matière-là, cette photo que je vois, qu’est-ce que c’est ? Qui la diffuse ? Y a-t-il quelque chose, quelqu’un, une idée derrière ? » Et puis aussi, c’est bien de décrocher son téléphone parfois tout simplement pour passer des coups de fil, savoir si c’est vrai, oui ou non, et d’aller sur le terrain, d’aller à la rencontre des gens pour faire notre métier, qui est l’enquête, le reportage.

Rengeval – On parle des réseaux sociaux, c’est une source d’information pour de nombreux auditeurs, jeunes ou moins jeunes. Est-ce que c’est la principale source d’information aujourd’hui ?

Jambot – On va dire que c’est une source d’information qui est gratuite pour tous et chacun : on ne paye pas pour s’inscrire sur Facebook, sur Twitter, sur WhatsApp. Donc il n’y a pas ce cout à l’entrée que représente le fait parfois d’acheter un journal, de payer pour avoir accès à telle ou telle source d’information. Donc c’est vrai pour plein de gens : la première chose qu’ils font le matin, c’est de prendre leur téléphone portable et de regarder leurs comptes Facebook. Ils consomment de l’information sur les réseaux sociaux. Donc oui, on peut dire qu’ils trouvent de l’information sur ces réseaux-là, qu’ils le veuillent parfois ou non. Ils ne font pas toujours la démarche d’aller sur des médias traditionnels, de regarder la télévision, d’écouter la radio et de faire attention à bien s’informer sur des sources qualifiées de fiables. Même quand on ne veut pas s’informer, on a de l’information qui vient à nous et parfois beaucoup du coup de désinformation aussi.

Rengeval – Vous parliez du cout, mais écouter RFI ou aller sur le site de RFI, c’est gratuit.

Jambot – Oui, effectivement, c’est gratuit, mais tout le monde n’a plus forcément cette démarche-là. Il faut que certains médias aussi se remettent en question. Donc on se pose toujours la question en tant que journaliste : à qui je parle, et comment je parle à cette personne ? Alors, certains médias se mettent à parler autrement, à changer leur format, la façon de produire l’information, la façon parfois de parler dans le micro. Et c’est là que certains médias réussissent à tirer leur épingle du jeu en travaillant le ton, par exemple, à parler autrement, essayer de parler aux gens étant plus proche d’eux. Il faut que ça sonne vrai, et pour nous il faut revenir aux fondamentaux en tant que journalistes : c’est bien d’aller à la rencontre des gens, de produire de l’information de qualité, de faire entendre les voix d’un côté, les voix de l’autre. Pourquoi ? En essayant de tirer nous auditeurs par le haut, en se disant que tout le monde est intelligent, on n’est pas là pour dire aux gens comment ils doivent penser, mais leur donner les clés pour qu’ils réussissent à faire quoi ? À être des citoyens, des gens bien informées qui soient éclairées.

Rengeval – Est-ce que pour aider les gens qui vont, malgré tout, aller toujours aussi sur les réseaux sociaux, il faut de l’éducation aux médias, il faut multiplier les actions de fact-checking ?

Jambot – Alors, l’éducation aux médias, pour moi, effectivement, elle est fondamentale. Et à tous les âges, puisqu’on a toujours tendance à dire : « L’éducation aux médias, il faut apprendre aux jeunes à bien s’informer, aux collégiens, aux lycéens, aux jeunes étudiants de savoir où aller pour bien s’informer ». Et en fait, des études ont montré que celles et ceux qui diffusent le plus de désinformation sont plutôt des gens de 50, 60 ans, souvent des hommes, d’ailleurs, qui derrière leurs ordinateurs diffusent tout et n’importe quoi. Donc oui, l’éducation aux médias et à l’information est fondamentale. Ça veut dire quoi ? Savoir qu’est-ce qu’un média de qualité, donc se poser la question de à qui appartient ce média. Ça veut dire aussi savoir diversifier ses sources d’informations. On a dans le monde actuel pléthore de médias sur lesquelles on peut trouver de l’information de qualité.

Ensuite, le fact-checking : vous en voyait partout, effectivement, c’est fondamental que de faire du fact-checking, mais il faut que les journalistes parfois ne perdent pas trop d’énergie à vouloir fact-checker des choses qui sont sans intérêt ou alors qui sont justement de la fausse information qui est produite à dessein pour faire que des fact-checkeurs perdent leurs temps sur ces contenus-là. Donc se poser la question pour les journalistes, savoir ce qui est de l’ordre du signal fort, du signal faible, s’il y a une entreprise de désinformation et que l’on envoie des contenus de désinformation, envoyant de façon majeure des bombes de désinformation, des dizaines de milliers de posts envoyés à tel endroit, cela peut valoir le cout de s’emparer. Mais il faut faire attention de ne pas perdre de vue que parfois cette désinformation, elle est produite volontairement avec ce côté « tapis de bombes » pour que des journalistes et des fact-checkeurs foncent dedans, tête baissée, avec le risque qu’ils passent à côté d’une autre information beaucoup plus intéressante et importante, celle-là.

Rengeval – D’accord. Donc des fact-checkings, oui, mais à bon escient il faut repérer l’information qui est valable. Est-ce qu’on peut citer un exemple d’information qui on n’aurait pas besoin d’aller fact-checker ?

Jambot – Si je vous disais, par exemple, qu’aujourd’hui à Paris il y a eu des torrents de boue qui ont dévalé du Sacré-Cœur de Montmartre jusqu’au Moulin Rouge. Que je vous diffuse une vidéo, je vous montre une vidéo et je vous dis : « Regarde ces images, c’est incroyable » et tout, et que cette vidéo-là, elle est très partagée par des gens à l’autre bout du monde. Est-ce que ça vaut vraiment la peine de fact-checker ça ou de perdre du temps à appeler à la mairie de Paris ? À nous, journalistes, se rendre sur place pour prendre une photo du Sacré-Cœur, du Moulin Rouge, de voir qu’effectivement, oui, il n’y a pas d’eau qui est en train de couler. Actuellement, d’ailleurs, il n’a pas vraiment plu aujourd’hui, ça n’a pas été le déluge à Paris, non. Je ne vais perdre le temps de fact-checker ce genre de chose, il y a beaucoup d’autres choses qui méritent de l’intérêt. Et il faut aussi réaliser que produire des images, que ce soient des photos ou des vidéos à partir d’intelligence artificielle cout de moins en moins cher. Donc on comprend pourquoi on voit de plus en plus de matières sur les réseaux sociaux qui sont diffusées, et donc à nous journalistes d’être de plus en plus vigilants.



domingo, 2 de fevereiro de 2025

Sexo e religião em good vibes...


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Pra voltar com as publicações regulares, um pouco de humor nesta página, rs. Às vezes pessoas comuns falam coisas aleatórias tão sábias, que mereciam viralizar mais, ou mesmo virar memes! Pra começar, um amigo meu me mandou um tempo atrás a entrevista de um ex-ator pornô chamado Alexandre Senna, cuja fonte não consegui encontrar, mas que deve datar do final dos anos 2000. Ou seja: pelas cercas de mil (!) cenas de sexo que ele teria rodado, seu trabalho deve remontar à época do VHS que se vendia escondido atrás da parece frontal das bancas de revista...

Não vou julgar sobre onde meu amigo obtém esse tipo de conteúdo... mas parece ter saído de uma página de entretenimento (como chamaríamos hoje) LGBT, ou sopas de letrinhas maiores. Senna estava na inauguração de uma boate em São Paulo capital, que incluía, além de outras “diversões adultas”, atrações como esta, na qual ele está debruçado: uma piscina de água quente. Confesso que não é o tipo de conteúdo que curto muito, mas como o ex-ator pronunciou a sábia cena que separei abaixo, não pude deixar de compartilhar, sobretudo com essa proliferação de neoinquisidores como a Ana Campagnolo vindos de todos os lados.

O segundo achei por acaso, procurando outro conteúdo, mas é um senhorzinho anônimo cujo estado não localizei, mas que se identifica como José “Dudé” Tavares. Na publicação de 2017, e aparentemente sem a integridade de suas faculdades mentais, ainda assim (no meio de uma faladeira muito maior) ele diz algo que deveria derreter até o mais duro dos corações bolsonaristas. Se alguém souber de quem ele está falando, ficaria muito feliz de ser informado nos comentários... Divirta-se:


Sexo não tem nada a ver com vida pessoal, não tem nada a ver com família, não tem nada a ver com profissão. Sexo é quando você fecha a porta, é um mundo aonde você viaja, aonde [sic] você faz o que você quer. Se é algo que não vai te prejudicar, algo que não vai te ferir, tá aberto a tudo.


Gente, quando eu digo assim: “Tudo bem, eu não sou contra você ter uma religião ou não.” Mas não é... coloque na sua cabecinha: não é a religião, ou evangélica, ou católica, ou espírita, ou budista que salva, não! Bispo, papa, padre, pastor não salvam ninguém, sabe por quê? Porque são homens, e homem é pecador! Só tem um homem na Terra que cura, porque esse tem o dom de Deus, ele nasceu com o dom de Deus para ser médico, então esse cura. Esse sara e esse cura, é o único. Mas pastor, padre, papa, bispo não cura ninguém. Igreja não ajuda ninguém. Igreja, me desculpe, só atrapalha a vida das pessoas.


O pior é que depois ele “canta” também, rs. Vai encarar???


domingo, 26 de janeiro de 2025

“Eleições” em Belarus (26 de janeiro)


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Primeiro, você me pergunta por que comecei a escrever “Aliaksandr Lukashenka” em belarusso no lugar de “Aleksandr Lukashenko” em russo, embora esta seja a língua preferida do ditador. Ora, durante a sovietização, cujo espírito o novo dirigente nunca encerrou – embora pela lei o belarusso seja uma língua oficial de igual direito com o russo –, a língua local foi sendo cada vez mais marginalizada da esfera pública, resultando que muitos hoje entendem, mas poucos falam o idioma belarusso autóctone. Não, essa predominância do russo não é um “fato natural”, e a verdadeira cultura nativa deve ser revalorizada! Portanto, a partir de hoje, assim como no texto abaixo, todos os topônimos e nomes de pessoas relacionados a Belarus, transliterados a partir da língua belarussa, e não da russa.

Sobre este texto, recebi uma cópia diretamente das mãos da autora, sob o título “Comunicado de imprensa – ‘Eleições’ em Belarus em 26 de janeiro”. Volha é a representante brasileira das Embaixadas Populares de Belarus, organização dirigida pela líder dissidente Sviatlána Tsikhanóuskaia (às vezes transliterada em russo como Svetlana Tikhanovskaia), cujo marido, Siarhéi, foi preso ao se candidatar contra Lukashenka nas eleições de 2020. Ela se candidatou em seu lugar e reivindicou a vitória, mas, correndo igualmente risco de prisão, se exilou e hoje comanda a oposição unificada num gabinete alternativo, coisa inexistente sequer em estado embrionário entre os russos no exterior.

O bananeiro médio, sobretudo esquerdista e anti-EUA, precisa entender que em Belarus não existe mais política como entendemos, que nenhuma instituição estatal é independente, que Lukashenka é um ditador cleptocrata ainda mais violento que Putin e que o país, longe de ser um bastião anti-imperialista, se tornou um grande quartel anexo ao Kremlin. Portanto, segue o referido comunicado, com algumas correções e adaptações minhas, que também foi comentado por vários portais democráticos de geopolítica:



No dia 26 de janeiro, ocorrerá em Belarus um espetáculo que Aliaksándr Lukashénka insiste em chamar de “eleições”. Após usurpar o poder em 2020, quando perdeu as eleições, seu objetivo agora é “virar a página” e tentar conquistar alguma aparência de legitimidade. Contudo, as circunstâncias em que este ato de autoindicação acontece são mais parecidas com uma operação militar do que com um processo eleitoral.

Desde já, é evidente que isso não pode ser chamado de eleição, mas sim de uma farsa, pois as condições em que está sendo realizada estão longe de permitir eleições livres e justas:


1. O país continua enfrentando uma intensificação das repressões

Nos últimos quatro anos, foram registrados por organizações de direitos humanos mais de 74 mil casos de repressão, incluindo buscas, detenções e interrogatórios.

  • Cerca de 65 mil pessoas foram detidas.
  • Foram abertas mais de 15 mil ações criminais desde as eleições de 2020. Há pelo menos 7 759 pessoas identificadas como alvos de processos criminais com motivação política, e cerca de 7,4 mil estão aguardando julgamento.
  • Cinco pessoas foram mortas durante os protestos e detenções.

Apesar disso, as repressões políticas em Belarus não apenas não cessaram, como se intensificaram com a aproximação das chamadas “eleições”. Houve várias ondas de detenções preventivas de ativistas políticos e sociais envolvidos em movimentos passados. As prisões voltaram a ficar superlotadas, como em 2020, com celas projetadas para quatro pessoas abrigando até 16.

O ano de 2024 foi ainda mais repressivo do que os dois anos anteriores. No ano passado, pelo menos 8 895 pessoas enfrentaram perseguição criminal ou administrativa (incluindo detenções, interrogatórios e buscas) – uma média de cerca de 24 casos de repressão por dia.

  • Pelo menos 1 721 pessoas foram condenadas em processos criminais por motivos políticos.
  • Houve 5 890 decisões judiciais baseadas em artigos administrativos.

E esses números são, na verdade, significativamente menores do que a realidade, pois representam apenas os casos conhecidos pelas organizações de direitos humanos, que não têm acesso a todas as informações sobre as repressões.

Nenhum processo criminal foi instaurado com relação às mortes de manifestantes ou às torturas sofridas pelos detidos e condenados.


2. Grande número de presos políticos – cerca de 1,3 mil pessoas

Mais de 2,4 mil presos políticos já foram libertados, após passarem anos sob condições de tortura em virtude das sentenças arbitrárias dos tribunais controlados por Lukashenka. Na realidade, o número total de presos políticos é significativamente maior, já que muitas famílias evitam enviar documentos para o reconhecimento formal de seus entes como presos políticos. Isso ocorre porque as condições nas prisões para aqueles reconhecidos como políticos são muito mais severas e frequentemente incluem torturas.

De acordo com o Centro de Direitos Humanos “Viasná”, em 29 de dezembro de 2024, pelo menos 224 presos políticos estavam encarcerados sob condições de alto risco. Entre eles:

  • 104 pessoas com sérios problemas de saúde física;
  • 11 pessoas com deficiência;
  • 46 idosos (60 anos ou mais), muitos deles com graves problemas de saúde;
  • 29 mães e pais de famílias numerosas;
  • 16 pessoas com transtornos mentais.

Durante esse período, sete presos políticos morreram enquanto estavam detidos.

Pelo menos nove pessoas estão em regime de incomunicabilidade, ou seja, vivem em completa desconexão com o mundo exterior. Não há informações sobre eles, não há correspondência, visitas de parentes ou acesso a advogados. Por exemplo, Marýa Kalésnikava ficou mais de 600 dias sem qualquer contato com o mundo exterior, até que, em novembro de 2024, foi autorizada a encontrar-se com seu pai.

Nas prisões de Belarus, também estão encarcerados ex-candidatos à presidência nas eleições de 2020:

  • Víktar Babarýka: condenado a 14 anos de colônia penal de regime reforçado.
  • Siarhéi Tsikhanóuski: condenado a 19 anos e meio de regime fechado.

Nenhum processo criminal foi instaurado com relação às torturas nas prisões ou às mortes de presos políticos.


3. Ausência de liberdade de expressão e restrições ao trabalho da imprensa independente

No Índice de Liberdade de Imprensa 2024, Belarus ocupa a 167.ª posição entre 180 países.

Desde 2020, a maior parte da mídia independente em Belarus perdeu seus registros. Jornalistas continuam sendo constantemente detidos e condenados a longas penas de prisão por realizarem seu trabalho. A imprensa independente praticamente deixou de existir dentro do país, com muitas redações agora operando do exterior. A maioria dos sites e páginas em redes sociais foi rotulada como “formações extremistas”.

De acordo com a Associação de Jornalistas de Belarus (BAZh), em 20 de dezembro de 2024, pelo menos 45 profissionais da mídia estavam presos. Todos foram incluídos na lista de “pessoas envolvidas em atividades extremistas”, e sete deles foram classificados como “terroristas” pelo KGB [Comitê de Segurança do Estado, que manteve nome, estrutura e funções dos tempos soviéticos].

A pena média de prisão para jornalistas belarussos é de seis anos. No entanto, alguns profissionais receberam sentenças ainda mais severas por sua atividade totalmente legítima:

  • Íhar Lósik: 15 anos;
  • Andréi Aliaksándrau: 14 anos;
  • Dzianís Iváshyn: 13 anos;
  • Liudmíla Chékina: 12 anos;
  • Marýna Zólatava: 12 anos;
  • Valérya Kastsiuhóva: 10 anos.

Segundo um estudo dos “Repórteres sem Fronteiras”, Belarus é o quarto país do mundo com o maior número de jornalistas presos.

Nenhum processo criminal foi instaurado com relação às sentenças ilegais contra jornalistas ou ao fechamento de veículos de comunicação independentes.


4. Ausência de condições iguais para a livre candidatura

A campanha para as chamadas “não eleições” ocorre sob o total controle do regime de Aliaksandr Lukashenka.

A Comissão Eleitoral Central registrou, além dele, mais quatro “candidatos alternativos” ao cargo de presidente. Todos eles são líderes de estruturas pró-regime:

  • Aléh Haidukévich (Partido Liberal-Democrata);
  • Hánna Kanapátskaia (ex-membro do Partido Cívico Unido);
  • Siarhéi Syrankou (Partido Comunista);
  • Aliaksándr Khizhniák (Partido Republicano do Trabalho e da Justiça).

Após as eleições de 2020, todas as forças políticas independentes foram eliminadas em Belarus. Apenas quatro partidos pró-regime permanecem ativos. Além disso, pelo menos 1 838 organizações não governamentais foram fechadas, incluindo sindicatos, associações civis, fundações, partidos políticos, ONGs e organizações religiosas.

Diante deste cenário, é evidente que esses “candidatos alternativos” são meramente uma imitação de concorrência.

Nenhum processo criminal foi instaurado com relação à dissolução ilegal de organizações não governamentais ou às repressões contra representantes do setor cívico.


5. Apuração não transparente dos votos

Desde 1996, nenhuma eleição em Belarus foi reconhecida por observadores independentes como transparente e em conformidade com os padrões democráticos.

  • O princípio da liberdade de escolha não é garantido. Os cidadãos são forçados a assinar apoio a Lukashenka por meio de chantagem e ameaças, como perder o emprego, a moradia ou, no caso de estudantes, ser expulsos das universidades.
  • Não há apuração dos votos. Não existem observadores independentes nos locais de votação. Aqueles que atuaram como observadores em 2020 enfrentaram repressões e perseguições.
  • O princípio da universalidade do direito ao voto não é garantido. Nenhum local de votação foi estabelecido para cidadãos belarussos no exterior. O presidente da Comissão Eleitoral Central, Íhar Karpénka, declarou que não considera isso uma violação dos direitos dos eleitores.

Cerca de 2 milhões de belarussos que vivem no exterior foram privados do direito de voto. Para participar da votação, foi sugerido que retornassem a Belarus. O Centro de Direitos Humanos “Viasná” documentou pelo menos 73 casos de prisão de pessoas que voltaram ao país.

  • Não há igualdade de condições para campanha eleitoral. As comissões eleitorais são compostas exclusivamente por apoiadores do regime, todos selecionados e aprovados pelo KGB.
  • Alterações no Código Eleitoral impediram a publicação dos dados pessoais dos membros das comissões eleitorais, supostamente para “proteger os membros de influências agressivas”.
  • De acordo com a iniciativa de ex-agentes de segurança BelPol, 97% dos atuais membros das comissões eleitorais participaram das eleições anteriores.

Diante disso, não há dúvidas de que Lukashenka tentará novamente usurpar o poder de forma ilegal e se declarar “reeleito”.

Nenhum processo criminal foi instaurado com relação às violações massivas, fraudes e à tomada ilegal de poder nas eleições anteriores.

Nos documentos anexos, você encontrará mais informações sobre as “eleições” e os planos das forças democráticas de Belarus, em inglês:

“Elections” in Belarus 2025

BelPol – “Elections” 2025

Se tiver interesse, como representante da Embaixada Popular no Brasil, estou disponível para conceder uma entrevista ou comentário, assim como para organizar uma entrevista com Sviatlána Tsikhanóuskaia, Pável Latúshka ou outros líderes da Belarus democrática.


Atenciosamente,
Volha Yermalayeva Franco,
representante da Embaixada Popular no Brasil
brazil@belarusabroad.org



sábado, 25 de janeiro de 2025

Cabeça de Rola parabeniza Laranjão


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Antes de começar a abordar a ordem do dia na reunião com os membros permanentes do Conselho de Segurança da Rússia, em 20 de janeiro de 2025, o ditador fez uma breve digressão pra parabenizar Trump pela posse, já que ele tem medo de levar uma bomba na cabeça a qualquer momento, se não atender aos caprichos do golfista amador. Putin se aproveita da burrice e da ignorância em geopolítica crônicas nos EUA, mas particularmente agudas entre os republicanos MAGA e a fachosfera global em geral, chamada por Macron de “Internacional Reacionária”, fazendo passar a impressão de alguma legitimidade de suas “reivindicações” na região.

Nada parecido com os primeiros parabéns em 2016, solenemente dados num grande salão do Kremlin: o chefe de guerra de Taubaté tem tanto medo desse retorno que reservou apenas um aparte no meio de um momento de trabalho, devidamente bunkerizado. Como sempre, ele edulcora o apocalipse imperial-expansionista e genocida que ele próprio criou (será que está realmente ciente das consequências, dentro da própria bolha?), insistindo em falar de simples “crise ucraniana” e “operação militar especial”... Segue o trecho separado do vídeo e minha tradução da parte correspondente da transcrição, tudo disponível no portal do Kremlin:


Quanto aos eventos nos EUA, Donald Trump está sendo empossado hoje como o 47.º presidente em Washington. É óbvio que, em todos os aspectos, o período pré-eleitoral não foi fácil pra Trump: ele e até mesmo seus familiares estiveram constantemente sob forte pressão, o que levou até mesmo a atentados contra sua vida. Mas ele demonstrou coragem e obteve uma vitória incontestável nas eleições.

E vemos as declarações do presidente recém-eleito dos EUA e dos membros de sua equipe sobre o desejo de restabelecer contatos diretos com a Rússia, interrompidos a nosso despeito pela administração que sai. Também ouvimos suas declarações sobre a necessidade de fazer tudo pra evitar uma 3.ª Guerra Mundial. É claro que saudamos tal atitude e parabenizamos o presidente eleito dos EUA por sua posse.

Ressalto que nunca nos recusamos a dialogar e sempre estivemos prontos pra manter relações equilibradas e cooperativas com qualquer administração americana; já falei várias vezes sobre isso. Partimos do princípio de que o diálogo vai se construir em bases equitativas e respeitosas, tendo em conta o papel significativo que nossos países desempenham numa série de questões cruciais na agenda global, incluindo o fortalecimento da estabilidade e segurança estratégicas.

Também estamos abertos a dialogar com a nova administração dos EUA sobre o conflito ucraniano. O mais importante aqui é eliminar as raízes da crise, sobre as quais já falamos muitas vezes, é o principal. Quanto à resolução da situação em si, gostaria de ressaltar mais uma vez: seu objetivo não deve ser uma trégua curta ou uma espécie de respiro pras forças se reagruparem e pra nos rearmarmos e continuarmos posteriormente o conflito, mas uma paz a longo prazo baseada no respeito aos interesses legítimos de todas as pessoas e povos que vivem nesta região. Mas nós, é claro, vamos lutar pelos interesses da Rússia e de seu povo. Este, de fato, é o objetivo e sentido por que conduzimos a operação militar especial.



sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Mande pros amigos putinminions


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Se eles ainda acreditam nas lorotas sobre “junta neonazista de Quiévi”, “genocídio de russos” e “a culpa é da OTAN”, mande o lindo vídeo abaixo de soldados russos fuzilando soldados ucranianos desarmados e rendidos na região de Donetsk, que a propaganda do Kremlin insiste em dizer que pertence à Moscóvia! Está circulando aos pedaços nas redes sociais desde 22 ou 23 de janeiro, portanto, aproveite a oportunidade, pois abaixo ele segue na íntegra.

A idiotice russa é tão ilimitada que eles mesmos filmam provas contra si pra serem usadas em tribunais internacionais... É verdade que os “defensores da pátria”, a quem a ditadura mafiosa dedicou o ano de 2025, foram completamente bestializados pelos superiores na linha de frente. Mas tenho certeza que o Cabeça de Rola escondido num de seus bunkers no palácio junto ao mar Negro nem toma conhecimento, e se tomasse, faria de tudo pra evitar, só pra não juntar provas (além dos massacres em Bucha, Irpin e Mariupol) contra si mesmo!

ATENÇÃO: Não veja o vídeo se isso puder lhe causar desequilíbrio emocional!



Mais fontes internacionais:

Politico.eu: Kyiv investigates another case of Russian soldiers executing Ukraine POWs

The Sun: Sick new Putin ‘war crime’ as barbaric Russians ‘film themselves shooting Ukrainian prisoners dead in mass execution’

Quanto à fonte original, ela é bloqueada no Brasil. Muitos sites ucranianos como este, com informação que podia ajudar a combater a desinformação putinista, nem entram sob o “Governo do Amor” sem VPN, porque somos considerados “ataque malicioso”:



quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Por que a Lava Jato não deu certo


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Esta matéria da Rádio França Internacional (RFI), publicada em 20 de janeiro de 2025 e assinada por Yann Le Ny, foi intitulada (em minha tradução) “O caso Odebrecht: do escândalo de corrupção internacional ao fracasso judicial”. Ela dá uma perspectiva, a partir do exterior, de como a célebre e histórica operação “Lava Jato” não foi destruída por razões políticas, e sim por erros processuais grosseiros e por armação política da parte de Sergio Moro, o “Marreco de Maringá”, e de Deltan Dallagnol, não citado na reportagem, mas que todo mundo sabe estar implicado nas “trocas entre magistrados”. Obviamente, como os próprios colaboradores ressaltam, essa destruição abriu caminho pra que outros corruptos subissem ao poder e prevenissem a emergência um combate melhorado à corrupção sistêmica...

Além de traduzir, retirei informações redundantes pro leitor brasileiro ou lusófono (como os nomes completos dos partidos e a explicação de que “lava jato”, na verdade também chamada aqui de “lava rápido”, significa “lavagem expressa”) e acrescentei notas entre colchetes com breves recordações interessantes, correções ou explicações. Também mantive na matéria os links originais que achei pertinentes.



Neste dia 20 de janeiro de 2025, começa no Panamá o julgamento por lavagem de dinheiro e corrupção da empresa Odebrecht, no qual são citados 31 réus, incluindo ex-membros do governo. Esse escândalo, que tem origens no Brasil com a operação “Lava Jato”, afetou muitos líderes em toda a América Latina.

Tudo começou em 2014 no Brasil, com uma grande investigação liderada por Sergio Moro, um jovem magistrado que rapidamente se tornou uma personalidade no combate à corrupção. A operação “Lava Jato” (em referência a uma busca realizada num posto de gasolina no início da investigação) revelou uma vasta rede de corrupção em torno da petrolífera estatal brasileira Petrobras e de dez grandes empresas de construção, incluindo a Odebrecht.

Durante cerca de dez anos, essas empresas de obras públicas partilharam entre si contratos no momento das licitações da Petrobras e os superfaturaram. Propinas foram então pagas aos dirigentes da petrolífera e a vários partidos políticos.

Uma bomba política no Brasil – A investigação teve um efeito explosivo, num Brasil em plena crise econômica. Diversos políticos do PT, do MDB e do PSDB foram alvo da investigação. Foram citados os nomes dos presidentes Michel Temer e Lula. Aliás, Lula vai passar quase um ano e meio preso por isso. Dilma Rousseff, então presidente do Brasil, e que tinha sido presidente do conselho de administração da Petrobras de 2003 a 2010, foi reeleita por estreita margem. Seu nome não apareceu durante a operação, mas o clima político se agravou. Após as eleições, os protestos massivos contra o governo aumentaram até seu impeachment, em 2016.

Gradualmente, o escândalo da Petrobras se transformou no caso Odebrecht, quando se descobriu que a construtora tinha implantado uma vasta rede de corrupção que afetava não apenas o Brasil, mas diversos países latino-americanos. Na época, a Odebrecht (que se tornou Novonor em 2020) era um poderoso conglomerado cuja principal atividade eram obras públicas.

No Peru, todos os chefes de Estado que governaram entre 2001 e 2018 (Alan García, Alejandro Toledo, Ollanta Humala e Pedro Pablo Kuczynski) foram acusados de ter recebido propina da construtora brasileira. Alan García se suicidou antes de ser preso, em 17 de abril de 2019. No Equador, o ex-presidente Rafael Correa foi condenado a oito anos de prisão por corrupção em 2020. Outras 17 pessoas receberam a mesma sentença, incluindo o ex-vice-presidente Jorge Glas. No México, Emilio Lozoya, ex-diretor da petrolífera estatal Pemex e próximo do ex-presidente Enrique Peña Nieto, foi acusado de ter recebido 10 milhões de dólares em propina.

O escândalo também afetou Angola e Moçambique, dois países africanos de língua portuguesa. Em Moçambique, a Odebrecht teria pago quase 900 mil dólares em propina entre 2011 e 2014.

Um fracasso judicial – Mas após mais de sete anos de revelações, a operação “Lava Jato” foi bruscamente interrompida em fevereiro de 2021. Em 2019, uma investigação do The Intercept [a famosa “Vaza Jato”] acusou o juiz Sergio Moro, então muito admirado por seu trabalho, e os promotores de se acordarem pra excluir Lula das eleições presidenciais de 2018, mesmo que ele estivesse liderando as pesquisas. As investigações também provocaram um sentimento antissistema que impulsionou o político de extrema-direita Jair Bolsonaro à presidência em 2018. O próprio Sergio Moro seria nomeado ministro da Justiça por um breve período em 2019 [na verdade, até abril de 2020], sob a presidência de Bolsonaro.

O uso político do caso desacreditou a investigação. Aos poucos, o trabalho judicial realizado durante a operação “Lava Jato” ruiu diante das diversas deficiências observadas. Os magistrados recorreram a numerosos acordos de colaboração com a Justiça [como a delação premiada], detenções e buscas policiais que acabaram sendo consideradas excessivas.

O papel dos EUA na operação também pesou nas dúvidas sobre a “Lava Jato”. O Departamento de Justiça americano interveio graças a sua lei chamada Foreign Corrupt Practices Act (FCPA), visando práticas de corrupção no exterior. Por meio dessa lei, a Odebrecht e a Petrobras tiveram que pagar ao Departamento de Justiça americano multas que deveriam retornar ao Brasil. Os promotores brasileiros preferiram alocá-las numa fundação privada, e não no tesouro público. Ao final, essa criticada iniciativa foi barrada pelo STF, que anulou a criação da fundação em 2019.

“A forma totalmente opaca como estes atores operaram no Judiciário, com violações de regras processuais, fez com que boa parte desses processos fossem por água abaixo”, aponta Gaspard Estrada, cientista político da unidade do Sul Global da London School of Economics. Em 2023, o juiz do STF José Antonio Dias Toffoli anularia todas as provas contra o presidente Lula, declarando que sua condenação tinha sido “um dos maiores erros judiciários da história do país” [matéria da CNN Brasil]. Em 2024, também foram anuladas as provas contra Marcelo Odebrecht, ex-chefe da empresa.

Recuo das conquistas no combate à corrupção no Brasil – Para Gaspard Estrada, o balanço da operação foi negativo devido a seu impacto sobre a corrupção: “Toda essa operação Lava Jato foi um grande desperdício, porque infelizmente podemos ver claramente que ela não acabou com a corrupção, nem no Brasil nem na América latina. Indicadores da ONG Transparência Internacional comprovam: a posição do Brasil na percepção da corrupção não avançou muito desde 2014, ou seja, desde o início da operação.”

Em resposta, os parlamentares brasileiros até reverteram as conquistas na luta contra a corrupção no Brasil. Em 2019, foram introduzidas sanções mais rigorosas contra magistrados que ultrapassassem suas funções. Para a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), isso “prejudica gravemente as instituições estatais destinadas a fazer cumprir a lei e a julgar práticas criminosas e prejudica a separação de poderes e a independência do poder judicial”. Além disso, sob a presidência de Bolsonaro, os parlamentares obtiveram o direito de distribuir fundos aos beneficiários da sua escolha por meio de um mecanismo apelidado de “orçamento secreto” devido à falta de transparência. Alegou-se que tais despesas foram utilizadas em casos de corrupção.

Uma década depois, a histórica operação contra a corrupção não conseguiu criar uma elite política que consolidasse as instituições democráticas e o Estado de direito no Brasil. E é disso que reclama uma parte da população, cuja desconfiança tem crescido desde então. “Todos esses procedimentos contribuíram pra degradar o vínculo de confiança que já estava enfraquecido entre as elites políticas e econômicas e a sociedade. Isso ajudou a ruptura democrática a se reforçar ainda mais”, acrescenta Gaspard Estrada.

Os desdobramentos externos também ameaçados? – Porém, no exterior, o trabalho judicial continua, mesmo após o fim da operação brasileira. O ex-presidente peruano Alejandro Toledo foi condenado a 20 anos e seis meses de prisão em outubro de 2024. Em 2023, o Ministério Público colombiano anunciou que indiciaria 55 pessoas, incluindo o ex-presidente da Odebrecht, Marcelo Odebrecht, por atos de corrupção na construção de uma estrada entre o centro do país e a costa caribenha. Após anos de atraso, o Panamá iniciou um megajulgamento anticorrupção em que cerca de 36 pessoas vão estar no banco dos réus. Dois presidentes, Ricardo Martinelli e Juan Carlos Varela, são citados nas investigações, acusados de terem recebido propina entre 2008 e 2014.

O fracasso brasileiro poderia atingir outros julgamentos em países latino-americanos devido ao papel central dos EUA na cooperação judicial internacional. Uma colaboração entre magistrados que ocorreu informalmente sem a ciência dos ministros responsáveis. “Isso viola o princípio da soberania judicial, cria muitos problemas processuais, de rastreabilidade das provas e, portanto, prejudica o próprio processo”, afirma Gaspard Estrada. “Penso que vai ser interessante ver como os tribunais panamenhos vão resolver esse caso no tocante à admissibilidade das provas provenientes da cooperação judicial com os Estados Unidos. Vimos que em vários países, como no México, os advogados têm usado o encerramento de processos no Brasil pra justificar o fim dos processos no México.”



quarta-feira, 22 de janeiro de 2025

Canções partisans iugoslavas (3)


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Depois da última publicação em 2019 com a tradução de algumas das chamadas “canções partisans” iugoslavas, a maioria em esloveno, enfim termino com aquelas cuja letra consegui localizar e que tinham alguma tradução pra outra língua. Infelizmente, o YouTube derrubou meu canal Pan-Eslavo Brasil em agosto de 2021 e, se antes disso eu incorporava aqui os vídeos legendados que eu fazia com essas músicas, agora só tem as letras originais e traduzidas pro português, além dos vídeos com as gravações originais. A maioria dos áudios foi gravada pelo Partizanski pevski zbor (Coral Partisan) da Eslovênia, país que ainda cultiva a memória da resistência antifascista da 2.ª Guerra Mundial, sem por isso achar que “na época do socialismo tudo era melhor”. Algumas canções já foram publicadas separadamente na página ao longo dos anos.

Algumas das canções tecem louvores a Josip Broz, o Marechal Tito, mas a maioria faz referência à resistência contra a invasão nazista. Comecei a me interessar por essas músicas ainda com 16 anos de idade, quando quase ninguém ainda tinha redes sociais e nem o YouTube existia. Por um acaso, pesquisando nos mecanismos de busca sobre a Iugoslávia socialista, achei na época a rica página Titoville, que funciona até hoje, com fotos, textos e áudios de discursos e canções do período. Confesso que o regime titoísta (1943-91) foi o único pelo qual tive alguma simpatia, mas na adolescência. Na época, eu só escutava as músicas partisans em MP3 no computador, e a partir de 2011 também num velho celular, e sequer sabia que boa parte delas era cantada em esloveno, e não em servo-croata.

Durante a graduação em História, aprendi russo, e algum tempo depois, um pouco de outras línguas eslavas, incluindo as bases do esloveno, mas nunca me aprofundei. Usando agora os múltiplos recursos que a internet oferece, fui traduzindo ao longo dos anos algumas canções iugoslavas em servo-croata e em esloveno. Escolhi usar a palavra partisan em francês, mais adequada ao contexto de 1939-45 e mais abrangente, equivalente ao eslavo meridional partizan (com “z”) e ao italiano partigiano Em francês, significa literalmente “partidário” ou “relativo a partido(s)”, mas evitei “guerrilheiro”, que às vezes é justamente traduzido como partisan fora do contexto europeu, porque a meu ver os partisans era apenas alguns dos adeptos, como vários em outros tempos e lugares, da “tática de guerrilha”.

A primeira canção se chama Jutri gremo v napad (Amanhã partiremos ao ataque), composta por Janez Kuhar, e a segunda se chama Kdo pa so ti mladi fantje (Quem são esses jovens), também conhecida como Naša vojska (Nosso exército), como se vê no vídeo abaixo, e seu autor é Marjan Kozina. As duas letras estão num tópico que alguém criou num fórum de variedades, com algumas dessas músicas traduzidas pro inglês, e comparei essas traduções com o resultado que o Google Tradutor dava em português quando eu jogava o texto em esloveno. Não há indicação da data, mas provavelmente também devem ser da época da resistência, isto é, primeira metade da década de 1940.

Com a dissolução do Império Austro-Húngaro, um quarto do território de população eslovena passou pra Itália, que durante o “vintênio fascista” praticou uma italianização forçada, não sem resistência nativa. A invasão de Mussolini levou à anexação completa da Eslovênia, até sua libertação pelos partisans, que também obtiveram esse “quarto faltante”, embora ainda haja minorias eslovenas nos países vizinhos. O litoral esloveno é bastante reduzido e a cidade italiana de Trieste (ou Trst) fica bem na fronteira, tendo sido outrora bem mais eslovena que a própria capital atual, Ljubljana. A península da Ístria, bem protuberante nos mapas e onde fica Pola (Pula), terra natal de Sergio Endrigo, pertence à Croácia.

Recomendo também um material que usei na publicação de 2019 e na que apareceu ontem. Esta seção de um portal bem maior contém as traduções de algumas canções iugoslavas, e existe também um rico site com o áudio e a letra de muitos cantos populares eslovenos, mas escrito só na língua local.


Amanhã partiremos ao ataque
Veja como o céu é profundo
Ó, neve, nossa irmã branca
Despeje na escuridão, escuridão
Vento errante, nos dê sua mão
Lua preguiçosa, corra atrás de nós
Vamos, vamos com um rifle no ombro
Ao ataque pela liberdade e pelo pão

As estrelas já estão brilhando pra nós
E iluminam nosso caminho escuro
Este quer que também vá
A Lua sobre ele, sobre ele
Vento errante, nos dê sua mão
Lua preguiçosa, corra atrás de nós
Vamos, vamos com um rifle no ombro
Ao ataque pela liberdade e pelo pão

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Jutri gremo v napad
Glej, kako globoko je nebo
Sneg naš beli brat
Razlij se v temo, temo
Veter potepuh, podaj nam roko
Mesec lenuh, hitreje za nami
Mi gremo, gremo s puško na rami
V napad za svobodo, za kruh

Zvezde že nam žare
Pot nam razsvetljujejo temno
Ta hoče ta gre
In mesec nad njo, nad njo
Veter potepuh, podaj nam roko
Mesec lenuh, hitreje za nami
Mi gremo, gremo s puško na rami
V napad za svobodo, za kruh


Quem são esses jovens
Que marcham pelo vilarejo?
Quem são esses jovens
De quem é o rosto brilhando assim?

Esses são jovens partisans
De espírito inquebrantável
Esses são jovens partisans
Que lutam por um mundo novo

Quem são essas moças
Com rifles sobre os ombros?
Quem são essas moças?
Elas não têm medo algum?

Esses são jovens partisans
Que ouviram a voz do coração
Esses são jovens partisans
Que deixaram o medo em casa

Como é esse jovem exército
Que cantava pelo vilarejo?
Como é esse jovem exército
Diferente de tudo o que havia antes?

Esse é nosso verdadeiro exército
Essa é nossa grande força
Esse é nosso exército de partisans
Que chamam a manhã com seu canto

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Kdo pa so ti mladi fantje
Ki korakajo skoz’ vas?
Kdo pa so ti mladi fantje
Ki jim tak žari obraz?

To so mladi partizani
Neupogljivega duha
To so mladi partizani
Borci novega sveta

Kdo pa so dekleta mlada
Puške imajo na ramah?
Kdo pa so dekleta mlada?
Ali ni jih prav nič strah?

To so mlade partizanke
Slušale so glas srca
To so mlade partizanke
Strah pustile so doma

Kakšna je ta mlada vojska
Ki zapela je skoz vas?
Kakšna je ta mlada vojska
Druga vsa kot prejšnji čas?

To je prava naša vojska
To je silna naša moč
To je vojska partizanska
Jutro znani nam pojoč



terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Canções partisans iugoslavas (2)


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Depois da última publicação em 2019 com a tradução de algumas das chamadas “canções partisans” iugoslavas, a maioria em esloveno, enfim estou retomando aquelas cuja letra consegui localizar e que tinham alguma tradução pra outra língua. Infelizmente, o YouTube derrubou meu canal Pan-Eslavo Brasil em agosto de 2021 e, se antes disso eu incorporava aqui os vídeos legendados que eu fazia com essas músicas, agora só tem as letras originais e traduzidas pro português, além dos vídeos com as gravações originais. A maioria dos áudios foi gravada pelo Partizanski pevski zbor (Coral Partisan) da Eslovênia, país que ainda cultiva a memória da resistência antifascista da 2.ª Guerra Mundial, sem por isso achar que “na época do socialismo tudo era melhor”. Algumas canções já foram publicadas separadamente na página ao longo dos anos.

Algumas das canções tecem louvores a Josip Broz, o Marechal Tito, mas a maioria faz referência à resistência contra a invasão nazista. Comecei a me interessar por essas músicas ainda aos 16 anos de idade, quando muito poucos já tinham redes sociais e o YouTube nem existia. Por um acaso, pesquisando nos mecanismos de busca sobre a Iugoslávia socialista, achei na época a rica página Titoville, que funciona até hoje, com fotos, textos e áudios de discursos e canções do período. Confesso que o regime titoísta (1943-91) foi o único pelo qual tive alguma simpatia, mas na adolescência. Na época, eu só escutava as músicas partisans em MP3 no computador, e a partir de 2011 também num velho celular, e sequer sabia que boa parte delas era cantada em esloveno, e não em servo-croata.

Durante a graduação em História, aprendi russo, e algum tempo depois, um pouco de outras línguas eslavas, incluindo as bases do esloveno, mas nunca me aprofundei. Usando agora os múltiplos recursos que a internet oferece, fui traduzindo ao longo dos anos algumas canções iugoslavas em servo-croata e em esloveno. No caso de hoje, encontrei traduções em inglês e italiano, mas as comparei também com o resultado que o Google Tradutor dava em português quando eu jogava o texto em esloveno. Também escolhi usar a palavra partisan em francês, mais adequada ao contexto de 1939-45 e mais abrangente, equivalente ao eslavo meridional partizan (com “z”) e ao italiano partigiano Em francês, significa literalmente “partidário” ou “relativo a partido(s)”, mas evitei “guerrilheiro”, que às vezes é justamente traduzido como partisan fora do contexto europeu, porque a meu ver os partisans eram apenas alguns dos adeptos, como vários em outros tempos e lugares, da “tática de guerrilha”.

A primeira canção se chama Na juriš (Ao ataque), com letra de Tone Seliškar e melodia de Karol Pahor, e segundo a página em que encontrei o original e traduções em inglês e italiano, foi composta em 1943. A segunda se chama Pesem XIV. divizije (Canção da 14.ª Divisão), também conhecida como Zaplovi pesem (A canção navega), cuja letra de Karel Destovnik Kajuh, membro da referida divisão, provavelmente data de novembro de 1943 e que recebeu melodia de Sveto Marolt-Špik. Segundo a página em que encontrei o original e uma tradução pro servo-croata, seu atual formato em estrofes de quatro versos teria sido estruturado pelo compositor Radovan Gobec. E a terceira se chama Vstala Primorska (O Litoral se levantou) ou Vstajenje Primorske (O levante do Litoral), datada de fevereiro de 1944 (segundo a Wikipédia eslovena) e com letra de Lev Svetek-Zorin e melodia de Rado Simoniti. Na página com o original há também traduções em inglês e italiano, mas um comentarista bondoso também publicou outra tradução anglófona no vídeo do YouTube.

Primorska” é uma palavra cognata à russa “primórie” e significa “região costeira”, “litoral” (lit. “junto ao mar”). Designa essencialmente a parte mais ocidental da atual Eslovênia, por isso mesmo mais “de cara” com a Itália fascista que queria subjugar esse povo em definitivo. Com a dissolução do Império Austro-Húngaro, um quarto do território de população eslovena passou pra Itália, que durante o “vintênio fascista” praticou uma italianização forçada, não sem resistência nativa. A invasão de Mussolini levou à anexação completa da Eslovênia, até sua libertação pelos partisans, que também obtiveram esse “quarto faltante”, embora ainda haja minorias eslovenas nos países vizinhos. O litoral esloveno é bastante reduzido e a cidade italiana de Trieste (ou Trst) fica bem na fronteira, tendo sido outrora bem mais eslovena que a própria capital atual, Ljubljana. A península da Ístria, bem protuberante nos mapas e onde fica Pola (Pula), terra natal de Sergio Endrigo, pertence à Croácia.

Recomendo também um material que usei na publicação de 2019 e, em parte, na publicação que vai aparecer amanhã! Esta seção de um portal bem maior contém as traduções de algumas canções iugoslavas, e num fórum de variedades alguém criou um tópico com algumas dessas músicas traduzidas pro inglês. Existe também um rico site com o áudio e a letra de muitos cantos populares eslovenos, mas escrito só na língua local.


Ao ataque, ao ataque, ao ataque
O grito dos combatentes ressoa pelas florestas
As fileiras inimigas são densas

2x:
Bata, ataque, corte, queime
Ao ataque, oh-ei, partisan
O dia da liberdade está diante de você

Ao ataque, ao ataque, ao ataque
Que queimem todas as árvores podres
Que a Terra se transforme em Paraíso

2x:
Que o Sol brilhe pra todos e só brote alegria
Ao ataque, oh-ei, partisan
O dia da liberdade está diante de você

Ao ataque, ao ataque, ao ataque
Vinguemos as casas queimadas
Vinguemos todos os nossos túmulos

2x:
Expulse os furiosos e salve os sofredores
Ao ataque, oh-ei, partisan
O dia da liberdade está diante de você

Ao ataque, ao ataque, ao ataque
Os irmãos oprimidos nos acompanham
Conquistamos sozinhos a liberdade

2x:
Passando fome e dores por uma vida melhor
Ao ataque, oh-ei, partisan
O dia da liberdade está diante de você

____________________


Na juriš, na juriš, na juriš
Krik borcev vihra skozi hoste
Sovragove vrste so goste

x2:
Udari, navali, usekaj, izpali
Na juriš, o-hej, partizan
Pred tabo svobode je dan

Na juriš, na juriš, na juriš
Požgimo vsa gnila drevesa
Zemljo spremenimo v nebesa

x2:
Vsem sonce naj sije, le radost naj klije
Na juriš, o-hej, partizan
Pred tabo svobode je dan

Na juriš, na juriš, na juriš
Maščujmo požgane domove
Maščujmo vse naše grobove

x2:
Preženi besneče in reši trpeče
Na juriš, o-hej, partizan
Pred tabo svobode je dan

Na juriš, na juriš, na juriš
Vsi bratje teptani za nami
Svobodo si vzamemo sami

x2:
Skoz glad in trpljenje v lepše življenje
Na juriš, o-hej, partizan
Pred tabo svobode je dan


1. O canto das lutas e vitórias
Navega por montes e mares
A canção da 14.ª Divisão
Navega pelo mundo
Carrega Tomšič e os espíritos
De Šercer e de Bračič
E por toda a terra eslovena
Ela esquenta nossos corações

Refrão (2x):
À luta, Décima Quarta, ao ataque
Que se espalhe pelo mundo
Ergamos as armas e avancemos heroicos
Sigam o comandante à batalha. Avante!

2. Quando a pátria se reerguer
Dos sofrimentos e da tristeza
Então a Décima Quarta
Vai caminhar triunfalmente
Vai estar entre as primeiras
Na linha de divisões
Que lutaram por dias
Melhores e mais felizes

(Refrão 2x)

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1. Zaplovi pesem borb in zmage preko gmajn, gora
Zaplovi pesem divizije Štirinajste v svet
Ponesi Tomšiča, duh Šercerja, duh Bračiča
Po vsej slovenski zemlji in prekali z njim srca

Refren (x2):
V borbo, Štirinajsta, juriš
Naj se razlega prek sveta
Dvignimo puške in naprej junaško
Vsi za komandantom v boj. Naprej!

2. Ko domovina vstane iz trpljenja in gorja
Takrat bo Štirinajsta zmagovito stopala
Takrat med prvimi bo stala v vrsti divizij
Ki so borile se za boljše in srečnejše dni

(Refren x2)


Tínhamos trancado dentro de nós a dor
Nossa humilhação, nossa raiva
E enterrado bem no fundo do coração
O grito de vingança preso sob os lábios

Mas veja, se abateu uma tempestade fortíssima
E rompeu as correntes do jugo como teias de aranha
E o raiar de um novo dia brilhou novamente
Até as últimas casas do Litoral

As metralhadoras cantaram sua canção
O estrondo dos canhões sacudiu o ar
E os vastos campos estavam em chamas
Um grito de liberdade surgiu entre as florestas

2x:
Você ressuscitou, Litoral, pra uma nova vida
Entra de cabeça erguida numa nova época
Pelas lutas, humilhações, vitórias e sofrimento
Você enfim reencontrou sua verdadeira face

____________________


Nekdaj z bolestjo smo v sebe zaprli
Svoje ponižanje, svoje gorje
Krik maščevanja na ustnih zatrli
Ga zakopali globoko v srce

Toda glej, planil vihar je presilen
Kot pajčevine raztrgal okov
Šinil je zopet žar novega dneva
Tja do poslednjih primorskih domov

Strojnice svojo so pesem zapele
Zrak je pretreslo grmenje topov
Širne poljane so v ognju vzplamtele
Klic je svobode vstal sredi gozdov

x2:
Vstala Primorska si v novo življenje
Z dvignjeno glavo korakaj v nov čas
V borbah, ponižanju, zmagah, trpljenju
Našla si končno svoj pravi obraz



segunda-feira, 20 de janeiro de 2025

Netanyahu fala dos reféns (18/1/2025)


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Primeiro-ministro de Israel, Binyamin (ou Benjamin) Netanyahu comentou no dia 18 de janeiro de 2025 o acordo de cessar-fogo com o Hamas visando à libertação de 33 reféns detidos em Gaza e de 737 prisioneiros palestinos durante os próximos 42 dias. Começando do domingo seguinte, dia 19, três moças já saíram do cativeiro e 95 presos foram libertados, mas não se sabe ao certo quantos desses 33 reféns podem já estar mortos (ou seja, vão ser devolvidos apenas os corpos). O ministro de extrema-direita Itamar Ben-Gvir, hostil a qualquer acordo, anunciou a saída de seu partido da coalização de governo, que agora se mantém com um número mínimo de deputados suficientes no Parlamento.

O discurso à nação, denominado “A libertação dos reféns é uma missão sagrada”, foi transmitido em hebraico no canal oficial do governo, mas em seu site existe também uma tradução em russo do mesmo discurso, a partir da qual fiz a versão em português que estou lançando aqui.


Caros cidadãos de Israel,

Em 7 de outubro, nossos inimigos cometeram o mais terrível assassinato em massa do povo judeu desde o Holocausto. Mas dessa terrível tragédia emergiu a força do espírito de nosso povo, bem como o heroísmo de nossos soldados.

Essa força nos move com a determinação de atingir todos os objetivos de guerra que estabelecemos: resgatar todos os nossos reféns, destruir as capacidades militares e governativas do Hamas e garantir que Gaza não represente mais uma ameaça a nosso Estado.

Nesta guerra pelo reavivamento, mostramos a nossos inimigos – e ao mundo todo – que quando o povo de Israel está unido, não há força que possa nos destruir.

Tenho orgulho de ser o primeiro-ministro de nosso maravilhoso povo. Tenho orgulho de liderar nosso país em tempos como esses.

O gabinete e o governo aprovaram o plano para o retorno de nossos reféns. Este é o objetivo da guerra, ao qual não renunciaremos até alcançá-lo.

Essa missão sagrada de libertar reféns me acompanhou por toda a minha vida: desde meus dias como soldado no Tsahal até meus anos como primeiro-ministro.

Junto com vocês, cidadãos de Israel, e com muitas pessoas ao redor do mundo, minha esposa Sara e eu esperamos, rezamos e atuamos pelo retorno de todos os nossos reféns. Penso neles o tempo todo.

Minha esposa Sara se dedica de corpo e alma ao cuidado das famílias e dos reféns libertados, trabalhando para eles em Israel e no exterior.

Sei que essa preocupação é compartilhada por todas as famílias de Israel. Prometo a vocês: alcançaremos todos os objetivos de guerra. Traremos todos para casa.

Até o momento, resgatamos 157 reféns, 117 dos quais estão vivos. Pelo acordo agora aprovado, traremos para casa mais 33 dos nossos irmãos e irmãs, a maioria deles vivos.

Este acordo é o resultado, antes de tudo, do heroísmo dos nossos soldados em batalha, bem como de nossa firme posição na defesa dos interesses vitais de Israel.

O acordo foi possível graças à cooperação de Israel com a administração do presidente Biden, que está saindo, e a nova administração do presidente Trump.

Assim que foi eleito, o presidente Trump se juntou à missão de libertação dos reféns. Na quarta-feira à noite, ele me ligou, me parabenizou pelo acordo e enfatizou que sua primeira etapa constituía em um cessar-fogo temporário. Foi o que ele disse: “cessar-fogo temporário”.

Para as etapas subsequentes do acordo, mantivemos ativos significativos para resgatar todos os nossos reféns e atingir todos os objetivos da guerra.

Tanto o presidente Trump quanto o presidente Biden apoiaram totalmente o direito de Israel de retomar as hostilidades se o país concluir que as negociações da segunda fase se revelarem infrutíferas. Realmente valorizo isso.

Também valorizo a decisão do Presidente Trump de suspender todas as restrições restantes ao fornecimento de armas e munições vitais para Israel.

Se precisarmos retornar aos combates, faremos isso de novas maneiras e com mais força.

Durante as negociações, defini vários princípios:

O primeiro princípio é manter a capacidade de retomar as hostilidades, se necessário. Durante longos meses, o Hamas vem exigindo que acabemos com a guerra antecipadamente como condição para libertar os reféns. Recusei categoricamente essas condições e minha posição foi aceita.

O segundo princípio é aumentar consideravelmente o número de reféns que estamos resgatando na primeira etapa. Nossa persistência valeu a pena.

O terceiro princípio é manter o controle sobre o Corredor Filadélfia e a zona de segurança. Israel terá controle total sobre esses territórios para impedir o fornecimento de armas ou a remoção de reféns.

Também atacamos inimigos em sete frentes e alcançamos sucessos históricos.

Cidadãos de Israel, a guerra pelo reavivamento exige que tomemos decisões difíceis, mas é aí que entra a verdadeira liderança. Apesar da dor, protegemos nosso povo e garantimos o futuro do nosso país.

Nós venceremos porque o espírito que move nosso povo é indestrutível.

Com a ajuda de Deus, derrotaremos nossos inimigos e garantiremos nosso futuro.

“Há um reavivamento, e há esperança para o futuro.”



domingo, 19 de janeiro de 2025

Discurso de Tito em Split (1962)


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Alguns anos atrás, publiquei aqui o pequeno trecho de um famoso discurso público de Josip Broz, o Marechal Tito, presidente da Iugoslávia socialista, feito na cidade croata de Split, em 7 de maio de 1962. Aludi então à existência de outro vídeo há muitos anos no ar, com um homem fazendo uma breve apresentação e um dos principais trechos do discurso, mas cuja transcrição nunca consegui encontrar na internet. Procurando durante algum tempo, achei alguns fragmentos, em especial do início, mas eles não contemplavam o resto da fala. E mesmo tendo estudado um pouco de servo-croata por algum tempo, nem em 2019 nem em 2025 me sinto capaz de transcrever só de ouvido, até porque às vezes o ditador fala meio rápido.

Soube que em algumas bibliotecas ao redor do mundo, inclusive a de Belgrado, existem exemplares de um Govor na narodnom mitingu u Splitu, o que parece ser a transcrição completa desse discurso publicada logo depois, com leves edições e sem cópias gratuitas online em PDF. Embora eu entenda muito pouco servo-croata, consegui tirar algumas frases de ouvido, e por esses milagres que só parecem acontecer após insights inesperados que a gente tem, ao invés de continuar procurando pelo Google, resolvi procurar pelo Yandex, o buscador russo. Ele é o maior indexador de escrita cirílica do mundo (salvo engano, pois faz muitos anos que ouvi isso), mas não procurei em cirílico, e sim em “latinica”, e mesmo assim caí neste longo artigo historiográfico, croata, que incrivelmente tinha a transcrição quase idêntica daquele primeiro vídeo específico! Tudo bem que a publicação é de 2018, mas mesmo assim me admira que o “onipotente” Google não a tenha indexado, e que eu tenha demorado tantos anos pra encontrá-la...

Mesmo contendo apenas a transcrição do primeiro trecho que legendei, e não deste, que estou apresentando sem legendas, bem como a transcrição de vários outros trechos, deixo à disposição um arquivo em PDF com trechos selecionados daquele livreto (e que tem também uma pequena nota explicativa) e uma página com a mesmíssima transcrição, mas um pouco mais abrangente no final. Num dos comentários desta publicação de um blog, há mais um trecho transcrito e não contido nos textos anteriores, mas sem o vídeo correspondente na internet. A partir da transcrição do site croata, fiz correções pra deixar mais fiel à oralidade, mesmo que isso implicasse manter algumas repetições inúteis, e troquei as palavras em ijekavica pelas formas ekavica equivalentes, usadas por Tito. Depois, joguei no Google Tradutor, corrigi o resultado (usando inclusive o Wiktionary) e padronizei a formatação.

No vídeo abaixo, as únicas modificações que fiz foram tirar a introdução com o senhor falando e recortar o quadro pra dimensão 16:9. Nota linguística: drug (pl. drugovi) e drugarica (pl. drugarice) são respectivamente o masculino e o feminino de “camarada”, que em português é um substantivo de dois gêneros, mas igualmente não, por exemplo, em alemão, que tem Genosse (masc.) e Genossin (fem.). A foto acima, com fins meramente ilustrativos, não é do discurso de Split, mas de algum outro evento parecido. Afinal, vemos que os microfones não são os mesmos e que ele está segurando um chapéu ao invés de um exemplar da revista Crusoé, rs:


Camaradas! Quando falamos aqui hoje sobre mais uma grande conquista de nossos trabalhadores, estamos orgulhosos dela. Estamos orgulhosos de tudo o que conquistamos até hoje. E, de fato, a Iugoslávia renasceu em sua industrialização, e não apenas na industrialização, mas em geral, na construção, em geral na construção! Ela não é mais o que costumava ser.

Vocês sabem que recentemente realizamos uma sessão do Comitê Executivo do Comitê Central da Liga dos Comunistas da Iugoslávia. Devo dizer que é justamente essa preocupação e inquietação com diversas anomalias que nos obrigou a analisar todos esses fenômenos de forma muito precisa, muito, como devo dizer, completa, e a criticar a nós mesmos. E, por Deus, não pouparemos ninguém das críticas. (Aplausos. Multidão canta: “Camarada Tito, nós lhe juramos que não nos desviaremos de seu caminho.”)

Camaradas! E se hoje temos dificuldades objetivas e deficiências objetivas, então elas são resultado de erros subjetivos de nossos dirigentes. (Aplausos) É claro que quando falo sobre os erros subjetivos dos dirigentes, não me refiro a todos. Mas há muitos deles! (Aplausos) E discutimos essas questões, essas mesmas questões entre nós. Eu gostaria, camaradas... (Aplausos. Grito em coro: “Tito é necessário, Tito é necessário...”) Camaradas, quando falo dos erros dos dirigentes, também me refiro à responsabilidade indireta pelo que os outros fizeram. Pois os comunistas também devem responder por tudo, mesmo agora depois da guerra, na construção do socialismo. (Aplausos estrondosos. Grito em coro: “Tito, partido...”)

Por um tempo, por um tempo, houve uma opinião constante: agora os comunistas, com a democracia e a descentralização, eles não têm mais o direito nem o dever de responder pelo desenvolvimento, pelo desenvolvimento interno de nosso país. Isso está errado! Mais uma vez devemos, mais uma vez devemos insistir que os comunistas respondem pelo desenvolvimento do socialismo! E quem mais o fará senão os comunistas?

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Drugovi i drugarice! Kada danas ovde govorimo o jednom opet velikom dostiženju naših radnih ljudi, mi se time ponosimo. Mi se ponosimo sa svime time šta smo postigli do danas. I zaista Jugoslavija je u svojoj industrijalizaciji, i ne samo u industrijalizaciji, nego u opšte, u izgradnji, opšte u izgradnji preporođena! Nije više ono što je bila.

Vi znate da smo nedavno održali sjednicu Izvršnog komiteta Centralnog komiteta Saveza komunista Jugoslavije. Ja moram da kažem da baš ta briga, i ta zabrinutost zbog raznih anomalija nas je prisilila da vrlo oštro, vrlo, kako da kažem, temeljito proanaliziramo sve te pojave i da izvršimo kritiku i sami sebe. A boga mi, nećemo štediti i sa kritikom i svi drugih. (Aplauz. Masa peva: „Druže Tito, mi ti se kunemo da sa tvoga puta ne skrenemo.“)

Drugovi i drugarice! I ako danas imamo objektivnih teškoća, i objektivnih nedostataka, onda su oni rezultat subjektivnih grešaka naših rukovodećih ljudi. (Aplauz) Ja, razume se, kada govorim o subjektivnim grešaka rukovodećih ljudi ne mislim na sve. Ali ih ima ne malo! (Aplauz) I mi ta pitanja, baš ta pitanja smo diskutirali u nas. Ja bih htio, drugovi i drugarice… (Aplauz. Horsko uzvikivanje: „Tito treba, Tito treba…“). Drugovi i drugarice, kako govorim o greškama rukovodećih ljudi, ja podrazumevam tu i indirektnu odgovornost, za ono što su drugi radili. Jer i komunisti moraju biti odgovorni za sve i sada posle rata u izgradnji socijalizma. (Gromoglasan aplauz, horsko uzvikivanje: „Tito, partija…“)

Neko vreme, neko vreme se bilo stalno mišljenje, komunisti sada, demokratija, decentralizacija, i sada oni nemaju više tako, ni pravo, a ni dužnost, da moraju, da odgovaraju za razvoj, za unutrašnji razvoj naše zemlje. To je pogrešno! Ponovno mi moramo, ponovno mi moramo stati na to, da komunisti odgovaraju za razvitak socijalizma! A tko će drugi ako ne komunisti?