domingo, 13 de outubro de 2024

Putin, o mais citado dos “cientistas”


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Este artigo publicado em 7 de outubro de 2024 na versão russa do Moscow Times se chama “Putin se tornou o ‘cientista’ mais citado entre os políticos russos” e foi escrito por Iaroslav Chingaiev. O título ficou ambíguo, porque ele quer dizer exatamente que vários políticos russos são citados como “cientistas”, e entre esses, Putin tem ganhado disparado. E sim, pra aumentar a possibilidade de financiamento e reduzir as chances de marginalização, políticos com pretensões “científicas” podem ser citados em pesquisas de todo o tipo... O artigo do Viorstka citado por Chingaiev explica exatamente por que as elites políticas russas se esforçam por aparecer em tais citações e o que ganham com isso, embora sejam ignorados em todo o resto do mundo.

O jornalista dissidente Kirill Martynov comparou o fenômeno aos trabalhos científicos da era soviética em todas as áreas, em que Marx, Engels e Lenin, pelo menos na introdução, eram inevitavelmente citados, além de Stalin, antes dele “cair em desgraça”, e por vezes até o líder do momento (Khruschov ou Brezhnev). Claro que nossos comunistas idiotas nunca viram isso como uma aberração, enquanto se trata claramente de um ranço autoritário e sufocador da liberdade de criação e investigação, mais ainda na Rússia enferrujada de Putin. Eu mesmo traduzi o artigo, só usando dicionário quando necessário:


Vladimir Putin se tornou o mais citado dos “cientistas” que ocupam cargos políticos na Rússia. Até agora, seus artigos e discursos foram citados em revistas, livros, manuais e monografias 16 278 vezes. A informação foi publicada pelo portal Viorstka, depois de analisar os dados do RINTs (sigla em russo pra Índice Russo de Citações Científicas).

O único que pode competir com Putin em número de citações é o chefe da Corte Constitucional, Valeri Zorkin, que é mencionado 14 280 vezes. O colaborador científico de um dos institutos da RAN (sigla em russo pra Academia Russa de Ciências) explicou que o nível tão alto de citações do presidente resulta do esforço por adquirir confiança. “Uma coisa é você simplesmente ter uma revista, outra coisa é Putin aparecer impresso nela. Uma coisa é você apenas ser um cientista, outra coisa é você ter seus pensamentos aprovados pelo próprio presidente”, comentou.

Em terceiro lugar no número de citações está o chefe do comitê da Duma Estatal para a Construção do Estado e a Legislação Constitucional, Pavel Krasheninnikov (7 200 menções), e em quarto, o diretor do “Instituto Kurchatov” e partidário próximo de Putin, Mikhail Kovalchuk (6 897 referências). Dmitri Medvedev, ex-presidente da Rússia e vice-presidente do Conselho de Segurança, é citado 5 792 vezes e ocupa o quinto lugar no ranking.

Segundo dados do RINTs, Putin acumula 579 publicações científicas, das quais a maioria são reimpressões de seus discursos e pronunciamentos públicos e artigos que os cientistas incluem em seus trabalhos à guisa de citações.

Porém, a nível internacional, a comunidade científica não reconhece Putin como um cientista. Nas bases de dados Scopus e Web of Science, não há trabalhos científicos nem do chefe de Estado, nem da maioria dos representantes da elite russa. Os cientistas ouvidos pelo Viorstka explicaram por que os políticos são ativamente citados em publicações científicas russas, mas ignorados na arena internacional. Isso se deve tanto a peculiaridades no funcionamento do RINTs quanto à comunidade científica russa como um todo.

Nas palavras do professor de filosofia da Universidade de Ruhr, Nikolai Plotnikov, o RINTs se transformou agora numa “grande máquina de produzir ciência fajuta”. “Talvez [ele] tenha mesmo sido pensado como um ranking de cientificidade pras publicações em língua russa, mas se transformou em seu contrário. E especialmente agora, porque algo foi perdido da ligação com a ciência mundial”, disse Plotnikov. Formalmente, as exigências das revistas russas e internacionais são as mesmas, mas “o problema reside na transgressão sistemática das regras pelos rankings russos e na picaretagem pura e simples”, sublinhou o especialista.

Pros membros da RAN, estar publicado apenas no RINTs é nível “cê é burro, cara!” [“фу таким быть!”: intraduzível, quando não concordam com seu jeito de ser ou agir], explicou um dos colaboradores da academia em conversa com os editores: “Se oficialmente a direção diz: ‘O Scopus agora não é importante’, na prática os bônus são divididos entre os membros com base nas publicações valorizadas pela base. E os trabalhos no RINTs somente são necessários pra evitar que você seja demitido”.



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