sábado, 17 de fevereiro de 2024

Que é e pra que serve o esperanto?


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Aqui está outro texto que publiquei num antigo site sobre esperanto por mim mantido entre 2005 e ca. 2007. Seu nome é “O que é e pra que serve o esperanto? ou Dissertação pessoal acerca dos benefícios do uso de um idioma internacional”, e certamente não é um tom nem um conteúdo que eu externaria atualmente. Mesmo assim, pra fins de registro e memória, decidi o rever, reeditar, corrigir, atualizar e publicar aqui, pois mesmo que eu não seja mais um grande propagandista, acho muito interessantes algumas das ideias que expus aqui:



“La Melono” (O Melão), um dos símbolos usados pra identificar o esperanto.


Quantas línguas e dialetos dessas línguas temos no mundo? 5 mil? 6 mil? 8 mil? 10 mil? Ou até mais? É, sabemos que dentro da espécie Homo sapiens sapiens, a variação entre suas formas de comunicação ao longo dos tempos e de acordo com o grupo onde vive é consequência de algumas características peculiares desse animal, como a capacidade de criar história, cultura, abstrações pra representação da realidade e uma enorme quantidade de técnicas. Por isso, cada grupo humano, de acordo com suas necessidades, criou sua própria maneira de se comunicar, seja falada, seja grafada. E hoje temos essa enorme variedade de línguas ou idiomas, cada um com suas peculiaridades: os idiomas eslavos possuem as chamadas consoantes palatizadas, como, por exemplo, podemos notar nos nossos sons “lh” e “nh” que, para eles, são o “l” e o “n” palatizados; os idiomas semitas, como o árabe, o hebraico e o aramaico, não costumam grafar as vogais, grafando apenas os sons consonantais; enquanto o idioma havaiano possui apenas 13 grafemas pra escrever seus poucos sons (A, E, H, I, K, L, M, N, O, P, U, W e um apóstrofo pra representar uma parada glotal), os dialetos chineses usam mais de 5 mil símbolos pra expressar incontáveis ideias e combinações de ideias; o idioma silbo, usado em La Gomera, nas Ilhas Canárias, é formado só por assobios; os surdos-mudos comunicam-se por uma linguagem que usa gestos dos membros superiores e da face; os cegos leem usando um alfabeto formado por pontos em relevo tateados pelos dedos das mãos; e por aí, por aí vai, nesse mundão afora...

Se você é cristão, é muito provável que tenha uma Bíblia Sagrada, ainda que guardada lá no fundo daquele baú velho; se não for, aproveite a oportunidade pra conhecer um pouco sobre a Bíblia. Perceba que o Antigo Testamento possui histórias pra explicar as mais variadas características humanas e cósmicas, como a existência do homem, da mulher, do mal, do Sol, da Lua, das estrelas e dos mares, o uso da roupa pelo ser humano etc. Uma delas explica a existência da divisão humana pelas línguas que, estando no livro do Gênesis, capítulo 11, do versículo 1 ao versículo 9, vale a pena ser relembrada:

O mundo inteiro falava a mesma língua, com as mesmas palavras. (...) Então Javé desceu para ver a cidade e a torre que os homens estavam construindo. E Javé disse: “Eles são um povo só e falam uma só língua. Isso é apenas o começo de seus empreendimentos. Agora, nenhum projeto será irrealizável para eles. Vamos descer e confundir a língua deles, para que um não entenda a língua do outro”. (...) Por isso, a cidade recebeu o nome de Babel, pois foi aí que Javé confundiu a língua de todos os habitantes da terra (...).

Por isso, no ocidente cristão, é comum que alguém use a expressão “Babel” ou “Torre de Babel” ao comentar as divergências linguísticas no mundo. Mas, como eu já disse, essa variação possui explicação racional e o humano, como um ser também “racional”, deveria ter uma capacidade brilhante pra resolver todos os problemas que surgem da diferença entre línguas. Quero deixar claro que não considero a diferença linguística como um problema, mas as barreiras linguísticas, pois diferenças se devem à cultura de cada um, e ser contra “a” ou “uma” cultura é um terrível desmando, mas as barreiras são os problemas que decorrem dessas diferenças, e que devem ser resolvidos. Mas como? Fazendo com que todos na Terra adotem um só idioma? Substituindo as línguas faladas por algo escrito ou gesticulado? Ou criando um idioma que todos soubessem falar e, por meio dele, pudessem se comunicar sem incompreensões? Assim, quando se fala em esperanto, é sobre esta última solução que devemos dissertar.

“Esperanto” significa “aquele que tem esperança”: esperança em ver um mundo mais justo, a começar pela justiça na comunicação e no respeito à diversidade cultural!

Normalmente, quando falamos de um idioma que é mundialmente compreendido e usado como principal meio de comunicação dentro dos eventos de nível global, podemos chamá-lo de ”idioma internacional”. Chamá-lo de “universal”, tal como fazemos com vários outros elementos conhecidos em toda a Terra, é um erro, pois, segundo até o que a astronomia conseguiu descobrir sobre o Universo, somos os únicos seres que usam a comunicação falada. Na história do mundo, tivemos muitos idiomas considerados internacionais, e ainda teremos (e em um período bem mais curto do que em outras épocas!), sendo os contextos dos mais variados. Na Antiguidade, tivemos dois idiomas que serviam como ponte no mundo ocidental conhecido até então, considerado “civilizado”: o grego, que perdurou até os tempos do Império Romano devido à grande culturalidade e às importantes contribuições de seu povo pra humanidade, e o latim, que foi implantado à força aos povos conquistados, que deram origem às línguas românicas. Mesmo após a queda de Roma como centro do mundo, o latim ainda continuou sendo a língua-ponte dos povos europeus, usada em livros, escolas, ordens religiosas, tratados etc.

Entre a Idade Média e a Idade Moderna, os principais homens de cultura europeus começam a escrever em suas respectivas línguas maternas, e começam a ascender línguas de grandes impérios colonialistas, como o português, o espanhol, o francês e o inglês; estas duas, pertencentes às nações posteriormente mais fortes, começam a dominar o cenário mundial e vão parar na boca de falantes que podem estar a milhares de quilômetros de distância do lugar de origem de suas línguas. Expandidas pela força das armas e do dinheiro, afirmam-se na diplomacia mundial e tornam-se sinal de prestígio. Poucos séculos mais tarde, começa a 1.ª Guerra Mundial e, com ela, consolida-se o poder econômico e militar dos Estados Unidos: aos poucos, o francês vai cedendo definitivamente seu lugar ao inglês, tendo hoje um papel bem reduzido em relação àquele que possuía durante a Belle Époque. Na 2.ª Guerra Mundial, Hitler ainda tem sonhos de pôr o mundo nas mãos da Alemanha e, assim, o idioma alemão como grande comunicador, e, ao fim da luta, a União Soviética, também consolidada como superpotência, parece querer pôr o russo na boca de todos os países subjugados.

Na situação atual, podemos dizer que o inglês é a língua considerada internacional, pois seus principais falantes maternos detêm o poder econômico do mundo, possuem grande influência na diplomacia, seja para resolver problemas, seja para costurar acordos, e guardam consigo os segredos tecnológicos e científicos mais avançados. Se formos considerar por esse lado, vemos que muitos países estão crescendo e, em breve, poderão superar os Estados Unidos em potencialidade; consequentemente, levarão para o topo também seus respectivos idiomas. Assim, muitos especulam que os próximos idiomas que podem ascender no século 21 são o espanhol, o alemão, o japonês e o mandarim [lembre-se que escrevi isso em 2005!]. O último merece uma atenção especial, pois é o idioma de uma nação que está tendo uma excelente taxa de crescimento anual do PIB e, segundo especulações, pode ser a principal potência dentro de 30 anos.

E é nesse vaivém de línguas que nós, reles mortais falantes de outros idiomas menores do mundo, espectadores de uma história que nunca foi tão mutante, somos a cada século obrigados a aprender novos idiomas pra fazer e aparecer. Idiomas que possuem pronúncias diferentes das nossas, com sons que não estamos acostumados a articular, construções sintáticas que confundem nossas mentes, grafias irregulares que atrapalham o dom de se escrever bem (isso é um problema até mesmo pra um falante nativo de algumas dessas línguas que seguem as chamadas “tradições” e se veem perdidos num sistema ortográfico totalmente etimológico, como o português, o inglês e o francês); imagine quando o mandarim alcançar o status de idioma internacional, se formos obrigados a decorar aqueles 5 mil caracteres só pra termos uma comunicação escrita de nível básico! E então? Qual seria a melhor solução pra tudo isso?

Se os poderes político, econômico e tecnológico de um país não o fizessem sedento de poder mundial e não impusessem a dominação de sua língua sobre outras culturas, as várias instituições mundiais poderiam usufruir de um idioma que tivesse largas aplicações no comércio, turismo, cultura, política, diplomacia e troca de informações entre pessoas que falam idiomas diferentes, numa base neutra de comunicação, que não privilegiasse esta ou aquela cultura ou país. Um idioma que usasse palavras das línguas já existentes pra que a maioria, ao ler os primeiros trechos nesse idioma, pudesse, sem estudo prévio, compreender boa parte do que está escrito; ou do contrário: ao ser aprendido, ajudasse a compreender várias palavras e estruturas nos outros idiomas. Seria muito bom se, pra comunicação internacional, usássemos somente um idioma fácil, bonito e neutro, sem a obrigatoriedade de aprendermos difíceis línguas nacionais; isto seria bom fazermos em último caso, quando precisássemos morar com os povos que as falam ou fôssemos linguistas que estudam suas mais diversas propriedades. Mas esse idioma, sendo gerado desses diversos idiomas, nos estimularia a aprendê-los pra conhecermos as mais diversas culturas e sabermos de onde vem nosso idioma internacional.

Pensando nisso, um polonês chamado Ludwig Lejzer (ou, em português, Luís Lázaro) Zamenhof, nas últimas décadas do século 19 e nas primeiras do século 20, chegou à seguintes sábias conclusões:

1) A diversidade de línguas é a única, ou ao menos a principal, causa da dispersão da família humana e de sua divisão em partes inimigas.

2) Nem mesmo uma centena de grandes invenções e descobertas fará na vida da humanidade uma revolução tão grande e tão benéfica como a adoção de uma língua internacional!

E dedicou sua vida a aprender diversos idiomas e elaborar o que seria esse projeto de idioma internacional. Tornando-se poliglota, fez várias e sofridas tentativas, até chegar a seu fruto final: o esperanto, por meio do primeiro livro, publicado em 26 de julho de 1887. Fez várias traduções e escreveu várias obras pra comprovar a praticidade de seu idioma e, enfim, organizou na cidade francesa de Boulogne-sur-Mer, em 5 de agosto de 1905, o primeiro Congresso Universal de Esperanto, onde quase mil pessoas provaram, na prática, a eficiência e praticidade de um idioma internacional. O número de falantes cresceu e, mesmo após a 1.ª Guerra Mundial (1914-1918), quando o movimento acabou se esfacelando, e após a morte de Zamenhof, em 1917, o movimento segue até a 2.ª Guerra Mundial, quando novamente sofre duras perseguições e é reprimido pelos vários movimentos totalitários em voga na Europa. Ainda assim, sobrevive a todas as tempestades, é agraciado pela UNESCO em 1954 e até hoje conta com milhões de falantes espalhados por quase todos os países do mundo, que fazem amizade entre si, trocam informações sobre suas culturas, aprendem mais sobre outros países e religiões e ajudam a desenvolver o esperanto a nível prático.

Lembre-se: um idioma internacional não serve para substituir os outros e fazer com que todos nós usemos apenas uma língua no mundo. Ao contrário: ele serve apenas como uma ponte entre os mais diversos falares, podendo ser ainda usado como um instrumento de defesa das línguas étnicas menores, faladas por poucas pessoas!

Mas o esperanto é, de fato, “o” idioma internacional?

Como disse o grande empresário e esperantista brasileiro Flávio Rebelo, “para que uma língua seja mundial, não é suficiente chamá-la assim”. Por isso, é muito importante o trabalho dos esperantistas, ou seja, pessoas que trabalham em prol da divulgação e do uso prático do esperanto nos mais diversos meios. Os diversos clubes, associações e entidades de esperanto estão aí pra ajudar na divulgação popular, na edição de material literário e fonográfico, e na reunião de esperantistas, pra que se possa usar e divulgar o idioma. Visto que o esperanto não é o idioma oficial de qualquer povo ou país, cabe aos falantes promover formas de torná-lo útil na comunicação internacional. Isso comumente se faz através de palestras, cursos e materiais de divulgação (cartazes, sites etc.) pra provar que o esperanto existe e é um idioma vivo de nosso tempo. Além disso, várias associações especializadas cuidam da tradução dos vocábulos pra designar os mais diversos elementos de todas as áreas do conhecimento e vivência humanos. Todas essas ações em prol do esperanto fazem parte do que se costuma chamar “movimento esperantista”. Você, que está aprendendo ou pretende aprender esperanto, tem um papel muito importante nessa caminhada, pois possui em suas mãos uma ferramenta muito importante pra melhorar a comunicação mundial: ajude a divulgar o esperanto e, assim, aumentar o número de pessoas no mundo que possam se comunicar usando uma base neutra e politicamente honesta!

Oficialmente, o esperanto não é exatamente reconhecido pelos órgãos internacionais como “o idioma internacional”, pois esse papel é desempenhado, ainda mais dentro desses órgãos, pelo inglês. Apesar disso, o esperanto provou e hoje ainda constantemente prova sua eficácia, pois milhões de pessoas que falam idiomas diferentes o usam pros mais diversos fins, em especial pra fazer amizades e trocar informações culturais. Se ele fosse hoje naturalmente aplicado nas atividades desses órgãos, com certeza só surgiriam benefícios, e a homogeneidade linguística de apenas algumas nações desapareceria por completo. Mesmo com tantos projetos de idiomas internacionais apresentados e usados, o esperanto é hoje o mais largamente usado e conhecido projeto, sendo por isso imediatamente relacionado à ideia de “idioma internacional”; isso porque ele possui uma genialidade fantástica em sua gramática e uma clareza de compreensão em suas palavras, de modo que ele não deturpou os vocábulos, como se fez em alguns projetos, ou manteve a pronúncia e a gramática irregulares como nos idiomas existentes, como se fez em outros: dessa forma, ele foi acolhido e largamente utilizado por vários especialistas e pessoas inteligentes.

Por esses motivos não se reconhece nas instituições internacionais o esperanto como “o idioma internacional”, mas, por suas vastas aplicações, conquistas e sucessos, pode-se afirmar com toda segurança que ele é uma das conquistas do século 20 e uma das promessas do século 21: basta ver como esperantistas lutam no Parlamento Europeu pra um maior apoio a suas aplicações oficiais! O esperanto tem todas as condições para ser reconhecido realmente como o idioma internacional, mas precisamos vencer todas as barreiras políticas que impedem tal realização a nível mundial. E é pra isso que lutam os esperantistas, divulgando a ideia de um idioma internacional e ensinando pra todos o esperanto, possibilitando a todos o acesso a uma preciosa ferramenta no degelo das cabeças de pedra dos poderosos que insistem em impor suas vontades e se esquecem que nosso mundo é um enorme formigueiro de culturas que precisam de uma base neutra pra se compreender e conviver em harmonia.

Por isso, não hesite: comece agora mesmo a aprender o ESPERANTO, e seja mais um entre os que acreditam na eficiência da adoção de um idioma-ponte neutro pra comunicação entre pessoas de línguas diferentes a fim de promover uma emancipação cultural mais justa e, consequentemente, a tão sonhada paz entre os povos, em cuja realização um idioma internacional neutro seria um dos maiores auxiliares!



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