Parece que não é só Vladimir Putin que está aspirando a um emprego no envelhecido programa “humorístico” A Praça é Nossa do SBT. Seu quase xará Volodymyr Zelensky, presidente da Ucrânia que está defendendo militarmente seu país da invasão bárbara da Rússia, também usou recurso parecido ao pedir mais armas e dinheiro pessoalmente pra seus parceiros no Congresso dos EUA, em sua primeira viagem internacional após o início da guerra aberta. Tá certo que devemos dar todo apoio a Kyiv e aos ucranianos que hoje sofrem com mais uma agressão expansionista tão velha quanto os métodos do século 19, mas Zelensky jamais foi um bom político, mesmo se levarmos em conta que seus antecessores foram muito piores. Pra ter uma noção, seu adversário que assumiu logo após o segundo Euromaidan, Petró Poroshenko, perdeu a reeleição em segundo turno por ampla margem, sobretudo no leste do país, justamente pra um comediante que tinha feito sucesso com uma série de TV em que ele matava a maior parte da classe política.
A escolha parece ter sido um desespero do eleitorado, mas lembremos que a Ucrânia ainda é um Estado muito jovem, e que ao contrário da Rússia, está seguindo normalmente seu caminho rumo à democracia, ainda que por acertos e erros e muita batida de cabeça. É algo comum também ao Brasil, que ainda tem instituições democráticas a se reforçarem. Mas foi necessária a guerra pra que Zelensky visse tornar-se unânime uma aprovação que, até 2021, estava muito baixa e sumirem as muitas manifestações de rua contra ele. Claro que em vários momentos do discurso, os congressistas riram da cara dele, seja no vídeo abaixo, seja na hora em que ele disse que a ajuda ainda era insuficiente. Mas ainda considero um ato corajoso, e tirei o trecho abaixo da transcrição feita pelo New York Times, traduzindo e também colocando em legendas.
Não sei se Zelensky optou inadvertidamente por escrever o texto de próprio punho, já que é fluente em inglês, ou se o passou antes pra algum revisor, sobretudo da língua, porque ainda por cima, justamente a expressão que gerou a piada, “put in place”, foi usada de forma errônea. Quando a usamos sozinha ou com algum objeto inanimado, put in place significa “implementar”, “estabelecer”, “concretizar”, “pôr em prática, operação ou funcionamento”. Se ele quisesse dizer “pôr alguém em seu (devido) lugar”, teria de usar um adjetivo possessivo, como “to put him in his place” (pô-lo/a ele em seu devido lugar) ou, no exemplo do discurso, “put in their place everyone who...”, pra dar a indicação de plural ou gênero neutro.
Já construímos uma Ucrânia forte, com pessoas fortes, exército forte e instituições fortes junto com vocês. Desenvolvemos fortes garantias de segurança pra nosso país e pra Europa e o mundo inteiros, junto com vocês. E também junto com vocês, vamos colocar em seu devido lugar todos aqueles que desafiarem a liberdade. “Colocar-em”.
We already built [a] strong Ukraine, with strong people, strong army, strong institutions together with you. We developed strong security guarantees for our country and for [the] entire Europe and the world, together with you. And also together with you, we’ll put in place everyone who will defy freedom. “Put-in”.
Na última terça-feira, a jornalista Ekaterina Kotrikadze exibiu em seu programa de geopolítica na TV Dozhd uma piada de Zelensky sobre a guerra da Rússia “contra a OTAN”, contada a um entrevistador da Netflix, justamente pra confrontar com aquela piada de Putin sobre o congelamento. Eu já tinha programado essa publicação quando assisti ao vídeo, mas mesmo assim resolvi cortar o trecho, traduzi-lo e adicionar a famosa (e já irritante...) edição A Praça é Nossa, hehehe:
– A Rússia está guerreando contra a OTAN.
– É sério??
– Sim, sim, é a guerra, a Rússia está combatendo a OTAN.
– E como estão indo lá?
– Bem, lá já morreram 70 mil militares russos, quase todos os foguetes foram gastos, muito equipamento foi perdido e destruído. Essa é a situação.
– E a OTAN?
– A OTAN? A OTAN ainda não se aproximou!
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