Esta publicação foi programada um dia antes, portanto não estou fazendo nenhuma menção ao dia do primeiro turno das eleições presidenciais no Brasil. Havia muita especulação sobre se Lula derrotaria Bolsonaro já no primeiro turno, mas em todo o caso uma vitória de Lula é quase certa mesmo num segundo turno. Não vou fazer julgamentos sobre as pessoas dos dois principais candidatos e de seus respectivos governos, mas quero me focar no fenômeno do “bolsonarismo”, que nada tem de doutrinário nem talvez mesmo de ideológico. A meu ver, é apenas uma onda político-partidária refletindo o humor de parte do eleitorado em determinado momento histórico, assim como foram o varguismo, o ademarismo, o malufismo, o janismo, o janguismo e (ainda embora em cena) o lulismo, apesar de qualquer comparação ser temerária. Porém, ela se caracteriza pelo despertar de tudo de pior que pode haver numa pessoa: xenofobia, patriotismo caricato, incoerência discursiva, ódio ao diferente, cegueira quanto à situação de classe (defendem os ricos, mas não o são), vício em mídias sociais, linguagem assassina, culto às armas de fogo e à masculinidade tóxica, reacionarismo social e religioso, caudilhismo (do “Mito”, no caso), negação das instituições e do sufrágio popular, desconhecimento e falseamento da história, negacionismo científico e uma fobia injustificada a qualquer corrente de esquerda, colocada no saco de um “comunismo” genérico e mal definido, embora confundido grosso modo com o stalinismo.
Várias vezes o Brasil já viveu manifestações desse comportamento entre grandes massas reunidas em público, mas a novidade dos últimos anos é que ele tem extravasado pra outros países, seja entre brasileiros que acompanham as comitivas do presidente em viagens oficiais, seja entre comunidades imigrantes não raro totalmente alheias ao que realmente acontece no país natal. A mais constrangedora de todas talvez tenha sido no último dia 18 de setembro, quando Bolsonaro desembarcou em Londres pro funeral da rainha Elizabeth 2.ª e usou o evento muito mais como uma parte de sua campanha eleitoral do que uma demonstração de respeito ao Reino Unido, fazendo inclusive um comício da sacada da embaixada brasileira. Mas pior do que termos um presidente assim é termos seguidores que, muito mais do que os de Lula no passado, demonstram enorme falta de educação e respeito fora da própria casa, mesmo sendo de idade adulta ou avançada.
Este conteúdo já estava planejado há algum tempo, mas só agora pude o elaborar totalmente. Mesmo sem os traduzir, trago os três vídeos principais que circularam nas mídias sociais com imagens do surto coletivo e da incivilidade demonstrada pelos que dizem apoiar o “imbroxável”. O episódio foi tão mais deprimente por ocorrer durante o luto de uma chefe de Estado respeitada no mundo inteiro por muitas décadas, quaisquer que sejam as reservas que tenhamos contra ela. Não apoio nenhum dos partidos na atual disputa, embora eu simpatize mais com Simone Tebet, mas espero que essa praga chamada “bolsonarismo”, que não passa de uma versão atualizada do fascismo como ele volta e meia reaparece nas sociedades capitalistas, seja varrida o quanto antes do Brasil, e que essa gente possa receber a higiene mental que merece.
Aquele sorriso gostoso que você arreganha no velório da mãe do anfitrião...
Na primeira cena, um brasileiro que se diz evangélico critica Bolsonaro e diz que ele não representa o país nem os outros cristãos. Silas Malafaia (cuja presença no Reino Unido era inexplicável), em contraposição, puxa um coro a favor do presidente e atrai a atenção de um cidadão inglês passante, momento em que o vídeo começa. Este os critica, defendendo o manifestante hostilizado e dizendo que os brasileiros devem respeitar o luto dos britânicos. Nisso, a gritaria do gado sobe cada vez mais, em proporção direta com o tom de voz e o nervosismo do simplesmente ignorado senhor nativo.
Adultos que se denominam “bolsonaristas” tendo um acesso de surto fanático, com direito a caretas, berros descontrolados e dedos do meio eriçados. Nada relacionado à monarquia enlutada e à soberana falecida. É provável que tivessem visto a equipe de algum veículo de comunicação brasileiro, ou mesmo britânico, os quais em geral eles consideram como “mentirosos” e “sabotadores” do presidente. A própria BBC Brasil (e, acredito que por extensão, a BBC britânica) foi xingada de “comunista”, e em outro vídeo a equipe brasileira é inclusive assediada e ameaçada por apoiadores que quiseram forçar os profissionais a passarem a versão “verdadeira” dos fatos, ou seja, a do Planalto. Vladimir Putin morreria de inveja dessa escumalha...
Manifestantes britânicos pelo meio-ambiente fazem um protesto com faixas e palavras de ordem em frente à embaixada, contra o desmatamento ignorado por Bolsonaro. Um dos brasileiros malucos que se aproxima do grupo diz a uma senhora que está logo à frente que ela deveria “ir à Venezuela”, se não estivesse satisfeita com o governo em Brasília. É uma variante do famoso “vai pra Cuba” lançado contra qualquer esquerdista ou antifascista, mesmo o mais democrata, e não sei se realmente a mulher entendeu o sentido da diatribe. Mas o triste é lembrar de quando Bolsonaro foi à Itália e também enfrentou um protesto feminino nativo contra seu machismo e misoginia. O gado acabou cruzando com esse protesto, e no calor da confusão, uma brasileira mandou em italiano uma das mulheres que protestavam “calar a boca”, de forma bem ameaçadora. Mais uma demonstração da estranheza desses “arautos da liberdade”, que defendem a ditadura de 1964-85 e tratam com brutalidade quem simplesmente discorda de suas ideias...
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