sexta-feira, 9 de setembro de 2022

Primeiro discurso do rei Charles 3.º


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Este foi o discurso transmitido pela TV britânica em 9 de setembro de 2022, um dia após a morte da rainha Elisabeth (Isabel) 2.ª aos 96 anos de idade, feito pelo príncipe herdeiro Charles, que desde então passou a ser conhecido como Charles (Carlos) 3.º. O evento é considerado histórico, pois Elisabeth foi a monarca que mais reinou na história da Inglaterra e do Reino Unido, não havendo transição desde 1952 (a coroação foi no ano seguinte), ou seja, antes até da morte de Stalin.

A transmissão ao vivo ocorreu do Palácio de Buckingham às 18h de Londres, 14h de Brasília, e segue abaixo a gravação publicada pelo Washington Post, com Charles visivelmente emocionado. Eu mesmo traduzi direto do inglês usando esta transcrição, que também segue abaixo porque não tenho certeza se um dia a fonte não sai do ar. Me permiti algumas liberdades quanto a pontuação e uso de maiúsculas. Fiz também algumas notas explicativas, às vezes quanto a minhas opções de tradução, mas se tiver alguma sugestão ou correção, não heiste em me mandar um WhatsApp.


Hoje me dirijo a vocês com sentimentos de profundo pesar. Por toda a sua vida, Sua Majestade a Rainha, minha amada mãe, foi para mim e para toda minha família uma inspiração e exemplo. E guardamos para com ela a mais sincera dívida que qualquer família poderia guardar à sua mãe, por seu amor, afeição, orientação, compreensão e exemplo. A rainha Elizabeth teve uma vida bem vivida, cumpriu sua promessa com o destino e está recebendo o mais profundo luto por seu falecimento. Essa promessa de servir por toda a sua vida eu renovo hoje a vocês.

Além da dor pessoal que toda minha família está sentindo, também partilhamos com tantos de vocês no Reino Unido, em todos os países onde a rainha era chefe de Estado, na Commonwealth e ao redor do mundo, um profundo sentimento de gratidão pelos mais de setenta anos em que minha mãe, como rainha, serviu ao povo de tantas nações.

Em 1947, quando completou vinte e um anos de idade, ela prometeu, em uma transmissão a partir da Cidade do Cabo para a Commonwealth, dedicar sua vida, por mais curta ou longa que fosse, a serviço de seus súditos. Essa foi mais do que uma promessa. Foi um compromisso profundo e pessoal que definiu sua vida inteira. Ela fez sacrifícios pelo dever. Sua dedicação e devoção como soberana nunca vacilaram, através de tempos de mudança e progresso, através de tempos de alegria e celebração e através de tempos de tristeza e perda. Em sua vida de serviço, vimos esse persistente amor pela tradição, junto com sua aceitação destemida do progresso, o que nos faz grandes como nações. O afeto, admiração e respeito que ela inspirava tornaram-se marca registrada de seu reinado, e como cada membro da família pode atestar, ela combinava essas qualidades com a simpatia, o humor e uma infalível habilidade de sempre ver o melhor em cada pessoa.

Presto tributo à memória de minha mãe e honro sua vida de serviço. Sei que sua morte traz uma grande tristeza para muitos de vocês, e eu partilho desse sentimento de perda, além da medida, com todos vocês. Quando a rainha acedeu ao trono, a Grã-Bretanha (1) e o mundo ainda estavam superando as privações e consequências da Segunda Guerra Mundial, e vivendo ainda sob as convenções de tempos passados. Ao longo dos últimos setenta anos, vimos nossa sociedade tornar-se um mosaico de culturas e fés. Em resposta, as instituições de Estado transformaram-se. Mas, por entre todas as mudanças e desafios, nossa nação e a família mais ampla dos países da Commonwealth, (2) por cujos talentos, tradições e conquistas nem sequer sei como expressar meu orgulho, prosperaram e floresceram. Nossos valores permaneceram, e devem permanecer, constantes.

O papel e os deveres da monarquia também permanecem, assim como a relação e responsabilidade particulares do soberano para com a Igreja da Inglaterra, (3) a igreja em que minha própria fé está tão profundamente enraizada. Nessa fé e nos valores que ela inspira, fui educado para nutrir um senso de dever para com os outros e para manter com o máximo respeito as preciosas tradições, liberdades e responsabilidades de nossa história inigualável e de nosso sistema parlamentar de governo. Assim como a própria rainha fez com inquebrantável devoção, eu mesmo também prometo agora solenemente, através do tempo restante que Deus me conceder, sustentar os princípios constitucionais no coração de nossa nação. E onde quer que vocês possam viver no Reino Unido, nos países da Commonwealth ou nos territórios ao redor do mundo, e qualquer que seja sua origem ou crença, farei de tudo para servir-lhes com lealdade, respeito e amor, assim como fiz por toda a minha vida.

Obviamente minha vida mudará assim que eu assumir minhas novas responsabilidades. Não me será mais possível dedicar tanto do meu tempo e energia à caridade e assuntos pelos quais me preocupo tão profundamente. Mas sei que esse importante trabalho passará para outras mãos confiáveis. Este também é um tempo de mudança para minha família. Conto com a ajuda amorosa de minha querida esposa, Camilla. Em reconhecimento a seu próprio serviço público leal desde que nos casamos, há dezessete anos, ela se tornará minha rainha consorte. Sei que ela trará às exigências de seu novo papel a incansável devoção ao dever com a qual tanto posso contar.

Como meu herdeiro, William agora assume os títulos escoceses que tanto significaram para mim. Ele me sucederá como Duque da Cornualha e assumirá as responsabilidades para o Ducado da Cornualha que detive por mais de cinco décadas. Hoje tenho o orgulho de investi-lo como Príncipe de Gales, Tywysog Cymru, (4) o país cujo título fui tão privilegiado de portar, durante tanto tempo de minha vida e ofício. Com Catherine a seu lado, sei que nossos novos Príncipe e Princesa de Gales continuarão inspirando e liderando nossas conversações nacionais, ajudando a aproximar as áreas remotas da zona central, onde podem receber ajuda para viver. Quero também expressar meu amor por Harry e Meghan, que continuam a construir suas vidas no exterior.

Em pouco mais de uma semana, estaremos unidos, como nação, como Commonwealth, e de fato como uma comunidade global, para sepultar minha amada mãe. Em nosso pesar, recordemos e tiremos forças da luz de seu exemplo. Em nome de toda minha família, posso oferecer apenas os mais sinceros e cordiais agradecimentos pelas condolências e apoio de vocês. Eles significam para mim mais do que eu possa expressar de qualquer forma.

E à minha querida mamãe, que está começando sua última grande viagem para juntar-se a meu finado papai querido, quero dizer simplesmente: obrigado. Obrigado por seu amor e devoção à nossa família e à família de nações a que você serviu com tanta diligência por todos esses anos. Que “anjos em revoada cantem para o teu descanso”. (5)

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I speak to you today with feelings of profound sorrow. Throughout her life, Her Majesty The Queen – my beloved Mother – was an inspiration and example to me and to all my family, and we owe her the most heartfelt debt any family can owe to their mother; for her love, affection, guidance, understanding and example. Queen Elizabeth was a life well lived; a promise with destiny kept and she is mourned most deeply in her passing. That promise of lifelong service I renew to you all today.

Alongside the personal grief that all my family are feeling, we also share with so many of you in the United Kingdom, in all the countries where The Queen was Head of State, in the Commonwealth and across the world, a deep sense of gratitude for the more than seventy years in which my Mother, as Queen, served the people of so many nations.

In 1947, on her twenty-first birthday, she pledged in a broadcast from Cape Town to the Commonwealth to devote her life, whether it be short or long, to the service of her peoples. That was more than a promise: it was a profound personal commitment which defined her whole life. She made sacrifices for duty. Her dedication and devotion as Sovereign never wavered, through times of change and progress, through times of joy and celebration, and through times of sadness and loss. In her life of service we saw that abiding love of tradition, together with that fearless embrace of progress, which make us great as Nations. The affection, admiration and respect she inspired became the hallmark of her reign. And, as every member of my family can testify, she combined these qualities with warmth, humour and an unerring ability always to see the best in people.

I pay tribute to my Mother’s memory and I honour her life of service. I know that her death brings great sadness to so many of you and I share that sense of loss, beyond measure, with you all. When The Queen came to the throne, Britain and the world were still coping with the privations and aftermath of the Second World War, and still living by the conventions of earlier times. In the course of the last seventy years we have seen our society become one of many cultures and many faiths. The institutions of the State have changed in turn. But, through all changes and challenges, our nation and the wider family of Realms – of whose talents, traditions and achievements I am so inexpressibly proud – have prospered and flourished. Our values have remained, and must remain, constant.

The role and the duties of Monarchy also remain, as does the Sovereign’s particular relationship and responsibility towards the Church of England – the Church in which my own faith is so deeply rooted. In that faith, and the values it inspires, I have been brought up to cherish a sense of duty to others, and to hold in the greatest respect the precious traditions, freedoms and responsibilities of our unique history and our system of parliamentary government. As The Queen herself did with such unswerving devotion, I too now solemnly pledge myself, throughout the remaining time God grants me, to uphold the Constitutional principles at the heart of our nation. And wherever you may live in the United Kingdom, or in the Realms and territories across the world, and whatever may be your background or beliefs, I shall endeavour to serve you with loyalty, respect and love, as I have throughout my life.

My life will of course change as I take up my new responsibilities. It will no longer be possible for me to give so much of my time and energies to the charities and issues for which I care so deeply. But I know this important work will go on in the trusted hands of others. This is also a time of change for my family. I count on the loving help of my darling wife, Camilla. In recognition of her own loyal public service since our marriage seventeen years ago, she becomes my Queen Consort. I know she will bring to the demands of her new role the steadfast devotion to duty on which I have come to rely so much.

As my Heir, William now assumes the Scottish titles which have meant so much to me. He succeeds me as Duke of Cornwall and takes on the responsibilities for the Duchy of Cornwall which I have undertaken for more than five decades. Today, I am proud to create him Prince of Wales, Tywysog Cymru, the country whose title I have been so greatly privileged to bear during so much of my life and duty. With Catherine beside him, our new Prince and Princess of Wales will, I know, continue to inspire and lead our national conversations, helping to bring the marginal to the centre ground where vital help can be given. I want also to express my love for Harry and Meghan as they continue to build their lives overseas.

In a little over a week’s time we will come together as a nation, as a Commonwealth and indeed a global community, to lay my beloved mother to rest. In our sorrow, let us remember and draw strength from the light of her example. On behalf of all my family, I can only offer the most sincere and heartfelt thanks for your condolences and support. They mean more to me than I can ever possibly express.

And to my darling Mama, as you begin your last great journey to join my dear late Papa, I want simply to say this: thank you. Thank you for your love and devotion to our family and to the family of nations you have served so diligently all these years. May “flights of Angels sing thee to thy rest”.


Notas (clique no número pra voltar ao texto)

(1) É sempre bom lembrar: Reino Unido compreende todo o Estado monárquico, ou seja, a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte, mais os domínios ultramarinos; Grã-Bretanha é a porção de terra que inclui apenas Inglaterra, Escócia e País de Gales, e não as duas Irlandas; e Ilhas Britânicas é o conjunto geográfico que inclui a porção europeia do Reino Unido e a República da Irlanda. Às vezes também se usa o adjetivo “britânico” (ou mesmo “inglês”, embora mais específico) em referência ao Reino Unido em geral.

(2) “Paíse(s) da Commonwealth” foi a melhor forma que encontrei de traduzir a expressão “realm(s)”. Além disso, dada sua particularidade histórico-política, decidi não traduzir Commonwealth, nem como “Comunidade” ou “Comunidade Britânica de Nações”.

(3) Também conhecida como Igreja Anglicana, fundada pelo rei Henrique 8.º e cujo chefe é o próprio monarca britânico.

(4) Expressão em língua galesa, língua céltica nativa do País de Gales (Wales em inglês, Cymru em galês), e não germânica, como o inglês.

(5) Expressão extraída de Hamlet, peça de William Shakespeare, aqui na tradução/adaptação que achei aleatoriamente no Google Livros feita por Júlio Emílio Braz (Jandira, Editora Principis, 2021).



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