Esta é minha tradução do artigo “Observações sobre o papel revolucionário do Exército na Revolução Francesa”, de autoria do historiador francês Marcel Reinhard, publicado originalmente em francês sob o título “Observations sur le rôle révolutionnaire de l’Armée dans la Révolution française” na revista Annales historiques de la Révolution française (Paris, Société des Études Robespierristes, n. 168, p. 169-181, abr./jun. 1962). Na verdade, “minha tradução” é um modo de dizer, porque deveria ter sido o trabalho final da matéria de História Moderna II, que cursei na graduação da Unicamp no segundo semestre de 2007. Matéria essa, aliás, cujo professor não preciso citar o nome, mas que foi dada extremamente nas coxas, causando-me ainda mais ansiedade além da que eu já vivia há alguns anos.
Esse trabalho final consistia em traduzir algum texto ou artigo em língua estrangeira, sobre o período abordado no semestre ou produzido então (basicamente séculos 17 e 18, até a Revolução Francesa), e adicionar uma introdução explicativa do autor e do contexto. Eu não tinha ideia do que traduzir, então fui até os periódicos da biblioteca e achei esse artigo por acaso. Porém, quando me decidi a começar, sem muita possibilidade de trocar o texto, tomei consciência de quão longo era o artigo. E embora eu já entendesse e falasse francês razoavelmente desde o fim do semestre anterior, quando tinha acabado minhas duas matérias obrigatórias da língua, o vocabulário acadêmico ainda me era muito complexo e cheio de expressões com as quais eu não estava acostumado a lidar. Sem contar que naquela época, ainda havia poucos recursos bons e gratuitos na internet que nos ajudassem a fazer uma boa tradução.
Por um grande acaso do destino, minha mãe tinha conhecido um tempo antes um rapaz de Bragança Paulista que tinha estudado francês e trabalhado como tradutor, num dia em que o ônibus que os levava de volta à cidade tinha quebrado (pra variar; quem conhece a empresa vai entender a piada, rs). Porém, como ele não podia fazer o serviço, repassou-o a um conhecido residente em São Paulo, de origem suíça e também tradutor, cujo nome infelizmente não consigo me recordar. Vocês não entenderam mal: minha mãe teve que pagar um tradutor pra que eu pudesse entregar o trabalho há tempo...
O resultado ficou cheio de lacunas que eu mesmo tive de preencher, mas não posso criticar o rapaz: ele fez a partir de meu xérox impresso, sem digitalização, e não tinha formação em História. E ainda hoje, quando retomei o arquivo original, fiz novas correções na redação, umas devidas à tradução apressada dele, outras devidas a meu estilo então menos experiente mesmo. Valeu a pena: o pós-graduando estagiário (“PED”), que na prática ficou com a matéria nas costas e que também quero manter anônimo, me deu no fim a nota 10, hehehe.
Infelizmente, antes de publicar aqui, não tive tempo de cotejar novamente com o original, que hoje pode ser facilmente encontrável em formato PDF (baixar). Mas como hoje o artigo já tem quase 60 anos de idade, e como muito deve ter depois sido pesquisado sobre o tema (o que eu mesmo não verifiquei), não acho que seja útil no futuro lançar outra versão revisada. Mesmo assim, fica aqui mais um registro da minha vida intelectual, e pra quem tem sede de saber, uma amostra da obra de Marcel Reinhard, que com Albert Soboul, Michel Vovelle e outros, foi um dos grandes historiadores da Revolução Francesa.
As notas de rodapé não seguem a numeração do artigo em francês, porque inseri várias outras explicativas, que estão assinaladas com (N.T.) no início. No mais, troquei sempre que possível a numeração romana pela indo-arábica, e usei “Exército” com inicial maiúscula quando a referência era à instituição central francesa ou à de outro Estado, e “exército” com inicial minúscula em referência a “tropas” em geral, sobretudo quando destacadas do todo, em alguma missão específica e comandadas por um oficial.
Introdução (Erick Fishuk, 2007)
Costuma-se entender a Revolução Francesa como uma sucessão de sublevações populares comandadas por algumas grandes cabeças políticas que tiveram o papel de maior destaque nos acontecimentos transcorridos a partir de (mas em especial em) 1789. Porém, a maioria dos estudos sobre o assunto, mesmo os mais modernos e feitos na própria França, costumam negligenciar o papel do Exército e outras forças armadas, como eles se constituíram e quais foram os eventos mais importantes de que participaram. Marcel Reinhard, que, em vários pontos do texto, assume essa falta, tenta preencher tal lacuna nos estudos históricos com um artigo que aborda vários problemas que não foram tratados, ou o foram pouco ou mal, e traça perspectivas para futuros trabalhos nessa temática, indicando quais são as fontes pouco tocadas pelos historiadores.
“O papel revolucionário do Exército na Revolução Francesa”, tema central do artigo, manifestou-se principalmente na tropa, que tinha consciência de seu lado humano e nem sempre cedia à “obediência cega” aos seus superiores. A própria Revolução tratou de criar soldados novos, cônscios de seu papel de cidadãos, do qual realmente estavam. Quanto aos oficiais, o número daqueles que aderem de imediato à Revolução não é de se desprezar, e foram bem pouco abordados pela historiografia. Enfim, a recusa da obediência foi importante, especialmente na recusa das tropas a abrigar o rei fugitivo Luís 16.
Nas ações revolucionárias espontâneas, a guarda nacional foi a protagonista, por sua composição heterogênea e majoritariamente popular e voluntária, apesar de possuir alguns elementos recalcitrantes e de ser tida como burguesa. Nas perseguições a contrarrevolucionários e pessoas “perigosas” para a Revolução, nos dias marcantes e nas obstruções à fuga do rei, lá estava ela. Suas atitudes revolucionárias ultrapassavam o que diziam os decretos e, por seu caráter intempestivo e “confuso”, foi posteriormente incorporada ao Exército.
Mais tarde, esse Exército acaba por voltar à antiga rigidez e disciplina, e torna-se um poderoso instrumento nas mãos do Terror, em perseguição ainda mais implacável aos contrarrevolucionários. Com a “docilidade revolucionária” perdida, o Exército, além das típicas funções de combate, toma também a missão de propagar a Revolução, especialmente em terras estrangeiras. Tal característica torna-se mais evidente com Napoleão no poder, que manterá a rígida disciplina entre seus homens, mas divulgará os ideais da Revolução fora da França.
Justifica-se a preocupação de Reinhard em abordar as forças armadas que atuaram no período em questão. As revoluções não podem ser feitas apenas com ideias, mas precisam também de uma parte humana que atue no sentido de defender essas ideias contra aqueles que insistem em lhes resistir. E, por mais que isso possa soar irritante aos pacifistas, predominam aqueles que sabem combater melhor. Ouve-se dizer que as verdadeiras revoluções são feitas nos espíritos; porém, as verdadeiras mudanças não podem efetivar-se sem a força humana palpável, violenta ou não. E como há sempre aqueles que resistem à nova situação, geralmente de um modo violento, o único recurso de defesa que resta é a própria violência.
Para o leitor brasileiro, o artigo também é importante a fim de afastar certos preconceitos contra o papel do Exército em eventos históricos, já que, na história da América Latina, essa instituição sempre esteve associada a golpes militares, também chamados usualmente de “revolução”, e à instalação de regimes tirânicos. Tanto no começo quanto no fim do trabalho, Reinhard alerta que seu papel, na Revolução Francesa, esteve distante de ser algo aplicável ao modelo dos golpes e sublevações militares. Ademais, ser associado a uma instituição rígida foi uma característica tardia do Exército Revolucionário Francês, que inicialmente desempenhou papéis realmente revolucionários, enquanto os militares latino-americanos, em boa parte da Guerra Fria, alinharam-se a posturas conservadoras e direitistas divergentes da associação direta com o povo.
Em suma, Reinhard traz à tona um lado pouco conhecido do fato que se convencionou marcar como o início da História Contemporânea. Fato cujos observadores inebriaram seus simpatizantes com relatos incansáveis sobre a participação direta das massas na derrubada do Antigo Regime e acabaram se esquecendo de uma de suas “forças motrizes” essenciais. Pode-se pensar que, sem o povo, o Exército e outras forças armadas não seriam nada, pois faltaria o respaldo das maiorias para que pudessem decidir o futuro da França. Porém, seria muito difícil pensar o povo sem o Exército, porquanto, na história ocidental dos últimos séculos, os militares sempre foram peças importantes nas grandes decisões e na influência sobre os governos, e pelo fato de a população comum, por si só, não possuir o verdadeiro conhecimento das armas e das estratégias necessárias para exercer tal influência.
Marcel Reinhard, nascido em 1899 e falecido em 1973, foi um estudioso da Revolução Francesa, especialmente de Lazare Carnot, sobre o qual publicou Le grand Carnot em dois volumes (Paris, Hachette, 1950-1952). Em 1941, Reinhard era professor de história no Cours Plantel de Nouvel e no liceu Carnot, tendo assumido a cadeira de História da Revolução Francesa na Faculté des Lettres de Paris em 1955 e fundado a Société de Démographie Historique (outra de suas especialidades), que publica desde 1964 os Annales de démographie historique. Foi também diretor do IHRF (Institut d’Histoire de la Révolution Française) da Universidade de Paris 1, cargo pelo qual, de 1961 a 1969, publicou, sob sua responsabilidade e de M. Marc Bouloiseau, seis volumes dos Arquivos Parlamentares da Revolução Francesa, nomeadamente os tomos LXXXIII (16 de nivoso-8 de pluvioso, ano II, 5-27 de janeiro de 1794) a LXXXVIII (13-28 de germinal, ano II, 2-17 de abril de 1794). O historiador Alain Corbin, em entrevista concedida a Laurent Vidal, assim descreveu suas aulas:
primeira meia hora, uma narrativa, uma pilhagem ou um incêndio de castelo, por exemplo, na época do Grande Medo. Em seguida, ele retomava aquela história de pilhagem para tentar ver o que ela podia fornecer do ponto de vista historiográfico. Aquilo não nos agradava muito. Pensávamos no exame. Tínhamos a impressão de que não havia muito a retirar do relato da pilhagem, e que seríamos reprovados. Com o tempo, me dei conta de que sua maneira de proceder era extremamente rica, misturava o concreto, o efeito de realidade, com a análise das lógicas de comportamento: aquilo era extremamente forte. (1)
Além de uma Histoire de France em dois tomos (Paris, Larousse, 1954), Reinhard publicou também, entre várias obras, La légende de Henri IV (Saint Brieuc, 1935), Henri IV ou la France sauvée (Paris, Hachette, 1947), Histoire de la population mondiale de 1700 à 1948 (Paris, Domat-Montchrestien, 1949), L’enseignement de l’histoire et ses problèmes (Paris, Presses Universitaires de France, 1967; edição portuguesa: O ensino da História e os seus problemas, Coimbra, Atlântida, 1970), Histoire générale de la population mondiale (com A. Armengaud e J. Dupaquier, Paris, Montchrestein, 1968) e La chute de la royauté, 10 août 1792 (Paris, Gallimard, 1969).
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Este grande assunto mereceria encontrar o seu historiador. Daí decorre, com efeito, que uma revolução libera forças que se enfrentam e conduzem ao recurso à violência, deliberada ou não. Esse foi o caso da Revolução Francesa, em 1789 e nos anos seguintes. A atitude do Exército, necessariamente, fornece um potente fator de decisão. No entanto, a historiografia negligenciou o estudo do papel revolucionário do Exército: ela tratou sumariamente a desagregação do Exército Real do Antigo Regime, o nascimento de um Exército Nacional, para concluir com o Exército pretoriano de Napoleão.
Por quê? Sem dúvida por predileção pela história narrativa, cortada em períodos distintos e contrastados, que clarifica ao risco de simplificar o que, em si, é complexo e isolar o que é enraizado. Mais provavelmente porque a história era sobretudo política, pelo menos a história civil, e porque a história militar preferia as batalhas. Enquanto em um tempo no qual a história quer-se social e onde a violência desencadeia-se por toda a parte, é lógico querer analisar a sociologia do Exército e estudar as relações entre violência e força armada.
Alguns trabalhos anteriores, sobre a ajuda de campo de Bonaparte na Itália, sobre Lazare Carnot, dos cursos sobre o Exército da Revolução Francesa, nos têm sugerido observações que se limitam a propor algumas definições de problemas, alguns reconhecimentos de fontes e, enfim, algumas questões de método, um pouco à maneira de uma introdução à obra desejada sobre o papel revolucionário do Exército na Revolução Francesa de 1789.
Nenhum deles poderia ser colocado em resumo comparativo junto com outras revoluções mais antigas ou mais recentes em que o Exército teve o seu lugar, mas seria anacrônico pensar em pronunciamientos. (2)
A tradição, auxiliada pela definição jurídica das instituições, exigiria o exame distinto e cronológico do Exército Real do Antigo Regime, do exército auxiliar formado por voluntários, seguido do Exército amalgamado e completado pelo serviço militar obrigatório. Seria correr o risco de afogar o essencial no acessório e criar uma clareza artificial e enganosa.
Do mesmo modo, recusamo-nos a reservar o nome de exército aos quadros, subalternos, superiores ou mesmo generais. Foi mesmo precisamente a Revolução e a ação revolucionária que demonstraram a que ponto a realidade se opõe a essa pretensão.
Enfim, nós cremos que não devemos separar o pensamento da ação, de encontro a uma historiografia que se preza em distinguir, não para unir, mas para dividir, tornando a explicação impossível ou inverossímil.
I. A recusa da obediência
1. A tropa – A força armada pode agir por seu peso ou pode também provocar um desequilíbrio decisivo pela sua recusa. “Nós estamos aqui por vontade do povo e nós cederemos apenas à força das baionetas”: estas palavras famosas são um excelente atalho: ora, as baionetas não entraram em ação.
Indubitavelmente Luís 16 não quis empregá-las, pelo menos em 23 de junho. Mas mudou de opinião na sequência, o que conduziu Mirabeau a uma nova declaração, menos conhecida, de modo algum teatral desta vez, mas bastante audaciosa. Em 8 de julho, Mirabeau pedia a interrupção dos debates à ordem do dia devido ao agrupamento das tropas realizado pelo rei. Incidentemente, enquanto ele propunha uma diligência junto ao rei a fim de trazer as ordens e movimentos das tropas, ele observava: “Não, apesar da devoção cega de obediência militar [os soldados] não esquecerão quem somos nós; eles verão em nós seus parentes, seus amigos, sua família, ocupando a seus interesses mais preciosos, já que eles fazem parte dessa nação [...] Não, tais homens [...] não farão jamais o abandono de suas faculdades intelectuais”. (3)
Convite à recusa da obediência, fraternização, alusão discreta e fugitiva, mas que levanta uma enorme pergunta, incessantemente retomada, asperamente discutida, desencadeando as paixões. As mesmas pessoas a quem tal atitude das tropas podia ser útil num primeiro momento, não deixavam de se preocupar com a idéia longínqua da insubordinação dos soldados. Mirabeau a tinha previsto, já que propôs ao mesmo tempo confiar a manutenção da ordem às “guardas burguesas”.
Quanta coisa em tão poucas palavras!
“A obediência cega” é toda concepção do Exército e do soldado colocada de repente em questão, melhor ainda, é uma civilização humanista que se afirma.
Esse assunto foi amplamente debatido a partir do século 16, e ele foi mais além, os argumentos foram tomados e retomados ao longo do século 18: “Nos casos em que as ordens de um superior comprometem o soldado a agir abertamente contra Deus ou contra seu dever, ele não tem nenhuma dúvida de que ele possa e deva se dispensar”. (4) A esta corrente fundada sobre o dever moral e religioso está juntamente a corrente filantrópica e cívica: “Os guerreiros [...] são homens, são cidadãos”, declarou em 1785 a Enciclopédia Metódica. (5) O conflito explodiu entre a disciplina cega e o espírito novo, o que Guibert evidentemente tinha denunciado: “Os princípios que servem de base à disciplina [...] estão necessariamente e pela sua natureza em oposição a todos os princípios do espírito cidadão”. (6)
Ora, o conflito não era ponto acadêmico, mas bem ligado ao concreto, quer dizer, à composição social do Exército: “A infantaria, composta de dois terços de vagabundos, desertores e bandidos, deve necessariamente ser conduzida como um presídio”, declarou Bohan, no meio do século, numa memória sobre a constituição militar. (7) São conhecidos os regulamentos de Saint-Germain, as punições físicas, e ainda pior. Na estrutura social do Exército, isso fica evidente; Montesquieu não haveria escrito que “os soldados são a mais vil parte de cada nação”.
Ora, a corrente de idéias que conduzia à Revolução desvanecia esses costumes, queria criar soldados cidadãos e uma disciplina humana que não fosse brutal nem cega. Tanto que parecia efetivamente que o absolutismo e os privilégios tentariam manter-se por meio desta força militar dominada.
Ao mesmo tempo as realidades econômicas e sociais forneciam a possibilidade das recusas da obediência. Em razão de distúrbios nos mercados, da alta dos preços e da falta de grãos, as tropas tinham que fazer o papel de polícia, elas tinham falta de zelo, e se as recusas de obediência não estouraram constantemente, é porque os oficiais se mostravam prudentes e o ministro deslocava frequentemente as tropas para impedir sua fraternização com a população. É isto que subentendia Mirabeau: os soldados fazem parte da nação, eles saberão distinguir os seus interesses, a obediência não será cega. Ele não era o único a ter essa linguagem: outros se encarregavam de se dirigir aos soldados, a ponto de o ministro colocar os chefes em guarda contra essas “incitações desastrosas”. (8)
A atitude das tropas foi pouco estudada nessas circunstâncias; um exame atento da correspondência administrativa e militar permitiria precisar as tendências à fraternização, sua frequência e seu significado. Os arquivos nacionais e os da Guerra seriam reveladores, assim como os arquivos regionais. É mais fácil detectar o fato do que mostrar a extensão e a gravidade. Em qual medida as tropas tinham consciência de fazer parte do Terceiro Estado, de estar interessadas em desservir o governo, os grandes, os nobres e os oficiais?
A recusa da obediência podia ser um ato de revolução social, uma tomada de posição em favor do povo e contra os oficiais privilegiados. Mas podia também ser a insuficiência de mantimentos nos regimentos e um simples movimento de descontentamento. Seria adorável também conhecer com alguma precisão a atitude das tropas no Grande Medo, suas condutas no momento de pilhagem e incêndio de castelos. Enfim, os famosos motins militares de 1790 e de 1791 foram narrados muito anedoticamente, sem preocupação com a psicologia coletiva e com a evolução geral da Revolução.
Entre as inúmeras indagações, coloca-se a questão de informações entre as tropas e a guarda nacional, podendo fornecer exemplos singulares de recusa da obediência e de união patriótica entre soldados e guardas nacionais.
A questão das relações entre soldados e guardas nacionais é colocada, com efeito, desde o começo da Revolução. Ela foi muito simplificada ao ser apresentada como uma rivalidade, como uma oposição. Um exemplo mostrará claramente: é o caso de Marselha em 1790. O coronel do regimento Royal-La Marine recusou-se a responder a uma sentinela com o pretexto de que ela pertencia à guarda nacional. Os oficiais intervêm, o tom se eleva. Os soldados do regimento foram confirmar à municipalidade seu patriotismo, seus bons sentimentos pela guarda nacional. Num momento as tropas, os guardas nacionais e a municipalidade chegaram a um acordo, e este era contra o coronel marquês d’Ambert; seguidamente o espírito de corpo do regimento retomou o seu lugar.
Depois do decreto de 10 de agosto de 1789, os municípios deveriam assegurar a ordem por meio dos guardas nacionais, das tropas e do corpo de polícia. As relações eram prévias e desejadas. Podemos objetar que a guarda nacional, formada por cidadãos ativos, fosse da burguesia, e os soldados pertencessem ao povo. Mas bastante gente do povo entrava na guarda nacional, sobretudo nas campanhas. Se fizermos abstração dos oficiais, a oposição não era inevitável.
Assim, de 1788 a 1791, a recusa da obediência traduzia uma atitude revolucionária, e permitia um papel revolucionário do Exército, tanto com respeito ao governo quanto ao povo, às autoridades civis novas e à guarda nacional.
2. Os oficiais – Este primeiro ponto foi considerado até aqui observando-se, sobretudo, os homens das tropas, mas diz respeito também aos oficiais. Suas disposições e sua ação são mais bem conhecidas; elas atraíram a atenção dos contemporâneos e acompanharam-se da publicação de libelos, como o de Carnot, sugestivos para os historiadores. Encontramos uma exposição global, um pouco ultrapassada, mas ainda preciosa, na obra de Hartmann. (9) Veem-se a hostilidade ao Tribunal em 1788, os atos de insubordinação, as manifestações de patriotismo, mas também a fixação dos nobres à sua ordem, de onde veio a orientação contrarrevolucionária da maioria dos oficiais. O papel revolucionário estava bem reduzido nessa parte do Exército sem ser, no entanto, negligenciável, e isso é que não foi estudado. Resta fazer um estudo dos oficiais dos exércitos reais favoráveis à Revolução, seus números, suas origens sociais, suas mobilizações e suas ações.
A riqueza e a natureza de fontes prestam-se a um estudo estatístico. Os arquivos administrativos do ministério da Guerra conservaram os processos individuais. Resta fixar um método de utilização, ou seja, de ordem.
O critério mais simples é fornecido pelos juramentos, como pelo clero: juramentos de 10 de agosto 1789 de fidelidade “à nação, à lei e ao rei” prestam-se geralmente sem dificuldade; juramento de 11 de junho de 1791, comportando um compromisso de lutar contra as conspirações e fazer aplicar os decretos sob pena de infâmia. Esse juramento desencadeou uma crise, agravada ainda pela supressão do compromisso de fidelidade ao rei quando da fuga deste. Enfim, juramento de 3 de setembro de 1792 “de manter [...] a liberdade e a igualdade”.
A essa primeira categoria de critérios se juntam os atos de oficiais às vezes assinalados nos seus processos, e suas funções sempre precisas, assim como a adesão aos clubes, os empregos conseguidos por eleição, seja nas assembléias, seja nos postos administrativos, ou ainda na guarda nacional, notadamente nos batalhões de voluntários.
O ponto de chegada pode ser fornecido pela grande pesquisa, até hoje esquecida, que o Comitê de salvação lançou no 1.º de termidor, ano II. (10) O conselho administrativo de cada corpo elaboraria um estado de situação precisando “os serviços e qualidades pessoais” de todos os oficiais, de acordo com um questionário levando a identidade, a data e o local de nascimento, a profissão e a residência antes de entrar no Exército, a profissão do pai do oficial, enfim, um resumo da carreira, o grau de instrução, as aptidões físicas e outras, e enfim o patriotismo. Eram fichas que, em razão de circunstâncias novas, como escreveu Carnot em 17 de frutidor, (11) coincidiu com um projeto de depuração. (12) As respostas existem, elas se encontram em grande parte na subsérie AF II. Algumas sondagens têm permitido constatar o grande interesse que elas apresentam para um estudo sociológico; do ponto de vista que nos ocupa aqui, elas fornecem a indicação de membros do Exército do Antigo Regime que permaneciam em funções. Elas ajudam a utilizar as listas impressas, infelizmente meramente nominativas, que foram estabelecidas em virtude do decreto de 8 de abril de 1793. Muitas dessas listas encontram-se na Biblioteca Nacional.
Essa pesquisa permitirá medir a importância numérica dos oficiais fieis à Revolução e abordar o estudo de seu papel revolucionário de forma diferente, não por meio da biografia e da anedota.
3. Da recusa da obediência à recusa da contrarrevolução – Essas observações com relação à recusa da obediência encontram sua conclusão nas três ocasiões decisivas em que a contrarrevolução foi derrotada.
Primeiramente quando da fuga do rei: os destacamentos encarregados de garantir a segurança dos fugitivos insurgiram-se; Bouillé não pôde fazer andar a tempo os homens que ele tinha sob suas ordens diretas. O fracasso da empreitada foi provocado consideravelmente por essa recusa.
Em seguida, em 10 de agosto, La Fayette não pôde trazer consigo as tropas de seu exército e teve que fugir praticamente sozinho para além da fronteira. As tropas de diversos exércitos adotaram mais amplamente a mesma atitude diante de seus chefes que desejavam levá-los à emigração.
Enfim, tendo passado Neerwinden, Dumouriez encalhou em condições um pouco diferentes, mas pela mesma razão. Há ainda as repercussões dessa atitude do Exército que foram decisivas para a Revolução.
Essas três grandes recusas são bem conhecidas, mas episodicamente, referem-se apenas a alguns grupos. Situam-se num conjunto em que o Exército inteiro tem o seu lugar. A fuga do rei, bem como o 10 de agosto, empresta-se a uma vista nítida, precisa, concluinte da atitude revolucionária ou não do Exército; existem diversos documentos a respeito que mal foram explorados.
No primeiro caso, trata-se de correspondências e de atos administrativos, mostrando a ação espontânea que une as diversas administrações, a guarda nacional, e que opõe frequentemente as tropas a seus chefes. No segundo caso, são as missões aos exércitos de membros do Legislativo que obtiveram o consenso em 10 de agosto.
Podemos acrescentar que as emigrações, as ameaças de Bouillé e de Condé, criavam um perigo que estimulou os revolucionários; esta foi, indireta e involuntariamente, uma outra maneira de o Exército desempenhar um papel revolucionário.
II. A ação revolucionária espontânea
A recusa da obediência exprimia disposições que não podiam limitar-se a esse tipo de manifestação. No entanto, os atos revolucionários das tropas são pouco conhecidos. No máximo alguns estudos particulares lançam uma luz fugidia sobre certos corpos. Assim, para os guardas nacionais, a conduta revolucionária foi observada em Paris, notadamente no 14 de Julho.
Uma pesquisa sobre esse tópico ainda seria desejável. Ela poderia partir da correspondência militar, conservada nos arquivos da Guerra, e na correspondência administrativa, guardada nos Arquivos Nacionais. Poderá ser discernida uma ação de vigilância e de denúncia, posta em acordo com os clubes, uma ação de propaganda, na ocasião posta também aos clubes, uma ação antirreligiosa, e mais amplamente uma ação contra todos os inimigos da Revolução no interior.
Citarei apenas um exemplo, ainda ele tardio, mas inserido numa época de despertar revolucionário, no momento do golpe de Estado do 18 de frutidor, (13) englobando o período de preparação e o período de exploração. É o do general Cambrai, no departamento de Sarthe, que patrocinou a ação dos exclusivos em acordo estreito com os círculos constitucionais. (14) Essa ação se inscreve no quadro de rixas, sinaladas em toda França, entre tropas e muscadins. (15) Podemos também apreender o acordo de certos oficiais com os comissários do poder executivo, depois de 10 de agosto. E, anteriormente, a participação ativa dos militares nos clubes. Há um campo de pesquisa importante um pouco inexplorada. É certo que algumas unidades adquiriram uma reputação revolucionária às vezes exaltada, às vezes denunciada, mas sempre evidente. Haverá lugar para posicionar e analisar as causas de seu papel revolucionário.
Repetiu-se muito que a guarda nacional era burguesa, mas no tempo da revolução burguesa, era uma força de ação. Além disso, a composição da guarda nacional era muito mais heterogênea do que os textos legislativos davam a entender. (16) De modo que os guardas nacionais frequentemente tomaram parte nos atos revolucionários, notadamente nas campanhas, quando se tratava de lutar contra os nobres e os direitos dos senhores. Os estudos locais frequentemente o mostravam. Uma síntese sobre esse ponto seria bem-vinda. Quanto às cidades, pelo menos as grandes, elas conservaram a lembrança da ação revolucionária de sua guarda nacional – houve muitas vezes uma ação contrarrevolucionária, ou pelo menos conservadora, da parte de certos guardas nacionais.
Dois exemplos ilustram claramente esse papel revolucionário. Por um lado, os levantes espontâneos na primavera de 1791 e, sobretudo, em 20 de junho, quando da fuga do rei. O processo oferece o imenso interesse de revelar a força motriz do mito do levante de massas, já que foi bem o que se passou. (17) Essa extrema sensibilidade que provocou a ação rápida e geral foi o fato por excelência que provocou a detenção de Luís 16, no fracasso de seu intento.
Por outro lado, as grandes jornadas parisienses – 20 de junho, 10 de agosto, 31 de maio e 2 de junho –, para citar apenas as principais, foram obra da guarda nacional, sobretudo.
Assim, a guarda nacional desempenhava seu papel efetivamente para além da letra dos decretos. É o que explica a ação dos voluntários que saíam geralmente da guarda nacional. Os dados sobre esse ponto são dispersos, frequentemente publicados nas monografias regionais ou batalhões. Mas elas mostram os voluntários perseguindo os aristocratas, os padres refratários, os suspeitos antes da carta, perseguindo atravessadores e entregando-se à propaganda. Esses voluntários compunham unidades de cidadãos-soldados, no sentido profundo do termo. Seria grave confundi-los com as tropas em linha, mas não resta dúvidas de que eles eram uma força armada e então com papel revolucionário considerável. Aqui também um esforço de síntese é desejável.
A natureza dos assim chamados atos revolucionários constitui a melhor introdução ao estudo do que os homens da época chamaram – uma expressão bem equivocada para a posterioridade – de “exércitos revolucionários”. Por excelência, o papel revolucionário foi a missão, ou melhor, a razão de ser dessa força armada. Serei muito breve sobre este ponto, já que R. C. Cobb acaba de começar a publicação de um trabalho que esgota o assunto. Será suficiente observar que foi o resultado de uma série de esforços que conduziram a ação em armas, metodicamente e pelas formações regulares, contra todos os inimigos internos.
Os exércitos revolucionários me parecem menos originais do que se diz. Pode-se aproximá-los das inúmeras improvisações militares que os precedem, os acompanham e os seguem: legiões, unidades de combatentes formados fora do Exército regular, miqueletes. (18) É difícil distinguir entre esses grupos e os guardas nacionais, e também entre eles e os exércitos revolucionários. Cobb não atingiu plenamente seu objetivo, já que são improvisações, frequentemente mutáveis, mal definidas e mesmo efêmeras. A origem social, até onde se tem conhecimento, é a mesma, a dos sans-culottes. Não exclusiva nem propriamente proletariado, mas mais uma confusão, reunindo operários, assalariados, desempregados e artesãos, pequenos comerciantes e pequena burguesia. É uma frente popular.
A incoerência, a anarquia e os abusos, características dessas improvisações, levaram sua integração no Exército, já que um governo forte tinha sido instalado. Foi o papel do Governo Revolucionário.
III. A docilidade revolucionária
Expressão chocante, mas seu significado é claro no tempo do Governo Revolucionário. Não havia mais por que tolerar recusas de obediência, disciplina raciocinada e formações improvisadas. O mesmo Carnot que tinha sido o inimigo da obediência passiva restabelece-a dura e eficazmente, em primeiro lugar às custas dos generais.
A obsessão de poder do general comandante de um exército – sobretudo se ele é vitorioso e soberano incontestável de um território conquistado – constitui um dos traços característicos do pensamento revolucionário. Ela conduz a supervisionar, a denunciar, a executar todo aquele que era exposto à suspeita.
Mediante o qual o Exército vem a ser um instrumento bem em mão, e terrível, nesse tempo de Terror. Seu papel era o combate, a vitória e também a propaganda. Era bem conhecido por não insistir.
Sabemos também que esse Exército não era mais aquele de 1789, nem mesmo de 1791. A amálgama tinha incorporado, ainda incompletamente, os “voluntários”. Isso também é bem conhecido; mas resta retomar os estudos raros e frequentemente medíocres consagrados aos voluntários e aos regimentos de linha.
Para os primeiros, é preciso partir da guarda nacional e inspirar-se nos trabalhos de Pierre Arches. Resta efetuar a análise sociológica, o estudo do meio de origem e o exame do consciente coletivo dos guardas nacionais, depois dos voluntários de 1791 e 1792. A maioria estava animada por uma vontade revolucionária, eles a infundiram no Exército de Linha, mas o estudo permanece vago por falta de monografias efetivamente conduzidas. Os materiais ainda existem, tanto administrativos quanto narrativos. A obra de Dumont sobre os Batalhões de Voluntários Nacionais, publicada em 1914, e as fichas deixadas pelo autor nos arquivos do ministro da Guerra, (19) assim como os copiosos documentos dos arquivos departamentais – cujos amplos excertos existem também nos arquivos da Guerra – fornecerão um útil ponto de partida. (20)
É interessante observar que, em setembro de 1792, tanto Biron quanto um agente do poder executivo diziam que “a maioria das tropas de linha é composta de recrutas”. Quem eram, então, esses recrutas? Ninguém se incomodou em pesquisar.
Eis então as duas origens, ambas mal conhecidas, de onde saiu o Exército Nacional no ano II. Seu papel revolucionário foi também reforçado pela deserção. Esta, com efeito, foi tão fácil e tão frequente que aqueles que não desertam merecem ser considerados como voluntários no sentido pleno do termo.
Quanto ao papel revolucionário em si, ele difere conforme os exércitos são empregados no interior ou no exterior. O Terror foi o serviço dos exércitos empregados contra os habitantes da Vendeia, mais raramente foi o caso contra o estrangeiro. Ao mesmo tempo se efetuaria a vigilância dos municípios e das populações, às vezes a propaganda nos países ocupados. Em relação a este ponto, Jacques Godechot forneceu alguns indicativos próprios a guiar a pesquisa em La Grande Nation. (21) Os elementos abundam nos estudos locais; vê-se o Exército trazer os princípios e costumes revolucionários, com um sucesso inigualável reservado aos “missionnaires bottés”, (22) de acordo com a famosa expressão de Robespierre. O papel foi ativo, violento, durável, embora frequentemente acompanhado ou seguido de uma oposição nacional contra os ocupantes franceses. Seria interessante fazer uma análise num estudo comparativo, e de acordo com o tempo e os lugares.
O Exército foi levado a juntar, à sua função de combate contra os inimigos da Revolução, uma função administrativa e política, ela também revolucionária, na medida em que o governo tinha se empenhado em exportar os princípios e as instituições da Revolução Francesa.
Foi precisamente a ascensão a essas funções, em regiões que o Exército dominava, que o conduziu a perder sua docilidade, enquanto o governo enfraquecido e instável perdia sua autoridade. O Exército tinha se tornado pretoriano, preparando o cesarismo; tinha ele um papel revolucionário? A resposta se encontra em outra questão.
IV. O pretoriano continua revolucionário?
Último ponto, mas não o menos importante, já que nesse momento o Exército vem a ser distinto, sem contaminação com a guarda nacional, corpos francos e outras instituições paramilitares. Significa, então, que ele pode desempenhar um papel definido não somente por seus métodos, por seu espírito, mas também por uma escolha.
A resposta se encontra em Napoleão e na história da Europa. Napoleão, executor testamentário, conserva os legados revolucionários, condensando-os e reduzindo-os na França e desenvolvendo-os na Europa. O Exército, na França, vem a ser um corpo estável, dócil, honorífico, e abre caminho à ascensão social. Fora da França, ele se opõe às tradições, às instituições, ao espírito do Antigo Regime. O veterano combina o culto da Revolução e o de Napoleão, o chauvinismo nacional e o apego à igualdade, que detectamos dentro da disciplina relativa, fiel por essência, impertinente e pouco precisa no detalhe, e também no seu desdém por todas as velhas instituições políticas, sociais e religiosas da Europa. A massa de oficiais subalternos, pertencentes à geração revolucionária, está no mesmo caso.
Restou, após o Império, uma amargura às vezes agressiva, sensível na atitude censuradora com relação à Restauração e no apego confuso ao Império e à República.
Para todo esse período napoleônico, a literatura histórica é imponente, mas os estudos sobre a sociedade militar, sobre seu consciente coletivo, são decepcionantes; o de Jean Morvan, talvez o melhor, está ultrapassado. (23) Um esforço de síntese será o único meio de nuançar e de precisar notadamente no que concerne à transmissão de mitos revolucionários aos conscritos pela ação dos “antigos”.
É claro que o Exército teve um papel revolucionário eminente, mas também que esse papel estava bem distante do tipo putsch ou pronunciamiento.
Sua característica foi a adesão ao movimento revolucionário, adesão vinda de uma parte do Exército do Antigo Regime, reforçado seguidamente por contribuições paramilitares, intermediárias entre o Exército e as populações, enfim absorvidas pelo Exército.
Esse papel foi de combate, mas na guerra, quando a luta interna e a luta nas fronteiras se confundiram, a guerra civil toma um valor internacional e a luta internacional adquire traços de guerra civil. A oposição ideológica e social leva o combate a se fazer também pela propaganda e pelos atos políticos, pela batalha e pelo terror.
Mas esse esquema se mostra insuficiente sobre muitos pontos, por falta de pesquisas sobre um conjunto muito complexo e sobre uma duração que acaba se estendendo a toda uma geração. Consequentemente, o papel não era simplesmente aquele que convém a uma explosão revolucionária, mas a uma sucessão de explosões, de resultados e de interrupções, variáveis de acordo com o lugar.
Consequentemente, a ação mais espontânea dos inícios também dá lugar a uma ação mais organizada. Vemos distinguirem-se o pensamento autoritário de um Carnot e um Robespierre sobre o papel revolucionário do Exército definido e controlado por autoridades revolucionárias, aquele de sans-culottes e hebertistas (24) com relação a um papel ligado às forças revolucionárias internas, aquele de Babeuf sobre o Exército modelo de uma sociedade comunista e instrumento próprio a estabelecer, e aquele de Napoleão sobre o papel de elite e o meio de pressões numa hierarquia.
Isso demonstra que de 1789 a 1815, numerosas e audaciosas antecipações precederam os grandes debates dos séculos 19 e 20 sobre o Exército e a Revolução.
Notas (clique no número pra voltar ao texto)
(1) VIDAL, Laurent. Alain Corbin: o prazer do historiador. Revista Brasileira de História, São Paulo, v. 25, n. 49, 2005. Disponível aqui, acesso em 24 nov. 2007.
(2) (N.T.) Ato pelo qual os militares se sublevam contra o governo vigente.
(3) Debates de 8 de julho de 1789, nomeadamente Archives Parlementaires, t. VIII, p. 208.
(4) M. DE LOESS, Le soldat ou le métier de la guerre considéré comme le métier d’honneur, Frankfurt am Main, 1751.
(5) Encyclopédie méthodique, Arte militar, artigo “disciplina”.
(6) GUIBERT, De la force publique, p. 12.
(7) Arquivos da Guerra, Documents généraux.
(8) Carta ao príncipe de Robecq com relação à vigilância a exercer, 2 de julho de 1789. Arc. Nat., M 664.
(9) L. CARNOT, Réclamation... contre le regime oppressif sous lequel est gouverné le Corps royal du génie, setembro de 1789; Ten.-cel. L. Hartmann, Les officiers de l’armée royale de la Révolution, 1910.
(10) (N.T.) 19 de julho de 1794, no calendário republicano francês.
(11) (N.T.) 3 de setembro de 1794, no calendário republicano francês.
(12) Arch. Nat, AF II 200 e AF II 224. – Aulard, Recueil de Actes du Comité de salut public, t. XV, p. 283.
(13) (N.T.) 18 de frutidor, ano V, ou 4 de setembro de 1797, no calendário republicano francês.
(14) M. REINHARD, Le département de la Sarthe sous le Directoire, p. 276.
(15) (N.T.) Nome dado, durante a Revolução, aos realistas de elegância refinada (a partir de 1794).
(16) P. ARCHES, Aspects sociaux de quelques gardes nationales au début da la Révolution, 1956.
(17) M. REINHARD, La fuite du roi, curso na Sorbonne.
(18) O inventário dos arquivos da Guerra consagra muitas páginas à enumeração desses corpos, com o nome de “tropas especiais”, e não esgota o assunto (subsérie Xk). Para sua supressão, cf. M. REINHARD, Le grand Carnot, t. II, p. 92 ss.
(19) DUMONT, Les bataillons de volontaires nationaux, cadres et historiques, 1914. Documentos manuscritos, arquivos da Guerra, número 2329.
(20) Voluntariado nacional, arquivos da Guerra, subsérie XV.
(21) J. GODECHOT, La Grande Nation, t. I, p. 146 e 164.
(22) (N.T.) Militares que se deslocam a cavalo, mas combatem a pé.
(23) MORVAN, Le soldat impérial, 1904. Cf. também A. SOBOUL, Les soldats de l’an II, 1959.
(24) (N.T.) Partidários de Jacques René Hébert (1757-1794), líder da extrema-esquerda jacobina. Conhecidos também como “enragés” (enraivecidos, raivosos), desejavam a radicalização do Terror, com a intensificação das execuções e a exigência de maior agilidade nas reformas radicais. Foram executados junto com seu líder em 24 de março de 1794, denunciados por complô contra Robespierre.