quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Sociedade doente / Malsana societo


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Este artigo extremamente atual se chama “Sociedade doente” e foi escrito por minha ex-colega de escola em Bragança Paulista, Jéssica Álana Zenorini, em 2004 ou 2005. Não sei exatamente qual foi o contexto de sua produção, mas deve ter sido distribuído entre os estudantes e pais, e até hoje guardei seu conteúdo porque gosto dele. Jéssica já tem sua própria família, mas em 2005 estávamos no fim do Ensino Médio, com 17 anos de idade. Na época, fiz também uma versão pro esperanto (“Malsana societo”), publicada num site sobre a língua que eu mantinha então. Seguem os dois textos abaixo, e não fiz nenhuma alteração no original em português, no que concerne à ortografia vigente até 2009.



Sentir as injustiças profundamente e não limitar sua indignação a meros pensamentos de revolta. Agir, fazer para mudar... Doar a vida em nome de um ideal e pagar o preço por isso sem arrependimentos, dispor-se do cômodo para lutar por causas que não são só suas, buscando o bem de todos, independente de quem seja ou onde esteja. “Endurecer, sem jamais perder a ternura”, pois a humanidade e os sentimentos sinceros fazem parte de verdadeiros revolucionários. E o que é ser revolucionário?

Recorro ao senhor Aurélio, e ele me responde: “indivíduo adepto à revolução; renovador; aquele que é partidário de renovações políticas, morais ou sociais”. Mas isso parece dizer pouco... Pois quando falo de revolucionários, falo de sonhadores, falo de idealistas, falo de pessoas que lutaram, mataram e morreram em nome do que achavam justo e melhor. E isso é mais difícil do que parece... Na verdade, o que sei sobre revolucionários é por livros, filmes, fotos, passado...

Vivemos uma carência de heróis revolucionários. Não mais se ouve falar de verdadeiros idealistas, pois se eles existem, tornou-se difícil reconhecê-los frente a tanta podridão, politicagem e jogo de interesses. Sim... faltam-nos heróis da atualidade.

Então, fico aqui me perguntando o porquê dessa nossa atual carência de verdadeiros heróis. E a resposta logo me vem à cabeça. Como podemos ter heróis se nosso atual sistema nos dita que tempo é dinheiro? Se os valores e sentimentos humanos valem menos que a marca do tênis que se calça no pé? Se o assistencialismo tomou conta da solidariedade e do sentimento fraterno?

Pergunto: como que indivíduos formatados para pensar só nos seus próprios interesses, indivíduos que são considerados antes de tudo consumidores, indivíduos que trocam relacionamento humano por teclas de um computador... conseguem despir-se de regalias em prol do bem comum? Como que indivíduos que são programados pra dizer SIM e que estampam no peito propagandas (e nem se dão conta disso...) podem doar a vida por um ideal?

Nossa sociedade está doente! As utopias foram esquecidas; a ética foi esquecida; os valores humanos são trocados por etiquetas, e o insaciável desejo pelo TER tem sufocado futuros e atuais heróis. Rótulos substituem conversas; meios de comunicação, em vez de informar, manipulam; o mundo segue estereótipos... Governos, em vez de encontrar reais soluções, nivelam por baixo, criam taxas, inventam mais medidas provisórias... Somos dominados de um dominador sem única face; por isso ficamos aqui, sem saber contra o quê ou contra quem devemos lutar.

E diante a essa epidemia de desinteresse pelo que é comum, de alienação, de conformismo, de falta de valores, de manipulação, onde se mata (mesmo que indiretamente) em nome de números em uma conta bancária... é necessária muita coragem para tentar revolucionar!

Mas mesmo assim, não podemos acreditar que tudo está perdido, não podemos deixar que as esperanças morram, e que o sonho de que tudo isso vai mudar acabe. Falando assim, parece que isso não tem força alguma, mas pelo contrário: é só acreditando que podemos ao menos mudar o ambiente que nos cerca. E se não pudermos fazer uma revolução, pelo menos não deixemos que os sonhos e utopias se percam e que nossa sociedade sinta-se saciada com um herói como o Super-Homem.

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Profunde senti la maljustaĵojn kaj ne limigi sian indignon ĝis nuraj ribelaj pensoj. Agi, fari por ŝanĝi... Donaci la vivon por idealo kaj senpente suferi la konsekvencojn, malproviziĝi de la komfortaĵoj por lukti por aferoj, kiuj ne estas nur viaj, celante ĉies boneston, kie ajn kaj kiu ajn ili estas. “Esti aŭstera, neniam perdante la teneron” (1), ĉar la homaro kaj la veremaj sentoj estas partoj de veraj revoluciuloj. Kaj kio estas “esti revoluciulo”?

Mi petis helpon al s-ro Aŭrelio (2), kaj li respondas al mi: “homo, kiu estas ano de la revolucio; renoviganto; tiu, kiu estas ano de politikaj, moralaj kaj sociaj renovigoj”. Sed ŝajne tio diras malmulte... Ĉar kiam mi parolas pri revoluciuloj, mi parolas pri revemuloj, idealistoj, homoj, kiuj luktis, mortigis kaj mortis nome de tio, kion li trovis justa kaj pli bona. Kaj tio estas pli malfacila ol tiel, kiel ŝajnas... Verdire, mi scias pri revoluciuloj nur per libroj, filmoj, fotoj, estintecaĵoj...

Ni vivas en epoko, kiam mankas revoluciaj geherooj. Oni ne plu aŭdas pri veraj idealistoj, ĉar, se ili ekzistas, iĝis malfacile rekoni ilin ĉe tiom da putro, fia politiko kaj profitemecaj ludoj. Jes... al ni mankas geherooj por la nuntempeco.

Do, mi restas demandante al mi pri la kialo de tiu nia nuna manko de veraj geherooj. Kaj la respondo tuj enmensiĝas. Kiel ni povas havi geheroojn, se nia aktuala sistemo diktas al ni, ke “tempo estas mono”? Se la valoroj kaj homaj sentoj valoras malpli ol la fabriketiketo de la teniso, kiun oni uzas? Se la asistemo cele al memnobligo forigis la solidarecon kaj la fratecan senton?

Mi demandas: kiel homoj formatataj por pensi nur pri siaj memaj interesoj, homoj, kiuj estas agnoskitaj surtute kiel aĉetpovantoj, homoj, kiuj anstataŭas la homan interrilaton per komputila klavaro sukcesas seniĝi je prerogativoj favore de la komuna bonesto? Kiel homoj, kiuj estas programitaj por diri JES kaj stampas propagandojn sur la bruston (kaj eĉ ne ekrimarkas) povas donaci la vivon por idealo?

Nia societo estas malsana! La utopioj estis forgesitaj; la etiko estis forgesita; la homaj valoroj estas anstataŭataj de etiketoj, kaj la nesatebla deziro HAVI estas sufokinta nunajn kaj estontajn geheroojn. Antaŭjuĝoj anstataŭas interparoladojn; amaskomunikiloj, anstataŭ ol informadi, manipulas; la mondo sekvas fiksitajn estetikajn normojn... Registaroj, anstataŭ ol trovi realajn solvojn, ne gravigas la problemojn, kreas taksojn, elpensas pli da ĝisaj rezolucioj... Ni estas superregitaj de plurvizaĝa superreganto; tial, ni restadas ĉi tie, nesciantaj kontraŭ kio aŭ kontraŭ kiu ni devas lukti.

Kaj fronte al tiu epidemio de neintereso pri tio, kio estas komuna, de alieneco, de konformiĝemo, de valormanko, de manipulado, kiam oni mortigas (eĉ nerekte) nome de ciferoj de banka konto... oni bezonas multe da kuraĝo por provi revolucii!

Sed eĉ tiel, ni ne povas kredi, ke ĉio estas perdita, ni ne povas lasi morti la esperoj kaj la revo pri tio, ke la situacio ŝanĝos, finiĝi. Parolante tiel, ŝajnas, ke tio havas neniun forton, sed male: nur kredante ni povas ŝanĝi almenaŭ la medion, kiu cirkaŭas nin. Kaj se ni ne povos fari revolucion, ni almenaŭ ne lasu, ke la revoj kaj utopioj perdiĝu, kaj ke nia societo satiĝu per heroo kiel la “Superman” (Super-Homo).


Notoj de la tradukinto:
(1) Fama frazo de la argentinano Ernesto Che Guevara, kiu partoprenis en la Kuba Revolucio, en 1959 (“Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás”).
(2) Mencio al fama brazila vortaro Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (Vortaro “Aurélio” de la Portugala Lingvo), organizata de la brazila profesoro Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.


Adendo (2023): Fazendo recentemente um backup digital de antigos papéis guardados, não pude deixar de colocar aqui, independente do consentimento da Jéssica, um depoimento que ela deu, talvez no começo de 2006, logo após terminarmos o Ensino Médio, sobre a escola em geral e nossa vida de estudos. Eu também dei meu depoimento, solicitado por telefone por nossa querida professora de História, Flávia, uma das pessoas a quem devo minha escolha profissional. Ambos foram publicados no Jornal do Meio (n. 267, sexta-feira, 24/2/2006, p. 3), suplemento cultural semanal que, segundo minhas pesquisas, existiu do fim de 2002 até mais ou menos 2018, mas cujo CNPJ cobre o período de 2003 a 2020, e vinha no Bragança-Jornal Diário, antigo e tradicional periódico da cidade também extinto em 2021.


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