quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Nova guerra entre Armênia e Azerbaijão


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Nestes trechos que tirei de um telejornal exibido no útlimo 28 de setembro, já aprecem alguns primeiros rastros de destruição militar, dos dois lados, após começarem novos conflitos armados entre a Armênia e o Azerbaijão, dois pequenos países do sul do Cáucaso, antigas repúblicas da URSS. Esta variante dialetal da língua armênia, especificamente, é a chamada “ocidental”, a língua da diáspora, ao contrário da “oriental”, oficial na Armênia moderna, com ortografia reformada e cheia de empréstimos do russo.

O conflito tem como foco a região chamada pelos armênios de Artsakh, também conhecida pelo nome russo Nagorno-Karabakh, um enclave no meio do Azerbaijão que tem maioria étnica armênia e praticamente se autogoverna com a ajuda do irmão vizinho. Esse traçado geopolítico não resolvido culminou numa guerra no início dos anos 90 que deixou mais de 30 mil mortos e desalojou mais de um milhão de pessoas. Por vários anos têm sido conduzidas conversas e mantido um cessar-fogo, mas desde 2016 os separatistas têm ficado mais reativos, e o governo azerbaijano mais repressivo.

A Armênia, de religião cristã e conduzida pelo primeiro-ministro Nikol Pashinyan, e o Azerbaijão, de credo muçulmano e dirigido pelo presidente Ilham Aliyev, estão praticamente em confronto aberto, revivendo feridas ardentes desde a década de 1920, quando a Turquia tentou exterminar o povo armênio e provocou sua diáspora pelo mundo. Os azerbaijanos (que não gostam do nome “azeri”) são incondicionalmente apoiados pela Turquia, cuja língua é quase igual à sua, e acusados pela Armênia de receber jihadistas islâmicos que estavam lutando no norte da Síria e lançá-los contra o Artsakh.

A guerra iniciada no último domingo já fez dezenas de mortos civis e militares, mas está só começando e não sabemos quando/se vai acabar. A Armênia decretou estado de guerra e convocou seus reservistas homens. A Europa acusou esses dias o presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, de conduzir uma diplomacia excessivamente agressiva. O líder conservador islâmico, além de tornar novamente o museu de Santa Sofia uma mesquita e ocupar o norte da Síria pra perseguir os separatistas curdos, também está envolvido em disputas por campos marítimos de petróleo e gás com o Chipre e a Grécia, esta quase atraindo sua ira militar. A Rússia historicamente apoia os armênios cristãos desde as guerras do tsarismo contra o Império Otomano, mas Vladimir Putin também nunca teve problemas com o autoritário Aliyev. E isso, infelizmente, no meio da pandemia de covid-19. A palavra que aparece na tela, goyamart (գոյամարտ), notavelmente significa “luta pela vida” ou “luta pela sobrevivência”.


Momento em que um correspondente do canal independente Dozhd (ou TV Rain), que ainda funcionava na Rússia antes de exilar seu estúdio durante a invasão da Ucrânia, quase foi atingido por um bombardeio na cidade de Martuni, enquanto cobria o conflito no Artsakh, em 1.º de outubro de 2020.


Atualização: Este link contém o vídeo completo da parada militar realizada pelo ditador do Azerbaijão, Ilham Aliyev, na companhia de seu aliado e convidado de honra, o presidente turco Recep Tayyip Erdoğan, no dia 10 de dezembro de 2020 na capital azerbaijana, Baku. Os dois países comemoravam o que consideravam ser a vitória na guerra contra a Armênia pelo controle da região do Artsakh (ou Nagorno-Karabakh), enclave de maioria armênia dentro do Azerbaijão com governo e exército próprios. Aliyev acusou o primeiro-ministro armênio Nikol Pashinyan de iniciar uma provocação militar pra tentar controlar a região, mas o Ocidente considera a ofensiva azerbaijana uma guerra por procuração instigada por Erdoğan com fins de autopromoção regional. Foi o maior desfile do país banhado pelo mar Cáspio desde sua independência da antiga União Soviética, em 1991.

A Armênia entrou com tropas no Artsakh pra supostamente defender os compatriotas, mas o Azerbaijão respondeu ao ataque, com a ajuda da Turquia, o parceiro poderoso de Baku (ambos os países são muçulmanos e de cultura túrquica). Não se sabe ao certo por que Pashinyan aceitou a aventura, sendo que seu poderio bélico era muito inferior, mas diz-se que ele esperava o apoio da Rússia, historicamente ligada aos armênios cristãos. Porém, esse apoio não chegou (nem mesmo da vizinha Geórgia), e Yerevan se viu sozinha enfrentando a Turquia, Azerbaijão e militantes islâmicos saídos da Síria pra combater no Artsakh. Pashinyan e Aliyev terminaram assinando um cessar-fogo intermediado pela Rússia, que mandou seu exército patrulhar na região o cumprimento do acordo e evitar, por exemplo, matanças étnicas em massa. Boa parte da população armênia do Artsakh tinha justamente fugido dos combates e do perigo de extermínio, lembrando-se do genocídio cometido pelo Império Otomano durante a 1.ª Guerra Mundial.

Recep Erdoğan, em seu braço-de-ferro geopolítico com a União Europeia, os colegas da OTAN e os EUA, acabou por enquanto ganhando esta etapa. Washington não deu um pio sequer, Moscou se viu impotente diante do fato consumado (mesmo que tenha tomado a dianteira nas negociações) e os europeus estavam retidos pela crise da pandemia. Enquanto o Azerbaijão comemora, a Armênia está vivendo uma crise política, chorando seus mortos e com exigências de renúncia do premiê Pashinyan. Estas são as melhores imagens que selecionei da parada inteira, até porque boa parte é repetição, e os discursos dos presidentes (cujas línguas são mutuamente inteligíveis) ocupam metade do vídeo. Notemos que o ar é de grandiloquência, embora um quarto do território do Artsakh ainda esteja sob controle armênio, e que o estilo do desfile ainda é muito calcado nos antigos soviéticos. Militares turcos também participaram.



segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Alexandro le Grande (texto Interlingua)


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Este texto, este áudio e esta descrição foram compostos na interlíngua (ou Interlingua de IALA), um projeto mais naturalista de idioma auxiliar internacional, baseado apenas nas formas previamente existentes nas maiores línguas de cultura da Europa Ocidental. Seus adeptos são mais modestos do que os “esperantistas” ao se contentarem em torná-lo um idioma instrumental da ciência e comunicação entre quem já tem contatos internacionais, e não uma “segunda língua pro mundo inteiro”. Pra saber mais, visite o site da UBI (União Brasileira Pró-Interlíngua). Obrigado ao Cláudio Leite pela digitação do texto!


Iste es un prime effortio pro provider al usatores de internet plus de textos legite in Interlingua, conforme al recercas plus recente a iste respecto. In su libro Interlingua: Grammar and Method, le recercator scientific statounitese Stanley A. Mulaik faceva plure observationes super questiones que non recipeva un solution assatis clar in le Interlingua-English Dictionary de Alexander Gode (1951) e in le parve grammatica que lo accompaniava. Alora, Mulaik recuperava scriptos non publicate del professor Gode, con qui ille conviveva plure annos como juvene universitario, e voleva, inter altere cosas, fixar le regulas de derivation de parolas e le uso del particulas basic del discurso.

Pro illes que ha un contacto con le vaste travalio de Stanley Mulaik, su conclusiones e formas obtenite pote parer un poco heterodoxe. Mais io pensa que su approche nos pone plus proxime al assi appellate linguas fonte tal como illos se trova in su stato actual. Io mesmo lege ancora le libro, mais ja lo trova ben interessante. Pro isto, io decideva apportar vos un lectura facite per me de un de su prime excertos textual (p. 7-11 con le original anglese), “Le vita de Alexandro le Grande” (Alexander the Great), de autor anonyme, traducite del Eclectic Third Reader de McGuffey publicate in 1843. Io regratia mi amico Cláudio Leite pro le transcription del texto, e si vos vos interessa, illo tamben seque ci basso:


1. Macedonia esseva, durante un longe tempore, un parve stato in Grecia, non celebrate pro alcun cosa, con le exception que su reges semper governava secundo le leges del pais e que lor infantes esseva ben educate.

2. Finalmente, depois que multe reges habeva regnate super Macedonia, uno appellate Philippo veniva al throno, qui esseva determinate a render su regno tanto illustriose como altere regnos. Ille levava un armea grande, subjugava multe populos, e arrangiava facer le altere statos de Grecia querrelar inter se.

3. Quando illes esseva bastante fatigate de luctar contra le un le altere, ille les induceva a submitter a ille; que illes esseva plus que preste de facer, proque ille les dava sperantias que ille ducerea les foras a conquirer Persia. Mais ante que ille sortiva in su expedition a Persia, ille esseva occidite per un de su proprie subjectos.

4. Philippo esseva succedite per su filio Alexandro, appellate in le historia “Alexandro le Grande”. Al morte de Philippo, le grecos pensava que illes esseva libere e resolveva que Macedonia non plus tenerea les in subjugation, mais Alexandro prestemente ha monstrate les que ille esseva tanto sapiente como su patre, e plus hardite que ille.

5. Alexandro causava que le mordreros de su patre sia execute; alora amassante su armea, in un assemblea del statos de Grecia, ille adressava les in un discurso, que convinceva les de su sapientia e valor. Post isto illes ha consentite facer le, como su patre ha essite, le chef commandante de Grecia. Ille alora retornava a Macedonia e in un breve tempore postea, comenciava su conquestas e ganiava victorias surprendente, obligante totos qui luctava contra ille a submitter a ille.

6. Si tosto como Alexandro resolveva le statos grecian a su voluntate, ille traversava le Hellesponte, ora appellate le Dardanellos, con su armea, pro subjugar Persia. Le persianos, audiente de isto, assembleava lor fortias, e attendeva le super le bancas del fluvio Granicus. Quando le grecos arrivava al latere opposite, un del generales avisava Alexandro a lassar su soldatos reposar se un poco; mais ille esseva tanto alacre pro le conquesta que ille dava le commando instantaneemente a marchar per le Granicus.

7. Su truppas, habente trovate un loco pauco profunde, obediava; le trompettas sonava, e alte critas de gaudio esseva audite per tote le armea. Si tosto como le persianos videva les avantia, illes lassava un pluvia de flechas a illes, e quando le grecos esseva preste de atterrar se, le persianos se effortiava a pulsar les de retro in le aqua, mais in van. – Alexandro e su armea atterava se, e un terribile battalia occurreva, in que ille esseva victoriose.

Alora, ille avantiava de citate a citate, obligante les a recognoscer le como lor rege, in loco de Darius.

8. Darius, essente informate del progresso de Alexandro, resolveva a incontrar le con un grande armea. Si tosto como Alexandro audiva de su approche, ille preparava a incontrar le a Issus, ubi ille le obligava a fugir, abandonante de retro de ille su regina e familia, e tresor immense, toto de que Alexandro capturava.

9. Alcun tempore plus tarde, Darius faceva un altere battalia a Arbela, in que ille esseva de novo battite. Tosto post isto ille esseva occidite; e assi finiva le Imperio de Persia.

10. Non contente con le conquesta de Persia, Alexandro resolveva de subjugar le reges de India; e ille obligava multe de illes a submitter se a ille. Un de illes, nominate Porus, le resisteva con grande corage, mais Alexandro finalmente le superava. Alexandro, nonobstante, le tractava con multe respecto, le da su libertate, e le restaurava a su regno; e Porus se probava un amico fidel a ille sempre depois.

11. Inter le battalias que Alexandro faceva com Darius, Alexandro subjugava multe statos e regnos, e inter alteres, le Egypto e Babylon; e pois le morte de Darius, ille faceva ancora plus conquestas, ultra aquellos del princes de India, per qual medios le Imperio de Grecia esseva levate a un grande altitude.



sábado, 26 de setembro de 2020

Presidente moldavo: ONU virtual 2020


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Em seu próprio canal no YouTube, o presidente da República da Moldova, Igor Dodon, publicou a versão original (sem legendas ou dublagem, como no canal da ONU) de seu discurso gravado pra transmissão virtual na Assembleia Geral da ONU 2020, alguns dias atrás. A grande maioria da fala está em romeno, ou pelo menos no dialeto falado na Moldova, mas pouco mais de 2 minutos e meio foram falados em russo, língua em que Dodon é fluente e que ainda tem papel político no país, que de 1945 a 1991 constituiu a República Socialista Soviética da Moldávia.

O socialista Dodon prega a neutralidade geopolítica de seu país, um dos mais pobres da Europa e que no passado integrava a maior parte da região histórica da Bessarábia (Moldova também é o nome de uma região do leste da Romênia). Porém, ainda é acossado politicamente pelo Parlamento, de maioria opositora, e pela permanência do conflito na região da Transnístria (Pridnestróvie em russo), fronteiriça à Ucrânia e que se considera de maioria etnolinguística russa. Eu traduzi e legendei o trecho de acordo com a versão que aparece destacada no site da presidência:


Estimado senhor presidente, senhoras e senhores.

Historicamente o Estado Moldavo possui uma importante particularidade: nosso país se formou pelo cruzamento de diferentes civilizações, culturas, línguas, religiões e interesses geopolíticos. Por isso, o caráter multiétnico e multicultural do desenvolvimento do país foi e é a principal particularidade da Moldova. Uma relação respeitosa e de boa vizinhança para com as diferenças linguísticas das demais etnias tornou-se a base da existência do Estado Moldavo e a principal condição de sua evolução exitosa. Vivendo em paz e harmonia nessa terra, os representantes das diversas culturas, línguas de comunicação e confissões trabalham para o bem e fortalecimento do país, cooperando para o desenvolvimento da Moldova como um Estado no decorrer de mais de 660 anos.

De minha parte, como Presidente, quero sublinhar que o governo da Moldova dispende todas as forças para conservar a atmosfera amistosa, de ajuda e respeito mútuos entre as pessoas de diferentes nacionalidades, línguas de comunicação e crenças religiosas em nosso país. Como resultado, praticamente todo cidadão da Moldova é fluente em algumas línguas, estando permanentemente aberto às peculiaridades culturais de diferentes povos, e a língua russa tem um estatuto especial como língua de comunicação interétnica. E isso constitui uma indiscutível vantagem competitiva para a concretização de possibilidades de nossos cidadãos no mundo moderno.

Também consideramos que a República da Moldova pode ter sucesso em desenvolver-se como um Estado independente, soberano, legal e democrático, conduzindo ativamente uma política de neutralidade permanente, em cuja base está a aspiração do povo moldavo à coexistência pacífica com outros povos e Estados da Europa e do mundo. Estamos convencidos de que a neutralidade permanente da Moldova, assegurada na atual Constituição, é o fundamento básico de nossa segurança nacional, energética e informacional, a garantia do desenvolvimento e prosperidade econômicos duráveis e sustentáveis do país.

Temos um reconhecimento sincero à Organização das Nações Unidas, à Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa e a outras organizações e parceiros internacionais, consequentes no apoio à República da Moldova. O desenvolvimento dinâmico da Moldova sob a cooperação e o amplo apoio dos parceiros internacionais possibilitará o reforço do diálogo entre os países de nossa região e da Europa como um todo.


Уважаемый господин председатель, дамы и господа.

Исторически Молдавское государство обладало важной особенностью: наша страна образовалась на пересечении различных цивилизаций, культур, языков, религий и геополитических интересов. Поэтому полиэтничный, мультикультурный характер развития страны был и остаётся главной особенностью Молдовы. Уважительное, добрососедское отношение к языковым различиям других этносов стало основой существования Молдавского государства и важным условием его успешного развития. Проживая в мире и согласии на этой земле, представители разных культур, языка общения и конфессий, работают на благо и укрепление страны, что содействует развитию молдавской государственности на протяжении более чем 660 лет.

Со своей стороны, как Президент, хочу подчеркнуть – руководство Молдовы прилагает все усилия для того, чтобы сохранить атмосферу дружелюбия, взаимопомощи и взаимоуважения людей разных национальностей, языков общения и вероисповедания в нашей стране. Как результат – практически каждый гражданин Молдовы свободно говорит на нескольких языках, постоянно открывает для себя особенности культуры разных народов, русский язык имеет особый статус как язык межнационального общения. И это является безусловным конкурентным преимуществом для реализации возможностей наших граждан в современном мире.

Мы также считаем, что Республика Молдова может успешно развиваться как независимое, суверенное, правовое и демократическое государство, активно проводя политику постоянного нейтралитета, в основе которого лежит стремление молдавского народа к мирному сосуществованию с другими народами и государствами Европы и мира. Мы уверены, что постоянный нейтралитет Молдовы, закрепленный в действующей Конституции – это базовая основа нашей национальной, энергетической и информационной безопасности, залог устойчивого, долгосрочного экономического развития и процветания страны.

Мы искренне признательны Организации Объединённых Наций, Организации по Безопасности и Сотрудничеству в Европе и другим международным организациям и партнёрам, которые последовательно поддерживают Республику Молдова. Динамичное развитие Молдовы при содействии и масштабной поддержке международных партнёров будет способствовать укреплению диалога между странами нашего региона и в целом в Европе.



Aquele tiozão gordinho que gosta de pegar numa vara.

quinta-feira, 24 de setembro de 2020

Díaz-Canel: amizades externas de Cuba


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O presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel, transmitiu um discurso online de quase 20 minutos na Assembleia Geral das Nações Unidas, em 22 de setembro de 2020, versão esta transmitida pela Telesur da Venezuela. É a primeira vez que o evento contou com apenas alguns diplomatas presenciais e com a transmissão digital dos discursos gravados dos líderes mundiais, por causa da pandemia da COVID-19. Neste trecho do discurso, cuja íntegra está no site do Granma, jornal oficial do governo cubano, Díaz-Canel reafirma suas amizades e solidariedades internacionais. Eu não legendei por falta de tempo, mas fiz uma tradução razoável, que não está literal em muitos pontos meramente pra atender a uma naturalidade maior em português:


PORTUGUÊS:
Queremos reafirmar publicamente, neste cenário virtual, que a República Bolivariana da Venezuela contará sempre com a solidariedade de Cuba diante das tentativas de desestabilizar e subverter a ordem constitucional, a união cívico-militar e destruir a obra iniciada pelo Comandante Hugo Chávez Frías e continuada pelo presidente Nicolás Maduro Moros em prol do povo venezuelano. Repudiamos também as ações dos Estados Unidos destinadas a desestabilizar a República da Nicarágua, e reafirmamos a imutável solidariedade com seu povo e governo, liderados pelo Comandante Daniel Ortega.

Somos solidários com as nações do Caribe que exigem justas reparações pelos horrores da escravidão e do tráfico de escravos, num mundo em que a discriminação racial e a repressão das comunidades afrodescendentes entraram em ascensão. Reafirmamos nosso compromisso histórico com a livre determinação e a independência do povo irmão de Porto Rico. Apoiamos a legítima reivindicação de soberania da Argentina sobre as ilhas Malvinas/Falklands, Sandwich do Sul e Geórgias do Sul. Reiteramos o compromisso com a paz na Colômbia e a convicção de que o diálogo entre as partes é o caminho para alcançar uma paz estável e duradoura nesse país.

Apoiamos a busca por uma solução pacífica e negociada para a situação imposta à Síria, sem ingerência externa e com respeito total à sua soberania e integridade territorial. Exigimos uma solução justa ao conflito do Oriente Médio, a qual passa pelo exercício efetivo do direito inalienável do povo palestino a construir seu próprio Estado dentro das fronteiras anteriores a 1967 e tendo por capital Jerusalém Oriental. Repudiamos as tentativas de Israel de anexar novos territórios da Cisjordânia. Exprimimos nossa solidariedade com a República Islâmica do Irã diante da escalada agressiva dos Estados Unidos. Reafirmamos nossa invariável solidariedade com o povo do Saara Ocidental.

Condenamos energicamente as sanções unilaterais e injustas contra a República Popular Democrática da Coreia. Reafirmamos nosso repúdio à intenção de estender a presença da OTAN até as fronteiras da Rússia e à imposição de sanções unilaterais e injustas contra essa nação. Repudiamos a intromissão estrangeira nos assuntos internos da República de Belarus e reiteramos nossa solidariedade com o presidente legítimo desse país, Aleksandr Lukashenko, e o povo irmão bielo-russo. Condenamos a ingerência nos assuntos internos da República Popular da China e nos opomos a qualquer tentativa de ferir sua integridade territorial e sua soberania.


ESPANHOL:
Queremos ratificar públicamente en este escenario virtual, que la República Bolivariana de Venezuela contará siempre con la solidaridad de Cuba frente a los intentos de desestabilizar y subvertir el ordenamiento constitucional, la unión cívico-militar y destruir la obra iniciada por el Comandante Hugo Chávez Frías y continuada por el presidente Nicolás Maduro Moros a favor del pueblo venezolano. Rechazamos también las acciones de Estados Unidos dirigidas a desestabilizar a la República de Nicaragua, y corroboramos la invariable solidaridad con su pueblo y gobierno, liderados por el Comandante Daniel Ortega.

Nos solidarizamos con las naciones del Caribe que exigen justas reparaciones por los horrores de la esclavitud y la trata de esclavos, en un mundo en el que la discriminación racial y la represión de las comunidades afrodescendientes han ido en ascenso. Reafirmamos nuestro compromiso histórico con la libre determinación y la independencia del hermano pueblo de Puerto Rico. Apoyamos el legítimo reclamo de soberanía de Argentina sobre las islas Malvinas, Sándwich del Sur y Georgias del Sur. Reiteramos el compromiso con la paz en Colombia y la convicción de que el diálogo entre las partes es la vía para alcanzar una paz estable y duradera en ese país.

Apoyamos la búsqueda de una solución pacífica y negociada a la situación impuesta a Siria, sin injerencia externa y con pleno respeto a su soberanía e integridad territorial. Demandamos una solución justa al conflicto del Oriente Medio, que pasa por el ejercicio real del derecho inalienable del pueblo palestino a construir su propio Estado dentro de las fronteras anteriores a 1967 y con su capital en Jerusalén oriental. Rechazamos los intentos de Israel de anexar nuevos territorios de Cisjordania. Expresamos nuestra solidaridad con la República Islámica de Irán ante la escalada agresiva de los Estados Unidos. Reafirmamos nuestra invariable solidaridad con el pueblo saharaui.

Condenamos enérgicamente las sanciones unilaterales e injustas contra la República Popular Democrática de Corea. Ratificamos nuestro rechazo a la intención de extender la presencia de la OTAN hasta las fronteras de Rusia y a la imposición de sanciones unilaterales e injustas contra esa nación. Rechazamos la intromisión extranjera en los asuntos internos de la República de Belarús y reiteramos nuestra solidaridad con el presidente legítimo de ese país, Aleksandr Lukashenko y el hermano pueblo bielorruso. Condenamos la injerencia en los asuntos internos de la República Popular China, y nos oponemos a cualquier intento de lesionar su integridad territorial y su soberanía.



terça-feira, 22 de setembro de 2020

Presidente tártaro manda ficar em casa


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Em 28 de março de 2020, quando o mundo começava os primeiros lockdowns (não pegou a expressão “tranca-rua”?) devido à pandemia da covid-19, gerada por um tipo de coronavírus recém-descoberto, e o presidente Bolsonaro dizia que a doença não passava de uma “gripezinha”, até o presidente do Tartaristão mandou todo mundo ficar em casa. Rustám Minnikhánov, presidente dessa república autônoma na Rússia desde março de 2010, mandou então toda a população da região fazer confinamento pra cortar a propagação. Seu nome em russo é “Рустам Минниханов”, e em tártaro, “Рөстәм Миңнеханов” (Röstäm Miñnexanov), e o sotaque tártaro é bastante evidente.

Eu recebi o vídeo num grupo de tártaros que na época eu frequentava no Telegram, e eu mesmo traduzi e pus legendas bilíngues. Mas achei também versões no YouTube e no Instagram de Minnikhanov e a transcrição lapidada em russo. Direto do áudio, reproduzindo a fala do presidente mais fielmente, esta foi a escrita que consegui fazer:

Сегодня такой напряжённый период, период, когда вот эта болезнь может перейти в такую стадию, когда мы не сможем контролить [sic]. Поэтому те решения, которые приняты главой государства, президентом Рос[сийской] Федерации, они должны неуклонно исполняться. Эта, конечно же, вот неделя, которая объявлена и, конечно же, у меня огромная просьба всем татарстанцам: берегите себя, берегите близких и, конечно же, нам придётся находиться в некой изоляции дома, но есть телевидение, есть программы, я думаю, есть книги, мы найдём чем себя занять. Моя убедительная просьба ‒ отнестись с пониманием к этой ситуации.

Tradução literal:
Hoje estamos num período tão tenso, período em que esta doença pode passar a um estágio em que nós não poderemos controlá-la. Por isso, as decisões que foram tomadas pelo chefe de Estado, presidente da Federação da Rússia, devem ser inevitavelmente cumpridas. É claro que essa semana foi para tanto designada, e é claro que tenho um enorme pedido à população do Tartaristão: cuidem de si, cuidem de seus próximos e, obviamente, precisamos permanecer um pouco isolados em casa, mas existe televisão, existem programas, eu penso, existem livros, acharemos algo para fazer. Peço com toda convicção que sejam compreensivos para com essa situação.


E de brinde, esta pérola raríssima que achei no mesmo grupo: alguns dias antes, jovens cantam e tocam no acordeão de botões uma canção humorística em tártaro sobre a COVID-19 (compositor anônimo)! Eu traduzi a partir das legendas em russo, mas não sei se estas traduzem literalmente o original, pois também se encaixam no ritmo:

1. Ó, país, você é lindo,
Não admitimos vírus,
Aviões não estão voando,
Fronteiras estão fechadas.
Lavo de manhã e à noite
As mãos com sabão gostoso,
Pus máscara no rosto,
A quarentena é chata.

Refrão:
Ei, esse coronavírus,
Todos estão falando dele,
Vírus, vírus, vírus, vírus
Martelando nossa cabeça!

2. Pra quê nos assustam tanto
Com essa pandemia?
Pra nós, tártaros, isso passa,
Não acreditamos em contos.
Depois dessas notícias,
O povo ficou alarmado,
Correu pras lojas esgotar
Todo o trigo-sarraceno.

(Refrão)

3. Afastemos o coronavírus,
Já estamos todos acabados.
Não venha até nós, tártaros,
Passe voando, micróbio!
Na minha mão tem um anel
Escrito o nome do Nurgalí.
Preocupado, o presidente
Nos manda ficar em casa.

(Refrão)

4. Ei, pra que é que fui
Passar férias no exterior?
Agora estou de quarentena,
Se soubesse, ficava em casa.
Vamos cantar juntos,
Alegrar-nos e festejar,
Afastemos juntos o vírus
Mesmo sem emagrecermos!

(Refrão)


domingo, 20 de setembro de 2020

Juventude e cidadania (Flávia O. Valle)


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“Juventude e cidadania” é um artigo escrito em 2004 ou 2005 pela então Prof.ª Ms. Flávia Ottati Valle, que na época me dava aulas de História e Sociologia no ensino médio. Não sei bem qual foi a ocasião da escrita, mas ela distribuiu cópias em xérox pra todos nós, e eu a tinha digitalizado e salvado em formato PDF. Apesar de alguns borrões no arquivo gráfico, pedi pro meu amigo Cláudio Leite digitar o texto a fim de o republicar aqui, e lhe agradeço grandemente pelo serviço. Flávia foi uma das professoras que mais determinou na minha escolha pela faculdade de História, junto com o professor de Geografia, José Augusto, e minhas professoras de Geografia do fundamental, Deise Eduarda e Débora Ferreira. Flávia unia vasta erudição, carinho com os alunos, consciência social e exemplos que iam de Jesus a Che, passando por Bauman e Raul Seixas, sem cair no estereótipo dos “doutrinadores” hoje tão atacados! A ela agradeço, e a ela dedico este atualíssimo presente, sem alterações redacionais (grafia pré-2009):



Ser CIDADÃO é assumir seu papel na construção do mundo. É escrever a história. Participar. É fazer acontecer e não deixar acontecer. É ser um ser social. Conviver. Amar o próximo e a si mesmo valorizando as relações de solidariedade e a vida em comunidade. É comprometer-se com o bem público. Realizar a utopia da justiça social. Ser cidadão é, ainda, ser livre. Consciente. Autêntico. Não manipulado. Exige esforço, busca, espírito de serviço e, sobretudo, desejo de conhecer os fatos e dialogar com eles.

Ser JOVEM é ter ideais e muita disposição para conquistá-los. É ter sede de aprender e de SER... É entusiasmar-se por causas nobres. É ser otimista. Acreditar em si mesmo e nos outros. É viver o presente construindo o futuro que se quer. É superar os obstáculos. Ir à luta. Ter coragem. É levantar-se a cada tombo. Renovar as esperanças. Não desistir.

JUVENTUDE E CIDADANIA são, portanto, categorias afins. Cultivá-las é um processo enriquecedor para a pessoa, para a comunidade, para a humanidade. Na linguagem popular do jovem poderíamos dizer que “a cidadania tem tudo a ver com a juventude”. No entanto, temos constatado elevado grau de desânimo, apatia, conformismo e alienação em grande parte dos jovens do nosso país. Mas, por quê? O que tem envelhecido a juventude, roubando-lhe o entusiasmo, a garra, o idealismo, a fé e a disposição de lutar por um mundo melhor?

Há que se partir do fato de estarmos vivendo um momento extremamente contraditório: enquanto a história registra, a todo instante, quantidade significativa de avanços em termos de ciência e tecnologia, o homem está cada vez mais perdido, angustiado, sofrido. Lesado em sua essência de ser humano e em seus direitos de cidadão. E é no bojo dessa contrariedade que se encontram dois dos mais expressivos fatores que contribuem para o não exercício da cidadania por parte de nossa juventude: o perfil negativo da realidade e a ilusão do espetáculo.

Não raro, ouvimos a seguinte observação: ‒ Está difícil viver! Tal afirmação provém de uma insatisfação perante os aspectos negativos da realidade. Tomar consciência da falta de ética na política, dos tantos problemas de ordem econômica, da miséria de muitos perante a ostentação de poucos, dos conflitos sociais, das tantas formas de violência, de ausência de perspectiva no campo profissional, da inversão de valores, da difusão e aceitação da idéia de levar vantagem, do egoísmo, do materialismo, da descrença e da apatia é um processo difícil.

Para os jovens, em especial, há momentos em que esse contexto parece desesperador. Há uma vida pela frente. Sonhos, expectativas, vontade de vencer, de se realizar, de amar. Em uma frase: desejo de ser feliz!

No entanto, ao se depararem com obstáculos e [acidentes] desmotivadores, muitos desistem. Mergulham no oceano do conformismo e da alienação. Outros fogem. E na ilusão de algo melhor, lançam-se na droga. Outros, ainda, preferem desviar o caminho e caem nas armadilhas estrategicamente montadas pelo consumismo. Agarram-se aos falsos valores e comprometem-se apenas com ideais medíocres. Que nada constroem. Que em nada realizam. Há, também, muitos cuja condição precária de vida, não lhes oferece nem tempo nem possibilidade de exercitar sua cidadania.

O segundo fator, ao contrário do primeiro, dá à sociedade uma fisionomia mais agradável: as grandes conquistas da ciência e os rápidos e surpreendentes avanços tecnológicos.

Mais do que nunca, estamos vivendo a época da informação. Os meios de comunicação são donos de grande parte do nosso tempo, nos informando tudo o que acontece perto e longe de nós e nos transmitindo uma série de conceitos e idéias. E, nesse processo, as imagens têm, com bastante frequência, tomado o lugar das palavras. O mundo das imagens! E elas são tantas e apresentadas a nós de forma tão sedutora que corremos o sério risco de nos tornar meros espectadores da história.

Nós assistimos a tudo. Aplaudimos ou vaiamos. Nos divertimos ou lamentamos. Sorrimos e choramos. Algumas vezes ficamos maravilhados. Outras, nos escandalizamos. Até protestamos, mas apenas com frases de descontentamento que não têm eco na sociedade, pois se esgotam no âmbito do impacto, da emoção, ou seja, da mera reação de espectador.

Temos muitos jovens espectadores. Apenas espectadores. Que envolvidos pelas informações e imagens perdem a noção da cidadania. Assistem. Contemplam. Enquanto deveriam estar criando, atuando, produzindo o espetáculo. Poucos participam. Contudo, não podemos generalizar. Há jovens corajosos remando contra a correnteza, aproveitando todas as oportunidades e se desdobrando para a construção de um mundo onde seja mais fácil e mais bonito viver.

JOVEM CIDADÃO...

AGORA É COM VOCÊ!

Para que não se deixe vencer pelo desânimo provocado pelas agressões do nosso tempo e nem se perca na ilusão de estar sendo ator da história, enquanto não passa de um mero espectador, o primeiro passo é desenvolver uma consciência crítica. É preciso enxergar mais longe, ver além das aparências. Questionar. Saber o que há por trás das idéias e chegar à raiz dos problemas. Não ser apenas receptor de informações, conteúdos e imagens. De que adiante estar por dentro de tudo o que há de novo, de tudo o que acontece no mundo e viver à margem dos fatos, das decisões, das conquistas e das lutas para torná-lo melhor? De que vale aplaudir um espetáculo produzido para iludir? É preciso ser criativo. Escrever uma nova história, onde os verdadeiros valores tomem seus devidos lugares. De que adianta apenas vaiar e lamentar uma sociedade repleta de fatos desastrosos? É preciso descruzar os braços. Lutar pelo direito de ter vez e voz na construção da realidade. Há que se ter coragem. Acreditar em si mesmo. Não desanimar...

NÃO DESISTIR!



quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Húngara falante nativa de esperanto


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O canal Wikitongues, do YouTube, costuma lançar vídeos com pessoas falando diversos idiomas, sobretudo se eles lhes são nativos. Outro dia, ele lançou o vídeo de uma húngara chamada Stela, que tem o esperanto como uma de suas línguas maternas. Isso ocorre porque embora seus pais sejam húngaros, eles também são esperantistas e a ensinaram a falar esperanto desde criança. Porém, é algo mais comum quando marido e mulher têm origens diferentes e o esperanto como língua comum, dando assim aos filhos a possibilidade de falar seus respectivos idiomas nacionais desde o berço. Stela prova não só que uma criança pode ter vários idiomas considerados “nativos” ou “maternos”, como também que é possível isso ocorrer igualmente com o esperanto, embora ele seja chamado língua “auxiliar” ou “artificial”.

Como o Wikitongues recebeu o vídeo “bruto” da Hungria e não tinha uma transcrição da fala (talvez porque os administradores não entendiam esperanto), o canal pediu pra que algum espectador lhes transcrevesse em esperanto e desse uma tradução. Eu comentei no vídeo a transcrição da fala (já que conheço o esperanto há 20 anos) e uma tradução em português, já que estava sem tempo de escrever um texto em inglês límpido. Seguem os dois referidos textos, lembrando que o Wikitongues ainda está à disposição pra quem quiser traduzir pro inglês ou sincronizar as legendas em esperanto:


ESPERANTO: Saluton de Budapeŝto, Hungario! Mi estas Stela, kaj la lingvo, kiun mi parolas, estas Esperanto. Kio estas Esperanto? Zamenhof, en la 19-a [dek-naŭa] jarcento, kreis tiun ĉi artefaritan lingvon, kiu estas mia denaska lingvo.

“Denaska” signifas, ke miaj gepatroj (ambaŭ, fakte) parolis al mi la lingvon ekde mia naskiĝo. Do mi vere povas diri, ke tiu ĉi lingvo estas parto de mia vivo. Ĝi ne estas hobio, ne estas iu eta afero, ĝi estas vere ĉiutaga uzo por mi. Do, por kio mi uzas Esperanton?

Kompreneble mi uzas ĝin por kio ajn... por kio ajn mi uzas lingvojn, ĉu ne? Mi aŭskultas muzikon, mi tre ŝatas babiladi kun miaj amikoj voĉe aŭ skribe, mi ankaŭ verkas iomete en Esperanto, mi faras podkastojn kaj organizas Esperantajn renkontiĝojn. Mi vere povas diri al vi, ke Esperanto-kulturo estas tio, kio plej enriĉigis mian vivon.

Mi tre ĝojas havi tiom da internaciaj kontaktoj dank’ al la lingvo. Kaj ankaŭ mi povas diri, ke dank’ al Esperanto kaj dank’ al tio, ke mi kreskis kun du lingvoj, lernado de aliaj lingvoj iĝis multe pli facila por mi. Mi parolas la anglan, la francan kaj la nederlandan, kaj ankoraŭ planas lerni kelkajn aliajn lingvojn.

Do, tio estas mallonge pri mi. Mi esperas, ke vi ŝatas Esperanton aŭ ke vi planas lerni, aŭ lernos, aŭ jam lernas, kaj tre interesas min scii, por kio vi uzas Esperanton!


PORTUGUÊS: Olá de Budapeste, Hungria! Meu nome é Stela e a língua que estou falando é o esperanto. O que é o esperanto? [Ludwik Lejzer] Zamenhof, no século 19, criou esta língua artificial que é minha língua materna [denaska = lit. “de nascimento”].

“Materna” significa que meus pais (ambos, de fato) me falavam na língua desde que nasci. Então, posso realmente dizer que esta língua é parte de minha vida, não é hobby, não é assunto pequeno. Ela é realmente um uso diário para mim. Então, para que uso o esperanto?

Obviamente eu o uso para qualquer coisa em que uso línguas, não é? Eu escuto música, gosto muito de conversar com meus amigos por voz ou escrita, também redijo um pouquinho em esperanto, faço podcasts e organizo encontros esperantistas. Posso realmente dizer a vocês que a cultura do Esperanto foi o que mais enriqueceu minha vida.

Fico muito alegre por ter tantos contatos internacionais graças à língua. E posso dizer também que graças ao Esperanto e graças ao fato de ter crescido com duas línguas, o aprendizado de outras línguas ficou muito mais fácil para mim. Falo inglês, francês e holandês, e planejo aprender ainda algumas outras línguas.

Bem, isto foi um pouco sobre mim. Espero que vocês gostem do esperanto ou que vocês planejem aprendê-lo, ou que o aprendam, ou já estejam aprendendo, e me interessa muito saber para que você usa o esperanto!




segunda-feira, 14 de setembro de 2020

Verbos franceses findos em -eter/-eler


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No segundo semestre de 2019, terminei virando monitor informal de um curso de extensão em tradução a partir da língua francesa, que eu mesmo estava frequentando, lecionado pela professora Marie-Lou no IEL/Unicamp. Como eu era um dos alunos com maior conhecimento de francês na turma, visto que muitos ainda estavam no nível básico (tendo cursado estágios anteriores com a própria Marie-Lou), eu tirava por e-mail dúvidas gramaticais de francês, como a de um colega que segue abaixo. O texto na sequência é minha resposta enviada, aqui com algumas adaptações e observações explicativas.
A que se deve a diferença na conjugação dos verbos acheter e jeter? Ambos são regulares com terminação “-er”, e, segundo a apostila [material complementar do curso], ambos têm um som de “e” fraco antes da terminação “-er”. Mas, no caso do jeter, você dobra o “t” nas conjugações. Já no caso do acheter, você põe um acento grave no primeiro “e”.

Essa é uma das dúvidas aparentemente inexplicáveis em francês. O francês tem uma ortografia altamente etimológica, ou seja, existem várias maneiras de representar os mesmos sons (e vários grafemas que, na verdade, nem som têm) que não se explicam pela lógica ou pela comodidade, mas pela evolução histórica das palavras. Por isso, por exemplo, pro mesmo conjunto “vérr” podemos escrever ver (verme), vers (rumo a), vert (verde) e verre (copo)! Pra nós, reles mortais, cabe apenas decorar esses adornos.

No caso dos verbos que terminam com as grafias “-eter” e “-eler”, existe um cuidado especial em que pode ajudar entendermos o conceitos de formas verbais rizotônicas e arrizotônicas (também útil em português). As formas rizotônicas são aquelas em que a sílaba tônica cai na raiz, por exemplo, “compro” e “achète”. As arrizotônicas são aquelas em que essa sílaba cai na terminação, por exemplo, “compramos” e “achetons”.

Pela regra, as formas arrizotônicas mantêm a grafia do infinitivo original, ou seja, “-eter” e “-eler” (com um só “t” ou “l” e “e” fraco ou mudo). Então, nosso problema se resume às formas rizotônicas, em que o primeiro “e” (que faz parte da raiz) é tônico, portanto obriga a certas mudanças ortográficas na palavra. Em francês, há dois jeitos do “e” não ser pronunciado fraco: 1) ele ser seguido de duas ou mais consoantes; 2) ser colocado um acento gráfico nele (“ê” ou “è”).

Há uma regra básica pros “e” não fracos segundo a qual, quando o “e” está numa sílaba fechada (foneticamente terminada em consoante), ele é aberto (como no português “café”), e quando está numa sílaba aberta (foneticamente terminada em vogal), é fechado (como no português “cadê”). No caso do “e” aberto em sílaba fechada, temos duas ortografias possíveis, portanto, pra aquelas terminações verbais com som “-él” ou “-ét”: “-èle(nt)/-ète(nt)” ou “-elle(nt)/-ette(nt)”.

Infelizmente, não há uma regra clara sobre se devemos dobrar a consoante final ou acrescentar o acento grave, e mesmo os dicionários muitas vezes não concordam entre si quanto à forma correta. A boa notícia é que, pela “ortografia recomendada” de 1990, que permite escrever o francês com algumas simplificações, esses verbos terminados em “-eter” e “-eler” podem ser conjugados sempre sob o modelo “-èle(nt)” e “-ète(nt)”, exceto justamente... jeter, appeler e derivados, que mantêm a ortografia histórica.

Os livros do [Jacques] Derrida [filósofo sobre quem nos focamos], infelizmente, não seguem a “ortografia recomendada”, embora isso não seja motivo de celeuma nas aulas. Dito isso, vou dar alguns exemplos nas duas ortografias pra ficar mais claro (apenas com o presente do indicativo), indicando com negrito as terminações problemáticas e com sublinhado a vogal tônica:

ACHETER (comprar): j’achète, tu achètes, il/elle/on achète, nous achetons, vous achetez, ils/elles achètent.

JETER (jogar, lançar): je jette, tu jettes, il/elle/on jette, nous jetons, vous jetez, ils/elles jettent.

Vou acrescentar o modelo do verbo appeler (chamar), porque ele tem uma pegadinha adicional: o “p” sempre duplo, que neste caso deriva da etimologia da raiz, e não da terminação: j’appelle, tu appelles, il/elle/on appelle, nous appelons, vous appelez, ils/elles appellent.

Reparou? Onde temos a voga tônica na raiz (“achet-” ou “jet-”), colocamos o acento grave ou dobramos a consoante (“achèt-” ou “jett-”). E onde temos a vogal tônica na terminação (“-ons” e “-ez”, nestes casos), não dobramos a consoante nem colocamos acento.




sábado, 12 de setembro de 2020

Emmanuel Macron fala árabe no Líbano


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“Está aberta a temporada de caça ao pobre... Eleições chegando!!!”


Revendo as entrevistas coletivas que Emmanuel Macron, presidente da França, concedeu nos dias 6 de agosto e 1.º de setembro em Beirute, logo após a explosão do porto e a destruição de parte da cidade, percebi que ele ensaiou algumas palavras em árabe libanês. As duas frases se encontram em canções da diva musical do Líbano, a cantora Fayrouz, que o chefe de Estado também encontrou pessoalmente nas visitas. A primeira canção é “بحبك يا لبنان”, muitas vezes transcrita Bhebbak ya Lebnan, e a segunda é “لبيروت” (Li Bayruut), A/Para Beirute.

Eu achei a primeira frase por acaso, enquanto googlava a respeito, mas quem me ajudou em definitivo foram duas moças libanesas anônimas, nos comentários daqueles vídeos, a quem agradeço em espírito. Dando a transliteração padrão “seca” pra primeira frase, título de canção, temos “Baḥibbak yaa Lubnaan”, que se escreve “بحبك يا لبنان” (sem as vogais) em árabe. Porém, a pronúncia varia nos muitos dialetos orais, como no do Líbano, em que a qualidade das vogais é bem mutável. Significa “Eu te amo, Líbano”, e concerne especialmente ao dialeto egípcio, mas também do Mediterrâneo em geral. Como vocês veem, optei por dobrar as vogais longas, e não lhes colocar um traço em cima, o famoso... mácron, rs.

A segunda frase se translitera “Min qalbii salaam li-Bayruut”, em árabe “من قلبي سلام لبيروت”, em que a principal diferença está na pronúncia libanesa do “qaaf” glotal padrão como um simples “golpe de glote” antes da primeira vogal. Significa literalmente “De meu coração, uma saudação a Beirute”, ou mais simplesmente “Saúdo Beirute de (todo) meu coração”, e consiste no segundo verso da referida canção Li Bayruut. É notável que a palavra “سلام” (salaam) tem vários significados em árabe, como “paz”, “saudação” etc., e de fato é a maneira mais popular de dizer “Oi, olá”. E no comentário, a moça me mandou ainda com um sinal na última consoante, “سلامٌ”, indicando a leitura salaamun, com uma terminação de substantivo indefinido (ideia de “um, uma”) geralmente não pronunciada em conversas.

Eu não poderia ter feito esta descrição se não estivesse sendo muito ajudado pelas aulas do professor nigeriano Dr. Imran Alawiye, a que estou assistindo aos poucos em seu canal (língua padrão). O próprio prof. Jihad do canal Fale Árabe também se concentra na variante libanesa, mas seu foco é essencialmente coloquial, e não gramatical.



quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Sociedade doente / Malsana societo


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Este artigo extremamente atual se chama “Sociedade doente” e foi escrito por minha ex-colega de escola em Bragança Paulista, Jéssica Álana Zenorini, em 2004 ou 2005. Não sei exatamente qual foi o contexto de sua produção, mas deve ter sido distribuído entre os estudantes e pais, e até hoje guardei seu conteúdo porque gosto dele. Jéssica já tem sua própria família, mas em 2005 estávamos no fim do Ensino Médio, com 17 anos de idade. Na época, fiz também uma versão pro esperanto (“Malsana societo”), publicada num site sobre a língua que eu mantinha então. Seguem os dois textos abaixo, e não fiz nenhuma alteração no original em português, no que concerne à ortografia vigente até 2009.



Sentir as injustiças profundamente e não limitar sua indignação a meros pensamentos de revolta. Agir, fazer para mudar... Doar a vida em nome de um ideal e pagar o preço por isso sem arrependimentos, dispor-se do cômodo para lutar por causas que não são só suas, buscando o bem de todos, independente de quem seja ou onde esteja. “Endurecer, sem jamais perder a ternura”, pois a humanidade e os sentimentos sinceros fazem parte de verdadeiros revolucionários. E o que é ser revolucionário?

Recorro ao senhor Aurélio, e ele me responde: “indivíduo adepto à revolução; renovador; aquele que é partidário de renovações políticas, morais ou sociais”. Mas isso parece dizer pouco... Pois quando falo de revolucionários, falo de sonhadores, falo de idealistas, falo de pessoas que lutaram, mataram e morreram em nome do que achavam justo e melhor. E isso é mais difícil do que parece... Na verdade, o que sei sobre revolucionários é por livros, filmes, fotos, passado...

Vivemos uma carência de heróis revolucionários. Não mais se ouve falar de verdadeiros idealistas, pois se eles existem, tornou-se difícil reconhecê-los frente a tanta podridão, politicagem e jogo de interesses. Sim... faltam-nos heróis da atualidade.

Então, fico aqui me perguntando o porquê dessa nossa atual carência de verdadeiros heróis. E a resposta logo me vem à cabeça. Como podemos ter heróis se nosso atual sistema nos dita que tempo é dinheiro? Se os valores e sentimentos humanos valem menos que a marca do tênis que se calça no pé? Se o assistencialismo tomou conta da solidariedade e do sentimento fraterno?

Pergunto: como que indivíduos formatados para pensar só nos seus próprios interesses, indivíduos que são considerados antes de tudo consumidores, indivíduos que trocam relacionamento humano por teclas de um computador... conseguem despir-se de regalias em prol do bem comum? Como que indivíduos que são programados pra dizer SIM e que estampam no peito propagandas (e nem se dão conta disso...) podem doar a vida por um ideal?

Nossa sociedade está doente! As utopias foram esquecidas; a ética foi esquecida; os valores humanos são trocados por etiquetas, e o insaciável desejo pelo TER tem sufocado futuros e atuais heróis. Rótulos substituem conversas; meios de comunicação, em vez de informar, manipulam; o mundo segue estereótipos... Governos, em vez de encontrar reais soluções, nivelam por baixo, criam taxas, inventam mais medidas provisórias... Somos dominados de um dominador sem única face; por isso ficamos aqui, sem saber contra o quê ou contra quem devemos lutar.

E diante a essa epidemia de desinteresse pelo que é comum, de alienação, de conformismo, de falta de valores, de manipulação, onde se mata (mesmo que indiretamente) em nome de números em uma conta bancária... é necessária muita coragem para tentar revolucionar!

Mas mesmo assim, não podemos acreditar que tudo está perdido, não podemos deixar que as esperanças morram, e que o sonho de que tudo isso vai mudar acabe. Falando assim, parece que isso não tem força alguma, mas pelo contrário: é só acreditando que podemos ao menos mudar o ambiente que nos cerca. E se não pudermos fazer uma revolução, pelo menos não deixemos que os sonhos e utopias se percam e que nossa sociedade sinta-se saciada com um herói como o Super-Homem.

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Profunde senti la maljustaĵojn kaj ne limigi sian indignon ĝis nuraj ribelaj pensoj. Agi, fari por ŝanĝi... Donaci la vivon por idealo kaj senpente suferi la konsekvencojn, malproviziĝi de la komfortaĵoj por lukti por aferoj, kiuj ne estas nur viaj, celante ĉies boneston, kie ajn kaj kiu ajn ili estas. “Esti aŭstera, neniam perdante la teneron” (1), ĉar la homaro kaj la veremaj sentoj estas partoj de veraj revoluciuloj. Kaj kio estas “esti revoluciulo”?

Mi petis helpon al s-ro Aŭrelio (2), kaj li respondas al mi: “homo, kiu estas ano de la revolucio; renoviganto; tiu, kiu estas ano de politikaj, moralaj kaj sociaj renovigoj”. Sed ŝajne tio diras malmulte... Ĉar kiam mi parolas pri revoluciuloj, mi parolas pri revemuloj, idealistoj, homoj, kiuj luktis, mortigis kaj mortis nome de tio, kion li trovis justa kaj pli bona. Kaj tio estas pli malfacila ol tiel, kiel ŝajnas... Verdire, mi scias pri revoluciuloj nur per libroj, filmoj, fotoj, estintecaĵoj...

Ni vivas en epoko, kiam mankas revoluciaj geherooj. Oni ne plu aŭdas pri veraj idealistoj, ĉar, se ili ekzistas, iĝis malfacile rekoni ilin ĉe tiom da putro, fia politiko kaj profitemecaj ludoj. Jes... al ni mankas geherooj por la nuntempeco.

Do, mi restas demandante al mi pri la kialo de tiu nia nuna manko de veraj geherooj. Kaj la respondo tuj enmensiĝas. Kiel ni povas havi geheroojn, se nia aktuala sistemo diktas al ni, ke “tempo estas mono”? Se la valoroj kaj homaj sentoj valoras malpli ol la fabriketiketo de la teniso, kiun oni uzas? Se la asistemo cele al memnobligo forigis la solidarecon kaj la fratecan senton?

Mi demandas: kiel homoj formatataj por pensi nur pri siaj memaj interesoj, homoj, kiuj estas agnoskitaj surtute kiel aĉetpovantoj, homoj, kiuj anstataŭas la homan interrilaton per komputila klavaro sukcesas seniĝi je prerogativoj favore de la komuna bonesto? Kiel homoj, kiuj estas programitaj por diri JES kaj stampas propagandojn sur la bruston (kaj eĉ ne ekrimarkas) povas donaci la vivon por idealo?

Nia societo estas malsana! La utopioj estis forgesitaj; la etiko estis forgesita; la homaj valoroj estas anstataŭataj de etiketoj, kaj la nesatebla deziro HAVI estas sufokinta nunajn kaj estontajn geheroojn. Antaŭjuĝoj anstataŭas interparoladojn; amaskomunikiloj, anstataŭ ol informadi, manipulas; la mondo sekvas fiksitajn estetikajn normojn... Registaroj, anstataŭ ol trovi realajn solvojn, ne gravigas la problemojn, kreas taksojn, elpensas pli da ĝisaj rezolucioj... Ni estas superregitaj de plurvizaĝa superreganto; tial, ni restadas ĉi tie, nesciantaj kontraŭ kio aŭ kontraŭ kiu ni devas lukti.

Kaj fronte al tiu epidemio de neintereso pri tio, kio estas komuna, de alieneco, de konformiĝemo, de valormanko, de manipulado, kiam oni mortigas (eĉ nerekte) nome de ciferoj de banka konto... oni bezonas multe da kuraĝo por provi revolucii!

Sed eĉ tiel, ni ne povas kredi, ke ĉio estas perdita, ni ne povas lasi morti la esperoj kaj la revo pri tio, ke la situacio ŝanĝos, finiĝi. Parolante tiel, ŝajnas, ke tio havas neniun forton, sed male: nur kredante ni povas ŝanĝi almenaŭ la medion, kiu cirkaŭas nin. Kaj se ni ne povos fari revolucion, ni almenaŭ ne lasu, ke la revoj kaj utopioj perdiĝu, kaj ke nia societo satiĝu per heroo kiel la “Superman” (Super-Homo).


Notoj de la tradukinto:
(1) Fama frazo de la argentinano Ernesto Che Guevara, kiu partoprenis en la Kuba Revolucio, en 1959 (“Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás”).
(2) Mencio al fama brazila vortaro Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (Vortaro “Aurélio” de la Portugala Lingvo), organizata de la brazila profesoro Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.


Adendo (2023): Fazendo recentemente um backup digital de antigos papéis guardados, não pude deixar de colocar aqui, independente do consentimento da Jéssica, um depoimento que ela deu, talvez no começo de 2006, logo após terminarmos o Ensino Médio, sobre a escola em geral e nossa vida de estudos. Eu também dei meu depoimento, solicitado por telefone por nossa querida professora de História, Flávia, uma das pessoas a quem devo minha escolha profissional. Ambos foram publicados no Jornal do Meio (n. 267, sexta-feira, 24/2/2006, p. 3), suplemento cultural semanal que, segundo minhas pesquisas, existiu do fim de 2002 até mais ou menos 2018, mas cujo CNPJ cobre o período de 2003 a 2020, e vinha no Bragança-Jornal Diário, antigo e tradicional periódico da cidade também extinto em 2021.


terça-feira, 8 de setembro de 2020

Música traduzida de Peppino Di Capri


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/peppino1


Estou trazendo aqui as três primeiras traduções e legendagens que fiz de canções interpretadas pelo astro italiano Peppino Di Capri, em 2019 e neste ano. Os três vídeos seguem o modelo que chamo de “legendas duplas”, trazendo ao mesmo tempo o texto em italiano e, embaixo, a tradução em português. É uma ótima oportunidade pra ver cada vídeo duas vezes, sobretudo pra quem estuda italiano!

Giuseppe Faiella nasceu em 1939 na cidade de Capri, próxima de Nápoles, e começou sua carreira em 1956, adotando mais tarde o nome artístico Peppino Di Capri (“Peppino” é apelido de “Giuseppe”, como “Zé” ou “Zezinho” é de “José”). Pianista, consagrou-se nos anos 60, incursionou pela música leve, pelo twist e pela canção napolitana, em cuja língua gravou várias faixas, e acumulou 54 álbuns. Além do Festival de Sanremo de 1973, venceu também o de 1976 com Non lo faccio più, além do Festival de Nápoles em 1970 com Me chiamme ammore. Começou cantando numa banda de rock nos anos 50, mas também atuou em filmes e programas especiais, até gravar em 2019 seu álbum mais recente. Nesse mesmo ano, em 4 de julho, também faleceu sua segunda esposa. Quem ainda dá alguma atenção à TV aberta de domingo, já deve ter se deparado com Peppino di Capri no programa do Faustão, quase sempre no quadro “Ding Dong”.

A primeira canção se chama Roberta, uma homenagem a Roberta Stoppa, de Turim, com quem se casou em 1961. Em 1963 ele lançaria um compacto com Roberta (melodia dele e letra de Luigi Naddeo e Paolo Lepore) e, do outro lado do disco, com Nustalgia. Lançada pela gravadora Carisch, a canção se tornou um dos maiores sucessos de Peppino e da música romântica italiana, conhecido inclusive entre os descendentes de italianos e frequentadores de cantinas no Brasil. Peppino teria em 1970 seu primeiro filho com Roberta, mas o casamento já estava em crise e ele se casou com outra em 1978. Da nova relação nasceram mais dois homens.

A segunda canção, Champagne (Champanhe), foi lançada como um álbum single em dezembro de 1973. Era o lado A, com o lado B chamando-se La prima sigaretta. Com letra de Depsa (pseudônimo de Salvatore De Pasquale) e Sergio Iodice e melodia de Mimmo Di Francia, é de longe o maior sucesso do artista nascido em Capri, a mais pedida nos bares com piano na Itália. Foi gravada por ocasião da apresentação de Peppino no festival “Canzonissima” daquele ano, e logo ganhou o mundo.

Segundo os autores, a canção surgiu “pensando em Charles Aznavour e Domenico Modugno” como possíveis intérpretes, mas colou-se fatalmente à imagem de Peppino Di Capri. O próprio cantor a regravou várias vezes, com diferentes arranjos, e já nos anos 70 seu maior impacto fora da Itália foi exatamente na América do Sul, em especial Brasil, Argentina (onde surgiu a primeira versão espanhola) e Uruguai. Vários artistas italianos, incluindo Andrea Bocelli, também a gravaram, e no Brasil podemos citar a Banda Careda (versão disco-samba), Agnaldo Timóteo e até Roberto Carlos num de seus especiais de fim de ano na Globo. Champagne se tornou popular por ter aparecido nos filmes Profumo di Donna, Il Commissario Lo Gatto, A spasso nel tempo, Terra bruciata e, em forma de paródia, Rimini Rimini.

O livro Cameriere, champagne!... (sem tradução brasileira) foi escrito pelo próprio Mimmo Di Francia e pelo jornalista Michelangelo Iossa, contando todas as vicissitudes por que passou a música. O tema da bebedeira por amor num bar público é recorrente até mesmo no Brasil, como conhecemos pelo célebre Garçom de Reginaldo Rossi ou pelas “sofrências” de Marília Mendonça. O falecido cantor Marciano gravou uma versão estúdio e outra ao vivo, chamada Um brinde e depois não sei, traduzida por Rhael e Silvio José.

A terceira e última canção é Un grande amore e niente più (Um grande amor e nada mais), gravada em 1973 no álbum Peppino Di Capri e i New Rockers. Ela foi composta pelo próprio Peppino, em colaboração com Ernest John Wright e Franco Califano, e foi lançada no Festival de Sanremo daquele mesmo ano, quando obteve a vitória. A canção saiu também num single de 1973, tendo por faixa 2 Per favore non gridare, e vários artistas também gravaram a versão em espanhol Un gran amor y nada más. Leia também esta entrevista de Peppino Di Capri de 2013, relembrando Franco Califano.

Roberta, Champagne e Un grande amore e niente più tiveram seus áudios baixados do YouTube, conforme esses links dos vídeos. Eu mesmo traduzi do italiano e fiz as montagens com legendas, e elas seguem abaixo, junto às letras e às traduções:


Lo sai,
Non è vero
Che non ti voglio più.
Lo so,
Non mi credi,
Non hai fiducia in me.

Roberta, ascoltami,
Ritorna ancor, ti prego.

Con te
Ogni istante
Era felicità.
Ma io non capivo,
Non t’ho saputo amar.

Roberta, perdonami,
Ritorna ancor vicino a me.

Roberta, ascoltami,
Ritorna ancor, ti prego.

Con te
Ogni istante
Era felicità.
Ma io non capivo,
Non t’ho saputo amar.

Ascoltami, perdonami,
Ritorna ancor vicino a me,
Vicino a me,
Vicino a me...

Você sabe,
Não é verdade
Que não te quero mais.
Eu sei que você
Não acredita em mim,
Não confia em mim.

Roberta, me escute,
Volte de novo, te peço.

Cada momento
Com você
Era de felicidade.
Mas eu não entendia,
Não soube te amar.

Roberta, me perdoe.
Volte pra junto de mim.

Roberta, me escute,
Volte de novo, te peço.

Cada momento
Com você
Era de felicidade.
Mas eu não entendia,
Não soube te amar.

Me escute, me perdoe,
Volte pra junto de mim,
Pra junto de mim,
Pra junto de mim...


Champagne... per brindare a un incontro
Con te... che già eri di un altro
Ricordi... c’era stato un invito
Stasera si va tutti a casa mia

Così... cominciava la festa
E già... ti girava la testa
Per me... non contavano gli altri
Seguivo con lo sguardo solo te

Se vuoi, ti acompagno se vuoi
La scusa più banale
Per rimanere soli io e te

E poi, gettare via il perchè
Amarti come sei
La prima volta e l’ultima...

Champagne... per un dolce segreto
Per noi... un amore proibito
Ormai resta solo un bicchiere
Ed un ricordo da gettare via...

Lo so, mi guardate lo so
Vi sembra una pazzia
Brindare solo senza compagnia

Ma io, io devo festeggiare
La fine di un amore
Cameriere... champagne

____________________


Champanhe... pra brindar um encontro
Com você... que já era de outro.
Lembra... foi feito um convite:
Essa noite vamos todos à minha casa.

Assim... começava a festa
E você... já estava ficando bêbada
Pra mim... os outros não importavam,
Só seguia você com meu olhar.

Se quiser, te acompanho se quiser,
A desculpa mais esfarrapada
Pra eu ficar sozinho com você.

E depois, jogar fora o pretexto,
Amá-la como você é,
A primeira vez e a última...

Champanhe... pra um doce segredo,
Pra nós... um amor proibido.
Agora resta apenas um copo
E uma lembrança pra jogar fora...

Sei que vocês estão me olhando,
Estão achando que sou louco
Brindando só, desacompanhado.

Mas eu preciso festejar
O fim de um amor.
Garçom, por favor... champanhe.


1) Io, lontano da te
Pescatore lontano dal mare
Io, chiedo da bere
A una fonte asciugata dal sole
Solitudine e malinconia
I soprammobili di casa mia
Qualche libro, una poesia
E sul piano una fotografia

Ritornello:
Io e te
Un grande amore e niente più
Io e te
Le nostre corse fin laggiù
Là dove c’è
La capanna scoperta da noi
Dove tu mi dicesti “Vorrei...”
“Amore vorrei... stasera vorrei...”

2) Notti, notti d’amore
Nel silenzio il mio nome, il tuo nome
Ma non risale l’acqua di un fiume
E nemmeno il tuo amore ritorna da me
Solitudine e malinconia
In ogni angolo, in ogni via
Ti rimprovero una sola cosa
Che potevi almeno dirmi “Scusa...”

(Ritornello)

Io e te
Un grande amore e niente più
Io e te
Le nostre corse fin laggiù
Io e te…

____________________


1) Eu sou, longe de você
Como pescador longe do mar
Estou pedindo pra beber
A uma fonte que o Sol secou
Solidão e melancolia
Os bibelôs da minha casa
Algum livro, uma poesia
E sobre o piano uma fotografia

Refrão:
Eu e você
Um grande amor e nada mais
Eu e você
Nossos passeios até la embaixo
Lá onde se encontra
A cabana que nós descobrimos
Onde você me disse “Eu queria...”
“Amor, queria... esta noite eu queria...”

2) Noites, noites de amor
No silêncio meu nome, seu nome
Mas água de rio não sobe de volta
E nem seu amor volta pra mim
Solidão e melancolia,
Em cada esquina, em cada rua
Lhe reprovo só uma coisa
Que podia ao menos me pedir desculpas

(Refrão)

Eu e você
Um grande amor e nada mais
Eu e você
Nossos passeios até la embaixo
Eu e você...


Também traduzi Roberta pra língua russa:

Это итальянская песня Roberta (Роберта), которую записал певец Пеппино ди Капри (Peppino di Capri) в 1963 году. Он тоже сложил музыку, а текст написали Луиджи Наддео и Паоло Лепоре (Luigi Naddeo, Paolo Lepore). Эта песня посвящена Роберте Стоппе (Roberta Stoppa), тогда жена Пеппино. У них родился первый сын в 1970 году, но потом они развелись и Пеппино женился на другой девушке в 1978 году.

«Giuseppe Faiella» ‒ настоящее имя Пеппино ди Капри. Он родился в 1939 году в городе Капри, недалеко от Неаполя. Победил на Фестивалях песни в Сан-Ремо (1973 и 1976 гг.) и Неаполе (1970 г.) и выпустил до сих пор 54 альбома. Пеппино тоже поет песни на неаполитанском языке. «Peppino» ‒ это популярная форма итальянского имени «Giuseppe» (Иосиф, Осип).

Я сам перевел текст с итальянского языка на русский, сделал монтаж и положил субтитры на видео.

Ты знаешь, это неправда,
Что я больше тебя не хочу.
Я знаю, ты не веришь в меня,
Ты не доверяешь мне.

Роберта, слушай меня,
Вернись опять, прошу тебя.

Каждое мгновение с тобой
Было счастливым.
Но этого я не понимал,
Я не сумел любить тебя.

Роберта, прости меня,
Вернись опять ко мне.

Роберта, слушай меня,
Вернись опять, прошу тебя.

Каждое мгновение с тобой
Было счастливым.
Но этого я не понимал,
Я не сумел любить тебя.

Слушай меня, прости меня,
Вернись опять ко мне,
Опять ко мне,
Опять ко мне...



domingo, 6 de setembro de 2020

N. Mouskouri - Weiße Rosen aus Athen


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/weisserosen

Desde que comecei a legendar música romântica da Europa Central e do Sul, em fevereiro de 2018, a cultura brasileira só tem piorado: canções, literatura, mídia, televisão, internet e o apoio nulo que o atual governo dá pra elevação do povo, incluindo o sucateamento do Ministério da “Inducassão”. Na época eu já reclamava do que mais bombava nas paradas, mas acho que hoje não tem mais esperança mesmo. Só o trabalho de formiguinha de pessoas isoladas como eu pode fazer os jovens modernos começarem a gostar de coisas mais antigas, mas pelo menos com muito mais qualidade e mensagem!

Esta é a cantora grega Nana Mouskouri, da qual já postei aqui uma canção folclórica de Natal. Nascida em 1934, passou 20 anos na Europa Ocidental, onde se consagrou como grande cantora de renome mundial. Ainda na ativa, ela canta em várias línguas, incluindo inglês, francês e alemão, idioma desta música Weiße Rosen aus Athen (Rosas brancas de Atenas). Em 1961, Hans Bradtke escreveu uma letra em alemão pra música grega San Sfyrixis Tris Fores (Se você assobiar três vezes), adaptada do folclore por Manos Hadjidakis. Gravada por Mouskouri em estilo schlager, ficou por 10 semanas no topo das paradas alemãs e a tornou conhecida na então Alemanha Ocidental. Outros cantores gravaram a canção em várias línguas, e a própria Mouskouri a cantou também em inglês e francês.

Eu mesmo traduzi o texto direto do alemão, e embora talvez a versão alemã tenha sido feita especialmente pra Mouskouri, já que foi ela quem deixou a Grécia, eu traduzi as formas oblíquas de du (você) pelo masculino. O adjetivo weiße (“branca” ou “brancos/as”) por vezes aparece como weisse em algumas postagens, mas os “ss” ainda são usados só na Suíça: a ortografia berlinense impõe usar o es-zett. Eu legendei este vídeo de ótima qualidade, sem fazer nele nenhuma alteração, gravado num programa da TV alemã em 1981. Seguem minha legendagem, a letra alemã e a tradução:


Weiße Rosen aus Athen
Sagen dir komm recht bald wieder,
Sagen dir Auf Wiederseh’n,
Weiße Rosen aus Athen.

Der Tag erwacht,
Die Sonne, sie kommt wieder,
Und wieder kommt nun auch
Der Abschied für uns zwei.
Nun fährt dein Schiff
Hinaus mit Wind und Wogen,
Doch es sind Grüße
Aus der Heimat mit dabei.

Weiße Rosen aus Athen
Sagen dir komm recht bald wieder,
Sagen dir Auf Wiederseh’n,
Weiße Rosen aus Athen.

Weiße Rosen blüh’n an Bord,
In der weiten, weiten Ferne,
Blüh’n für dich allein so schön,
Weiße Rosen aus Athen.

Im fernen Land,
Wo keiner auf dich wartet,
Da seh’n die Sterne in der Nacht
Ganz anders aus.
Dort ist die Welt so fremd
Und du bist einsam,
Darum begleiten dich heut’
Blumen von zu Haus.

Weiße Rosen aus Athen
Sagen dir komm recht bald wieder,
Sagen dir Auf Wiedersehn,
Weiße Rosen aus Athen.

Auf Wiederseh’n,
Auf Wiederseh’n,
Auf Wiederseh’n.

____________________


As rosas brancas de Atenas
Lhe dizem: volte o quanto antes,
Lhe dizem: até logo, até logo,
As rosas brancas de Atenas.

O dia vai acordar,
O Sol vai voltar,
E então também vai voltar
A despedida a nós dois.
Então seu barco vai partir
Com vento e ondas,
Mas vão com você
As saudações do torrão natal.

As rosas brancas de Atenas
Lhe dizem: volte o quanto antes,
Lhe dizem: até logo, até logo,
As rosas brancas de Atenas.

Rosas brancas vão florir a bordo,
Na vasta, vasta distância,
Florir tão belamente só pra você,
As rosas brancas de Atenas.

Num país distante,
Onde ninguém vai esperá-lo,
Lá as estrelas à noite
Têm aspecto totalmente diverso.
Lá o mundo é tão estranho
E você vai ficar solitário,
Por isso hoje vão conduzi-lo
Flores vindas do lar.

As rosas brancas de Atenas
Lhe dizem: volte o quanto antes,
Lhe dizem: até logo, até logo,
As rosas brancas de Atenas.

Até logo, até logo, até logo.




sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Comparando Estatutos da Comintern


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/estatutos-ic

Este artigo se chama originalmente “Comparação entre os Estatutos da Comintern aprovados em seu 2.º (1920), 5.º (1924) e 6.º (1928) Congressos Mundiais” e foi concluído no primeiro semestre de 2020, após o polimento de extensas anotações comparando os três documentos referidos no título. As anotações são de meados de 2016, quando eu ainda estava redigindo minha dissertação de mestrado, e acabei usando parte delas nesse texto. Mas só este ano, visando à publicação, consegui dar-lhes uma forma final, que pudesse ser usada como material de consulta, originalmente pensado como uma introdução a uma nova tradução (ainda não iniciada) daqueles três estatutos. Eu quis, antes, submetê-lo a alguma revista de história na forma de artigo, o que me obrigou a adaptar o texto às exigências editoriais da que eu escolhesse.

Finalmente, a Angelus Novus da USP aceitou minha submissão em julho, desde que eu fizesse consideráveis correções, concernentes, sobretudo, à argumentação e à linguagem. A maior fragilidade era o caráter dedutivo de diversas afirmações sobre as relações entre os estatutos da Comintern e a história política concernida e a ausência de citações bibliográficas quanto a acontecimentos politicamente controversos que citei de memória, mas que de fato ocorreram. Eu sei que a versão inicial abaixo pode despertar discordâncias e não cabe num artigo científico. Mas não só mostram muito das minhas opções políticas (na verdade, mais moderadas hoje), como não inventei nenhum fato ou desdobramento, podendo ser verificados numa busca bibliográfica mais ampla. (*)


Resumo: A estrutura organizativa interna da Internacional Comunista (Comintern) era quase totalmente desconhecida àqueles que a observavam de fora. Contudo, ela foi fortemente influenciada pelas lutas políticas de bastidores, inclusive no Partido Comunista soviético, e pelas viradas geopolíticas promovidas pelos líderes de Moscou. Os três Estatutos da Comintern aprovados em seu 2.º (1920), 5.º (1924) e 6.º (1928) Congressos Mundiais não esgotam a análise dos órgãos que a compunham, mas dão uma ideia de como sua estruturação e lemas políticos, ao contrário do que se pensa no senso comum, alteraram-se radicalmente à medida que se desenrolavam as disputas de poder no Kremlin. Neste artigo, exponho os resultados de uma exaustiva comparação entre os três Estatutos, relacionando os textos ao contexto político de cada época e apontando nas mudanças redacionais pistas sobre como se alteravam os conceitos de movimento comunista internacional e de revolução mundial.

Palavras-chave: Internacional Comunista (Comintern); movimento comunista internacional; Vladimir Ilyich Lenin (1870-1924); Joseph Vissarionovich Stalin (1878-1953); União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; história política (século XX).

A Comparison between the Statutes of the Comintern Adopted at its 2nd (1920), 5th (1924), and 6th (1928) World Congresses

Abstract: The internal organizational structure of the Communist International (Comintern) was almost completely unknown for those who observed it from outside. Nevertheless, it was strongly influenced by the backstage political struggles, even those happened in the Soviet Communist Party, and by the geopolitical turning points promoted by the Moscow government. The three Statutes of the Comintern adopted in the 2nd (1920), 5th (1924), and 6th (1928) World Congresses cannot exhaust the analysis of the organs composed in that institution, but it brings up an idea about how structuring and political lemmas, unlike to the common sense, radically changed as the Kremlin power disputes continued. In this article, I exposed the results of an exhaustive comparison between these three Statutes, connecting their contents to the political context of each period and pointing out the text alterations as clues about how the concepts of Communist international movement and of world revolution changed.

Keywords: Communist International (Comintern); international Communist movement; Vladimir Ilyich Lenin (1870-1924); Joseph Vissarionovich Stalin (1878-1953); Union of the Soviet Socialist Republics; political history (20th century).


Introdução

A estrutura organizativa da Internacional Comunista (IC, Comintern, 3.ª Internacional) sempre foi um mistério aos que a observavam de longe, mais atentos a seus efeitos políticos do que a seu funcionamento interior. Como apontam Adibekov, Shakhnazárova e Shiriniá, (1) os organismos internos, ocultos ao grande público e pouco mencionados na imprensa oficial, sofreram inúmeros remanejamentos e amiúde se entrecortavam durante os 24 anos em que a organização existiu. Ao retraçar seu desenho burocrático usando documentos de arquivo, os três acadêmicos russos destacam que ele jamais foi estável e que o rumo global tomado até o definhamento prático, em meados da década de 1930, foi o da crescente centralização. Tal processo sinalizava a predominância do aparelho sobre o coletivo partidário, a suplantação do voluntarismo romântico pelo burocratismo rotineiro e a transformação de debates políticos em questões administrativas. A institucionalização da Revolução de Outubro – que trocou o auxílio a revoluções no exterior pela racionalidade diplomática, e a “destruição do Estado burguês” leniniana pelo “reforço do Estado proletário” staliniano – tirou da Comintern o papel de difusora da revolução socialista e tornou-lhe instrumento da política externa do Kremlin e de vigilância policialesca sobre os Partidos Comunistas. (2)

Nos três Estatutos da Internacional Comunista, aprovados em 1920, 1924 e 1928, (3) percebem-se a evolução da instituição e do regime bolchevique, incluindo a destruição do tsarismo liderada por Vladimir Lenin, a luta de poder que se seguiu à sua morte e a vitória de Iosif Stalin como chefe incontestável da União Soviética e do partido único. Obviamente, dos programas e resoluções da Comintern apreende-se muito mais a respeito de sua ideologia, política e influência fora da Europa Oriental, mas as instituições e estruturas também dão a entender como certas ideias e visões de mundo, embora com mediações, implicavam práticas que tinham um alcance para além dos grupos em que foram concebidas de início, e no caso em questão com impacto sobre a geopolítica mundial e as decisões das grandes potências. No Brasil, não há pesquisas sobre a estrutura organizativa da Comintern, e em poucas obras alude-se às agências que interligavam os comunistas latino-americanos e as lideranças soviéticas. De alguma forma, a centralização e burocratização previstas nos Estatutos da Comintern também afetaram a trajetória dos secretariados e birôs incumbidos dos problemas da América Latina e das queixas dos Partidos Comunistas da região. (4)

Pretendo mostrar neste artigo os pontos centrais de permanência e mudança nos Estatutos da Comintern aprovados em 1920, 1924 e 1928, respectivamente no 2.º, 5.º e 6.º Congressos Mundiais, o órgão superior da instituição. Quero salientar os traços que tinham mais relação com as viradas ideológicas e mais implicância na vida político-partidária, sem recair na mera análise do discurso nem isolar os textos de sua realidade histórica. (5)


Qual revolução?

Os Estatutos de 1920 e 1924 possuem o mesmo preâmbulo, que na língua russa diferem apenas na literalidade, ou seja, têm conteúdo igual, mas expresso com palavras diferentes. O preâmbulo reproduz uma parte dos Estatutos da 1.ª Internacional, da qual a 3.ª Internacional afirma-se a continuadora, e anuncia a ruptura completa dos comunistas com a tradição da 2.ª Internacional, que julgam eurocêntrica, branca e traidora após o voto de seus parlamentares nacionais pelos créditos de guerra em 1914. A Comintern atribui-se a seguinte tarefa:

[...] lutar por todos os meios, mesmo de armas na mão, para derrubar a burguesia internacional e criar uma república soviética mundial como estágio de transição rumo à total aniquilação do Estado. A Internacional Comunista considera a ditadura do proletariado como o único meio que possibilita à humanidade libertar-se dos horrores do capitalismo. E a Internacional Comunista considera o Poder Soviético uma forma historicamente dada dessa ditadura do proletariado. (6)

Os Estatutos de 1924 são divididos em seis partes: I. Regras básicas (§§ 1-6), II. O Congresso Mundial da Comintern (§§ 7-10), III. O Comitê Executivo da Comintern e seu aparelho (§§ 11-25), IV. Os Plenos Ampliados (§ 26), V. A Comissão Internacional de Controle (§ 27) e VI. As inter-relações entre as seções da Comintern e o Comitê Executivo da IC (§§ 28-35). Os Estatutos de 1920 não possuem subdivisões, mas seus artigos poderiam ser ordenados da seguinte forma: I. Regras básicas (§§ 1-3), II. Órgãos dirigentes – Congresso e CEIC (§§ 4-10), III. Organização dos Partidos Comunistas – imprensa, trabalho ilegal, relações mútuas (§§ 11-13) e IV. Grupos setoriais – sindicatos, jovens, mulheres; trânsito de militantes entre países (§§ 14-17). É evidente a diferença no número de artigos e, nos Estatutos de 1924, a divisão minuciosa das partes, o detalhamento de vários artigos (agora desdobrados em relação aos Estatutos de 1920) e a preocupação maior com questões organizativas. Em 1920, a Comintern ainda estava formando-se e ninguém tinha uma ideia exata de que tipo de partidos estava entrando nela, sem contar que ainda não estava pronto e acabado o modelo de Partido Comunista que se deveria exportar. No 2.º Congresso, aparentemente, deu-se peso maior às 21 condições, bem mais extensas e detalhadas, e mais prementes diante do contexto de formação da Comintern. (7)

Os três primeiros artigos de ambos os Estatutos têm a mesma estrutura, mas o primeiro possui algumas diferenças substanciais. Nos Estatutos de 1920, a Comintern não tem um status especial, mas tem a função de “organizar ações conjuntas dos proletários dos diferentes países”, enquanto nos Estatutos de 1924 ela já é claramente a “união dos Partidos Comunistas dos diversos países em um só partido proletário e [...] guia e organizadora do movimento revolucionário do proletariado de todos os países”. No 2.º Congresso, a centralidade dos Partidos Comunistas na luta internacional não estava definida, mas mesmo na URSS ainda se estava forjando o papel dirigente do partido único. Ou, confirmando o que se disse logo acima, ainda não se regulara o tipo de organização que deveria entrar na Comintern, muito menos se decidira decalcar o modelo bolchevique para outros países, o que de fato ocorreria a partir do 5.º Congresso, com a palavra de ordem da “bolchevização”. (8)

Ainda no artigo 1, o objetivo final nos dois Estatutos permanece o mesmo: “aniquilar totalmente as classes e implantar o socialismo, que é o primeiro estágio da sociedade comunista”. Mas o meio para se alcançá-lo torna-se mais detalhado: nos Estatutos de 1920, os proletários organizados internacionalmente aspirariam “derrubar o capitalismo, estabelecer a ditadura do proletariado e a República Soviética Internacional”, e nos Estatutos de 1924, era da Comintern a função de lutar “para ganhar a maioria da classe operária e amplas camadas dos camponeses pobres aos princípios e fins do comunismo, estabelecer a ditadura do proletariado, criar uma união internacional de repúblicas soviéticas socialistas”. Há várias mudanças de ênfase e de foco. No 2.º Congresso, o fim do capitalismo e a revolução mundial pareciam tão iminentes, e a adesão do operariado mundial a esse curso tão evidente, que os fins não precisariam ser explicados, enquanto no 5.º Congresso tratava-se novamente de conquistar operários e camponeses, e quando muito contentar-se com a maioria, e não todos. A ditadura do proletariado continua na ordem do dia, ainda que ao menos nesse documento seu caráter não seja explicitado, mas o agente de seu estabelecimento muda: dá-se a entender nos Estatutos de 1920 que ele seria obra dos próprios proletários, enquanto nos Estatutos de 1924 ao menos a luta tinha como cabeça a Comintern; aliás, no 2.º Congresso ela aparece como mera organizadora dos operários, enquanto no 5.º Congresso ela também é guia (líder) do movimento revolucionário do proletariado, além de ser o partido proletário que une todos os Partidos Comunistas (que, subtende-se, são os agentes do processo). Por mais que se possa reduzir o papel das palavras, uma coisa parece clara: a figura dos próprios operários organizados de forma autônoma cede lugar à figura do Partido Comunista, que se pressupõe proletário e haver conquistado ou estar para conquistar as mentes desses operários.

A importância dessa submersão ‒ do operário ativo no Partido Comunista e do movimento operário internacional na Internacional dos partidos ‒ é ressaltada na frase que se adiciona no 5.º Congresso ao final do artigo 3, de resto idêntico nos dois Estatutos: “Em cada país só pode haver um Partido Comunista aceito na Comintern.” O proletariado de cada país só deveria ter um líder, não se aceitava mais qualquer tipo indiscriminado de organização na Comintern, e essa representação única por país dava as bases para uma verdadeira representação nacional oficializada da URSS e de seus interesses.

Outro ponto importante é a configuração geopolítica resultante da Revolução de Outubro: voltando ao artigo 1, os Estatutos de 1920 preveem a formação de uma “República Soviética Internacional”, enquanto os de 1924 contentam-se (e não é inocente a ausência de maiúsculas) com uma “união mundial de repúblicas soviéticas socialistas”. A confiança na revolução mundial iminente e na derrota imediata do capitalismo no fim da década de 1910 deu lugar à conformação com o refluxo revolucionário e com a volta do enquadramento do operariado dentro de suas fronteiras nacionais. Não era mais possível que os Estados nacionais e suas fronteiras fossem abolidos de imediato, e a futura conquista de cada governo pelos comunistas já parecia ser um feito satisfatório. Parece ser essa a base do “socialismo em um só país”, que ao menos aí, por honra da firma, passa a impressão de um “socialismo em cada país”, ainda que em todo caso o objetivo da revolução mundial fosse gradualmente abandonado, as lutas pelo poder e pelo destino da doutrina bolchevique estivessem apenas começando e o reconhecimento dos Estados nacionais fosse uma exigência do status quo que manteria a URSS a salvo de futuras intervenções.


Questão de estrutura

As “Regras básicas” dos Estatutos de 1924 não se limitam a indicações gerais sobre a natureza da Comintern e dos Partidos Comunistas, mas também legislam sobre a filiação, a organização e a militância: o membro do Partido Comunista deve aceitar o Programa e os Estatutos e submeter-se às resoluções de seu partido e da Comintern, pertencer e militar ativamente em uma organização partidária de base e pagar em dia sua mensalidade (§ 4); a base organizativa do Partido Comunista é a célula de empresa, à qual devem pertencer todos os comunistas que trabalham no local (§ 5); a construção da Comintern e de seus partidos com base no “centralismo democrático”, em suma, na eleição geral de todos os órgãos partidários e na tomada e discussão coletivas de decisões, obrigatoriamente aplicadas e seguidas após sua ratificação, mesmo que haja discordantes; permitem-se aos Partidos Comunistas ilegais “a nomeação dos órgãos partidários inferiores pelos superiores e o emprego da cooptação sob aprovação dos órgãos partidários superiores” (§ 6); “cooptar”, segundo o Dicionário Aurélio, é “Admitir numa sociedade com dispensa das formalidades de praxe.” (9) Os Estatutos de 1920 nada dizem a respeito: provavelmente é sinal de que somente no 5.º Congresso já se teria uma ideia finalmente pronta tanto do tipo de organização (Partido Comunista) que deveria entrar ou permanecer na Comintern quanto do projeto de revolução mundial (se é que ele não existia só no papel), ou ao menos das relações com os apoiadores da URSS no exterior, as quais os soviéticos deveriam administrar.

Os Estatutos de 1924 reservam uma parte inteira de quatro artigos (§§ 7-10) ao Congresso Mundial da Comintern, sendo que o primeiro deles equivale ao artigo 4 dos Estatutos de 1920. A primeira diferença sensível está nas discussões e resoluções que cabem ao que continuou sendo o órgão máximo da Comintern: “as questões táticas e programáticas mais importantes com relação às atividades da Internacional Comunista” (2.º Congresso); “as questões táticas, programáticas e organizativas com relação às atividades da Comintern, bem como de suas distintas seções” (5.º Congresso). Inicialmente, não apenas a organização ainda não ganhara a enorme importância posterior, como também aparentemente nem tudo se resolveria no âmbito de Moscou, que ficaria apenas com o mais premente. É provável também que os Estatutos de 1920 já subentendessem os Partidos Comunistas ao mencionarem a Comintern, mas o aparecimento da menção a eles apenas nos Estatutos de 1924 parece indicar a já citada indefinição quanto à natureza da nova Internacional e de seus componentes, sanada no mesmo momento em que se começou a falar em “organização”. Essa definição posterior do que seriam as “seções” surge junto com o controle estrito que Moscou buscava ter delas, centralizando as decisões na sede do “Partido Mundial”.

Outra diferença substancial, certamente relacionada a essa centralização e à consequente imbricação do comunismo internacional às vicissitudes do Partido Comunista soviético (mas também ao desaparecimento de Lenin, que não deixou de haver incentivado a luta interna), é a ampliação do prazo entre a realização de dois congressos de um ano (2.º Congresso, § 4) para dois (5.º Congresso, § 7). Isso se explica facilmente diante da ocorrência dos quatro primeiros congressos anuais entre 1919 e 1922, e do quinto apenas em 1924, mas não está claro por que se sancionou uma alteração nos intervalos, e não se considerou o atraso como meramente acidental. Era intenção dos dirigentes soviéticos adiar os encontros por questões puramente práticas? Havia a suspeita de que a luta interna prosseguiria e tornaria os encontros difíceis? Ou foi um leve pressentimento de que a tensão na situação interna soviética (e talvez o cerco à URSS, ou a ausência de revoluções que tiravam o radicalismo da agenda) levaria à centralização de poder e, consequentemente, ao esvaziamento das discussões? Mas há ainda nos Estatutos de 1924 (ainda no artigo 7) uma “novidade” acrescentada logo depois daquela informação e que está ausente no texto de 1920: “O prazo de convocação do congresso é estabelecido pelo Comitê Executivo da Comintern. Todas as seções aderentes enviam delegados em número estabelecido pelo Comitê Executivo.” É mais um detalhe organizativo que se julgou por bem explicitar ou determinar, mas que mostra a preeminência que o CEIC estava gradativamente ganhando.

“O número de votos deliberativos para cada sessão no Congresso Mundial” (sempre no artigo 4 de 1920 e no artigo 7 de 1924) continuou sendo “definido por resolução especial do congresso”, mas dois acréscimos são reveladores. Primeiro, esse número estaria em concordância “com o número de membros de dado partido e com a importância política desse partido.” Os Partidos Comunistas grandes, obviamente, e em especial na Europa, ocupavam uma posição estratégica bem maior para Moscou, mas a atribuição de uma “importância política” desacompanhada de definições ‒ aberta, portanto, a toda subjetividade e vicissitude ‒ mostra como uma Comintern cada vez mais ligada ao Estado soviético estava jogando com a geopolítica, lançando as bases para o atrelamento do movimento comunista aos interesses diplomáticos da URSS. “Os mandatos imperativos”, enfim, no segundo acréscimo, tornam-se “proibidos e antecipadamente anulados”, ou seja, como também lembra Brigitte Studer, (10) era Moscou quem ditava as regras do jogo, mesmo as relativas à atuação dos próprios Partidos Comunistas.

O artigo 7 dos Estatutos de 1920 e o artigo 8 dos Estatutos de 1924 tratam da convocação de congressos “extraordinários”: acaso o “ekstrenny” latinesco do 2.º Congresso haver se tornado o “chrezvychainy” do 5.º Congresso daria a entender nas entrelinhas uma progressiva russificação do aparato, ideologia e linguagem, em detrimento do cosmopolitismo dos primeiros líderes? Embora não citem as ocasiões que pudessem justificar os encontros, os artigos dão condições que são bem diferentes em um e em outro documento: no primeiro, “por resolução do Comitê Executivo ou por exigência da metade dos partidos que tenham ingressado na Internacional Comunista no Congresso Mundial anterior”, e no segundo, “por exigência de alguns partidos que no congresso anterior da IC tenham juntos reunido não menos da metade dos votos deliberativos.” Aparentemente, as coisas ficaram mais fáceis, mas na verdade não foi sequer preciso mencionar de novo o CEIC, porque ele açambarcou, como se lerá mais à frente, a maior parte da iniciativa prática da Comintern. No caso dos Partidos Comunistas, deve-se ter em conta que apenas partidos insignificantes e pouco decididos foram afiliando-se após o fim da onda revolucionária europeia, o que torna nula a questão numérica, substituída então pelo peso burocrático dos maiores Partidos Comunistas da Europa, não apenas estrategicamente prioritários, mas também os mais ativos e fornecedores de mais quadros à Comintern (contexto em que a dominação russa é óbvia).


O todo-poderoso Comitê Executivo

O papel do CEIC como “órgão dirigente da IC nos intervalos entre os Congressos Mundiais” permanece o mesmo (§ 5 dos Estatutos de 1920, § 11 dos Estatutos de 1924). Mas é notável como a informação, no primeiro documento, é apenas a segunda a ser passada, junto com a de que quem elege o CEIC é o Congresso, único órgão ao qual ele deve prestar contas, enquanto no segundo ela encabeça um artigo separado, o primeiro de uma nova parte e que informa em seguida que o CEIC “dá a todos os partidos e organizações componentes da IC diretivas que lhes são obrigatórias, controla e verifica suas atividades”. Esta última informação, no 2.º Congresso, fora submersa entre as várias informações aglomeradas no artigo 9, o qual, aliás, não fala de controle e verificação de atividades, que se tornariam crescentemente uma obsessão ao longo da história da Comintern. Além disso, no 5.º Congresso não se menciona nenhuma prestação de contas do CEIC diante do Congresso Mundial nem de qualquer órgão, o que ajuda a entender sua autonomia cada vez maior e sua predominância sobre qualquer outra instância da Comintern, com plenos tornados praticamente “pequenos congressos”, como disseram vários autores. (11)

Nos Estatutos de 1928, o artigo 9 determina que “O Congresso Mundial elege o presidente da Internacional Comunista, o Comitê Executivo da Comintern e a Comissão Internacional de Controle (CIC)”, enquanto o artigo 10 estipula que a sede do CEIC deveria ser determinada toda vez pelo Congresso Mundial. Note-se que nos Estatutos de 1920, por um lado, aquela primeira informação, contida no artigo 5, não mereceu ser colocada à parte (ver parágrafo anterior), enquanto nos de 1924 houve um destaque ao qual se acrescentou um “presidente” da Comintern (12) e uma “comissão de controle” (novamente a obsessão pela padronização). Por outro lado, a questão da sede do CEIC mereceu realce no 2.º Congresso, quando o artigo relacionado (§ 6) foi colocado antes das principais disposições a respeito daquela comissão, enquanto no 5.º Congresso a informação tornou-se uma simples nota (§ 10) no final da parte sobre o Congresso Mundial, antes ainda do início da nota relativa ao CEIC e seu aparelho. Além disso (embora talvez possa ser ou parecer mero detalhe), nesta ocasião a Comintern e o CEIC foram nomeados por seus acrônimos, tornando a redação mais curta, enquanto na anterior foram desdobradas as denominações inteiras, sem abreviação, não se sabe se para dar corpo ao artigo ou meramente para encher espaço. O fato é que tal disposição, com a concentração das atividades e prerrogativas da Comintern em Moscou (também derivada da rara locomoção de dirigentes estrangeiros à capital) e com o progressivo aumento dos poderes do CEIC, deixou de fazer qualquer sentido após o fim da onda revolucionária na Europa, pois no início da década de 1920 ainda se tinha a esperança (especialmente da parte de Lenin) de que com o surgimento de outras repúblicas soviéticas em países avançados, sobretudo na Alemanha, a Rússia atrasada poderia deixar de ser o foco do movimento, enquanto o não isolamento russo poderia dar maior mobilidade às estruturas e ao funcionamento da Comintern. (13)

O artigo 8 dos Estatutos de 1920 também revela a presença de escrúpulos no provimento de representatividade internacional dentro do CEIC: a maior parte de seu trabalho recairia sobre o Partido Comunista em cujo país, por determinação do Congresso Mundial, ele estivesse sediado, e em sua composição entrariam cinco representantes desse partido com voto deliberativo, um representante com voto deliberativo para cada um dos “10-13 maiores Partidos Comunistas”, partidos escolhidos por deliberação de congresso normal da Comintern, e um representante com voto consultivo que cada um dos outros Partidos Comunistas e organizações teria o “direito” de enviar. Os Estatutos de 1924 não têm qualquer diretiva quanto à composição do CEIC, e esse artigo 8 simplesmente some, cedendo à situação óbvia de fixação do Executivo em Moscou, de escassez de outros grandes Partidos Comunistas na Europa (que foram gradualmente submetidos aos soviéticos ao longo da década de 1920) e de porosidade ou fraqueza dos outros partidos, especialmente nos países pobres (mas também em muitos europeus), de onde era claramente difícil enviar representantes com regularidade, os quais, muitas vezes, nem desejavam ficar na Rússia.

O trabalho, as funções e as prerrogativas do CEIC são quase todas condensadas no artigo 9 dos Estatutos de 1920, quando provavelmente ainda não se dava tanta importância a ele e nem se previa que ele se reforçaria tanto, enquanto nos de 1924 eles estão desdobrados detalhadamente do artigo 12 ao 25, além do artigo 11 já citado, com um notável aumento de competências e poderes. Resumidamente, pode-se dizer que houve no CEIC um caminho rumo à complexidade, ao aumento de poderes, à permissão de intervenção na vida dos Partidos Comunistas (que incluía a aprovação de seus Programas e Estatutos locais), à centralização das decisões, que deveriam ser cumpridas com ainda mais rigor e rapidez pelas “seções”, e à facilidade com que o Executivo poderia aplicar sanções ou expulsões. Na verdade, a importância dada em 1920 ao CEIC ainda é tão incipiente que nem há então preocupação em preverem-se a regularidade de suas sessões, só estabelecidas pelo artigo 25 em 1924 como devendo ocorrer “não menos de uma vez por mês” e sendo elas plenipotenciárias “havendo a presença de não menos da metade dos membros do CEIC”. À parte os assuntos que já têm artigo separado no 2.º Congresso, vale destacar, primeiramente, a estrutura piramidal e setorial sancionada ao CEIC no 5.º Congresso: anteriormente sem qualquer menção, o Executivo ganha (e cujos membros ele elegia entre os seus próprios) um Presidium (“o órgão sempre atuante e [que] conduz todo o trabalho do CEIC no intervalo entre as sessões deste” e cujo presidente também o é do CEIC e da Comintern), um Birô de Organização (“orgbiuró”, “que discute e resolve questões de organização e finanças do CEIC”) e um Secretariado (“o órgão executivo do CEIC e de seu Presidium e Birô de Organização”, e cujos membros entram neste último); elege ainda a redação da revista mensal e de outras edições da Comintern e cria os setores de informação e estatística, de agitação e propaganda, de organização e de trabalho para o Oriente, tendo o direito ainda de criar outros setores conforme a necessidade e de organizar o aparelho do modo mais proveitoso possível.

Outro assunto abordado dentro do artigo 9 dos Estatutos de 1920 são os direitos que o CEIC tem de “exigir que os Partidos afiliados excluam grupos e pessoas que estejam violando a disciplina internacional” e de “excluir da Internacional Comunista os Partidos que estejam violando as resoluções do Congresso Mundial”. O artigo 14 dos Estatutos de 1924 já lhe faculta diretamente “o direito de excluir da Comintern os Partidos, grupos e membros individuais que estejam violando o Programa e os Estatutos da IC e as resoluções dos Congressos Mundiais e do CEIC”, ou seja, é dispensada a intermediação dos Partidos Comunistas, e Programa e Estatutos da Comintern ganham mais autoridade e inviolabilidade. O direito de apelação permanece, mas não parece indicar um progresso o fato de no 2.º Congresso disponibilizar-se como instância apenas o Congresso Mundial, que estava conseguindo e pretendia reunir-se anualmente, e no 5.º Congresso estender-se a possibilidade ao Pleno Ampliado do CEIC, em um momento no qual os congressos escasseavam (fosse ou não por intenção dos líderes da Comintern, senão do próprio Kremlin) e os plenos, além de também terem intervalos maiores, cada vez mais constituíam um palco de falsas unanimidades e de imposições e vociferações soviéticas.

O artigo 9 dos Estatutos de 1920 também comporta uma possibilidade aparentemente pouco acreditada: “Em casos necessários, o Comitê Executivo organiza nos diversos países seus escritórios auxiliares técnicos e com outras funções, totalmente submetidos ao Comitê Executivo.” Já os Estatutos de 1924 dedicam um longo artigo 24 aos que se tornariam os famosos plenipotenciários enviados a cada Partido Comunista pelo CEIC e seu Presidium: responsáveis diante desses dois órgãos, que também lhes dão instruções, assistem a todas as reuniões e seções dos órgãos centrais e organizações locais do partido ao qual foram enviados, podem expressar, pelo bem das diretivas do CEIC, opiniões distintas daquelas do respectivo CC em seus congressos, conferências e consultas, mesmo que devam trabalhar no mais estrito contato com ele (contato também previsto no artigo 9 aprovado pelo 2.º Congresso, quando são simplesmente chamados “representantes” e não se prevê qualquer divergência de ideias), e devem principalmente zelar para que o Partido Comunista cumpra as resoluções dos Congressos Mundiais e do Executivo da Comintern.

O artigo 10 dos Estatutos de 1920 previa que o CEIC podia “receber em seu meio, com voto consultivo, representantes de partidos e organizações que não componham a Internacional Comunista, mas simpatizem e tenham proximidade com ela”, enquanto no artigo 17 dos Estatutos de 1924, mais sucinto, esse “meio” amplia-se à Comintern (o CEIC é claramente restringido, e então se fica pensando em que ocasiões iriam votar, talvez nos Congressos Mundiais), mas ao não falar sobre pertencimento ou não à Internacional, o texto torna a questão bem mais vaga e mais submissa ao arbítrio do CEIC. A proximidade ainda deve ser com a Comintern, mas a simpatia é com o “comunismo”, em um período no qual “comunismo” estava praticamente assimilado à 3.ª Internacional e, portanto, à URSS, extinta a possibilidade de matizes ideológicos e organizações que divergissem muito do modelo de Partido Comunista gradualmente “bolchevizado”.

Intrigante é a aparente desobrigação quanto à publicação de resoluções e documentos na imprensa partidária: o artigo 11 dos Estatutos de 1920 obriga “Os órgãos de todos os partidos e organizações que entram na Internacional Comunista ou que contam entre seus simpatizantes” a “publicar todas as resoluções oficiais da Internacional Comunista e de seu Comitê Executivo”, enquanto o artigo 16 dos Estatutos de 1924 aponta como “desejável” a publicação das “resoluções e documentos oficiais do CEIC” (não se ressalta com “todos”) por “todos os órgãos partidários das seções que constituem a IC”, sendo obrigatória sua publicação apenas “pelos órgãos dirigentes das seções”. No segundo documento nem se fala mais em simpatizantes, dos quais, provavelmente tidos como instáveis, já não se espera muita coisa e os quais talvez até se pense em ir afastando para homogeneizar a Comintern. Mas é notável como se fala apenas em documentos e resoluções “do CEIC”, o qual, de fato, já estava começando a sobrepor-se ao resto do aparelho da Comintern, e talvez, por trás da desobrigação de que todos publicassem tudo, estivessem as dificuldades de comunicação e de encontrar tradutores do alemão e do russo (quanto ao inglês e ao francês, talvez os principais problemas fossem os preços e disponibilidades, sem contar os imprevistos da vida clandestina) para muitas línguas do mundo.

Entre as determinações atribuídas ao CEIC na parte dos Estatutos de 1924 que o aborda, está a de eleger “o secretariado internacional do movimento feminino comunista, e junto com este” tomar “decisões sobre o movimento feminino internacional” (§ 22), e é a única passagem que trata do trabalho para as mulheres. Nos Estatutos de 1920, as ambições eram maiores, pois o CEIC devia aprovar “o secretário internacional do movimento feminino comunista” e organizar “a seção feminina da Internacional Comunista” (§ 16), ou seja, uma seção inteira tornou-se um mero secretariado, mas sendo essa também a única passagem dedicada ao tema no 2.º Congresso, pode-se confirmar como as mulheres em sua especificidade nunca foram uma grande preocupação da Comintern, ao menos fora das questões econômicas e políticas, que nos programas engoliam as questões de gênero.


A irmandade na militância

Da mesma forma, deu-se um novo enfoque à questão da ilegalidade e do tipo de aparelho que essa situação exige. Para os Estatutos de 1920, em parte do texto que não está entre as últimas, “A situação geral em toda a Europa e América impõe aos comunistas do mundo inteiro a necessidade de criar organizações comunistas ilegais paralelas à organização legal”, no que o CEIC deveria ajudar sem falta e em todo o lugar (§ 12). Notavelmente, no penúltimo artigo da última seção sobre “As inter-relações entre as seções da IC e o CEIC” dos Estatutos de 1924, as organizações ilegais que deveriam ser criadas tornam-se uma vaga “situação ilegal” para a qual os Partidos deveriam “estar prontos para passar” (§ 34). Claro que desta vez a ajuda do CEIC é especificada na forma de “assistência na preparação ao trabalho ilegal”, informação ainda muito vaga e sem indicações sobre apoio material, logístico, comunicacional, financeiro etc. Mas a localização do artigo e a ausência de desdobramentos, mesmo cinco anos após a criação da Comintern, talvez revele que não se previa uma nova onda de ilegalidade dos Partidos Comunistas, como haveria no “terceiro período”, ao longo da década de 1930 (com destaque para o Brasil de Getúlio Vargas) e a partir da 2.ª Guerra Mundial. Deve-se isso à ideia de “estabilização relativa” do capitalismo, em que de certa forma a onda revolucionária arrefecera? (14)

A questão das relações mútuas entre os Partidos Comunistas parece até mesmo haver sido posta de modo menos liberal nos Estatutos de 1920, provavelmente devido à situação de ilegalidade e guerras correntes ou iminentes, ou porque esses partidos ainda eram grupos humanos informes, não ligados a uma instituição internacional sólida que deveria ser a Comintern. Ainda sem a disciplina inculcada, eles poderiam ser vulneráveis à espionagem ou perseguição, seja por ação ativa de elementos infiltrados, seja por descuido e desproteção da organização oficial. “Via de regra, todas as principais relações políticas” entre as seções da Comintern deveriam dar-se “por meio do Comitê Executivo da Internacional Comunista”, reservando as ligações diretas apenas a “casos urgentes”, mas sempre informando “imediatamente” ao CEIC (§ 13). Já os Estatutos de 1924 estipulavam que os Partidos Comunistas deviam “manter uns com os outros as mais estreitas ligações organizativas e informativas”, “estabelecidas por meio da representação mútua nas conferências e congressos, bem como do intercâmbio mútuo de forças dirigentes adequadas” (§ 30). Pode ser que houvesse uma situação de distensão no movimento comunista internacional em meados da década de 1920, mas também é provável que o papel intermediário da Comintern, especialmente do CEIC, já estivesse subentendido ou até nas entrelinhas dos outros artigos que reforçam o papel do Executivo. Essa passagem pela Comintern de toda comunicação entre Partidos Comunistas parece confirmada pela presença massiva nos arquivos de Moscou de muito material nacional, recortes de jornais, cartas entre dirigentes e militantes de vários países etc., e isso em várias línguas. (15)

Os Estatutos de 1920 ainda citavam a organização dos sindicatos postados no plano comunista, que, dirigidos pelo CEIC, formariam a “seção sindical” da Comintern e enviariam representantes ao Congresso Mundial por meio dos Partidos Comunistas dos respectivos países. A “seção sindical” da Comintern delegaria um representante seu ao CEIC com voto deliberativo, e o Executivo também teria o direito de enviar à “seção sindical” um representante seu com voto deliberativo (§ 14). Não há qualquer menção a organismos ou políticas sindicais nos Estatutos de 1924, certamente porque em 1921 já fora criada a Internacional Sindical Vermelha (Profintern) para deliberar especificamente a esse respeito. Mas é notável que a Profintern, uma das partes constituintes da Comintern, não tenha tido no 5.º Congresso sequer uma menção no texto, nem mesmo qualquer referência a trabalho sindical. (16) Claro que a organização já estava entrando em decadência nesse período, e que o trabalho dos “sindicatos vermelhos” era pouco promissor, mas poderia haver pelo menos uma breve menção, como no artigo 33 dos Estatutos de 1924 a respeito da juventude: “A união internacional das juventudes comunistas [komsomol] é um membro da IC com plenos direitos e está subordinada ao CEIC.” Breve menção que não deixa de ser intrigante quando se nota que nos Estatutos de 1920 essa união é chamada pelo seu nome completo (Internacional da Juventude Comunista), acrescenta-se que ela delega um representante de seu Comitê Executivo com voto deliberativo no CEIC e que este também tem o direito de enviar ao Comitê Executivo da IJC um representante seu com voto deliberativo (§ 15). Teriam essas trocas de representantes sido abandonadas? Teria tudo começado a ser depois regulado nos próprios órgãos e por eles mesmos (IJC e Profintern)? Ou teria tudo se tornado subentendido ou óbvio demais para que fosse repetido nos Estatutos, que precisariam ter espaço para coisas consideradas mais prementes?

O último artigo dos dois Estatutos (§ 17 em 1920 e § 35 em 1924) merece ser citado na íntegra, pois revela como a Comintern estava pensando o internacionalismo proletário, a movimentação de militantes e as relações da URSS com o mundo exterior. A primeira versão diz que “Ao se mudar de um país para outro, todo membro da Internacional Comunista encontra o apoio fraternal da parte dos membros locais da 3.ª Internacional”, a qual não faz senão exalar solidariedade, e não especificações logísticas ou burocráticas. Note-se que não se pedem satisfações sobre sua mudança, que não precisa ser justificada sequer por motivos profissionais ou de segurança, e que se fala diretamente de “membros da IC”, e não “membros do Partido Comunista”, o qual aparentemente, como já dito acima, não se tinha tornado a unidade básica da Comintern. A segunda versão é clara: “Os membros das seções da IC só podem se mudar de um país para outro com autorização do CC da seção à qual ele pertencia antes.” Sua vida, seu cotidiano e seu destino pertencem ao Partido Comunista, portanto à Comintern, da qual cada membro é um soldado disciplinado, e assim seus partidos começavam a “bolchevizar-se” e militarizar-se. Cada membro tinha seus movimentos e objetivos calculados, os quais deviam servir aos interesses da causa, e não pessoais, senão seriam redundantes. A acolhida e o “apoio fraternal” ficaram para trás: “Tendo mudado de domicílio, os comunistas devem se filiar à seção do país ao qual chegaram. Os comunistas que partiram sem autorização do CC da seção à qual pertenciam não são aceitos em outras seções da IC.” Os “membros da IC” são os soldados “comunistas”, o Partido Comunista é a unidade básica da Comintern e diretor da vida do militante, é como um apêndice de sua história, de seu corpo, que o acompanha aonde for. A Comintern não é mais uma associação mundial “fraternal”, mas uma rede internacional com várias “seções” interligadas e interdependentes, como um funcionário de uma empresa que parte trabalhar em uma filial em outra cidade, estado ou país (a analogia com a nomenclatura “Partido Comunista de tal país”, imposta pela condição 17 de admissão à Comintern, (17) não deixa de ser frutífera). A ameaça da expulsão é como uma excomunhão, uma possibilidade de abandono no vazio, a interdição a um mundo cultural alternativo e paralelo que dá guarida diante de um ambiente hostil, ao qual o militante/soldado vê-se entregue se não é aceito no Partido Comunista da nova terra estranha. (18)


O que mudou de 1920 a 1924?

Essas são as partes e artigos que podem ser comparados entre um texto e outro dos Estatutos, mas dever-se-ia falar algo da grande diferença no número de artigos entre ambos, 17 nos de 1920 e 35, mais do que o dobro, nos de 1924. As razões mais óbvias são:

  • o crescimento da Comintern;
  • o aumento no número de seções/Partidos Comunistas afiliados;
  • a complexidade das tarefas diante do refluxo da revolução mundial (que virou a conjuntura de cabeça para baixo) e diante da reação capitalista e fascista;
  • a “bolchevização” dos Partidos Comunistas, que fixou seu formato definitivo e tornou-os ponta de lança disciplinada na defesa política e diplomática da URSS;
  • o isolamento face a outras forças políticas, especialmente a social-democracia, que só iria agravar-se com o gradual forjamento da tática “classe contra classe” e sua aplicação prática precoce na Alemanha, ainda considerada centro da estratégia comunista, (19) e que exigia definir o que distinguia os Partidos Comunistas dessas outras forças (identidade/cultura, contraposição, conflito).

Talvez se possa levar em conta a ideia de que a burocratização seria um fenômeno inerente às sociedades modernas. Mas como motivos para esse aumento dos Estatutos também contam o controle maior que a Comintern e seu CEIC buscavam exercer sobre as seções, a burocratização do movimento comunista internacional de uma forma geral, que refletia em parte o movimento centralizador e de enrijecimento na URSS, e a mudança na relação com os focos de interesse da Comintern, com o gradual prejuízo ao trabalho para as mulheres e os jovens, por um lado, e com a criação de “Internacionais” separadas para outras bandeiras, como a Profintern, por outro lado. Na comparação atenta, além do desdobramento, já mencionado acima, da estrutura e das competências do CEIC, cada vez mais poderoso, acrescentam-se ainda no 5.º Congresso a seção sobre os Plenos Ampliados, de um artigo só (§ 26) – reuniões que, na prática, tornar-se-iam cada vez mais raras –, (20) a seção sobre a Comissão Internacional de Controle, também de um artigo só (§ 27), mas bem desdobrado, e que revela a burocratização do funcionamento interno da Comintern/CEIC e de sua relação com as seções, cada vez mais controladas “de cima”, e os artigos adicionais sobre as inter-relações entre os Partidos Comunistas e o CEIC (notavelmente, a relação das “seções” é estabelecida com o Executivo, e não com a Comintern de uma forma geral) na última parte, que contém também informações que no 2.º Congresso haviam sido postas de forma dispersa ou aglomeradas em certos artigos.


Os “terceiros Estatutos de stalinização”

Vale também comparar os Estatutos de 1924 (5.º Congresso) com os Estatutos aprovados em 1928, no 6.º Congresso da Comintern, eventos ocorridos com considerável intervalo, especialmente em se considerando o prazo de dois anos que se estipulou entre um e outro no primeiro documento (artigo 7). (21) A estrutura dos Estatutos de 1928 é decalcada da dos Estatutos de 1924, e muitos artigos permanecem inalterados, ainda que outros tenham sofrido modificações substanciais. O que primeiro chama a atenção é a ausência do preâmbulo, repositório dos valores políticos e ideológicos da Comintern e definidor de seus antecedentes históricos. Não é uma parte normativa, mas a força moral que ele tem faz pensar a respeito de sua omissão, que pode ter sido por simples motivos práticos de espaço, pela desconsideração da necessidade de retraçar esses valores, supostamente óbvios e subentendidos a todo militante ou nas entrelinhas dos artigos a seguir (como dito acima, certas omissões posteriores podem ser fruto da suposição do domínio de regras e valores pelos militantes), ou até por uma vontade de romper com o passado, de considerar que a Comintern e a experiência soviética eram coisas tão novas e particulares que ficaria estranha a filiação à 1.ª Internacional, e de deixar subentendido que estava ocorrendo uma nova “virada”, ainda mais “brutal”, tanto na Comintern do “terceiro período” quanto na URSS da stalinização, industrialização e coletivização. (22)

Nos Estatutos de 1924, definia-se no artigo 1 que um dos objetivos da Comintern era “estabelecer a ditadura do proletariado”, mas nos Estatutos de 1928 achou-se por bem precisar que era a “ditadura mundial do proletariado” (grifo meu). Talvez fosse um mero ato de esclarecimento e retificação, mas é notável que o adjetivo não aparece nem mesmo em 1920, o que pode indicar a permanência do caráter mundial atribuído à revolução e ao estabelecimento do socialismo e a necessidade de, apesar dos objetivos internacionalistas mantidos intactos logo depois, explicitá-lo devido à estranheza que poderia estar causando em muitos a construção do “socialismo em um só país” e à nova instabilidade da situação internacional, (23) que tornava não só possível, mas necessária (aos olhos dos bolcheviques), uma revolução mundial. De fato, procedimentos de retificação e apara de coisas óbvias ocorreram em vários pontos, como a supressão do artigo 2 dos Estatutos de 1924, que dizia que a união proletária internacional chamava-se “Internacional Comunista”, nome já indicado no primeiro artigo.

Os Estatutos de 1928 possuem dois artigos a mais no fim da primeira parte: o de número 6 estabelece a formação de frações comunistas em organizações de massa fora do Partido Comunista e em assembleias governamentais onde haja ao menos dois membros desse partido, para que se aumentem aí a influência comunista e a condução de políticas comunistas; e o de número 7, além de submeter essas frações aos órgãos partidários, possui duas “notas” que submetem diretamente ao CEIC as frações comunistas em organizações internacionais (número 1) e dão a instruções especiais do CEIC e do CC dos Partidos Comunistas a prerrogativa de organizar a estrutura, funcionamento e direção dessas frações (número 2). Essa era uma preocupação ausente dos outros Estatutos, mas talvez ela se deva à necessidade de reforçar a influência do comunismo sobre a sociedade – já que os Partidos Comunistas poderiam ser pequenos, cair na ilegalidade ou ser insuficientes diante do tamanho da influência burguesa e estatal – e de fazer os membros dos partidos participarem de outros organismos da sociedade em geral, e não se isolarem no partido ou na clandestinidade (fosse ela exagerada ou não). Pode ser que lá no fundo, como ficaria mais tarde explícito, os líderes achavam a revolução mundial (ou ao menos explosões revolucionárias) tão iminente que julgariam a simples infiltração em órgãos não comunistas como forma de garantir seu poder e influência. (24)

Já na seção sobre o Congresso Mundial da Comintern, o artigo 8 dos Estatutos de 1928 mantém o intervalo de reunião dos congressos como sendo a cada dois anos, mas sem dar a entender se era uma medida deliberada para dar conta das dificuldades de comunicação e deslocamento entre Moscou e os Partidos Comunistas, ou se ainda assim o novo intervalo prático de quatro anos era considerado um mero acidente. Constitui um bom tema de reflexão, trabalho e pesquisa pensar sobre as intencionalidades e contingências na definição de intervalos e nos intervalos que realmente aconteciam, ainda mais levando-se em conta que o 7.º Congresso só ocorreria em 1935: havia, em meio à luta interna no Partido Comunista soviético, a intenção premeditada de postergar os congressos e marginalizar o papel da Comintern, especialmente da parte de Stalin e dos que eram mais próximos a ele, ou foram os atrasos uma consequência imprevista dessa luta? Sinal dos novos tempos, forjados na luta interna soviética, é a retirada do presidente da Comintern dentre as figuras eleitas pelo Congresso Mundial: citado no artigo 9 dos Estatutos de 1924, desaparece no equivalente artigo 10 dos Estatutos de 1928, que ainda mantém a eleição do CEIC e da CIC como atribuições do congresso, e assim sai de cena o cargo encarnado por Grigori Zinoviev até sua derrota final no seio do partido único soviético. (25) Esse presidente, que, no artigo 18 aprovado pelo 5.º Congresso, também era presidente do CEIC e do Presidium, simplesmente some com essas atribuições também no equivalente artigo 19 aprovado pelo 6.º Congresso.

A seção sobre o CEIC e seu aparelho manterá várias coisas, mas será a que tem mudança mais notáveis, e inclusive ganha um artigo a mais em quantidade (de 15 para 16). Como se verá adiante, a centralização piramidal ganhará ainda mais força, na figura dos novos papéis atribuídos ao Presidium, e a gradual minoração do CEIC já se nota no artigo 15 dos Estatutos de 1928, o qual, em relação ao artigo 14 dos Estatutos de 1924, exclui a possibilidade dos Partidos Comunistas, grupos e pessoas excluídos da Comintern pelo CEIC apelarem ao Pleno Ampliado deste, sobrando apenas o Congresso Mundial. Ou seja, tira-se a possibilidade de uma ocasião escassa para jogar a uma ocasião ainda mais escassa. As organizações e partidos não comunistas que teriam voto consultivo na Comintern por autorização do CEIC (artigo 17 dos Estatutos de 1924, artigo 18 dos Estatutos de 1928) continuam sendo “simpatizantes do comunismo”, mas não mais “próximos à IC”: uniformização ideológica, necessidade de afastar espiões e elementos desconfiáveis ‒ especialmente em um momento no qual a URSS e a Comintern viam-se cercadas ‒ ou as duas coisas? Em todo caso, é uma restrição de contatos e pertencimentos que dará base à política de “classe contra classe”, mas especialmente buscará “imunizar” os militantes de influências externas.

A figura do Birô de Organização, mencionada no artigo 19 dos Estatutos de 1924, desdobra-se, no artigo 20 dos Estatutos de 1928, nos “birôs permanentes” para determinadas regiões, cujo direito de formação era reservado ao CEIC e a seu Presidium, que possibilitariam maior controle e ligação com os Partidos Comunistas locais, submetidos àqueles birôs, e que (segundo “nota”) teriam seus raios de atuação determinados pelo CEIC e seu Presidium. Além disso, no mesmo artigo sobre o Birô de Organização aprovado no 5.º Congresso, previa-se que os Partidos podiam queixar-se de suas decisões ao Presidium do CEIC, mas no 6.º Congresso desdobra-se um artigo 21 a respeito dessas queixas, porém referentes aos birôs permanentes do CEIC, contra os quais se podia reclamar não mais apenas ao Presidium, mas também ao CEIC. Já o Secretariado que era eleito pelo CEIC, conforme o artigo 20 dos Estatutos de 1924, tornou-se o “Secretariado Político” eleito pelo Presidium ¬¬– segundo o artigo 25 dos Estatutos de 1928 –, que agora também era um “órgão decisório” e preparava “questões para as seções do CEIC e seu Presidium”. Uma probabilidade é que o Secretariado, que já era um órgão restrito, tenha se tornado ainda mais restrito, como se nota pelo raio menor de sua origem (não mais o CEIC, mas seu Presidium) e pela menção tardia nos Estatutos, sendo que na verdade alguns “secretariados” eram confinados ao domínio do segredo, como o famoso secretariado pessoal de Stalin, que tomava na realidade as decisões sobre a URSS e a Comintern. (26) O trato com “questões administrativas e financeiras” atribuído ao Birô de Organização naquele artigo 19 nem mesmo é mencionado em nenhum artigo nos Estatutos de 1928, o que parece indicar sua subentendida diluição entre o restrito Secretariado Político (ou outros grupelhos políticos não mencionados) e os birôs permanentes. Pode-se pensar também em uma centralização organizativa que só iria progressivamente aumentar, culminando na reorganização de 1935, (27) igualmente centralista, mas que também visava administrar melhor um círculo crescente de Partidos Comunistas e de atuação que necessitava de órgãos específicos para cada região, com seus representantes próprios (que nem sempre eram nativos dessas regiões). Como em 1935, foi um daqueles desdobramentos que por fora dava a impressão de descentralização, mas que visou antes à centralização e ao controle maior pelas instâncias superiores, o que pode ser notado pela efetiva tomada de decisões não mais pelo CEIC coletivamente, mas por órgãos restritos, como o Presidium e o Secretariado Político. As próprias seções do CEIC têm a periodicidade reduzida de um mês (§ 25 no 5.º Congresso) para seis meses (§ 23 no 6.º Congresso), e decide-se estabelecer até mesmo a regularidade de duas semanas para as seções do Presidium do CEIC (§ 24 no 6.º Congresso).

Ao Presidium, de fato, vão-se atribuindo cada vez mais competências: nos Estatutos de 1924, o CEIC era quem elegia o Birô de Organização (§ 19), o Secretariado (§ 20), a redação dos periódicos e publicações da Comintern (§ 21) e o secretariado para as mulheres comunistas (§ 22), e formava ainda diversos setores de acordo com as necessidades organizativas (§ 23); nos Estatutos de 1928, o CEIC e o Presidium são responsáveis juntos pela formação dos birôs permanentes (§ 20), mas o Presidium sozinho elegia o Secretariado Político (§ 25) e a redação dos periódicos e publicações da Comintern (§ 26), e formava “a seção para o trabalho entre as trabalhadoras” (mencionado de forma ainda mais curta e vaga do que antes), “comissões permanentes para dirigir o trabalho de determinados grupos de seções da Comintern (lender-sekretariaty)” ‒ os famosos Ländersekretariate, ou secretariados regionais ‒ “e outras seções necessárias ao seu trabalho” (§ 27). Note-se a diferença entre este último artigo e o artigo 23 aprovado no 5.º Congresso, que era mais específico sobre setores de informação e estatística, agitação e propaganda, organização, trabalho para o Oriente e outros possíveis. Estava implícito que essas criações e desdobramentos ficavam cada vez mais ao sabor do arbítrio, da vontade de remover uns e outros de certos cargos ou trabalhos no estrangeiro, e da priorização a uma ou outra região do mundo de acordo com a conjuntura política (daí preferirem os birôs permanentes por regiões aos setores por domínios); e talvez o arbítrio ditasse falarem cada vez menos em órgãos de “organização”.

Ao artigo 24 dos Estatutos de 1924, soma-se um parágrafo no artigo 28 dos Estatutos de 1928, tratando do direito de envio de “instrutores” a cada Partido Comunista pelo CEIC e seu Presidium, instrutores que seriam responsáveis diante do CEIC e teriam direitos e obrigações definidos por ele, mas cuja função e poderes não são especificados, como os dos plenipotenciários. Talvez fossem figuras de menor monta, que teriam mais um papel técnico do que administrativo, suprindo as carências teóricas, estruturais e comunicacionais dos Partidos Comunistas, mas tendo um papel importante em situações como a do Brasil e de seu Partido Comunista na segunda metade de 1935. (28)

A seção sobre os Plenos Ampliados do CEIC, presente nos Estatutos de 1924, sumiu completamente nos de 1928: é a confirmação das alusões anteriores à marginalização do papel do CEIC e de seus plenos, que perderam seu papel coletivo (que, em relação ao passado, também já era restritivo) e cederam cada vez mais espaço aos secretariados restritos e a decisões arbitrárias das personalidades centrais (vide a própria supressão do cargo de presidente da Comintern, que também o era do CEIC e de seu Presidium). Ao que parece, a CIC, mantendo a mesma seção com um só artigo (§ 27 para o 5.º Congresso, § 28 para o 6.º Congresso), ganha algum destaque (a “organização” cede cada vez mais ao “controle”), como mostra a especificação inicial, que se achou por bem fazer, de que ela devia “analisar as questões que abordem a unidade e a coesão das seções integrantes da Internacional Comunista, bem como avaliar o comportamento de membros individuais desta ou daquela seção como comunistas.” Mas também aparecem limitações, pois nos Estatutos de 1924 é-lhe atribuído revisar as finanças do CEIC e, por resolução do CEIC, do Presidium ou do Birô de Organização, revisar também as de cada Partido Comunista, enquanto nos Estatutos de 1928 tudo é genericamente englobado em “finanças da IC”. Os órgãos maiores e mais abrangentes cediam espaço às decisões em âmbitos restritos e de cúpula.

Apesar dessa elitização da direção e do trabalho da Comintern, o CEIC continua com algumas prerrogativas aumentadas, ainda que em momentos pontuais. Já na parte sobre as relações entre os Partidos Comunistas e o CEIC, o artigo 30 dos Estatutos de 1924 e o artigo 31 dos Estatutos de 1928 tratam das relações mútuas entre esses partidos e das trocas que eles podem realizar entre si. Ambos os itens quase não têm diferença textual, e apenas no segundo documento acrescenta-se que o intercâmbio de dirigentes, algo provavelmente bastante delicado, ainda mais em meio a lutas de frações, é permitido “com a anuência do CEIC”. Também no artigo 31 aprovado no 5.º Congresso e no artigo 32 aprovado no 6.º Congresso, prevê-se a possibilidade de Partidos Comunistas de países vizinhos (como nos Bálcãs ou na Escandinávia) formarem federações, que pela primeira versão deveriam trabalhar apenas “sob o controle do CEIC”, mas depois se adicionou que seria “sob a direção e o controle do CEIC” (grifo meu). Este artigo adicional dos Estatutos de 1928 (§ 33) soa misterioso, pois aparentemente era a Comintern que deveria financiar as seções, e não o contrário, o que gerou a lenda do famoso “ouro de Moscou”: “As seções da Comintern devem pagar ao CEIC contribuições regulares, cuja quantia é estabelecida pelo CEIC.”

Quanto à juventude, o magro artigo 33 dos Estatutos de 1924 torna-se um pouco mais robusto como o artigo 35 dos Estatutos de 1928, incluindo o nome completo da entidade mundial (Internacional da Juventude Comunista) e transformando-a de “membro” em “seção” da Comintern (se bem que não devia fazer muita diferença, ainda que o uso de “seção” passe melhor as ideias de “submissão” e “inseparabilidade”), ainda submetida ao CEIC. E a velha clandestinidade, enfim, fica ainda mais vaga e deixada de lado, pois enquanto no fim do artigo 34 aprovado no 5.º Congresso lê-se que o CEIC devia ajudar os Partidos Comunistas “na preparação ao trabalho ilegal e cuidar para que ele seja realizado”, no fim do artigo 36 aprovado no 6.º Congresso consta apenas a “preparação para passar ao trabalho ilegal”. Das duas, uma: ou Moscou ainda não via a perspectiva de ilegalidades em massa, como ocorreria ao longo da década de 1930, ou desistiu de vez de ajudar os outros Partidos Comunistas, tanto porque a prioridade agora era a URSS, (29) quanto porque as comunicações eram difíceis; ou a URSS não queria envolver-se em escaramuças distantes (nem pôr a perder, talvez, seus graduais esforços diplomáticos). Em todo caso, a indefinição sobre o tipo de ajuda, se é que ela viria (ou se é que agora as obrigações não se inverteriam, como mostra o artigo 33 do documento de 1928), torna-se ainda mais grave.


Conclusões

Na estrutura geral, e em todos os trechos que não foram citados, os Estatutos da Internacional Comunista aprovados em 1924 e 1928 são iguais ou muito semelhantes, com mudança apenas na escolha das palavras e expressões. Mas toda diferenciação de conteúdos tem como sentido a centralização institucional (decisões nas mãos de órgãos cada vez mais restritos), o controle cada vez maior sobre os Partidos Comunistas a partir de Moscou, os reflexos (subentendidos) sobre a Comintern da luta interna no Partido Comunista soviético, a acomodação a uma situação cada vez menos revolucionária (ao menos em referência a uma improvável revolução mundial articulada por Partidos Comunistas e à consideração cada vez maior dos interesses diplomáticos da URSS sob o “socialismo em um só país”) (30) e, na balança, o peso maior dos deveres dos Partidos Comunistas para com o Comitê Executivo da Comintern do que dos direitos que este proporciona à fruição daqueles.

Resumidamente, a 3.ª Internacional, da qual os Partidos Comunistas eram considerados “seções nacionais”, caminhou crescentemente rumo à centralização das atividades, à formação de uma estrutura piramidal e à restrição das instâncias para tomadas gerais de decisão. Não se pode deixar de relacionar essa evolução, ocorrida em todo o comunismo internacional antes da Segunda Guerra Mundial, à morte de Lenin em 1924, à consequente luta pelo poder no Estado soviético e à consolidação final do comando de Stalin em 1928-29. Como também se percebe, a estrutura organizativa da Comintern, em cujos sucessivos Estatutos estão suas linhas mestras, jamais foi imutável e refletiu os embates e mudanças políticos ocorridos dentro da instituição. Esses eventos decorriam da própria turbulência no Partido Comunista soviético, na medida em que a Comintern, durante a ditadura de Stalin, tornara-se mero apêndice de sua política externa. Assim, a centralização burocrática e o domínio de Moscou sobre o movimento comunista internacional determinaram também o modelo que seus partidos (“seções”, até 1943) tomariam ao longo do século 20.


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Websites

Traduções de Erick Fishuk.

Документы советской эпохи [Documentos da Era Soviética].

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Notas (clique no número pra voltar ao texto)

(*) Este artigo é fruto de pesquisa que conta com o financiamento (bolsa) da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

(1) ADIBEKOV, Grant M.; SHAKHNAZAROVA, Eleonora N.; SHIRINIA, Kirill K. Организационная структура Коминтерна. 1919‒1943. Moscou: ROSSPEN, 1997.

(2) Cf. PONS, Silvio. A revolução global: História do comunismo internacional (1917-1991). Tradução de Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Contraponto; Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2014.

(3) ВТОРОЙ Конгресс Коминтерна. Июль–Август 1920 г. Moscou: Partiinoie izdatelstvo, 1934, p. 534-539 (2.º Congresso); ПЯТЫЙ Всемирный Конгресс Коммунистического Интернационала. 17 июня–8 июля 1924 г. Стенографический отчёт. Parte II. Moscou; Leningrado: Gosudarstvennoie izdatelstvo, 1925, p. 87-93 (5.º Congresso); VI КОНГРЕСС Коминтерна: стенографический отчёт. Fasc. 6. Moscou; Leningrado: Gosudarstvennoie izdatelstvo, 1929, p. 162-167 (6.º Congresso; também disponível em ПРОГРАММА и Устав Коммунистического Интернационала. 2. ed. Moscou: Partiinoie izdatelstvo, 1932.).

(4) Sobre as relações entre o PCB e a Comintern e o conjunto dos principais órgãos que controlavam os Partidos Comunistas latino-americanos, cf. OLIVEIRA, Érick Fiszuk de. Revolução, guinadas e antifascismo: a Comintern e o PCB rumo às “frentes populares” (1928-1935). 2017. Dissertação (mestrado) ‒ Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível nesta página. Acesso em: 8 jun. 2020, 16h34min.

(5) Eu uso meu próprio sistema para a transliteração do alfabeto cirílico russo ao alfabeto latino e não aclimato nem traduzo os nomes próprios de pessoas. Acesso em: 8 jun. 2020, 16h04min.

(6) ПЯТЫЙ Всемирный Конгресс..., op. cit., p. 88, grifo no original. Todas as traduções são livres.

(7) Confira aqui uma tradução anotada e mais recente das “21 condições”, comparadas com o texto inicial que continha 19 itens. Acesso em: 8 jun. 2020, 18h34min.

(8) Como afirma Pierre Broué, “bolchevização” era um rótulo encobrindo o processo de pura e simples imposição do controle do Partido Bolchevique (em última instância, de Stalin) sobre o movimento internacional. Cf. Histoire de l’Internationale Communiste, 1919-1943. Paris: Fayard, 1997, p. 365-366 e 383-385.

(9) COOPTAR. In: FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Eletrônico Aurélio versão 5.11a. São Paulo: Editora Positivo, 2004. 1 CD-ROM.

(10) Stalinization: Balance Sheet of a Complex Notion. In: LAPORTE, Norman; MORGAN, Kevin; WORLEY, Matthew (Reds.). Bolshevism, Stalinism and the Comintern: Perspectives on Stalinization, 1917-53. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2008, p. 48-51.

(11) Entre eles Annie Kriegel (Les Internationales Ouvrières (1864-1943). Paris: PUF, 1964, p. 115, tradução livre): “[os Plenos Ampliados do CEIC] São verdadeiros pequenos Congressos que reúnem os membros do Comitê Executivo e representantes das seções nacionais, mas via de regra eles não podem renovar os órgãos dirigentes da Internacional.”

(12) Fim de uma direção colegiada e coletiva? Aparentemente não, pois desde 1919 Zinoviev já ocupava o cargo, que foi extinto precisamente após sua demissão, em 1926.

(13) Cf. as obras de Pierre Broué e de Silvio Pons na seção “Bibliografia”.

(14) Comparar, mais adiante, com a atenção ainda menor dedicada pelos Estatutos de 1928 (6.º Congresso) ao trabalho ilegal.

(15) Cf. por exemplo o websiteDocumentos da Era Soviética” (em russo) mantido pelo governo da Rússia. Acesso em: 12 jun. 2020, 17h36min.

(16) Sobre a Profintern, cf. МИРОВОЕ революционное профдвижение от IV до V Конгресса Профинтерна, 1928-1930: материалы к отчёту Исполбюро V Конгрессу Профинтерна [O MOVIMENTO sindical revolucionário mundial do 4.º ao 5.º Congresso da Profintern, 1928-1930: materiais para o relatório do Birô Executivo ao 5.º Congresso da Profintern]. Fasc. 3. Moscou: Izdatelstvo VTsSPS, 1930; MIGLIARDI, Giorgio. L’Internazionale dei sindacati rossi. Profintern. Annali Istituto Giangiacomo Feltrinelli, Milão, IX, p. 325-347, 1967; GOMOLINSKI, Olivia. Le Profintern: organisation internationale et administration soviétique. Première approche. Communisme, Paris, n. 70-71, p. 131-158, 2e et 3e trimestres 2002.

(17) Cf. nota 7 acima.

(18) Cf. PENNETIER, Claude; PUDAL, Bernard. Du Parti bolchevik au Parti stalinien. In: DREYFUS, Michel et al. (Dirs.). Le siècle des communismes. 2. éd. augmentée et mise à jour. Paris: Les Éditions de l’Atelier: Éditions Ouvrières, 2004, p. 499-510, sobretudo p. 506-508. Cf. também WOLIKOW, Serge; CORDILLOT, Michel. Prolétaires de tous les pays, unissez-vous ?: les difficiles chemins de l’internationalisme (1848-1956). Paris: EUD: Institut d’histoire contemporaine, 1993.

(19) Cf. BROUÉ, Pierre. Op. cit., em especial os capítulos VI e VIII.

(20) Cf. nota 11 acima.

(21) É claro que, ao pé da letra, os dois Estatutos trazem respectivamente os prazos de ao menos um ano e ao menos dois anos. Mas seria inverossímil haver qualquer adiantamento em meio à conjuntura da época.

(22) WERTH, Nicolas. Histoire de l’Union soviétique: de l’Empire Russe à l’Union soviétique, 1900-1990. Paris: PUF, 1990, p. 213 ss. e 224 ss.; PONS, Silvio. Op. cit., p. 134 ss. e 152 ss.

(23) Cf. nota anterior.

(24) VI КОНГРЕСС Коминтерна..., op. cit., passim.

(25) WERTH, Nicolas. Op. cit., p. 204-210; PONS, Silvio. Op. cit., p. 127-131 e ss.

(26) Cf. NIKOLAIEVSKI, Boris Ivanovich. Тайные страницы истории. Moscou: Izdatelstvo gumanitarnoi literatury, 1995, cap. 5 (“O secretariado pessoal de Stalin”).

(27) ADIBEKOV, Grant M.; SHAKHNAZAROVA, Eleonora N.; SHIRINIA, Kirill K. Op. cit., p. 186-191.

(28) Sobre a preparação insurrecional que deveria ser paulatina, mas terminou explodindo nas revoltas de novembro, cf. PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935. 2. ed. rev. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, cap. 17; WAACK, William. Camaradas: nos arquivos de Moscou, a história secreta da revolução brasileira de 1935. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, caps. 5 e 6, sobretudo, e cap. 7; PRESTES, Anita Leocadia. Luiz Carlos Prestes e a Aliança Nacional Libertadora: os caminhos da luta antifascista no Brasil (1934/35). São Paulo: Brasiliense, 2008, cap. 9, sobretudo parte A; Idem, Luiz Carlos Prestes: um comunista brasileiro. São Paulo: Boitempo, 2015, cap. VI, sobretudo p. 169 ss.; Idem, Olga Benario Prestes: uma comunista nos arquivos da Gestapo. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 17-21.

(29) Cf. as obras de Pierre Broué, Paulo Sérgio Pinheiro, Silvio Pons e Nicolas Werth citadas ao longo do artigo, bem como os capítulos de Le siècle des communismes e de Bolshevism, Stalinism and the Comintern concernentes à antiga União Soviética.

(30) Cf. BROUÉ, Pierre. Op. cit., p. 249-250 e ss.; PONS, Silvio. Op. cit., p. 103-115.