domingo, 19 de junho de 2016

Дорогой длинною, Por longo caminho


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Esta é a que muitos consideram de longe a canção russa mais célebre do mundo, mais até do que Katiusha e Noites de Moscou. “Дорогой длинною” (Dorogoi dlinnoiu), Por um longo caminho, soa familiar a muitos brasileiros por causa da abertura do antigo Show de Calouros, apresentado por Silvio Santos no canal SBT, quando a orquestra tocava anunciando os nomes dos jurados que entravam em sucessão.

De fato, é uma canção sentimental (“romança”) com letra de Konstantin Podrevski e melodia de Boris Fomin (1924), gravada primeiro em 1925 por Tamara Tsereteli e que logo alcançou enorme sucesso, não apenas pela melodia envolvente, mas também por sua letra nostálgica e implicitamente antissoviética. Destaca-se a referência à “troica com guizos” (тройка с бубенцами), definida no Aurélio como “Grande trenó [...] puxado por três cavalos emparelhados”, símbolo da Rússia antiga, cujo fim se lamenta em meio à insegurança dos novos tempos. A censura soviética notou isso e proibiu, em 9 de março de 1927, novas execuções da canção.

Ela logo se tornou clássica nos círculos emigrantes russos da Europa Ocidental e dos EUA, especialmente em bares e restaurantes, e foi regravada nas décadas de 1920-30. Apenas com a reabilitação da canção sentimental como gênero na URSS, a partir do fim dos anos 1950, muitas cantoras e cantores puderam dar-lhe em território soviético um segundo pico de popularidade. Porém, nos subterrâneos, Por um longo caminho continuou cantada nas rodas de parentes e amigos, por vezes quase como um hino familiar. Até aí, a letra inicial já tinha sofrido diversas mudanças, pelos mais variados motivos.

O Ocidente conhece ainda sua tradução para o inglês, com leve mudança na melodia, pelo norte-americano Eugene Raskin, filho de emigrados russos que assim compôs Those Were the Days em 1962. A nova canção foi gravada pela galesa Mary Hopkin em 1968 e ficou algum tempo entre as mais tocadas em diversos países, ganhando a partir daí traduções para inúmeros idiomas. Porém, os discos da canção e suas traduções sempre mostram Raskin como único autor, sem mencionar Podrevski ou Fomin.

Além do refrão, a canção tem mais quatro estrofes, mas traduzi apenas as duas primeiras, as mais conhecidas e as cantadas na apresentação do cantor Sergei Lazarev (vídeo abaixo), que achei, porém, fantástica, na quinta transmissão ao vivo do show Prizrak opery (O Fantasma da Ópera), em 1.º de outubro de 2011. Neste endereço há o vídeo sem legendas, e nesta página há a letra tal qual ele canta. A única diferença é que no primeiro verso do refrão, ao invés de “ночью” [nochiu], Lazarev canta “ночкой” [nochkoi], respectivamente as formas do caso instrumental singular das palavras “ночь” e “ночка”, ou seja, “noite”, sendo o segundo um diminutivo de fato sinônimo.

Aleksandr Znatnov cita mais diferenças em seu artigo no n.º 11 de 2013 da revista russa Nash sovremennik, chamado “Por um tempo bom enluarado. A dramática história da canção ‘Dorogoi dlinnoiu’ e o destino trágico do autor de sua letra imortal”. O autor teria encontrado num arquivo a versão realmente primeira, rabiscada pela censura, em cujo refrão, ao invés da expressão “да ночью (ou “ночкой”) лунною” (e por uma noite enluarada), lê-se “погодой лунною” (por um tempo bom enluarado), e ao invés de “мучила” [muchila], passado do verbo “мучить” [muchit] (atormentar, torturar), lê-se “мучает” [muchaiet], presente do verbo “мучать” [muchat], um sinônimo coloquial do primeiro. Haveria ainda o primeiro uso do verbo “жечь” [zhech] (queimar, arder) no sentido de “expressar-se vivamente”, hoje popular entre os jovens ligados na internet. Aparece na segunda estrofe, na forma do passado “(мы) жгли” [(my) zhgli], que traduzi como “(nós) clamamos”. Quem encara russo pode ler online o artigo em PDF.

Outras duas interpretações em russo que acho lindas são a estilisticamente cigana de Tatiana Baleta e a de Eduard Khil, o famoso Mr. Trololo, que entre nós é conhecido, para fechar o círculo... como “Silvio Santos soviético”! O vídeo que legendei estava no meu antigo canal do YouTube, seguido da letra em russo e da tradução.

Nota (30/4/2018): Há alguns meses legendei também, embora pouco nítida, uma apresentação de Vadim Ananiev, célebre tenor do Coral Aleksandrov do Exército Russo (Coral do Exército Vermelho). Existem só dois uploads iguais desse vídeo no YouTube, e não há nenhuma outra versão de Ananiev cantando esta canção (embora haja com outros solistas do Aleksandrov), sendo que esta presente deve ter sido filmada com celular, e longe do palco. Por isso, mesmo não garantindo nitidez, resolvi cortar o enquadramento. Este show fez parte da turnê “Novoročný Koncert Sólistov Alexandrovcov” (Concerto de Ano Novo dos Solistas do Aleksandrov) em Bratislava, capital da Eslováquia, nos dias 10 e 11 de janeiro de 2010, tendo Ananiev se apresentado no primeiro. Ele canta uma terceira estrofe que não estava na letra de Lazarev, e cujo texto e tradução marquei abaixo com o n.º 4:




1. Ехали на тройке с бубенцами,
А вдали мелькали огоньки.
Эх, когда бы мне теперь за вами,
Душу бы развеять от тоски…

Припев:
Дорогой длинною, да ночью [ночкой] лунною,
Да с песней той, что вдаль летит, звеня.
И с той старинною, да с семиструнною,
Что по ночам так мучила меня.
Дорогой длинною, да ночью [ночкой] лунною,
Да с песней той, что вдаль летит, звеня.
И с той старинною, да с семиструнною,
Что по ночам так мучила меня.

2. Да, выходит пели мы задаром,
Понапрасну ночь за ночью жгли.
Если мы покончили со старым,
Так и ночи эти отошли.

(Припев)

3. Ехали на тройке с бубенцами,
А вдали мелькали огоньки.
Эх, когда бы мне теперь за вами,
Душу бы развеять от тоски…

(Припев)

4. В даль родную новыми путями
Нам отныне ехать суждено!
Ехали на тройке с бубенцами,
Да видать проехали давно!

(Припев)

И с той старинною, да с семиструнною,
Что по ночам так мучила меня.

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1. Vocês iam na troica com guizos,
E ao longe cintilavam faíscas.
Ah, me bastaria segui-los agora,
E livraria minha alma da saudade...

Refrão:
Por um longo caminho, por uma noite enluarada,
Com aquela canção que voa longe tilintando.
Canção antiga, tocada a sete cordas,
Que tanto me torturava à noite.
Por um longo caminho, por uma noite enluarada,
Com aquela canção que voa longe tilintando.
Canção antiga, tocada a sete cordas,
Que tanto me torturava à noite.

2. É, quer dizer que cantamos à toa,
Em vão clamamos noite após noite.
Se acabamos com o que era antigo,
Daí essas noites também morreram.

(Refrão)

3. Vocês iam na troica com guizos,
E ao longe cintilavam faíscas.
Ah, me bastaria segui-los agora,
E livraria minha alma da saudade...

(Refrão)

4. Ao lar distante por novas trilhas
É nosso destino desde já voltar!
Íamos na troica com guizos,
Sim, fizemos a viagem há muito!

(Refrão)

Canção antiga, tocada a sete cordas,
Que tanto me torturava à noite.