domingo, 16 de fevereiro de 2025

Tortura ruSSa na Ucrânia ocupada


Endereço curto: fishuk.cc/tortura-ru

ATENÇÃO: Este conteúdo pode ser perturbador a quem tem alta sensibilidade psicológica, sobretudo se a pessoa estiver envolvida com a agressão russa em algum grau. Portanto, recomendo cautela na leitura ou pensar duas vezes antes de seguir em frente!

Esta entrevista, cuja tradução apresento abaixo, foi publicada em 10 de fevereiro de 2025 no site em russo da Voice of America, feita por Víktor Vladímirov com Ievgénia Chírikova, empresária, política e ativista (inicialmente ambiental) russa exilada na Estônia. Sua equipe, cujas redes sociais também recomendo olhar, produziu um filme sobre as torturas infligidas pelos ocupantes russos aos cidadãos ucranianos, todos, sem distinção de idade, gênero ou ligação com o exército. Pior, sobre como essas torturas não são mero “desvio” de militares excepcionalmente doentes, mas uma política sistemática ordenada pelos escalões superiores!

O texto é tão revelador que vou me abster de maiores apresentações, mas ele vem numa semana em que várias outras investigações, em especial uma conduzida pelo Wall Street Journal, dissecaram o sistema de torturas nas “novas regiões” roubadas. Isso porque, quem já lida com Rússia há algum tempo, sabe que o sistema carcerário é muito mais bem estruturado do que o brasileiro, porém, a crueldade sistemática dos agentes não tem paralelo com a dos países capitalistas desenvolvidos. Vamos também imaginar um interlocutor doentiamente anti-EUA que nos diga coisas como: “Mas você usou a Voice of America, do governo ianque, como fonte! Mas os israelenses fazem o mesmo com os palestinos! Mas foi a OTAN quem impeliu Zelensky a começar a guerra!”

Primeiro, quem ataca a fonte devia primeiramente trazer argumentos contrários ao que ela apresenta. Pelo contrário, eles não vêm, e vários outros boatos, entre os quais o “genocídio dos russos” e os “biolaboratórios”, foram desmentidos, e ainda assim são recorrentes entre os pró-Putin. Segundo, ninguém está negando outros crimes contra a humanidade que acontecem ao redor do mundo, mas apenas trazendo especificamente mais um à lista infeliz de exações que não para de crescer. Aliás, é interessante como a pressa em desmentir não passa, na verdade, de uma apologia do crime, mesmo que a pessoa pareça “interessada” em outros conflitos pelo mundo. Afinal, não é uma opressão igual? E terceiro, se a guerra fosse mesmo contra a OTAN, o que justificaria a instalação de um regime de terror contra civis, amplamente documentado, tão ruim ou pior do que o já existente na Rússia? Não seria melhor poupar os esforços pra desbaratar o imperialismo malvadão, cujos agentes parecem estar encarnados em velhinhos aposentados ou profissionais autônomos empobrecidos?...

Em todo caso, se o problema é o “dinheiro” do Cumpade Uoxto (que Trampe e Ilomasque, aliás, os chuchus de Moscou e Pequim, querem cortar de vez), seguem outros links em inglês de agências russas e ucranianas independentes, baseadas em fontes diferentes ou mais ou menos na mesma investigação do WSJ: Babel.ua, Meduza, VOA de novo, FREEDOM, The Moscow Times e Ukrainska pravda. Fica a seu critério persistir ou não na injustificada indignação seletiva...



Após o início da agressão em larga escala desencadeada pelo Kremlin contra a Ucrânia, a direção do Serviço Penitenciário Federal (FSIN) da Federação Russa deu instruções a seus subordinados pra usar tortura e violência contra prisioneiros ucranianos, escreve The Wall Street Journal em sua investigação. Pra isso, a publicação se baseia no depoimento de três ex-funcionários do FSIN que fugiram da Rússia, incluindo um profissional da área médica, que prestou depoimento aos investigadores do Tribunal Penal Internacional.

Em novembro de 2024, a Comissão Internacional Independente de Investigação sobre a Ucrânia publicou um documento alegando que autoridades e militares russos usaram repetidamente e continuam usando a tortura contra militares e civis ucranianos em todas as províncias da Ucrânia que estão ou estiveram sob controle russo.

O fato do terror ser amplamente empregado contra a população local nos territórios ocupados da Ucrânia é conhecido há muito tempo – pelos depoimentos das vítimas e de seus familiares, pelas redes sociais e por informações de organizações de direitos humanos. Cidadãos ucranianos pacíficos são detidos sem qualquer fundamento, meramente por suspeita dos serviços especiais e, às vezes, por denúncias, e enviados a centros de detenção, onde são submetidos a torturas e abusos altamente sensíveis.

De acordo com dados incompletos de ativistas ucranianos de direitos humanos, o número desses prisioneiros ultrapassou sete mil pessoas, mas não é possível estabelecer um número exato. Nas prisões russas eles não têm nenhum direito e praticamente não há informações sobre eles. O destino de muitos é completamente desconhecido. Pessoas desaparecem sem deixar vestígios.

É disso que fala, em particular, o documentário Úzniki (Prisioneiros), lançado pela equipe do projeto Activatica. No dia 13 de fevereiro, o filme vai ser exibido e discutido no parlamento finlandês; em 20 de fevereiro, na prefeitura de Paris; e em 11 de abril, na Universidade George Washington (EUA).

O Serviço Russo da Voz da América conversou com Ievgenia Chirikova, coordenadora do portal Activatica.org, sobre o filme Prisioneiros e o sistema de terror em massa construído pelas autoridades russas nos territórios ocupados da Ucrânia.

Viktor Vladimirov – Os críticos avaliam que Prisioneiros pode ser classificado como um “filme de terror”, mas sem qualquer mistura de ficção. Imagino que ainda não seja o fim?

Ievgenia Chirikova – Sim, continuamos trabalhando sobre o tema dos prisioneiros civis ucranianos e do terror reinante nos territórios da Ucrânia ocupados pela Rússia. Estamos conduzindo investigações, verificando os fatos que chegaram até nós e dos quais se conclui que um verdadeiro sistema de terror contra a população local foi construído nas terras tomadas pelo exército russo. Parece que as forças de segurança estão agindo de acordo com um esquema testado na Chechênia. A tarefa de nossa equipe é fazer um filme como prova. Temos evidências diretas e depoimentos de parentes cujos entes queridos foram sequestrados sob diferentes circunstâncias e são mantidos em centros de detenção sob condições de tortura, ou mesmo foram mortos em execuções extrajudiciais. Também trabalhamos juntamente com ativistas de direitos humanos russos e, naturalmente, ucranianos que estão seriamente se ocupando desse problema.

Vladimirov – Há alguma estatística aproximada que indique a dimensão da tragédia?

Chirikova – São milhares de pessoas. Enquanto produzíamos o primeiro filme Prisioneiros, os ativistas de direitos humanos da Hromadske Svoboda nos deram um número aproximado de sete mil pessoas que naquele momento se encontravam detidas no território da Rússia. E ninguém sabe quantos deles estavam e estão em campos de concentração nos territórios ocupados. Porque a comunidade de direitos humanos, naturalmente, não pode trabalhar lá. Também não se sabe quantas pessoas morreram na prisão, como, por exemplo, aconteceu com uma das protagonistas de nosso filme, Tetiána Plachkóva, que foi sequestrada em Melitópol junto com seu marido Oléh. Estávamos preparando Tetiana pra conversa, mas após ser espancada na prisão, foi levada em coma pro hospital de Melitopol, onde morreu. E não está totalmente claro o que aconteceu com Oleh, que desapareceu sem deixar vestígios. O ucraniano Iván Kozlóv, especialista em TI, foi detido durante a filtragem e torturado a ponto de tentar se suicidar... E a lista é muito longa. Infelizmente, é impossível dar um número exato de prisioneiros civis, mas só se sabe que está crescendo constantemente.

Vladimirov – Nesse contexto, que esperanças estão associadas a um potencial fim da guerra?

Chirikova – Os ativistas de direitos humanos temem que os olhos da comunidade internacional se fechem pro fato que está ocorrendo um verdadeiro terror nos territórios ocupados. Há o perigo de que o cessar-fogo legalize uma situação em que os ucranianos podem continuar sendo torturados e mortos impunemente, enviados à prisão sem qualquer motivo, e processos criminais podem ser forjados contra eles. Basicamente, está ocorrendo atualmente na Ucrânia uma limpeza étnica. Eu chamaria isso de genocídio. Coisas absolutamente monstruosas estão acontecendo lá, então é assustador que tão pouco seja dito sobre isso. Precisamos gritar sobre isso aos quatro ventos!

Vladimirov – E quão familiarizado está o público ocidental com seu filme?

Chirikova – Nós o promovemos na medida do possível. E aqui estou, muito grata a meus companheiros: Irina Vesikko, ativista antiguerra da Finlândia que está organizando o evento, no parlamento finlandês, em que trechos do filme vão ser exibidos; Ólga Prokópieva, da Russie-Libertés, que está organizando a exibição e o debate do filme na prefeitura de Paris; a Polina Sommer, que está exibindo (pela segunda vez já) o filme em Zurique; Lake Misick, ativista americana antiguerra que está preparando uma exibição de Prisioneiros no Instituto Washington. Acreditamos ser muito importante organizar o debate público mais amplo e onipresente possível sobre o filme. E apelo a todos: por favor, nos ajudem com isso, vamos envolver os políticos e outras pessoas nessa questão! Vai ser o primeiro passo pra deter o terror.

Vladimirov – Em sua opinião, qual é a razão do que está acontecendo nas terras ucranianas ocupadas?

Chirikova – Tentamos entender por nós mesmos qual seria a lógica por trás disso. No início pensamos que o regime de Putin queria criar algum tipo de fundo de troca. Só que as forças de segurança não estão apenas capturando pessoas que demonstram algum tipo de atividade, tentam resgatar seus entes queridos ou simplesmente fornecem ajuda voluntária pela entrega de água ou comida. Não, podem ser pessoas comuns cuja casa, por exemplo, chamou a atenção dos militares russos. Há muitas histórias assim. Como resultado, homens, mulheres e até adolescentes inocentes acabam na prisão pelos motivos egoístas de alguém. E entendemos que essa é justamente uma política que se resume a intimidar, “aterrorizar” as pessoas, pra que todos tenham medo e não se exprimam. É uma prática genocida visando escravizar o povo ucraniano. Simplesmente não consigo chamar isso de outro nome. As analogias mais terríveis vêm à mente: a mesma coisa aconteceu na Alemanha nazista e na URSS. É por isso que enxergo a Rússia de Putin como um mal mundial. Não é apenas uma guerra de agressão, mas uma verdadeira guerra da tirania contra o mundo normal. É preciso a interromper imediatamente, o que só sé pode fazer limpando as terras ucranianas dos ocupantes russos. Não há outro jeito. Sob qualquer outra variante de “trégua”, o terror vai continuar.

Vladimirov – Mas algumas pessoas dizem que essa é uma guerra de Putin. Só que não é ele quem tortura as pessoas. De onde saem tantos sádicos que servem aos interesses das autoridades?

Chirikova – Nós também nos fazemos essa pergunta e tentamos entender quem são essas pessoas desumanas que tomam pra si esse tipo de “trabalho”. Torturar pessoas faz parte de sua jornada de trabalho, um dever de ofício entre pausas pro lanche. E não são mil ou dois mil. Porque as torturas em centros de detenção russos já são um sistema com incentivo óbvio de cima. Ao mesmo tempo, campos de concentração especiais estão sendo criados pra ucranianos, onde as condições são simplesmente insuportáveis. O que descobrimos enquanto conduzíamos nossa investigação é assustador até de relatar. As torturas com eletricidade já são rotina. Descobrimos que os carrascos não são quadros especialmente treinados, mas russos [rossiáne] comuns. Eles entram no sistema e gradualmente se tornam parte dele, se transformando em verdadeiros animais. Aliás, na Alemanha eles também tentaram descobrir como os campos de concentração se tornaram possíveis num país altamente civilizado, e de onde vinham os sádicos que aí trabalhavam. Pesquisas mostram que quando a mais comum das pessoas decide trabalhar em tal sistema, ela vai até o fim, se escusando como lhe convém. É assim que funciona a psique humana. Provavelmente muitos se justificam dizendo que estão seguindo ordens e coisas do tipo... Claro, isso não é uma peculiaridade do povo russo, Deus me livre. É uma peculiaridade do sistema, não importa em que país ele seja implantado. E a derrota do regime de Putin é necessária pra acabar com esse pesadelo. Caso contrário, seus capangas vão tomar mais territórios e, garanto, encontrar alguém pra torturar, tanto entre ucranianos quanto entre pessoas de outras nacionalidades.

Vladimirov – Às vezes parece que os carrascos não se importam com quem é a vítima nem com quem eles torturam, seja ela ucraniana ou russa...

Chirikova – Tudo depende da ordem que são dadas. Basicamente, eles vão torturar quem são ordenados a torturar. Ressalto que, obviamente, a situação dos prisioneiros civis ucranianos, bem como a dos prisioneiros de guerra, é simplesmente escandalosa. Pois os prisioneiros russos ainda têm amigos e parentes por perto, a possibilidade de receber assistência jurídica e o direito a alguns pacotes e visitas, enquanto os ucranianos são simplesmente privados de tudo isso. Além disso, muitas vezes eles se encontram em situações em que ninguém sabe nada sobre seu destino. As pessoas simplesmente desaparecem no nada. E isso, reitero, está acontecendo atualmente na Europa.



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