terça-feira, 17 de dezembro de 2024

O russo que quer proibir Papai Noel


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Este idiota cabeça de coco (foto um tanto antiga já) que não ocupa nenhum cargo oficial no governo federal do Kremlin nem é filiado ao Rússia Unida, mas chupa o saco da ditadura até dizer “Chega!”, é um político, advogado de formação, chamado Vitáli Boródin (n. 1983). É conhecido como o “principal donóschik da Rússia”, termo que pode ser traduzido como “delator” ou “denunciador”, dependendo do contexto, mas pode muito bem representar um inquisidor. Criou e preside uma associação de combate à corrupção, justo num país em que a corrupção é institucional, mas ele mesmo foi várias vezes acusado de corrupção (caso bem típico no mundo...). Seu passatempo preferido é denunciar celebridades por supostos desvios com relação à linha de Putin, sobretudo em comentários contra a invasão ilegal e genocida da Ucrânia.

Seu mais novo delírio, acreditem, é querer enquadrar o “Papai Noel” (pelo menos quem usa sua imagem) como “agente estrangeiro”, ou “inoagént”, uma categoria que constrange qualquer cidadão russo a inúmeras restrições de comunicação, deslocamento, financiamento, liberdade de expressão etc. Nem os deputados federais mais radicais apoiaram a ideia, e até mesmo, como se pode ver abaixo, usaram uma linguagem infantilizada e condescendente pra se referir a Borodin, como se um pobre coitado tivesse exagerado em seus recalques. Todos os textos que traduzi abaixo foram publicados no dia 9 de dezembro de 2024, com informação inicialmente lançada pelo canal anônimo SHOT no Telegram.

O portal The Moscow Times também publicou uma notícia a respeito, da qual tirei o básico do que já tinha sido trazido pelo SHOT, e pro final deixei a matéria escrita por María Alfiórova, quando até outros sicofantas julgam o passo maior do que as pernas. Há várias referências ao Ded Moróz (lit. “Vovô do Frio”, mais ou menos) russo, que também é uma alegoria de são Nicolau (venerado por católicos, ortodoxos e protestantes), mas geralmente associado às festas de Ano Novo, sendo por isso tolerado na antiga URSS. Divirta-se com mais essa sequela da militarização da sociedade!

Um russo exigiu que o Papai Noel fosse enquadrado como agente estrangeiro – Como apurado pelo SHOT, o principal caçador de agentes estrangeiros, Vitali Borodin, dirigiu essa iniciativa à Procuradoria-Geral. Segundo o ativista social, um velhote americano de calças e gorros vermelhos e cinturão preto não é nada engraçado, mas muito perigoso: a marca “Papai Noel” (Santa Claus) é popular em países hostis à Rússia. E, de fato, está substituindo a imagem de nosso tradicional Ded Moroz: é reconhecido por quase 100% da população.

O Papai Noel americano é usado por muitas empresas estrangeiras, incluindo a Father Christmas Ltda., proprietária das marcas registradas Santa Claus, Father Christmas e Cyber Santa. Segundo Borodin, a marca vale cerca de US$ 1,6 trilhão e é muito provável que empresas estrangeiras possam financiar a imagem do Papai Noel na Rússia. O objetivo desses escritórios seria a destruição dos valores tradicionais russos, garante o ativista.

Jingle bells, jingle... No bosque nasceu um pinheirinho...

Principal inquisidor da Rússia exige que Papai Noel seja enquadrado como “agente estrangeiro” – O chefe do Projeto Federal de Segurança e Combate à Corrupção, Vitali Borodin, enviou um pedido ao Procurador-Geral exigindo que a marca “Papai Noel” (Santa Claus) fosse enquadrada como “agente estrangeira”, escreve SHOT.

Na quarta-feira passada [4 de dezembro], Mikhaíl Ivanóv, presidente do Movimento Social Pan-Russo “Rússia Ortodoxa” e deputado da Duma da província de Briansk, propôs retirar as estatuetas do Papai Noel das lojas e as substituir pelos símbolos tradicionais do Ano Novo russo.

“O Papai Noel se tornou menos um símbolo do Natal do que do comércio e da produção em massa. Sua onipresença nas vitrines não é um acaso, mas o resultado de uma estratégia de marketing direcionada contra o autêntico espírito da festa, pra destruir nossos valores”, disse Ivanov, segundo a Life.

Borodin era conhecido como inquisidor da mídia russa independente e, desde o início da guerra na Ucrânia, começou a denunciar artistas e atores russos que se manifestavam contra a invasão. Entre eles estão Valeri Meladze, Semion Slepakov, Diana Arbenina, Lia Akhedzhakova e Alla Pugachova.

“Não é nosso método”: Milonov se opôs a enquadrar o Papai Noel como agente estrangeiro – O deputado Milonov disse que a Rússia não vai enquadrar o Papai Noel como um agente estrangeiro

A imagem do Papai Noel usada nos países ocidentais é uma personificação de são Nicolau, portanto, sua proibição não se enquadraria na defesa dos valores tradicionais, afirmou Vitáli Milónov, deputado da Duma Estatal, em conversa com o Gazeta.ru. Esse foi o comentário do político à iniciativa do ativista social Vitali Borodin de fazer enquadrar o Papai Noel como agente estrangeiro.

“Acho que o estimado Vitali Borodin apenas não sabe que, na verdade, Papai Noel [Santa Claus] é são Nicolau. Essa é a pronúncia alemã, e ninguém deseja banir são Nicolau, o Aprazível, o Taumaturgo e um dos santos mais reverenciados em solo russo. Sou categoricamente contra, basta não confundir. É a imagem do Papai Noel no mercado e no comércio, criada pela empresa Coca-Cola como um vovô tão bonzinho, que é totalmente nova, não tradicional pra Europa e pra cultura europeia e russa. Mas sim, ela se transformou”, explicou Milonov.

[Na verdade, nem a pronúncia nem o nome são alemães, mas a forma inglesa Santa Claus é uma corruptela da forma holandesa Sinterklaas, um dos nomes de são Nicolau e, mais especificamente, de uma figuração alegórica característica do verdadeiro dia do santo, muito popular nos Países Baixos e na Bélgica. Desse personagem teria saído a inspiração final pro Papai Noel (Pai Natal, em Portugal) que se conhece na maior parte do mundo.]

O político enfatizou que os cristãos no Ocidente não podem usar a imagem do Ded Moroz, que é familiar à Rússia, mas que a Rússia não vai “descontar” isso no Papai Noel.

“No final das contas, o que há de errado com o Ded Moroz? Aqui [temos] o Ded Moroz, enquanto a tradição ocidental tem o Papai Noel. O Ano Novo é celebrado pelas pessoas boas em todo o planeta, e elas não existem apenas na Rússia, mas também em outros lugares. Elas simplesmente não podem celebrar com o Ded Moroz. Acredite, são os mesmos cristãos tradicionais, amam os valores tradicionais, nos tratam bem. Portanto, descontar no Papai Noel certamente não é nosso método, não é típico dos russos”, concluiu.

Antes disso, soube-se que um russo propôs enquadrar o Papai Noel como agente estrangeiro. Vitali Borodin apresentou a iniciativa ao Procurador-Geral, relatou SHOT.

O ativista social afirma que a imagem popular do Papai Noel americano estaria substituindo o tradicional Ded Moroz russo. Segundo ele, o uso da imagem do Papai Noel por muitas empresas estrangeiras poderia ser usada pra minar os valores russos.

O deputado [Andréi] Alshévskykh já tinha aconselhado aos agentes estrangeiros que não se inquietassem tanto.



Adendo (28/12/2024): Meu amigo Claudio me enviou esta montagem supostamente feita pela propaganda russa e atacada pelo governo ucraniano. Não posso dizer que é uma falsificação vinda de Kyiv, mas também não posso atestar a veracidade 100%, porque, como diz o velho chavão, “A primeira vítima de toda guerra é a verdade”. (Alguns veículos da oposição exilada dizem que foi “compartilhado por contas pró-guerra”.) Mas pra efeitos de representação, é uma encenação perfeita do argumento daquele deputado: “Santa Claus” é um agente ocidental da OTAN que quer controlar a Rússia, enquanto o Ded Moroz é o verdadeiro símbolo da cultura russa “ameaçada de destruição”.

A crítica dos ucranianos foi que a circulação do vídeo se deu poucos dias depois da catástrofe do avião que caiu no Azerbaijão e provavelmente foi abatido pelo sistema antiaéreo russo, e foi chamado, por isso, de “ponto mais baixo da propaganda do Kremlin”. Contudo, no máximo, como o lado eurasiano não tem mais nada a oferecer em termos de soft power, acho que pode ser só material pra memes de mau gosto, como o recorte do “Santa” sendo explodido por um míssil entre os que detestam essa época ou que tão saturados em cidades turísticas, rs. A ignorância putinista é tão grande que o Bão Veinho da Coca Cola não é sequer ligado ao Ano Novo, mas sim ao Natal ocidental, em 25 de dezembro. Portanto, ele devia estar desejando “Feliz Natal!” (que no rito ortodoxo é celebrado em 7 de janeiro), e não “Feliz Ano Novo!”.

No diálogo em russo (traduzido em inglês), os dois pirômanos dizem: “– Всё? – Всё. Цель уничтожена. – Правильно. Не нужно нам ничего иностранного в нашем небе. С Новым годом! – И тебе, Дед. Всех с Новым годом!”


Adendo (12/1/2025): Parece que no ano que passou, a guerra cultural não deu trégua. Soube pelo programa semanal de Kirill Martynov na Novaia Gazeta Ievropa que um rapper russo de codinome Pasha Tekhnik fez gravar um pequeno clipe em que “Santa Claus”, o Papai Noel ocidental, lhe traz um “certificado de mudança de sexo” (acho que a neura é dele mesmo!) e, em “correspondência”, uma peruca rosa e um boné com a bandeira LGBT. Logo aparece o Ded Moroz pra o salvar, com o envelope “Você é adotado” ao inimigo e o “verdadeiro” presente. No fim, aparecem os dois “heróis” espancando o “Santa” no jardim nevado, com direito a sangue espirrado (argh!) e a seguinte frase: “Santa Claus está descansando, Ded Moroz é quem responde pela Rússia”.


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