sábado, 24 de agosto de 2024

Putin persegue repórter S. Battistini


Link curto à publicação: fishuk.cc/putin-rai2


Putin odeia a verdade, a discordância, o contraditório, a liberdade, a felicidade alheia, a informação, o esclarecimento. Putin tem como ideal uma sociedade submissa, embotada, obscurantista, temorosa e totalmente centrada em torno dele. E um dos sintomas é não reconhecer os fracassos, sobretudo quando derivam das piores decisões tomadas anteriormente, e querer “destruir o mensageiro, e não a mensagem”. Putin odeia a Ucrânia, porque apesar de todos os tropeços, seu povo se encaminhava em sentido totalmente oposto ao que o Kremlin estava levando a Rússia nos últimos 25 anos. Por isso, embora o evento já tenha ocorrido, começo a publicação de hoje com a imagem acima, lembrando que hoje temos mais um aniversário dos 33 anos de independência desde a desintegração da URSS e homenageando a data!

A repórter Stefania Battistini e o câmera Simone Traini, italianos que trabalham pro canal RaiUno, formaram a primeira equipe estrangeira completa a entrar na região da Rússia recentemente ocupada pelo exército da Ucrânia. Eles atravessaram a fronteira entre a província ucraniana de Súmy e a província russa de Kursk, chegando à cidade ocupada de Súdzha, de onde Battistini narrou a complexa trama dos combates locais entre os dois países. Sem qualquer base jurídica, a justiça russa (totalmente controlada por Putin) abriu um processo contra os dois profissionais por supostamente terem atravessado a fronteira ilegalmente, ameaça a que também foram submetidos outros jornalistas estrangeiros presentes na região. Por medida de segurança, a RaiUno os mandou voltarem à Itália, mas isso só mostra como o Kremlin teme doentiamente o vazamento de qualquer informação sobre sua vergonhosa fraqueza na fronteira.

Após lançar a primeira reportagem da série (17 de agosto) do Telegiornale 1 no horário das 20h de Roma, canal RaiUno, finalmente chegam com atraso os trechos traduzidos (mas não legendados) das reportagens nos dias 14, 15 e 16 de agosto! Apesar de algumas informações já estarem “velhas”, fiz breves observações sobre o que mudou até o exato dia de hoje, e creio que mesmo assim esta publicação vai servir de fonte histórica pra estudos futuros, bem como ainda pode servir pra esclarecimento da conjuntura atual mais ampla.

Após hackear os vídeos usando a extensão gratuita Video DownloadHelper, encontrada na loja do Google Chrome, eu mesmo traduzi do italiano e apenas fiquei inseguro quanto a frases bem pontuais, por não ter entendido muito bem (ajudas são bem-vindas!). Podemos ver o triângulo que tem simbolizado a operação ucraniana, desenhado em traços brancos sobre os veículos militares:


Edição de 14 de julho

Alessio Zucchini – Já faz oito dias que o exército ucraniano adentrou em território russo, e o presidente Zelensky justifica o avanço na região de Kursk com a criação de uma zona-tampão para se defender dos bombardeios inimigos. Por sua vez, Moscou afirma ter barrado as tentativas de incursão por Kyiv. E justamente através das fronteiras conseguiu chegar a equipe do Telegiornale 1, como mostra nossa enviada Stefania Battistini, que encontrou o que se segue.

Stefania Battistini – Neste momento estamos atravessando a fronteira com a Rússia. Nunca teríamos acreditado que isso teria acontecido, nunca teríamos pensado...

Militar – Estamos dentro do território russo. Esse era um veículo nosso.

Battistini – Estamos na Rússia, dentro do território russo. Estes são os campos dos quais Moscou tem atacado, por mais de dois anos e meio, o território da Ucrânia. Estas são as posições russas destruídas. Permitiram que andássemos neste blindado para chegar a Sudzha. Estamos indo rumo a Sudzha, cidade russa estratégica por abrigar a manufatura do gás.

– Vocês controlam a cidade? – Sim! Bélgorod está à esquerda! Da próxima vez vamos levá-la para lá!

Battistini – Chegamos em Sudzha. Esta é a cidade russa de Sudzha, agora sob o controle das forças ucranianas. Até agora só tínhamos ouvido esse silêncio nas cidades ucranianas. Aqui ainda há cadáveres... E ali há civis.

– Por que vocês decidiram ficar aqui? – Os russos mandaram que nos reuníssemos aqui, e depois eles foram embora. – Deixaram vocês sozinhos? – Sim. – Como se comportam os soldados ucranianos? São bons com vocês, ou... – São muito gentis.

Militar – Você está vendo a diferença entre nós e os russos. Aqui as casas dos civis não foram destruídas.

Zucchini – E não somente operações terrestres: o exército ucraniano ataca com drones as bases militares russas. Estamos ao vivo com a correspondente Stefania Battistini. Stefania, quais são então os objetivos dos drones ucranianos?

Battistini – Sim, trata-se do maior ataque a aeroportos russos desde o início da guerra, Alessio, isso segundo o serviço de segurança ucraniano. Aeroportos militares, obviamente, sendo que também nas províncias de Kursk e de Vorónezh são os aeroportos dos quais decolam os jatos que lançam as bombas aéreas teleguiadas que destroem as cidades ucranianas. Enquanto isso, os ucranianos continuam construindo fortificações a pelo menos 20 km de distância da fronteira russa. São fortificações muito importantes que vimos enquanto voltávamos da província russa de Kursk com Simone Traini, embora também tenhamos visto um míssil KAB que atingiu uma casa bem na estrada que leva até Sudzha. Por isso, Zelensky volta a pedir que os aliados lhe permitam ataques de longo alcance contra alvos militares dentro da Rússia.


Edição de 15 de julho

Alessio Zucchini – Boa noite do Telegiornale 1. No décimo dia de incursão em território russo, os ucranianos reivindicam a tomada da cidade de Sudzha e anunciam a criação de uma administração militar para os territórios conquistados. Moscou corre para se proteger, preparando linhas de defesa para bloquear o avanço. Nossa correspondente Stefania Battistini foi a primeira jornalista estrangeira a entrar em território russo e a ver as trincheiras de Moscou agora em mãos ucranianas. Veja em sua reportagem.

Stefania Battistini – Acaba de explodir uma bomba... [Ela narra vagamente as destruições.] Um helicóptero! Estamos dentro do território russo. Isso é o que restou das posições russas.

Soldado – Os russos deixaram aqui o colete. Nossas tropas de assalto capturaram a área e depois a estabilizamos. Aqui não é tão seguro: ainda há soldados russos atrás de nós, rondando por aqui. Estes capturamos ontem, veja-os aqui [mostra no celular].

Battistini – Estas são baterias ou...?

Militar – Sim, para drones FPV [teleguiados por óculos de imersão]. Somos um “UAV striking group”, um grupo de ataque por drones. No primeiro dia, fizemos a cobertura das tropas de assalto, depois entramos e estabilizamos as posições. A operação foi preparada minuciosamente, mantivemos o mais absoluto segredo.

Battistini – Que tipo de soldados russos vocês encontraram aqui na fronteira? Conscritos, treinados...?

Militar – A maior parte integrava o exército regular russo, mas em posições mais avançadas os nossos já encontraram kontráktniks [voluntários que assinam um contrato temporário]. Também capturamos soldados das tropas chechenas de Kadýrov.

Battistini – Vocês estão reescrevendo a narrativa da guerra?

Militar – Veja, quando eu soube dos planos dessa operação, disse: “Rapazes, essa é a história. E será uma história louca.” Mostramos ao mundo todo que não devem ter medo da Rússia: se conseguimos fazer isso, então todos podem o fazer.

Zucchini – E a Rússia reage com bombardeios em várias regiões ucranianas, fazendo ao menos cinco vítimas. Mas hoje Kyiv angariou um apoio muito importante: ao vivo, nossa correspondente Stefania Battistini. Stefania, do que se trata?

Battistini – Sim, Alessio, o apoio chega de Londres, que diz claramente que a Ucrânia tem o pleno direito de utilizar [no ataque à Rússia] as armas que lhes fornecemos em respeito ao direito internacional, com exceção dos Storm Shadows de longo alcance, que a Ucrânia só vai poder utilizar contra seus próprios territórios ocupados pelos russos. Enquanto isso, o general Sýrsky, comandante das forças armadas, anunciou hoje, como você disse, [a criação] de uma primeira administração militar na província russa de Kursk e ressaltou que 82 localidades [hoje, dia 24, já são mais de 90] estão sob o controle ucraniano. Pelo que pudemos ver com Simone Traini nestes dias, ao menos a região de Sudzha está controlada. Obviamente não temos a possibilidade de ver, senão parcialmente, fragmentos de territórios que conseguimos sondar nestes dois dias. Naqueles controlados pelos ucranianos, chegam drones russos, enquanto por outro lado, Moscou continua avançando em Donetsk [província], muito perto da cidade de Pokróvsk, que é um ponto estratégico, onde apenas hoje fez cinco vítimas entre civis. É com você!


Edição de 16 de julho

Alessio Zucchini – A região de Sumy é a mais visada pelas forças russas que têm por base a província de Kursk, e milhares de pessoas foram obrigadas a deixar seus lares. Estamos ao vivo com a correspondente Stefania Battistini. Stefania, quais são então as últimas atualizações?

Stefania Battistini – As últimas atualizações chegam da área institucional, porque Syrsky, o comandante das Forças Armadas, e Zelensky disseram que ainda estão avançando na província de Kursk, que faz fronteira exatamente com a província [ucraniana] de Sumy, entre um e três quilômetros por dia; que estão fazendo muitos prisioneiros a fim de serem trocados. É uma notícia que chega pelo New York Times, reverberando, por sua vez, algumas fontes ucranianas segundo as quais, paralelamente à operação em Kursk, também teria sido lançada uma operação em Belgorod [província russa], que não teve sucesso e deixou soldados ucranianos feridos, conforme relata agora o jornal. Como você disse, estivemos realmente naqueles vilarejos fronteiriços, que têm estado sob cerco há dois anos e meio, desde quando a Rússia os agrediu e se veem hoje bombardeados por ela todos os dias com mísseis KAB. Vamos ver juntos, com filmagem de Simone Traini.

Battistini (no lugar) – Caminhamos pelas estradas desertas de Iunakivka, que está sob cerco há dois anos e meio. Aqui, alguns resistiram.

– Bom dia! Todos foram embora daqui... [A senhora] É a única que ficou! – Você pode levar um cachorro ou um gato, mas e as cabras, como faz? Vivo e queria morrer só aqui! [Mostrando fragmentos.] Veja, chegou esta manhã com as bombas KAB, lançadas de aviões, mas você não consegue os ver, só ouve o assobio da bomba. – Os russos continuam atacando esta área? – Bombardeiam, bombardeiam, bombardeiam... Às três da madrugada, às 11 da manhã, sempre. Tudo bem se eu morrer em um segundo, mas se perder uma perna... quem vai cuidar de mim? Nossos vizinhos não querem vivem em paz com agente. Espero voltar a viver em paz.

Battistini (com outra pessoa) – Um trator com toda a sua casa, a gaiola dos animais nos braços e o resto da casa na carroceria. – Olá! – Aonde está indo com o gato no trator? – Estou indo pra casa de parentes, com toda minha casa ali atrás. – A gata chama Sónia? – Temos outros animais, mas receamos que tenham sido mortos pelas bombas russas.

Zucchini – E se tornou o assunto do momento a reportagem da equipe do Telegiornale 1 na região de Kursk. Nas redes sociais, se sucedem as reações dos pró-Rússia: segundo alguns órgãos de imprensa em Moscou, nossos colegas arriscariam ser alvos de um inquérito policial. O ministro russo do Exterior convocou a embaixadora italiana em Moscou. Nossos colegas receberam solidariedade da Usigrai, da Federação Nacional de Imprensa e da UniRai. Vamos ouvir Andrea Luchetta.

Luchetta – As mensagens começam imediatamente a se difundir: a reportagem de Stefania Battistini e Simone Traini, primeira equipe estrangeira a entrar em Sudzha na quarta-feira [dia 14], viralizou nas redes sociais. Para os ucranianos, demonstra o sucesso de uma operação imprevisível duas semanas atrás; para os russos, as imagens testemunham as dificuldades de seu exército. Nas redes sociais, diversas contas russas acusam a equipe, segundo dizem, de infringir a lei ao entrar sem autorização em território russo, devendo ser investigados. Alguns comentários vão mais longe e ameaçam abertamente nossos colegas. Hoje, no Telegram, o canal Baza, que tem 1,5 milhão de seguidores, anuncia a intenção do Ministério do Interior de lançar um inquérito policial. A notícia é compartilhada por diversos sites, bem com por Vladímir Solovióv, um dos propagandistas mais influentes da Rússia. Contatado pela Agência Jornalística Italiana, o Ministério do Exterior de Moscou não comenta a possibilidade de abrir um inquérito e solicita indagar o Ministério do Interior. Fontes do Ministério do Exterior italiano, ouvido pela mesma agência, dizem que a embaixada da Itália em Moscou está em estreito contato com o Ministério do Exterior e realizando as verificações adequadas. “O jornalismo não é um crime”, escreve a Ordem dos Jornalistas italiana, expressando solidariedade a nossos colegas. Mensagens de apoio a Battistini e Traini também chegam dos sindicatos da categoria, da Federação dos Jornalistas Europeus e do mundo político italiano. A representação sindical do Telegiornale 1 escreve: “A eventualidade de inquéritos policiais contraria o princípio universal da liberdade de imprensa. Portanto, defendemos os colegas contra intimidações e ataques de qualquer natureza.”


Preciso abrir um parêntese pessoal. Soloviov, que em tom sério e em rede nacional culpou pela morte do ex-presidente iraniano Ebrahin Raisi “o agente do Mossad Eli Kopter”, é o propagandista mais fanático do canal Rossia 1. Seus programas, com cenário estilo “direto do inferno”, quase não são mais vistos ao vivo, mas volta e meia viralizam nas redes trechos mais ou menos estridentes. Sua mais nova especialidade é chamar de “covardes” e “chorões” os residentes de áreas do sul da Rússia ocasionalmente atingidas por drones ou outros artefatos ucranianos, quando eles reclamam providências do Kremlin. Mais recentemente, ele chamou os habitantes de Iekaterinburg de “demônios”...



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