sexta-feira, 7 de junho de 2024

Todas as formas de “wokismo”


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Este meme mandado por um amigo ilustra bem o novo fantasma da direita conservadora e da extrema-direita no Ocidente. O “wokismo” está sendo considerado o novo espantalho, ou “mamadeira de piroca” se quiser, das culturas ocidentais urbanizadas, já que o medo do comunismo e mesmo da Rússia não assustam nem enganam mais ninguém. (Inclusive, os “antiwokistas” muitas vezes não escondem sua admiração pela autocracia reacionária de Putin!) O conceito básico é o de que a mídia hegemônica, as universidades, os intelectuais e mesmo os influenciadores digitais querem empurrar como “normais” ou até “obrigatórios” padrões de comportamento que não seriam majoritários nem aceitáveis entre a maioria das populações.

Na verdade, todos esses “comportamentos” que antes eram colocados no saco do “esquerdismo”, do “comunismo” ou o que valha, termos agora inadequados porque muitos esquerdistas e comunistas do passado são justamente contra essas bandeiras “identitárias”, se relacionam a setores da população cujas opções ou características diferem da maior parte ou dos grupos dominantes: progressistas ou reformistas sociais, mulheres, negros, não héteros, não cis, estrangeiros, não cristãos, pró-direito ao aborto, não monogâmicos etc. Basicamente, o “wokismo” (pros conservadores) seria dar um peso ou papel a essas populações, nas representações cotidianas, que não corresponderia à realidade, muitas vezes exagerando sua presença em épocas em que não se faziam ver tão ostensivamente. Como vemos no meme acima, por exemplo, seria colocar “gays demais” onde seriam de aparecimento pouco provável, ou apenas pra fazer o povo os aceitar como “normais” (?) ou agradar a essas “minorias”.

Falta de alteridade ou empatia. A não ser que uma pessoa, sobretudo muito jovem, esteja com problemas psicológicos ou de socialização, ela não vai “mudar” sua sexualidade, religião, opção política etc. só porque viu na televisão, no cinema ou no streaming. De fato, não é que o “wokismo” quer “super-representar” certos grupos em produções culturais, mas sim, como essa produção sempre esteve dominada pelas “maiorias” ou pela “normatividade” dominante, esses grupos estavam é sub-representados, e aí sim, sua onipresença era negada pelos grupos dominantes. Não sou grande consumidor de mídias de massa, mas é interessante que, por um lado, esses grupos em tese deveriam ser “revolucionários” e “contra o sistema”, portanto querendo o destruir e não ligando pra “representatividade”, enquanto na verdade se revelou o contrário, assim como o fato de que por décadas, as “minorias” tiveram sua própria “cartilha” moldada por setores das “maiorias” que intelectualmente rompiam com o sistema e dominavam, por exemplo, as universidades e partes da mídias. Por outro lado, parece hipócrita que esses mesmos conservadores ou extremistas de direita critiquem a representatividade “exagerada”, mas eles mesmos digam “não ver mais Globo, não ler mais Folha”, portanto ou estão sabendo demais, ou consumindo às escondidas.

Caso clássico é o do deputado federal “paulista” Eduardo Bananinha Bolsonaro, o “Zero-Três”, que há alguns anos reclamou no então Twitter (infelizmente não guardei a publicação) que a grade da Globo tinha virado uma “perversão” durante as manhãs, com o programa Encontro, quando muitas crianças podiam estar assistindo e deveria haver, portanto, os velhos desenhos do passado, como os da TV Globinho. Inquietação um tanto peculiar pra um adulto, não? Ainda mais considerando que as crianças de então e de hoje sequer viam mais desenho na TV aberta naquela hora, mais provavelmente estando na escola ou usando a internet. Uma versão mais brutal desse argumento foi dada pela mesma época por Nando Moura em seu período mais “porralouca”, e apenas sugiro que pesquise “priquito fedorento” no YouTube pra talvez achar o vídeo.

As palavras woke e wokism de fato foram criação dos próprios militantes e derivam do verbo inglês pra “despertar” ou “levantar-se”, neste caso de modo figurado em referência à opressão ou preconceito dos citados grupos sempre dominantes no Ocidente. A meu ver, representam uma ruptura com as esquerdas clássicas, sobretudo a comunista, que submetia todas as reivindicações à questão de classe e à destruição completa do modo de produção capitalista, esquerdas que, de fato, durante a década de 2010 usaram muito o termo “identitário” como um termo pejorativo pra essas bandeiras que, seguindo Sabrina “Tese Onze” Fernandes, prefiro chamar de “antiopressão”. Por isso, o fogo é duplo: das esquerdas “tradicionais” e, sobretudo, de parte da direita que adotou a tese da “guerra cultural”, manteve aí a dianteira por um tempo, mas começou a perder terreno com a retomada das redes sociais pelos que ela passou justamente a chamar de “wokistas”. (Como marcos dessa retomada, eu apontaria, no Brasil, as eleições de 2022 e a vitória de Lula, e no mundo, o movimento que levou em 2024 à vitória da narrativa anti-Israel entre a geração Z e às turbulências nas universidades americanas.) Assim, surgiu um novo rótulo pega-tudo que é ao mesmo tempo vago e forte o suficiente pra se ancorar nas brigas de redes sociais.


Na política francesa, por exemplo, o termo “wokismo” como descrição pejorativa foi popularizado pelo partido Rassemblement national e por suas figuras de proa, Marine Le Pen e Jordan Bardella, geralmente se referindo ao partido La France insoumisse, que levou a defesa da causa palestina às últimas consequências. Só nesta semana, por exemplo, a LFI foi punida duas vezes por deputados brandirem a bandeira da Palestina dentro do plenário, ato proibido com qualquer bandeira que não seja a da França. Da última vez, os “insubmissos” chegaram ao cúmulo de virem todos vestidos apenas com uma das cores da bandeira palestina, o que provocou terror na presidente macronete da Assembleia Nacional, Yaël Braun-Pivet, de família judaica, ao se ver diante da pressão de uma nova bancada da melancia:


“Mente poluída” também pode ser considerada “wokismo”? Rs:


E por fim, uma cena que filmei outro dia e que eu poderia chamar de “wokismo reverso”...

Bolsominions: As universidades públicas são ateístas, pervertidas, perseguem os cristãos, doutrinam pro comunismo, ensinam maus valores e só sabem entrar em greve! (Nota: nunca pisaram numa universidade pública.)

Unicamp em 2024, hora do almoço:


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