domingo, 30 de junho de 2024

Rede social gera fadiga de empatia


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Iniciando com esta linda montagem da efígie de Benjamin Franklin numa cédula de dólar com a cara do Lula (que, convenhamos, parece o finado Pedro de Lara mais gordo, rs), que achei na miniatura de um vídeo de um canal que não conhecia, gostaria de apresentar mais um artigo interessante da Folha de S. Paulo. Desta vez não o copiei e republiquei todo aqui, mas apenas “printei” o cabeçalho e dois parágrafos centrais que resumem o argumento e deixei o link já com o recurso de desbloqueio pra não assinantes. Escrito pelo jornalista Reinaldo José Alves, o título é “Redes sociais distorcem instintos morais humanos e geram fadiga de empatia, diz estudo” e foi publicado ontem, 29 de junho de 2024.

Mais um texto que resume tudo o que senti usando redes sociais regularmente de 2004 (criação do Orkut) a 2015 (apagamento de meu primeiro Facebook), e que só agora as “pesquisas” estão conseguindo sintetizar, já que muita gente ainda sente o mesmo que eu sentia então, mas não consegue racionalizar. Resumindo o artigo em uma frase: as redes sociais são péssimas pra trocar ideias, porque os contatos se sentem mais à vontade pra criticar publicações suas com raiva e falta de educação, sem focar no próprio argumento ou conteúdo, por estarem “protegidas” pela distância virtual, não tendo coragem de dizer o mesmo cara a cara. Pelo mesmo motivo, não comento mais em vídeos do YouTube nem participo mais de grupos no WhatsApp, porque é muito chato você dizer algo de forma racional e a pessoa jogar pedradas ou falsidades, e você não ter paciência pra explicar tudo minuciosamente, sabendo que ela não vai se convencer e pode até responder com ainda mais grosseria.

Desde então, sempre evitei “debater” ou “argumentar” online, porque se eu estivesse dizendo pessoalmente, ou por chamada de vídeo, eu economizaria o tempo da digitação (já que a fala é mais rápida) somada com o tempo pro interlocutor ler, pois eu já falo e ele escuta (se não ficar me interrompendo, claro). E certamente, a pessoa se inibiria de ser grosseira comigo porque também poderia contar com que eu respondesse na mesma moeda, e assim também poupo a “raiva contida” de ler uma resposta escrota, mas não poder responder na lata, mesmo que educadamente. Acho que meu mecanismo mental é um pouco diferente, pois não tenho “fadiga de ser empático”, e sim fadiga de ficar (geralmente) digitando, lendo asneira e não sendo ouvindo em minha tentativa de argumentar o que quer que fosse...

E você, já apagou sua conta no Équis hoje, ou é masoquista o bastante pra continuar levando chicote???




Hoje também trago uma novidade no tocante ao conteúdo, fazendo a propaganda gratuita de um rapaz que conheci num grupo de aspirantes a diplomata no Telegram e que está estudando ucraniano por mera paixão pela cultura, sem ser descendente. Este é o perfil do Thalles na plataforma de cursos que ele utiliza pra oferecer aulas de inglês focadas em conversação e cultura, e se você quiser, pode ver sua apresentação incorporada diretamente do YouTube:


E pra terminar com humor, este vídeo que achei num canal do Telegram escrito em russo, mas contrário a Putin e à invasão assassina da Ucrânia. Parece o treinamento ou exibição de policiais russos, em que dois carros tentam passar, usando apenas duas rodas laterais, ao lado de dois outros policiais, mas o plano saiu errado...


quinta-feira, 27 de junho de 2024

O golpe falido do General Abobrinha


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Ontem a Bolívia viveu um dos momentos mais patéticos de sua história política, e acredito que ocorreu um dos maiores pastelões golpistas da história recente. Um tal de Juan José Zúñiga, general do Exército que comandava as Forças Armadas da Bolívia, mas era desconhecido fora do país, liderou uma rebelião militar na capital administrativa, La Paz, sob o pretexto de que queria “salvar a democracia”, “libertar presos políticos” (entre eles, alegadamente a ex-presidente interina Jeanine Áñez, que assumiu após a crise do fim de 2019), “prender Evo Morales” caso ele quisesse se candidatar de novo e mais um monte de bravatas. Ele tentou arrombar a porta principal do Palácio Quemado, sede do Executivo, usando um blindado e depois entrou com tropas fiéis pra tentar deter o presidente Luis “Lucho” Arce, o qual, porém, se recusou a renunciar e ordenou a Zúñiga que desmobilizasse seus homens, ordem não acatada pelo militar.

No dia anterior, o general tinha sido removido do comando do Exército pelo próprio Arce, e não pesquisei sobre as causas da demissão. Porém no meio da tarde de ontem, quarta-feira, o equivalente à Polícia do Exército brasileira, sob as ordens de Zúñiga, cercou a Praça Murillo, em frente ao Palácio Quemado, e começou o que muitos chamaram de “movimentação suspeita de militares”. Suspeitando de um golpe militar, como mais um dos muitos que pontuaram a história da Bolívia, o povo já começou no local uma mobilização espontânea pra defender as instituições, mas foi afastado à força por aqueles policiais. Arce chegou ao Quemado, onde não se encontrava previamente (um dos primeiros detalhes picarescos), e num bate-boca com Zúñiga, que teve ampla repercussão nas redes sociais, percebeu que ele já não queria mais lhe obedecer:


Arce: Eu sou seu capitão.

Zúñiga: Comandante da Força Aérea [?].

A.: Então acate minha ordem, capitão, como general. Faça, com suas ordens, que volte toda a Polícia do Exército a seus quartéis agora mesmo.

Z.: Isso não pode ser possível.

A.: General, o que o senhor está fazendo contra o povo boliviano, não o vamos permitir. Se o senhor respeitar o comando militar, como diz ser um chefe militar, recolha todas as forças agora mesmo, general. É uma ordem, general. É uma ordem! Vai me ignorar? [Presentes começam a gritar em apoio a Arce e contra Zúñiga.] Vai me ignorar?


Enquanto todo o imbróglio acontecia, entre as 18 e 20 horas de Brasília (uma hora a menos na Bolívia), um acadêmico boliviano que lecionava no México disse por videoconferência no canal Notivisión da Bolívia que não acreditava que estava realmente ocorrendo um golpe de Estado. Ele disse que seu pai era militar, e quando dizia como a coisa devia ser feita (que expertise interessante, rs), citava três elementos que estavam ausentes da “zuñigada”: movimentações pela madrugada, prisão imediata do presidente e anúncio em cadeia nacional de rádio e TV informando do intento e o justificando.

Ocorria que por volta das 19h de Brasília, Arce e todo seu governo estavam refugiados na Casa Grande do Povo, novo prédio da sede do Executivo usado desde 2020 e não muito distante do Palácio Quemado, hoje mais usado como museu e espaço de recepções (o segundo detalhe picaresco do “palácio errado”). O general Zúñiga ficou bravateando que também ia “tomar a Casa Grande do Povo”, mas nesse outro prédio, Arce acabou fazendo seu primeiro pronunciamento pela internet, empossou a nova cúpula militar e ouviu do novo comandante do Exército que teria suas ordens respeitadas e os amotinados, retirados da Praça Murillo. Nesse ínterim, as maiores organizações sindicais e sociais, bem como os governos do mundo inteiro e toda a classe política boliviana, incluindo a detenta Áñez e o principal líder da oposição, manifestaram total apoio ao presidente e repúdio ao golpe em curso.

Única omissão ensurdecedora: o Departamento de Estado dos EUA, que apenas soltou uma nota chocha e por canais não oficiais, dizendo que monitorava a situação e pedia “calma” às partes. E aqui devo começar com mais contextualização: houve esquerdistas brasileiros que já estavam justamente vendo o dedo de Washington, especialmente após a descoberta de enormes jazidas de lítio, logo estatizadas por Arce. O próprio Ilomasque já tinha dito um tempo atrás que “se quisesse”, orquestrava um golpe de Estado na Bolívia. Porém, a situação econômica no país já não andava boa, e o presidente estava muito impopular, embora eu mesmo não ache que esse tenha sido o móvel: por que então o povo, que se manifestou contra Morales até ele renunciar em 2019, cerrou fileiras pela democracia?

Interessante foi também o general Zúñiga ter citado nominalmente Evo Morales, que permanece no mesmo partido de Arce, mas se tornou seu adversário político. Embora Arce, enquanto ministro da Economia, tenha sido o verdadeiro pai do “milagre econômico” boliviano entre 2006 e 2019, Morales acabou levando a fama, por ser então o presidente, mesmo acusado de corrupção e autoritarismo no período. Aparentemente, ele planejava se perpetuar no poder, já que a justiça nacional tinha se pronunciado a favor da possibilidade de reeleições indefinidas, mas mesmo tendo obtido um quarto mandato nas eleições de 2019, Morales acabou renunciando e fugindo do país após os fortes protestos. Na nova eleição em 2020, Arce acabou concorrendo e ganhando pelo partido, enquanto a justiça suspendeu os direitos políticos de Morales e uma possível candidatura em 2025, que ainda está nas intenções do político.

O ex-presidente se manifestou contra o golpe, mas sem citar Arce nominalmente no Équis. Não parece ter havido nenhum indício de que o cocaleiro estivesse por trás da tentativa de golpe, mas o pastelão não acabou por aí. O Doutor Abobrinha dos Andes terminou fugindo, ou pelo menos se escondeu por um tempo, quando finalmente os soldados tinham decidido acatar as ordens do novo comando empossado por Arce. Pontualmente às 19h em La Paz, 20h em Brasília, ele finalmente se entregou e saiu do Estado-Maior, quando parou brevemente e iniciou o terceiro detalhe picaresco: disse aos microfones da imprensa presente que tudo tinha sido armado com o presidente pra que este, vendo-se acossado, aumentasse sua popularidade e, portanto, seu poder. Vejamos a sequência, que por entrar (literalmente) pros “anais” da história latino-americana, merece transcrição completa:


Voy a dar con detalles: el día domingo, en el Colegio La Salle, me reuní con el presidente, y el presidente me dijo que la situación... el presidente me dijo: “La situación está muy jodida, esta semana va a ser crítica... esta semana. Entonces es necesario preparar algo para levantar mi popularidad.” Entonces me dice, y le pregunto: “¿Sacamos los blindados?” Y él: “Sacá.” Entonces el lunes... el domingo en la noche, ya los blindados empiezan a bajar: seis Cascabeles y seis Urutús, más catorce Zetas del regimiento de Achacachi, ya? Achacachi. Entonces...

Vou contar com detalhes: no dia de domingo, no Colégio La Salle, me reuni com o presidente, e o presidente me disse que a situação... o presidente me disse: “A situação está muito f..., esta semana vai ser crítica... esta semana. Portanto, é preciso preparar algo pra aumentar minha popularidade.” Então me diz, e eu lhe pergunto: “Tiramos os blindados?” E ele: “Tire.” Então na segunda-feira... no domingo à noite, os blindados começam a baixar: seis Cascavéis e seis Urutus, mais catorze Zetas do regimento de Achacachi, sim? Achacachi. Então... [Nesse momento, Zúñiga é interrompido pelos guardas que o levam pra dentro de uma caminhonete, enquanto os repórteres tentam perguntar: “Autogolpe? Autogolpe?” E a caminhonete vai embora pra prisão, como se vê no trecho que conservei.]

A edição Notivisión Central do canal de notícias boliviano, em 26 de junho, da qual tirei os trechos acima, fez a cobertura completa da tentativa de golpe e tem mais de três horas, pra você treinar seu espanhol! Sobre o uso do verbo “baixar”, tenho duas hipóteses: porque Achacachi é um pouco mais alta do que a altitude média de La Paz (que varia muito segundo o local), ou porque ela fica mais ao norte, significando “baixar” uma forma coloquial de dizer “dirigir-se ao sul”.


Entre vários analistas, mesmo dentro da oposição boliviana, a hipótese (pouco provável) do “autogolpe” foi levada a sério por supostamente estar dentro do cardápio de possibilidades de um partido governante que não respeitaria a democracia nem as instituições. Diz-se que com a situação jodida, como declarou o próprio Abobrinha, Arce poderia usar o golpe falido como pretexto pra decretar estado de exceção e passar por cima da legalidade pra resolver os problemas ou mesmo favorecer a si próprio. Não creio nisso porque, primeiro, nunca vi arroubos autoritários da parte de Arce, embora o próprio Estado boliviano, quase geneticamente, já seja disfuncional, mas conheceu uma inédita estabilidade durante o governo de Morales; e segundo, Zúñiga disse uma coisa em público, e depois deu outra explicação, estapafúrdia, já preso, sem contar que o bate-boca no Palácio Quemado pareceria indício de que Arce teria fugido do roteiro...

Em todo caso, os opositores do governo consideram que esse seria apenas mais um indício da degeneração dos poderes públicos, enquanto analistas neutros chamaram o 26 de junho simplesmente de una jornada atípica, sendo que a calma já voltou à capital e ao país. Independente do uso que Arce e seu partido possam fazer do episódio, me alegram tanto o brio democrático demonstrado pelos bolivianos quanto a reação internacional toda coordenada em prol da legalidade, apesar do estranho silêncio dos EUA (devido, segundo alguns, a mera precaução). Por outro lado, embora Zúñiga parecesse só ter o apoio de si mesmo nessa quartelada, meu receio é de que tais figuras caricatas sempre possam reverberar entre fanáticos no futuro, como ocorreu durante a instilação do clima golpista no Brasil durante anos por Bolsonaro, culminado no Oito de Janeiro.

E como ocorreu com outro (então) tenente golpista em 1992, desta vez num vizinho nosso mais ao norte, que após fazer um longo estágio em Cuba, virou presidente pelo voto popular em 1998 sob elogios do mesmo Bolsonaro. Porém, à diferença do dia de ontem, que foi completamente incruento (R.I.P. portão arrombado do Palácio Quemado!), a aventura em Caracas resultou na morte inútil de dezoito soldados e quarenta e um civis inocentes!


Nosotros acá en Caracas no logramos controlar el poder. Ustedes lo hicieron muy bien por allá, pero ya es tiempo de evitar más derramamiento de sangre, ya es tiempo de reflexionar, y vendrán nuevas situaciones y el país tiene que enrumbarse definitivamente hacia un destino mejor.

Aqui em Caracas nós não conseguimos controlar o poder. Vocês o fizeram muito bem em outras partes, mas chegou a hora de evitar mais derramamento de sangue, chegou a hora de refletir, e vão chegar novas conjunturas e o país precisa definitivamente se encaminhar rumo a um destino melhor.

E que futuro ele arranjaria a partir dos anos 2000!...


terça-feira, 25 de junho de 2024

Alckmin vidente, na cena do crime


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E chegamos ao décimo segundo “mix de política ao redor do mundo”, também conhecido como número 12, um pior que o outro! Coloquei meus pensamentos mais recentes tudo aqui num combo, pra que eu não precisasse repartir em publicações diferentes e acabasse tendo mais trabalho. Aliás, se eu sumir nos próximos tempos, não se assuste: cumprida uma etapa principal de minha vida, que foi a defesa da tese de doutorado, preciso me preparar pra começar outra, a saber, estudar pro concurso da diplomacia brasileira e quem sabe, finalmente, ter um emprego fixo, rs.

E além de ser um dos concursos mais difíceis, se não o mais difícil, de nosso cabedal de empregos serviço público, quero reorganizar várias coisas da vida que tinham sido moldadas pela pós-graduação, como minhas estantes de livros e minhas bibliotecas digitais, e fazer as tão adiadas reformas nesta página! Portanto, se porventura não saírem coisas novas, pelo menos não com a frequência com que eu gostaria, não se preocupe, pois de alguma forma estou trabalhando ativamente pra continuar fornecendo bem esse mundo de conhecimentos gratuitos e me aperfeiçoando intelectualmente. Só que desta vez, longe do mundo das “redes antissociais” e vacinado contra essa vontade doentia de viralizar, ser curtido, ter repercussão e opinar praticamente sobre tudo!

Pra começar, vamos refrescar a memória sobre uma calejada personalidade política que talvez seja o vice-presidente menos ruim que já tivemos, e o presidente menos danoso que nós não tivemos: o Picolé de Chuchu. Em 2018, a miniatura acima era de uma entrevista sua à SECOM paralela do Bolsonaro Rádio Jovem Pan, quando ele concorria à presidência e acabou chegando em quarto – conseguindo ficar atrás do Poste do Lule e do Cangaciro –, o que determinou a crise terminal de seu partido, o PSDB. Claro que em 2022 ele realizaria seu sonho “pela metade”, se assim posso dizer, mas vamos refletir sobre esta profecia: Quem vota no Bolsonaro elege o PT.

Claro que do ponto de vista econômico, o ex-capitão e atual capetão parecia mais uma versão piorada da Dilma, isto é, da Unicamp School of Economics (também conhecida como “dilapidar o erário como se não houvesse amanhã”), tanto que a campanha do Chuchu apostou na comparação dele com Hugo Chávez, a quem o vereador federal tinha elogiado em 1999. Mas longe de uma “teoria da ferradura”, talvez o ex-governador estivesse querendo dizer que ele ia ser tão ruim, que o PT ia acabar voltando.

Resultado: parafraseando o tucano em 2006, que disputou a presidência (e ficou em segundo) justamente com seu atual patrão, não só o petista “voltou à cena do crime”, como também cooptou o adversário e o levou junto! A profecia se concretizou, embora a diferença no segundo turno fosse mínima o suficiente pra atemorizar os liberais, mas o mais irônico é que, além da Jararaca ter voltado, o médico de Pinda, então seu crítico feroz, só recuperou seu “lugar ao Sol” após ser eleito pela mensa chapa, rs.



“O, o, o Bôôôzôôô...” (CHUCHU, Picolé de)


Há alguns dias, com seu senso de humor um tanto peculiar, Nando Moura (que não consegue mais se reinventar nem como youtuber, nem como influencer, portanto, se rebaixou à velha categoria de “vlogueiro”) comentou o “cancelamento” do divulgador científico Sérgio Sacani, o famoso “Gordão dos Foguetes”. Ele criticou no Équis tanto as posições da Jararaca sobre exploração espacial privada nos EUA quanto a comemoração, pela Agência Espacial Brasileira, do primeiro voo feminino ao espaço com o desenho de uma astronauta negra, quando a pioneira Valentina Tereshkova, na verdade, era russa. Após essa lacração descarada, a própria AEB apagou o pôster, mas a “tropa de choque” continuou tentando “justificar” a obra de arte e chamando Sacani de “fascista”, “racista”, “extrema-direita” e todo o imprecatório que já conhecemos.

Desde 2011, Tereshkova é deputada da Duma Estatal, hoje praticamente um fantoche nas mãos do Kremlin, e pertence ao partido de Putin, estando sob sanções internacionais por apoiar a criminosa invasão russa à Ucrânia. Curioso, não? Rs. Então, por esse motivo, eu quero mais é que essa véia se f...

Pra mim, “ser cancelado no Twitter/Équis” é um “não evento”, já que o que acontece aí fica aí e que a própria plataforma não tem nenhum impacto social a não ser envenenar o debate público. Por essa mesmíssima razão, o próprio Sacani disse certa vez, num desses incontáveis “mesacasts”, que o Équis já pode ser uma experiência de vida num “metaverso” (palavra que curiosamente sumiu da imprensa recente, com a ascensão medonha da IA). Portanto, não vou entrar em muitos detalhes, a não ser o de que a crítica ao presidente foi que este vive criticando o Ilomasque por aparentemente “querer fugir da Terra pra outros planetas em seus foguetes, sem resolver nossos problemas”, mas Sacani considera tudo isso uma ignorância e desinformação muito grande sobre o assunto. A enxurrada de violência digital, da parte de gente que chupa o saco do Mito Barbudo, foi idêntica.

Abaixo, Nando Moura critica no primeiro corte os ataques devido ao apontamento da ignorância presidencial, imitando magistralmente o político e inventando um planeta “onde pra comer só teria calango, onde até chovesse calango”, e no segundo, a persistente ingenuidade de alguns diante do que se tornou o Équis, cuja definição pelo metaleiro frustrado também é magistral. Os comentários ao vídeo também resumem, de forma humorada, a insatisfação de certos setores conservadores ou de direita com a “patrulha do cancelamento”, geralmente associada apenas à esquerda ideológica:






Montagem comparativa genial, feita por um amigo meu e que dispensa comentários. Apenas observe e reflita sobre a semelhança das essências, rs:


Esta é a política venezuelana María Corina Machado. Assista ao vídeo e descubra por que o Stalin Caribenho pisoteou leis existentes e inexistentes até conseguir que este ano ela não fosse candidata a lhe dar um pé no rabo. Ainda em janeiro de 2012, mesmo sob os uivos dos mortadelas da ditadura, ela ousou dizer umas poucas e boas na cara de um Chávez já perto de ir quicar no colo do Tinhoso. Além de ter mais culhão que muito macho pra enfrentar o ex-golpista na cara, previu exatamente a tragédia que aguardavam os anos futuros de “bolivarianismo” (que de Bolívar só guarda o nome):


No dia 1.º de julho, a atual moeda brasileira, o real, vai completar 30 anos de implantação definitiva, e a Folha de S. Paulo está publicando várias reportagens celebrativas, numa das quais se inclui a seguinte foto, que me permiti roubar pra fazer uma pequena “intervenção artística”. Sem ser um dos incontáveis planos que desde 1985 eram impostos de cima pra baixo à população, de imediato e sem explicações, pra tentar acabar com a hiperinflação de maneira “mágica”, o Plano Real foi sendo implantado aos poucos, desde meados de 1993, e em diversas etapas que eram esclarecidas à população (cuja participação ativa foi considerada essencial pro sucesso), até a adoção final da nova moeda. A queda brusca da inflação em 1995 e a manutenção de índices anuais relativamente baixos a partir de então também pareciam “passe de mágica”, mas justamente foram sendo abandonadas as muitas reformas estruturais e econômicas que o plano originalmente previa, limitando o potencial que o país tinha, com inflação tão baixa, pra “decolar de vez”.

Mesmo assim, e apesar dos ocasionais problemas sociais e econômicos que o Brasil atravessou nas últimas décadas, ninguém entre a população média tem qualquer pesar pela adoção do real, todo mundo ainda vê o fim da hiperinflação como uma das maiores conquistas modernas e prefere a atual situação à passada. Essa relativa bonança impulsionou a carreira política do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, chefe da equipe que coordenou o Plano Real, e adiou por muitos anos a eleição de Lula. Maria da Conceição Tavares, recém-falecida economista da supracitada Unicamp School of O Povo Pague a Conta, é famosa pela passagem em que “chorou” na TV ao defender o Plano Cruzado em 1986, um dos mais retumbantes fracassos, em comparação com a expectativa que criou.

Muitos dos defensores e mesmo planejadores do cruzado depois integrariam o time de FHC, mas Conceição Tavares, deputada federal pelo PT em 1995-99, insistiu em criticar as reformas, achando que “só iam beneficiar as elites”. Eis um dos raros encontros entre os dois acadêmicos, na época da adoção da nova moeda, algo que pra figuras atuais hoje pareceria impossível, dadas suas enormes diferenças:


Pausa pro intervalo, você merece:


Terminaram ontem, dia 24, os Jogos dos BRICS, evento multiesportivo que em tese se reúne anualmente num dos países que integra o citado fórum econômico, mas permite acolher um número bem maior de países. A edição deste ano contou com 29 esportes e se realizou em Kazan, capital da república russa do Tartaristão, e contou com várias nações ocidentais e de grande parte do “Çu Grobá”, apesar das sanções aplicadas ao país pelas economias mais poderosas. Curiosamente, há “países” listados no quadro que só são reconhecidos por Moscou e por outros párias geopolíticos, como Abecásia, Ossétia do Sul (ambas províncias da Geórgia ocupada pela Rússia) e a “Republika Srpska”, unidade federada da Bósnia e Herzegóvina de maioria sérvia e à beira da secessão. Me espantei de não ver a Transnístria, a Somalilândia, o Saara Ocidental e aberrações similares, mas enfim...

Ignorando completamente o caráter genocida da invasão à Ucrânia, o Brasil resolveu enviar sua delegação, e pelo quadro de medalhas estabelecido até a edição de meu texto, até que não nos saímos tão mal, rs. Em todo caso, percebo que o Brasil tem feito um trabalho olímpico maravilhoso, independente de políticos e de crises institucionais (ao contrário da CBF, que tá caindo de podre), ficando cada vez mais à frente nas Olimpíadas e chegando a obter o segundo lugar no Pan de Santiago, em 2023 (embora bem atrás dos EUA), proeza passada quase despercebida entre funkeiros, tuiteiros e maconheiros! Só acho que essa libido devia ter sido guardada pra França, evitando assim decorar a vitrine do Kremlin assassino.

Isolado pelos governos mais racionais devido a seu comportamento megalômano e cleptocrata, Putin decidiu usar a ocasião como uma espécie de “válvula de escape” por não poder usar as Olimpíadas de Paris como vitrine esportiva da ditadura, embora muitas nações sequer tivessem cogitado levar delegações. Por essa razão, os Jogos dos BRICS podem ser chamados de Olim-Piada do Putinverso Paralelo. Em todo caso, pelo que podemos constatar abaixo, a lógica putinista pode ser resumida da seguinte maneira: 1) Desencadeie uma das guerras mais criminosas das últimas décadas. 2) Seja isolado do mundo, inclusive das instituições esportivas, mas bote a culpa na “russofobia” do “imperialismo malvadão estadunidense”. 3) Organize os próprios jogos (ou use outros pra fazer propaganda), dispute sozinho e chegue em primeiro. 4) Ganhe as “Olim-Piadas” longe de concorrentes sérios, rs.

O próprio Aleksandr Máltsev, de 29 anos, que virou piada internacional ao aparecer sozinho num pódio, é um dos pioneiros do nado sincronizado masculino, uma categoria ainda incipiente e incomum, como fez notar parte da imprensa russa de oposição no exílio (a segunda imagem é de uma triagem da versão russa do portal Meduza feita pelo site Ground.news):






domingo, 23 de junho de 2024

Latim escrito em alfabeto cirílico


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Esta é uma publicação aleatória cuja ideia eu já tinha tido há alguns anos, pelo menos desde que traduzi o Hino do Vaticano do latim e fiz ao mesmo tempo, por pura diversão, uma versão da letra original em alfabeto cirílico russo, rs. Hoje resolvi sintetizar minhas opções, mudei e precisei algumas escolhas, e embora sua utilidade prática seja nula, espero que você tenha gostado pelo menos da estética!

Como você já leu várias vezes aqui, quando faço leituras em voz alta de textos em latim, opto pela externalização da língua na chamada “pronúncia eclesiástica” ou “romana”, isto é, decalcada da língua italiana. Faço isso porque a chamada “reconstituída” não se constitui apenas na diferença de pronúncia dos ditongos e de algumas consoantes, mas também na expressão correta das vogais curtas como “abertas” e das longas como “fechadas”. Ora, nem todo texto comum indica as vogais longas com exatidão (se valendo do diacrítico “mácron”), e dá um trabalhão pegar um manual calcado na variante clássica ou um dicionário qualquer e ver a pronúncia “certa” de cada palavra... Não adianta deixar esse traço de lado, mas pronunciar C sempre como K, G sempre como “guê”, S sempre como SS e Æ e Œ sempre como “ái” e “ói”. É ridículo!

Mesmo assim, decidi agradar aos dois campos, e embora não introduzindo nenhuma indicação da duração vocálica, coloquei as opções de pronúncia diferente das consoantes e vogais, mostrando qual seria “reconstituída” e qual seria “eclesiástica”. Por ser a versão do cirílico mais usada, escolhi a russa, quase toda também compartilhada com o búlgaro, e preferi não fazer menções a outros cirílicos, pois misturar idiomas é horrível. Exceto por casos extremos, também não acho necessário empregar letras de cirílicos não eslavos, sobretudo da Ásia Central. Criei o “sistema” de forma que mais nada sobre a língua pudesse ser conhecido, mas apenas se conhecessem as regras pra troca direta de letras.

Espero que quem lê esta publicação já tenha pelo menos um conhecimento básico do alfabeto cirílico russo, e de sua fonética básica, no limite, pois não vou ensinar nada aqui, embora a pronúncia cirílica seja deduzida pelas letras latinas equivalentes. Seguem a lista numerada, de acordo com o tipo de letra e a dificuldade, e alguns textos de exemplo:


1. Vogais simples: А а (A), Е е (E), И и (I), О о (O), У у (U). No começo das palavras e após outra vogal, “E e” deve ser transliterado Э э, e IE/JE deve ser transliterado Е е. Alguns exemplos com hiatos pra esclarecimento: poeta ou poëta = поэта; aer ou aër (ar) = аэр. Aqui, ao contrário do russo e assim como em várias línguas eslavas, é preciso reconhecer que as letras Е е e И и não palatizam automaticamente a consoante anterior, e por isso seu emprego em determinadas situações vai obrigar ao recurso a grafemas diferentes dos usados com as outras vogais.

2. A semivogal “i”: Quando está no começo de palavras (antes de uma vogal, obviamente) ou entre vogais e pode, portanto, ser escrita como um J conforme costume mais medieval, é transliterada em conjunto com a vogal seguinte: Я я (IA/JA), Е е (IE/JE), Ё ё (IO/JO), Ю ю (IU/JU).

Quando está após uma consoante e antes de uma vogal, é de preferência transliterado da mesma forma acima, mas se adiciona um И и pra que o caráter semivocálico seja mais marcado: ИЯ ия, ИЕ ие, ИЁ иё, ИЮ ию. Não seria errado colocar essas “vogais brandas” diretamente após a consoante, ou colocar entre elas o “sinal brando” (Ь ь) pra ressaltar a ditonguização. Porém, em ambos os casos, teríamos que admitir, mais do que com a inserção do И, uma “palatização” das consoantes estranha ao latim.

Outra possibilidade pra separar o ditongo da consoante seria o uso do “sinal duro” russo (Ъ ъ) entre as duas letras. Porém, embora nesse caso a consoante inevitavelmente permaneça dura, seu uso é limitado mesmo em russo (prefixos + raízes e umas poucas palavras estrangeiras), por isso seu aparecimento constante tornaria o texto pouco estético. Portanto, a solução de inserir um И entre uma consoante e um ditongo iniciado com “i” parece mais aceitável.

É importante destacar que em russo e belarusso, salvo raríssimas exceções, a letra Ё ё sempre está na sílaba tônica, o que não necessariamente vai acontecer em minha transliteração do latim. Aqui, a sílaba tônica deve seguir as regras dessa língua, portanto, o Ё ё não vai ser necessariamente tônico. Além disso, o uso dos dois pontos sobre a letra é opcional em russo, mas não poderia ser em latim, assim como também é obrigatório em belarusso e tajique.

3. Os “ditongos” Æ (AE) e Œ (OE): Provavelmente pra economia de espaço na era medieval, diante de sua alta frequência, os ditongos latinos AE e OE, cuja pronúncia clássica equivalia ao AI e OI gregos, ou seja, “ái” e “ói”, foram fundidas naquelas ligaturas, ou seja, não consistem em letras separadas do alfabeto. Ao evoluírem pras línguas românicas, passaram a ter a pronúncia (e, portanto, a ortografia) “E e”, igualmente refletida no latim eclesiástico (geralmente “é” em sílaba tônica e “ê” em sílaba átona), assim como em decalques eruditos da Renascença, quando adquiriram a pronúncia “i” em inglês. Eu não seria contra transcrevê-los Э э (início de palavra ou após vogal: Mariæ, “de Maria” ou “a/pra Maria” = Мариэ) ou Е е (outros casos), mas não é minha primeira escolha.

Eu prefiro utilizar os ditongos АЙ ай e ОЙ ой em cirílico, porque praticamente não existem AI e OI com que possam ser confundidos (de fato, AE/Æ e OE/Œ passaram a ser sua ortografia padrão) e porque podem agradar igualmente aos classicistas que preferem as pronúncias “ái” e “ói” (ou “áe” e “óe” com o E um pouco semivocálico). No caso do latim eclesiástico, a vantagem maior é da associação gráfica, já que o uso do Е е poderia levar a confusões, restando fazer a convenção de que АЙ e ОЙ, apesar das ortografias, devem ser pronunciados como um E.

4. Duração vocálica: Assim como nos textos eclesiásticos, a duração vocálica do latim clássico não é marcada, pois isso não traz grandes prejuízos pro significado, exceto por algumas formas gramaticais que podem ser quase sempre deduzidas pelo contexto. Caso clássico é o da palavra rosa, que tem o A curto no nominativo singular e o A longo (“rosā”) no ablativo singular (“pela rosa”, “com a rosa”, “por meio da rosa”). Em cirílico, portanto, uma vogal dobrada indica exatamente uma vogal dobrada, e não uma vogal longa: tuus (teu) = туус, filiis (aos/pros filhos, às/pras filhas) = филиис.

5. A letra agá (H): No latim clássico e pós-clássico, ela representava uma aspiração que talvez já estivesse perdida na fala comum, por isso não tem uma representação própria quando aparece no começo das palavras: homo (homem, ser humano) = омо, habitus (hábito, disposição, aparência e vários outros sentidos) = абитус, hebræus (hebreu, judeu) = эбрайус, huius (deste/a, disto) = уюс.

Atenção: no caso de hebræus, não podemos transliterar como эбраюс, porque o ditongo Æ (portanto, também a combinação АЙ) é passível de ser lido como um E simples. Dessa forma, o uso compulsório de um Ю quebraria a possibilidade de dupla leitura e só seria aceitável se realmente tivéssemos um AIU/AJU no original (majus, mês de maio = маюс).

O ocasional aparecimento de um H (geralmente mudo) entre vogais também não é transcrito, assim como sua ocorrência após consoantes que não sejam nas seguintes combinações, geralmente criadas pra transcrever consoantes de origem grega originalmente aspiradas. Aqui, como se nota, preferi levar em conta a pronúncia pós-clássica ou medieval/moderna: CH (som K) = К к, PH (som F) = Ф ф, RH (H mudo) = Р р, TH (H mudo) = Т т. Num punhado de palavras do latim eclesiástico, como mihi (me, mim) e nihil (nada), o H geralmente soa K, portanto, poderíamos transliterá-las мики e никил, mas мии e ниил também seria aceitável.

6. A vogal de origem grega Y: Geralmente transcrevia palavras gregas com Υ υ, que na pronúncia clássica soava como os modernos U francês “com biquinho” e o Ü alemão, e voltou como uma praga em palavras modernas durante a Renascença e a reabilitação do latim e grego clássicos. Porém, na era pós-clássica, senão antes, já tinha ocorrido sua deslabialização, ou seja, a pronúncia como “i”. Então, nada mais natural do que assim a transcrever: hybrida (híbrido, pessoa mestiça) = ибрида. De fato, seguindo alguns velhos dicionários, o Wiktionary também menciona uma forma alternativa hibrida que justifica minha escolha.

7. Consoantes simples (finalmente!): Б б (B b), Д д (D d), Ф ф (F f), Л л (L l), М м (M m), Н н (N n), П п (P p), Р р (R r), Т т (T t), В в (V v), КС кс (X x). Essas consoantes não têm nenhuma ambiguidade, e em caso de geminação, obviamente elas aparecem dobradas.

8. Pronúncia do V semivocálico: Os adeptos da pronúncia “reconstituída” que tentam ao máximo se ater ao latim clássico do século 1 AEC costumam usar apenas a letra V em forma maiúscula e a letra “u” em forma minúscula, ambas correspondendo ao “U u” tanto vocálico quanto semivocálico. Eles evitam o U maiúsculo e o “v” minúsculo, pois na era clássica, que só conhecia maiúsculas, só existia V, e as duas formas mencionadas foram criadas na era medieval, quando o U semivocálico começou a adquirir a pronúncia do V (como em português) no início da palavra ou entre vogais.

Aqui não há dúvidas: o tal “u” semivocálico transformado em V vai ser sempre transliterado В в, cabendo a pronúncia e grafia У у apenas após vogal e antes de consoante: taurus (bolsonarista) = таурус, Europa (a deusa ou o continente Europa) = Эуропа (só seria Еуропа no caso de um “Ieuropa/Jeuropa”), prout (de acordo com, exatamente como) = проут (aqui o U pode ser vocálico ou semivocálico, o que não faz diferença).

9. Letra C no latim eclesiástico: Antes de A, O ou U, é transliterada К к, mas antes de E, I, Y, Æ e Œ, conforme a pronúncia romana (“tch”), é transliterada Ч ч: centrum (centro) = чентрум, civis (cidadão) = чивис, cœlum (céu) = челум, amicæ (amigas) = амичай. Os aficionados por Quíquero Cícero podem transliterar sempre como К к, mas as outras escolhas do latim reconstituído devem ser coerentes. Como a letra K quase não aparece, teria a mesma transliteração: kalendæ (calendas, primeiro dia do mês) = календай.

10. Letra G no latim eclesiástico: Antes de A, O ou U, é transliterada Г г, mas antes de E, I, Y, Æ e Œ, conforme a pronúncia romana (“dj”), é transliterada ДЖ дж: genu (joelho ou cotovelo) = джену, magister (mestre, professor) = маджистер. Atenção à pronúncia bem colada desse “dê” e “jê”, exatamente como em ucraniano e belarusso, e não separada, como costuma ocorrer em russo (em que esse encontro não é nativo à língua) ou no português “adjetivo”, “Djalma” (“dij...”) etc. Os classicistas podem transliterar sempre como Г г, ou seja, “guê” sempre “duro”.

Sobre o encontro GN, ele costuma ser pronunciado como o NH do português na pronúncia eclesiástica, o que podíamos reproduzir, antes de outras vogais, pelo mero uso da letra Н н seguida das vogais “brandas” (НЯ, НЁ, НЮ, bem como НЬИ e НЬЕ, que seriam mais naturais em russo caso não quiséssemos confundir com o NI e NE latinos). Mas pra agradar aos classicistas e evitar confusões, eu não seria contra manter como ГН гн mesmo, apenas devendo ser pronunciado “gn” na reconstituída e “nh” na clássica. Exemplos: ignis (fogo) = игнис, magnus (grande, magno) = магнус (ou porventura иньис, манюс). GNI antes de vogal deveria se tornar ГНИ ou НЬИ (+ vogal branda): insignia (emblemas, brasões, insígnias) = инсигния ou инсинья.

11. Letra J de origem medieval: Como dito no item 2 sobre o “i” semivocálico, o J só aparece em textos medievais e em alguns didáticos de meados do século 20 pra representar aquele “i” entre vogais e no início da palavra, antes de uma vogal. Por vezes é intercambiável com “i” na ortografia, portanto não vou repetir aqui.

A letra Ж ж, que em cirílico representa o som do J pronunciado à francesa ou portuguesa, não tem serventia sozinha, e dado que o som do J não é como em português, não pode ser transliterado por Ж. Nos casos em que o “i” aparece no fim da palavra e após uma vogal, por consequência das declinações, não se trata de uma semivogal, portanto, a transliteração correta é И и: Dei (de Deus) = Деи, tui (teus) = туи.

12. A combinação QU: Em latim, assim como em italiano moderno, a letra Q só é usada em combinação com U pra fazer o ditongo que soa como o QU de “aquático” em português. Em latim e italiano, QUE e QUI sempre soam como se tivessem trema em nossa ortografia antiga (QÜE e QÜI), ou seja, com U semivocálico. A ortografia КУ ку em cirílico pode ser confundida com um CU (rs) em que o U não é semivocálico, mesmo antes de vogal, e por razões lógicas não existe nenhum equivalente exato ao Q em nenhuma versão daquele alfabeto.

Por isso, seria interessante adotar a transliteração КВ кв, convencionando que a pronúncia preferencial é “kw”, e não “kv”, por duas razões principais. Primeira, a combinação sonora “kv” não existe em latim, portanto, não daria margem a confusão. E segunda, não só o QU latino evoluiu pra KV em várias línguas eslavas (e o eslavo Zamenhof fez a mesma coisa em várias palavras do esperanto), mas também os falantes de alemão e de línguas nórdicas, mesmo em palavras emprestadas, costumam pronunciar o QU como KV. Exemplos: quattuor (quatro) = кваттуор, loqui (falar) = локви, quæro (procuro, busco por, pergunto, peço etc.) = квайро, Quintus (nome de homem) = Квинтус.

13. Letra S no latim eclesiástico: No latim clássico, talvez não houvesse o som sonoro do S intervocálico como no português “rosa”, por isso ele era pronunciado como em “sapato”, e da mesma forma, mas longo, quando geminado (esse, ser). Em italiano, onde em alguns dialetos, como o toscano, ocorre a mesma coisa, o SS costuma ser pronunciado como um S longo mesmo na língua padrão, mas entre vogais, o som é igual ao do português (ou seja, o Z de “zebra”).

Seguindo a pronúncia romana, podemos transliterar o S inicial ou final, e o SS, como С с (ou SS como СС сс pra evitar possíveis confusões), e o S intervocálico (“z”) como З з: sutor (sapateiro) = сутор, possum (eu posso) = пос(с)ум, fortis (forte) = фортис. Os classicistas poderiam se sentir livres pra usar С с sempre que houvesse um S simples, um СС сс na ocasião de um SS e simplesmente dispensar o З з.

Já antecipando a letra Z, ela igualmente só servia pra transcrever palavras gregas, nas quais soava “dz”, como nessa língua (a pronúncia “z” do zeta moderno é recente), por isso, acho impreciso usar a letra З з. Em prol da exatidão, eu usaria a combinação ДЗ дз, que é pronunciada numa só emissão, como em ucraniano e belarusso (mas não necessariamente em russo).

14. A combinação eclesiástica SC: Naturalmente, numa pronúncia e transliteração “reconstituídas”, poderia ser sempre tornada СК ск, mesmo antes dos sons “e” e “i”. Porém, na pronúncia eclesiástica, assim como em italiano, ela soa como o CH português antes dos mesmos sons, o que permite, nesses casos, a transliteração de SC como Ш ш. Exemplos: scire (conhecer, saber) = шире, scæna (cena, palco, teatro etc.) = шайна (há a versão alternativa scena, шена), scio (eu sei) = шиё (“io” é hiato).

15. O conjunto TI antes de vogais: No latim clássico, a pronúncia do T é inequívoca, mas no eclesiástico, existe uma tendência de pronunciar o conjunto TI como “tsi” (“i” semivocálico) antes de vogal, exceto se esse próprio “i” for tônico (formando um hiato, portanto) e se esse TI vier após S, X ou outro T, quando mantém o som T original. Nesse caso, o conjunto TI pode ser transliterado ЦИ ци: gratia (graça) = грация, patientia (paciência) = пациенция, nuntius (mensagem, enviado, notícia, ordem) = нунциюс. Compare: ostium (porta, entrada) = остиюм.

16. A combinação eclesiástica XC: Antes das vogais que soam como “e” e “i”, sua pronúncia romana é “kch” (K + CH), portanto, correspondente à transliteração КШ кш: excelsus (elevado, sublime, excelente) = экшелсус. Em outros casos, a pronúncia “ksk” equivale à transliteração КСК: exclamare (exclamar, gritar, berrar, anunciar) = экскламаре.

17. Letras inúteis nos dois alfabetos: Na língua latina, apenas a letra W não aparece em nenhum momento antes da Idade Moderna, pois é uma invenção germânica usada pra transcrever as línguas desses povos. No alfabeto cirílico (russo, lembremos), ficamos sem usar o Х х (som gutural inexistente em latim, mas pode transliterar CH; ver abaixo), o Щ щ, o Ъ ъ (salvo no caso excepcional mencionado acima) e o Ы ы. O sinal brando Ь ь tem um uso bastante limitado, como se viu ao longo do texto.

18. Diferenças em relação ao russo: Deve-se lembrar que, apesar do uso ostensivo do cirílico russo, algumas peculiaridades da pronúncia dessa língua, que não se reproduzem em outras línguas eslavas, também não são esperadas em latim: a pronúncia do И и como a vogal gutural Ы ы após certas letras, o enfraquecimento das vogais А а, Е е e О о (que se pronuncia como a primeira) em sílabas átonas e a pronúncia tensa e retroflexa de Ж ж e Ш ш.


Não era minha pretensão inicial fazer uma tabela resumindo minhas escolhas, mas como o texto ficou bastante longo, seguem as orientações pra que possam ser aplicadas imediatamente, sem a adição de possíveis soluções alternativas:

A, O, U = А, О, УJA, JE, JO, JU (ou IA, IE, IO e IU no início de palavra ou após vogal) = Я, Е, Ё, Ю
AE/Æ e OE/Œ = АЙ e ОЙ; AË e OË separados como hiato = АЭ e ОЭK, L, M, N, P = К, Л, М, Н, П
E = Е (após consoante), Э (no início de palavra ou após vogal)QU = КВ
B = БR = Р
C = Ч (antes de E, I, Y, Æ e Œ), К (antes de outras vogais e em outras posições)S = С (no início ou fim de palavra, antes ou depois de consoantes ou como SS), З (entre vogais)
CH = КT = Т; TI antes de vogal, não antecedido de S, T ou X e com “i” átono = ЦИ (A, O e U seguintes se transliteram Я, Ё, Ю)
D, F = Д, ФV = В
G = ДЖ (antes de E, I, Y, Æ e Œ), Г (antes de outras vogais e em outras posições)X = КС
GN = geralmente ГН, mas é possível também: GNA, GNE, GNI, GNO, GNU = НЯ, НЬЕ, НЬИ, НЁ, НЮ; GNIA, GNIO, GNIU = НЬЯ, НЬЁ, НЬЮXC = КШ (antes de E, I, Y, Æ e Œ), КСК (em outros casos)
H = não se transcreve, mesmo com TH, RH (Т, Р); exceto CH = sempre К, PH = Ф e em mihi, nihil = мики, никилZ = ДЗ
I, Y = И (vocálico i.e. entre consoantes e no início ou fim de palavra); IA, IE, IO, IU (após consoante) = ИЯ, ИЕ, ИЁ, ИЮ 


O essencial acaba aqui. Admitida a possibilidade de usar caracteres do alfabeto cirílico adaptados pra outros idiomas eslavos e não eslavos, podemos usar as seguintes soluções, de modo emergencial ou muito alternativo. Só em última hipótese, caso se queira realmente manter a equivalência “um som, uma letra cirílica” ou “um símbolo latino, uma letra cirílica”. Não gosto de misturar caracteres de línguas diferentes, pois não somente obrigaria à constante troca de teclado, mas também é algo esteticamente desagradável e linguisticamente errado. Seguem os itens, caso seja do interesse de alguém!

1. Os ditongos Æ e Œ: Obviamente, a opção apresentada é muito mais adequada pra quem segue a pronúncia “reconstituída”, mas pra quem insiste num grafismo diferente pra pronúncia eclesiástica, sugiro respectivamente as letras tártaras Ә ә e Ө ө. Em algumas línguas europeias modernas, bem como no Alfabeto Fonético Internacional (IPA), as ligaturas foram exatamente associadas aos sons que aquelas letras têm no tártaro: como o “a” do inglês hat e o “eu” do francês jeu (no IPA, na verdade, é aberto como no francês jeune).

Em todo caso, pra representar o latim, esse grafismo deve ser “convencionado”, ou seja, como as citadas vogais nunca existiram em latim (pelo menos como fonemas distintivos), deve-se ter em mente que Ә ә é a representação do Æ e Ө ө é a representação do Œ, ambos com o som “ê” ou “é”, e não como em tártaro.

2. O dígrafo CH: Como vimos, ele serve basicamente pra transliterar o K aspirado grego, cuja letra idêntica em forma a nosso X moderno atualmente soa como nosso RR gutural, mas mais escarrado, praticamente como o J espanhol padrão. Nas línguas ocidentais, o CH passou a soar como um K normal, mas em algumas línguas, sobretudo as eslavas, evoluiu pro mesmo som (ou semelhante) ao grego, como é o caso do russo, que pra representar esse som usa a letra Х х.

Também aqui temos uma convenção gráfica pra quem deseja realmente diferenciar na escrita o C/K do CH, já que essencialmente ambos têm o mesmo som no latim “eclesiástico”, e já que na pronúncia “reconstituída” ele não soa nem como o “qui” grego, nem como o Х х cirílico.

3. ДЖ дж e ГН гн/НЬ нь cirílicos: Equivalem respectivamente ao G antes dos sons “e” e “i” (portanto, pronunciado “dj”) e ao GN com som de “nh”. Pra ambos, podemos usar as respectivas letras sérvias e macedônias Џ џ e Њ њ, permitindo-se ainda o uso, depois da segunda, de Я я, Ё ё e Ю ю pra representar os respectivos grafemas, IA, IO e IU.

4. Pronúncia aspirada do H: Caso você queira uma letra separada pro H, pronunciando-o ou não de forma aspirada como em inglês, sugiro o uso da letra Һ һ do tártaro (a minúscula é idêntica à nossa) ou do Ҳ ҳ do tajique, que é o mesmo sinal do CH, mas com um “rabinho” ou “perninha” (como queira!) à direita. Pros classicistas mais fanáticos, não recomendo seu uso diante de consoantes aspiradas, sobretudo por razões estéticas, mas não há nada que objetivamente possa o impedir.

5. A vogal Y de origem grega: Se você quiser pronunciar o Y como em grego clássico, ou seja, como o Ü alemão ou o U francês com “biquinho”, sugiro a letra Ү ү, também do tártaro (como língua túrquica, ela tem os mesmos sons Ö e Ü do turco, além de um Ä, como visto acima, que na Anatólia despareceu como fonema distintivo). Você não enxergou errado: na forma minúscula, a “perna” inferior também é vertical, e não inclinada, como no У у (U) russo, que também a inclina na maiúscula. Se for usar, preste atenção nesse traço minucioso! Atenção: não use Ы ы à guisa do Y latino, pois o som da letra russa nada tem a ver com a pronúncia grega ou latina.

6. A semivogal “i”: Se você quiser usar uma letra separada pro som do “i” semivocálico, e não uma letra combinada, como ocorre com IA, IO e IU, use o Ј ј do sérvio e do macedônio, e não o Й й de outras línguas eslavas, quase sempre reservado pro fim de sílaba, salvo em casos raríssimos. Ele permite manter o som “e” da letra Е е em qualquer ocasião e dispensa o uso do Э э após vogais ou no começo de palavra, e permite também que você possa escrever sempre ИА, ИО, ИУ no lugar de ИЯ, ИЁ, ИЮ.

Se quiser ir ainda mais longe, use o Ў ў belarusso pra representar o U da combinação QU, que é sempre semivocálico. Eu não recomendo, pois essa letra quase só se restringe ao belarusso e só se usa em fim de sílaba, geralmente como equivalente etimológico de um L ou V final, e não como uma abertura “crescente” de sílaba.

7. A letra Z com som “dz”: Por ser raro, o Z soa “dz” tanto na pronúncia “reconstituída” quanto na “eclesiástica”, e embora possa ser representado por duas letras em cirílico (D + Z), existe também a letra macedônia Ѕ ѕ (apesar da equivalência com a forma de nosso S, não as confunda na digitação, pois têm sentidos diferentes!), cuja pronúncia une estritamente os dois sons. Essa letra foi exumada do cirílico antigo, usado pra escrever o eslavônio (eclesiástico), e hoje só se usa na língua macedônia. Portanto, meu objetivo ao sugeri-la foi apenas manter a equivalência letra-letra ou letra-som, e seu emprego não é lá muito prático.

8 (last but not least). Não confunda as bolas! A adoção das sete opções sugeridas acima, que não recomendo numa hipotética aplicação sistemática do alfabeto cirílico a textos latinos, deve ser uniforme, feita em conjunto e no lugar das respectivas alternativas da lista principal. Isso porque é muito mais fácil você manter um só teclado (o russo, nesse caso) e ir digitando fluentemente do que ficar trocando toda hora, mesmo que isso seja possível no celular, e em grau menor no computador.

Portanto, se decidiu escrever o H, escolha o Һ һ tártaro ou o Ҳ ҳ tajique, não misture os dois no mesmo texto! Se optou uma vez por transliterar o Z como ДЗ дз, não use o Ѕ ѕ macedônio no resto! E se decidiu transformar o GN em ГН гн, mesmo que a pronúncia seja “nh”, não meta um НЬ нь em parte alguma! Parece uma recomendação chata pra uma atividade que só teria valor, no máximo, numa fanfic, mas acredite, cirílicos de várias línguas misturados no mesmo texto são tão incompreensíveis e feios que não são aceitos sequer em projetos de idiomas auxiliares intereslavos. Ofendem tanto a falantes nativos, eslavo ou não, quanto a especialistas.


E como não podia deixar de ser, seguem alguns exemplos de texto, escolhidos aleatoriamente, os quais optei por transliterar pelas sugestões da tabela resumida, restrita apenas ao cirílico russo, pronúncia “eclesiástica”. O que não foi aleatório foram os períodos: um texto “clássico”, um texto eclesiástico medieval e um texto sobre um tema recente, supostamente escrito por um cidadão da atualidade. Vou apenas dar os nomes e as fontes dos textos, mas deixo a você o “agradável” exercício de transliterar e, se desejar, ler em voz alta sem usar o original em latim, rs:

Caio Júlio César, De Bello Gallico [Де Белло Галлико] (Comentários sobre a Guerra da Gália):
Галлия эст омнис дивиза ин партес трес, кварум унам инколунт Белджай, алиям Аквитани, терциям кви ипсорум лингва Челтай, ностра Галли аппеллантур. И омнес лингва, институтис, леджибус интер се дифферунт. Галлос аб Аквитанис Гарунна флумен, а Белджис Матрона эт Секвана дивидит. Орум омниюм фортиссими сунт Белджай, проптереа квод а култу аткве уманитате провинчиай лонгиссиме абсунт минимекве ад эос меркаторес сайпе коммеант аткве эа, квай ад эффеминандос анимос пертинент, импортант проксимикве сунт Джерманис, кви транс Ренум инколунт, квибускум континентер беллум джерунт. Ква де кауза Элвеции квокве реликвос Галлос виртуте прайчедунт, квод фере котидианис пройлиис кум Джерманис контендунт, кум аут суис финибус эос проибент аут ипси ин эорум финибус беллум джерунт. Эорум уна парс, квам Галлос обтинере диктум эст, инициюм капит а флумине Родано, континетур Гарунна флумине, Очеано, финибус Белгарум, аттингит эциям аб Секванис эт Элвециис флумен Ренум, верджит аб септентриёнес.

O Credo de Niceia, ou Symbolum Nicænum (Constantinopolitanum) [Симболум Ничайнум (Константинополитанум)]:
Кредо ин унум Деум, Патрем омнипотентем, факторем чайли эт террай, визибилиюм омниюм эт инвизибилиюм. Эт ин унум Доминум, Езум Кристум, Филиюм Деи унидженитум, эт экс Патре натум анте омния сайкула. Деум де Део, лумен де лумине, Деум верум де Део веро, дженитум, нон фактум, консубстанциялем Патри: пер квем омния факта сунт. Кви проптер нос оминес эт проптер нострам салутем дешендит де чайлис. Эт инкарнатус эст де Спириту Санкто экс Мария вирджине, эт омо фактус эст. Кручификсус эциям про нобис суб Понциё Пилато; пассус эт сепултус эст, эт ресуррексит терция дие, секундум Скриптурас, эт ашендит ин чайлум, седет ад декстерам Патрис. Эт итерум вентурус эст кум глория, юдикаре вивос эт мортуос, куюс регни нон эрит финис. Эт ин Спиритум Санктум, Доминум эт вивификантем: кви экс Патре Филиёкве прочедит. Кви кум Патре эт Филиё симул адоратур эт конглорификатур: кви локутус эст пер профетас. Эт унам, санктам, католикам эт апостоликам Экклезиям. Конфитеор унум баптисма ин ремиссиёнем пеккаторум. Эт эксспекто ресуррекциёнем мортуорум, эт витам вентури сайкули. Амен.

“Antisemitismus” [Антисемитисмус] (início do verbete “Antissemitismo” na Wikipédia em latim):
Антисемитисмус рациё эт коджитанди эт адженди эорум эст, кви популо Юдайорум эт релиджиёни Мозаичай тоти сине улла дистинкциёне оминум сингулорум инфенси сунт. Антисемитисми черта индичия сунт: а) сиквис Юдайос вулту, спечие, морибус интер се симилес ессе аффирмат, б) сиквис Юдайос омнес дивитес авароскве эксистимат, в) сиквис Юдайос ин доминациёнем тотиюс [totíus] мунди конспирассе опинатур. Юдайос одиё кводам инветерато мулти персекути сунт оминес, кво коммоверентур, ут контумелиис эос аффичерент, инсидияс эис парарент, эос оппримерент эт ин тумулту эциям окчидерент. Квас иниюрияс Юдайи темпорибус антиквис, кум ин Палайстина седес аберент, эт медиё квод дичитур айво пер Еуропам дисперси перпесси сунт.



sexta-feira, 21 de junho de 2024

Nas mãos de Alá os arroz tá limitado


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/maosdeala


Eu estava fazendo minha caminhada matinal nas ruas do bairro, quando passou por mim um SUV com um estepe externo coberto por uma lona com a famosa frase e desenho: “Nas mãos de Deus”. Como estudante de árabe que sou, pensei: Báyna yadáyi-llaah (lit. “Entre as [duas] mãos de Alá”), por que não? Rs.


Hoje encontrei no G1 esta foto dizendo que, devido à crise no Rio Grande do Sul e ao consequente aumento dos preços desse produto majoritariamente produzido no estado, “Os arroz está limitado”, ou seja, existe uma quantidade máxima de sacos que cada cliente pode levar. Pelo jeito, os plurais também estão limitados, rs.


Neste vídeo em russo sobre a língua portuguesa, feito por um youtuber que adora aprender idiomas sozinho (além de outros assuntos culturais), achei o mapa acima (em inglês) das principais características dos falares do português no Brasil. No contexto, “Portuguese S” é a pronúncia do esse como “ch” em fim de sílaba, muito característico do falar do Rio de Janeiro e de algumas regiões do Norte e Nordeste brasileiros.

Sobre a distribuição de “tu” e “você”, o mapa não leva em conta uma característica básica: no registro oral, coloquial e familiar, principalmente, usamos “você” (que também pode ser suprimido, se o verbo sozinho já bastar pro contexto), às vezes abreviado pra “cê” (sobretudo em Minas Gerais e no norte de São Paulo, e geralmente em posição proclítica de sujeito, junto ao verbo), como pronome sujeito ou tônico (usado sozinho ou junto a preposições, ao tipo do moi, toi, lui etc. franceses: “Foi você!”, “Você?”, “É você!”, “pra você”, “com você” etc., mas não “contigo”, e sim “com você”, no limite “cocê”, rs). Porém, como possessivo e objeto direto ou indireto, aparece com as formas do “tu”: “teu/tua”, “vou te falar”, “vou te bater” etc. Fenômeno idêntico ocorre com o voseo rioplatense, sobretudo o argentino (Buenos Aires), em que o “vos” convive com “te”, “tu/tuyo” e algumas formas verbais da segunda do singular, mas não com “ti” (a vos, con vos, para vos etc.).

Outra coisa que me irritou um pouco, embora fosse mais fácil de explicar pros gringos estrangeiros, foi chamar o “erre retroflexo” de “American R”, como se ele tivesse alguma influência do inglês, especialmente do falado nos Estados Unidos. Na verdade, ele é uma herança do tupi, que até o século 18 e sua proibição pelo Marquês de Pombal, era muito mais falado que o próprio português em São Paulo e na chamada região histórica da “Paulistânia”. Se você escutar o espanhol paraguaio (procure no YouTube qualquer discurso do ex-presidente Abdo Benítez!), ou mesmo o guarani falado no Paraguai, vai ouvir a mesmíssima articulação com muito mais frequência.


E pra terminar, este comentarista num canal russo que gosto bastante de assistir e cujo conteúdo é bastante maçante pra que não atraia chupadores de saco. Por que que o carinha precisava insistir em sua origem e pedir a todo custo um alô pra sua cidade, a capital da República da Chuváchia: Cheboksáry? Rs!


quarta-feira, 19 de junho de 2024

Plano de Macron pra enrabar a França


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O “Plano Procu”, cuja existência lhe revelei há dois dias e que podia ser rebatizado como “Hemovirtus”, parece realmente parte de um esquema maior do ex-banqueirinho filósofo pra enrabar a França. Como se o cidadão comum que não passeia na Torre Eiffel nem come baguete o tempo todo já não estivesse levando ferro todo dia devido ao desmonte do Estado e ao descalabro das contas públicas.

Alguns cidadãos provindos de um continente mais ao Çu (Grobá) parecem ter preferido combater o faxixmo lá do que cá, onde o perigo de retrocessos sociais é mais importante. Essa literal esquerda caviar, execrada há anos por nossos publicistas, parece ter mais medo de perder seus benefícios mercadolísticos do que passar a imagem de sua terra natal como um futuro Evangelistão. Até a Foia publicou em entrevista pelos 80 ânus do Xiko que ele já se conforma em ter um “público menor”; pudera, não é por falta de Rouanet, já que ele nunca precisou diante de suas décadas de consagração e de sua origem abastada, mas porque até minha mãe, em nada suspeita de antipetismo, me disse que “Esse cara é chato pra caramba!”, rs:


Até o ex-presidente Francês Holanda, primo do Ivo Holanda e sobrinho do Sérgio Buarque de Holanda (“o pai do Xiko”), que sequer concorreu à eleição de 2017 tamanha era sua impopularidade, resolveu se candidatar a deputado federal por sua circunscrição natal da Corrèze (parece Coriza, rs). Após anos exercendo a função de pinguim de geladeira correspondente a sua atual aparência, o socialista, que já parecia se preparar pra um retorno em 2027, tomou a decisão após que considerar que “a situação está grave”. O ex-marido da Ségolène contou em entrevista como a dissolução do Parlamento na sequência do “Plano Procu” revela o tamanho dos problemas que a França deverá enfrentar:


Quando ouço falar sobre o processo de “desdemonização” (dédiabolisation) do RN e vejo Jordan Bardella sendo avançado como o “bonitão instagramável” (igual a um Fernando Collor em 1989) da extrema-direita, só consigo me lembrar de duas coisas. A primeira, do Seu Creysson no Casseta & Planeta em 2002 se candidatando a presidente e colocando “uma máscaria de Brédio Pítio pra num assustá os mercádio” (referência à reação do sistema a uma possível eleição de Lula). A segunda, desta cena da grande versão em filme da peça O Auto da Compadecida, de Ariano Suassuna, rs:


Num dos livros de Oswaldo Chiquetto, jornalista, tradutor e intérprete, sobre “falsos amigos” e armadilhas vocabulares do inglês publicado em 1995, o ilustrador fez por bem brincar com o significado de addiction, que não significa “adição, soma”, mas “vício”. Em minha cabeça, ele sem querer fotografou em desenhos o essencial de Lula e Bolsonaro, por isso deixo a tradução pra você mesmo:

    


Pra terminar, vamos rir um pouco com essa “Barbie Boza” (22 no nome de usuário dela não deve ser a idade nem o DDD, rs) que achei por acaso no Équis quando um dos assuntos estava em alta. Os peixecólogos de plantão na mídia adoram nos dizer que “não devemos ter um modelo ideal” nem “exagerar as expectativas”, mas duvido que o pacote da moça, se ela mesma não for um robô ou um fake, exista em qualquer um dos planos da existência. Aliás, é namorado ou filho afinal pra “assumir”?...

Se o cara chupa o saco do Mytho, há altas probabilidades de ser um “Zé Droguinha”, “ateu” (simplesmente por não ligar pra templos ou cultos ou porque “meu Deus tá aqui” numa caneca de cerveja), “favorável ao aborto” (da periguete que ele embuchou) ou mesmo mandar uma pensando no Ixperrtínhu, rs. Além disso, como dizem os aforistas do IPTC, o antifeminismo de uma pepecuda reaça acaba quando começam as surras e as ameaças armadas do chifrudo. Essa realmente eu deslizo pra esquerda (pra começar, porque “NÃO” tem til), e não tô falando de ideologia. Até a próxima, abiguinhes!


segunda-feira, 17 de junho de 2024

Macron e seu Plano Procu. Hã, pro...?


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Esta é a tradução parcial com adaptação de um artigo da Rádio França Internacional sobre a polêmica que envolve o sitePlan Procu”, abreviação de “plano procuração”, mantido pela associação “A voté” (Votou), cujo objetivo é combater a abstenção eleitoral, que na França costuma atingir metade do eleitorado, algo impensável na Banânia com seu livre voto obrigatório. O plano de nome, ao menos em português, bastante estranho e ambíguo visa facilitar o voto por procuração, ou seja, promover o encontro (ou “match democrático”, meldels, rs) entre duas pessoas, uma se oferecendo a trazer pra urna a cédula da outra, com todo o registro e aviso junto às autoridades. Na França, ao contrário dos EUA, não existe o voto por correspondência, e ao contrário da Estônia, não é possível votar por aplicativo, e como o voto não é obrigatório (daí a tentativa de estancar a abstenção), o instituto brasileiro da justificativa não faz sentido.

O Plano Praquilo Lá é voltado especificamente pras eleições legislativas nacionais que vão ocorrer em 30 de junho e 7 de julho, convocadas depois que o próprio Macron dissolveu o Parlamento com o objetivo inverossímil de obter uma maioria absoluta pra que ele se torne um mero assinador de seus projetos. Sendo o presidente o principal interessado num contexto que causou o que muitos já chamam de pior crise política desde a Constituição de 1958 (a qual igualmente surgiu após uma crise), não deixa de estranhar que uma força-tarefa pra reunir votantes e evitar o abstencionismo não pudesse estar ligada à situação. Bingo: nas redes sociais, uma das muitas críticas ao site é supostamente estar ligado ao atual governo.

O Plano Anal foi lançado ainda pras parlamentares europeias do começo de junho, visando ajudar pessoas que queiram encontrar um “procurador” (o que faz sentido, sobretudo, pra velhos e deficientes físicos), mas uma das primeiras críticas lançadas no Équis é que o domínio online do plano foi adquirido por Titouan Galopin, cofundador do site citipo.com e que trabalhou na campanha digital de Macron em 2016 e 2017. Foi feito um apelo geral ao boicote da plataforma, mas 8-7 anos atrás acho que já faz tempo não? Mas não para por aí: um dos casos tuitados foi o de uma pessoa que se inscreveu no serviço, obteve o nome da pessoa que ia votar por ela e, jogando-o no Santo e Onisciente Google, descobriu que ela militava no partido de Macron (no “En Marche !”, mas há anos o nome não é esse, então talvez a referência seja ao atual “Renaissance”). A irrefutável conclusão seria a de que o site foi criado “pelos macronistas, para o macronismo”, o que podia gerar uma séria acusação de fraude nas eleições. Mas em se tratando da unicidade do caso, e ainda alardeado numa rede abertamente conspiracionista, mantenhamos o pé atrás.

Outra acusação é a de que outro cofundador da “A voté” criou em 2022, ano de reeleição de Macron, o aplicativo “Elyze” (nem se vê a referência direta ao palácio presidencial do Elysée, né?), cuja proposta era a de propor um candidato que seria mais próximo das escolhas dos usuários. Porém, a ferramenta foi criticada por quase sempre dar o marido da Brigitte como resultado principal, havendo outros “menos compatíveis”, obviamente, mas com os mais ideologicamente afins mais próximos do topo. E pra piorar, seu criador trabalha desde fevereiro deste ano como chefe de gabinete do ministro encarregado (uma espécie de secretário ou subministro) das Contas Públicas.

Os gestores do “Plan Procu” rebatem as acusações de partidarismo, afirmando que cuidam pra que nada recaia na manipulação eleitoral e que vão apagar os dados sobre pedidos de procuração depois das eleições. O próprio articulista da RFI (uma mídia estatal, diga-se de passagem) chama de “anedóticas” as acusações lançadas nas redes sociais, mas pra esta pobre página que gosta de misturar humor ruim com a atualidade política, resta mais um “legume de duplo sentido” (salve Casseta & Planeta!) pra fazer a alegria dos lusófonos sul-americanos. Aliás, um nome que nada fica devendo, em nossa humilde interpretação, ao buraco político a que realmente o ex-banqueiro parece ter levado a antiga nação colonial, rs.



sábado, 15 de junho de 2024

Zelensky fala francês no Parlamento


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Esta imagem de Marina Ayrton Senna serve apenas pra introduzir mais um combo de bizarrices da política internacional, a primeira delas sendo Volodymyr Zelensky falando uma pequena frase em francês quando discursou em ucraniano pra Assembleia Nacional (Câmara dos Deputados) francesa, em 7 de junho de 2024. Mesmo assim, o verso podia servir muito bem como uma mensagem do presidente ucraniano a seu inimigo Putin, rs.

Em seu novo tour d’Europe, o presidente conseguiu arrecadar bastante dindim pra financiar a resistência contra a invasão militar e genocida do ditador paranoico, mas em Paris ele teve de exagerar mesmo no “biquinho”... Estes são trechos da publicação no canal Ouest France da transmissão feita pelo Parlamento, e eu tive de pular uns trechos em que os aplausos não paravam, mesmo entre mínimas palavras:


“France, je vous remercie d’être a nos côtés pour défendre la vie !” (França, agradeço-lhe por estar a nosso lado pra defender a vida!) Terminando em ucraniano, interpretado em francês: “Дякую Вам за увагу, дякую Вам за підтримку, слава Україні!” (Obrigado pela atenção, obrigado pelo apoio, glória à Ucrânia!) E meio sem saber o que fazer, Zelensky pergunta a Yaël Braun-Pivet, presidente da Assembleia: “We have [to] go?” (Temos que ir?) Ela diz algo mostrando não entender, e ele refaz: “We can go?” (Podemos ir?) Ela de novo: “No! Just a...” (Não! Só um...) – não, o Kvartal 95 ainda não terminou, me espera trazer o piano! Kkkkk.


Surpresa agradável! A booktuber Taize Odelli, que também é responsável por outros perfis, resenhou brevemente no Instagram dela minha tradução do R.U.R. direto do checo, junto com outros livros que ela estava pra ler! Fiquei feliz com a impressão positiva antes de adentrar o texto, com o fato de ter achado “chique” a tradução direta e por ter pronunciado corretamente meu sobrenome (que é ainda o que uso nas redes!), o que infelizmente não aconteceu com nosso querido dramaturgo, rs.


E pra acabar o dia com um gostinho de esperança, eis mais uma montagem sem graça, depois da feita com o Moshiach, agora com o belo dabke de Mohammed Assaf, Dammi falastini, que tanto voltou à moda nos últimos meses... O dia em que for decretado o fim da guerra e a unificação laica dos Estados da Palestina e de Israel, eu queria que ele se parecesse com essas cenas, rs.


quinta-feira, 13 de junho de 2024

Meu Big Brother Brasil dos sonhos


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Quem nunca pensou em sua própria lista pro Big Brother Brasil, ou quem nunca brincou com novas possibilidades bizarras entre amigos? Inspirado numas conversas que tive com um amigo, fiz minha própria lista com personalidades mais ou menos conhecidas da internet e do mundo da cultura, sabendo que pensei em muitas outras mais e que você pode a achar incompleta e ter esperado outros nomes, rs. Mesmo tentando ser representativo entre gênero, sexualidade, ideologia, idade e cor, foi a isto que cheguei. Uma das primeiras montagens dessa monta que consegui fazer, relembrando a primeira edição, única da qual tenho alguma “nostalgia”:


Foi revelado que Liza, filha de Dmitri Peskov, porta-voz de Vladimir Putin pra imprensa, está sob sanções ocidentais (porque ela vive nas custas do papai, e como este está sancionado...), mas ainda consegue fazer compras de luxo no Cazaquistão. As fotos mostradas outro dia na Radio Svoboda são tão fofas que decidi fazer uma montagem orkutizada com o trecho, usando uma canção ainda mais brega de Rick & Renner sobre o “amor de pai”, rs:


Até o cacique Raoni, agora “Cavaleiro da Legião de Honra” da França (seja lá o que isso signifique numa República), tá mandando o Lula acordar diante da queda livre da popularidade do governo. Olhe a cara de medo da Jararaca, até o Macron precisa “traduzir” o apelo, rs:


Andréia Sadi, alguns anos atrás, involuntariamente resumia no Jornal Hoje como todos os partidos alternantes sempre tentam “mamar nas tetas do Estado”, sem exceção alguma (ignore o “TV Eslavo” de meu antigo YouTube):


A canção Moshiach (ou Mashiach, “Messias”), típica do judaísmo hassídico, é interpretada nesta versão pelo cantor Mordechai Ben David, também conhecido como MBD. Há também a versão mais célebre de Eitan Masuri, com tradução em português no link, mas em todo caso, pra quem não sabe do que se trata nem entende hebraico, não vai distinguir do tema de abertura de qualquer desenho japonês que fazia sucesso na extinta TV Manchete na primeira metade da década de 1990, rs. Só agora estou publicando, mas faz um tempo que fiz esta montagem com parte do primeiro áudio pra mostrar como pode não fazer nenhuma diferença. Meu próprio amigo que me apresentou a música adorou a montagem, e outros comentaristas nos vídeos da gravação também acharam parecida com o gênero nipônico:


As prisões francesas são condenadas na TV estatal por acolherem cecço, dorgas e... telefone, rs:


terça-feira, 11 de junho de 2024

domingo, 9 de junho de 2024

Esquerdista de iPhone (banda Milei)


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Depois de descobrir os lançadores do tema da campanha de Javier Milei, que na verdade se trata da adaptação de uma antiga canção do ano 2000 usada sem a autorização de “La Renga”, banda que a tinha gravado, vi que aqueles primeiros também lançaram umas coisas bem bizarras ligadas com a aversão às esquerdas em geral. Com seus áudios publicados no YouTube e no Spotify, a conta chamada “La Mancha Venenosa” (gíria portenha pra uma espécie de jogo), ainda com poucos seguidores, publica a maioria dos jingles de Milei e outras canções relacionadas à ideologia antissocial dos libertários latino-americanos. Não pude concluir se se trata de uma banda que grava as ditas faixas, mas achei uma das músicas tão engraçada e parecida com nossos debates de internet que decidi traduzir e publicar aqui!

Com o título Zurdos con iPhone, pode ser literalmente traduzida “Canhotos com iPhone”, deduzindo-se que zurdo (canhoto; “surdo” em espanhol é sordo) seja equivalente ao “esquerdista” brasileiro e que sob ambos os rótulos se oculte um balaio de gatos com elementos muitas vezes totalmente opostos entre si. De modo mais amplo, a ideia de “zurdo con iPhone” pode também ser traduzida “esquerda caviar” (um decalque do francês gauche caviar) ou, em inglês, “champagne socialist”. Porém, a meu ver, “esquerda caviar” alude mais à elite propriamente, intelectual ou econômica (o “rico de esquerda”, bem como o professor universitário comunista que vai lecionar nos EUA ou na Europa), enquanto Socialista de iPhone, que escolhi pra traduzir e é muito mais direto pros jovens no Brasil, remete mais a qualquer pessoa, rica ou não, que nas redes sociais defende os países socialistas, mas se aproveitando de ferramentas bastante acessíveis e “criadas pelo capitalismo”.



A riqueza dela sendo “distribuída” no chão, rs!


Ou seja, é um xingamento direitista muito comum nas brigas digitais, embora eu ache o fundo da crítica um pouco incoerente e não esteja defendendo a linha política de “La Mancha Venenosa” ou muito menos de Milei. Pra mim, o grande problema da maior parte da direita é colocar as esquerdas no mesmo saco, chamando-as de “socialistas” ou mesmo “comunistas” e daí achando que todas devam defender Lenin, Stalin, Mao, Fidel, os Kim etc. Um grande espantalho pra criticar qualquer veleidade social ou coletiva, do mesmo jeito que a esquerda radical chama qualquer direitista ou mesmo liberal de “fascista”. Mesmo assim, até por ser um topos muito comum também entre nós e por eu ter participado de “debates” políticos desde os tempos do Orkut, achei o texto bem engraçado e não deixo de concordar com a maior parte das incoerências apontadas pelo autor (quem?), rs.

Outra nota tradutória: zurdos con OSDE é uma expressão argentina equivalente a zurdos con iPhone (ou seja, esquerda caviar), referindo-se a um sistema de planos privados de saúde reunidos como uma entidade pública, que pode ser pago individualmente ou a funcionários de empresas. Ou seja, você é “socialista”, mas paga ou recebe planos privados... A pérola também pode ser ouvida no Spotify, e seguem abaixo o clipe no YouTube, o original no qual fiz algumas correções e minha tradução, não totalmente literal em muitos pontos:


Zurdos con iPhone, zurdos con OSDE
Zurdos con fotos en New York y en Londres
Zurdos con sesgos de ideología
Odian los datos, niegan la biología

Zurdos con sueños de rebeldía
Publican en TikTok o Facebook su vida
Zurdos en Harley, vistiendo Levi’s
Te hablan de patria, de igualdad y de Lenin

Odian el uso del sentido común
Adoran asesinos como Mao Tsetung
Ven el pasado con nostalgia total
Ignoran el horror y sólo ven su ideal

Yo sólo quiero que por vos mismo
Entiendas que ya fracasó el socialismo
Ese modelo liberticida
Ya se ha cargado a millones de vidas

Dicen representar al trabajador
Les tirás una pala y huyen como un roedor
Y si es de izquierda y es homosexual
Seguro al Che Guevara en su remera tendrá

La izquierda te vio débil y se aprovechó
De tu resentimiento y de tu frustración
De tus obligaciones te desligó
Y crees que te persigue un sistema opresor

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Esquerdistas de iPhone e que pagam OSDE
Que tiram fotos em Nova York e em Londres
Esquerdistas com vieses ideológicos
Odeiam os dados, negam a biologia

Esquerdistas com sonhos de rebeldia
Publicam sua vida no TikTok ou no Facebook
Esquerdistas em Harley, que vestem Levi’s
Te falam sobre pátria, igualdade e Lenin

Odeiam o uso do senso comum
Idolatram assassinos como Mao Zedong
Veem o passado com total nostalgia
Ignoram o horror e só enxergam seu ideal

Quero apenas que, por sua própria conta
Você entenda que o socialismo já fracassou
Esse modelo liberticida
Já acabou com milhões de vidas

Dizem que representam o trabalhador
Lhes jogue uma pá, vão fugir como um roedor
E se você é de esquerda e homossexual
Certamente vai ter uma camiseta com Che Guevara

A esquerda te viu fraco e se aproveitou
De seu ressentimento e de sua frustração
Te livrou de suas obrigações
Mas você se crê perseguido por um sistema opressor



sexta-feira, 7 de junho de 2024

Todas as formas de “wokismo”


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Este meme mandado por um amigo ilustra bem o novo fantasma da direita conservadora e da extrema-direita no Ocidente. O “wokismo” está sendo considerado o novo espantalho, ou “mamadeira de piroca” se quiser, das culturas ocidentais urbanizadas, já que o medo do comunismo e mesmo da Rússia não assustam nem enganam mais ninguém. (Inclusive, os “antiwokistas” muitas vezes não escondem sua admiração pela autocracia reacionária de Putin!) O conceito básico é o de que a mídia hegemônica, as universidades, os intelectuais e mesmo os influenciadores digitais querem empurrar como “normais” ou até “obrigatórios” padrões de comportamento que não seriam majoritários nem aceitáveis entre a maioria das populações.

Na verdade, todos esses “comportamentos” que antes eram colocados no saco do “esquerdismo”, do “comunismo” ou o que valha, termos agora inadequados porque muitos esquerdistas e comunistas do passado são justamente contra essas bandeiras “identitárias”, se relacionam a setores da população cujas opções ou características diferem da maior parte ou dos grupos dominantes: progressistas ou reformistas sociais, mulheres, negros, não héteros, não cis, estrangeiros, não cristãos, pró-direito ao aborto, não monogâmicos etc. Basicamente, o “wokismo” (pros conservadores) seria dar um peso ou papel a essas populações, nas representações cotidianas, que não corresponderia à realidade, muitas vezes exagerando sua presença em épocas em que não se faziam ver tão ostensivamente. Como vemos no meme acima, por exemplo, seria colocar “gays demais” onde seriam de aparecimento pouco provável, ou apenas pra fazer o povo os aceitar como “normais” (?) ou agradar a essas “minorias”.

Falta de alteridade ou empatia. A não ser que uma pessoa, sobretudo muito jovem, esteja com problemas psicológicos ou de socialização, ela não vai “mudar” sua sexualidade, religião, opção política etc. só porque viu na televisão, no cinema ou no streaming. De fato, não é que o “wokismo” quer “super-representar” certos grupos em produções culturais, mas sim, como essa produção sempre esteve dominada pelas “maiorias” ou pela “normatividade” dominante, esses grupos estavam é sub-representados, e aí sim, sua onipresença era negada pelos grupos dominantes. Não sou grande consumidor de mídias de massa, mas é interessante que, por um lado, esses grupos em tese deveriam ser “revolucionários” e “contra o sistema”, portanto querendo o destruir e não ligando pra “representatividade”, enquanto na verdade se revelou o contrário, assim como o fato de que por décadas, as “minorias” tiveram sua própria “cartilha” moldada por setores das “maiorias” que intelectualmente rompiam com o sistema e dominavam, por exemplo, as universidades e partes da mídias. Por outro lado, parece hipócrita que esses mesmos conservadores ou extremistas de direita critiquem a representatividade “exagerada”, mas eles mesmos digam “não ver mais Globo, não ler mais Folha”, portanto ou estão sabendo demais, ou consumindo às escondidas.

Caso clássico é o do deputado federal “paulista” Eduardo Bananinha Bolsonaro, o “Zero-Três”, que há alguns anos reclamou no então Twitter (infelizmente não guardei a publicação) que a grade da Globo tinha virado uma “perversão” durante as manhãs, com o programa Encontro, quando muitas crianças podiam estar assistindo e deveria haver, portanto, os velhos desenhos do passado, como os da TV Globinho. Inquietação um tanto peculiar pra um adulto, não? Ainda mais considerando que as crianças de então e de hoje sequer viam mais desenho na TV aberta naquela hora, mais provavelmente estando na escola ou usando a internet. Uma versão mais brutal desse argumento foi dada pela mesma época por Nando Moura em seu período mais “porralouca”, e apenas sugiro que pesquise “priquito fedorento” no YouTube pra talvez achar o vídeo.

As palavras woke e wokism de fato foram criação dos próprios militantes e derivam do verbo inglês pra “despertar” ou “levantar-se”, neste caso de modo figurado em referência à opressão ou preconceito dos citados grupos sempre dominantes no Ocidente. A meu ver, representam uma ruptura com as esquerdas clássicas, sobretudo a comunista, que submetia todas as reivindicações à questão de classe e à destruição completa do modo de produção capitalista, esquerdas que, de fato, durante a década de 2010 usaram muito o termo “identitário” como um termo pejorativo pra essas bandeiras que, seguindo Sabrina “Tese Onze” Fernandes, prefiro chamar de “antiopressão”. Por isso, o fogo é duplo: das esquerdas “tradicionais” e, sobretudo, de parte da direita que adotou a tese da “guerra cultural”, manteve aí a dianteira por um tempo, mas começou a perder terreno com a retomada das redes sociais pelos que ela passou justamente a chamar de “wokistas”. (Como marcos dessa retomada, eu apontaria, no Brasil, as eleições de 2022 e a vitória de Lula, e no mundo, o movimento que levou em 2024 à vitória da narrativa anti-Israel entre a geração Z e às turbulências nas universidades americanas.) Assim, surgiu um novo rótulo pega-tudo que é ao mesmo tempo vago e forte o suficiente pra se ancorar nas brigas de redes sociais.


Na política francesa, por exemplo, o termo “wokismo” como descrição pejorativa foi popularizado pelo partido Rassemblement national e por suas figuras de proa, Marine Le Pen e Jordan Bardella, geralmente se referindo ao partido La France insoumisse, que levou a defesa da causa palestina às últimas consequências. Só nesta semana, por exemplo, a LFI foi punida duas vezes por deputados brandirem a bandeira da Palestina dentro do plenário, ato proibido com qualquer bandeira que não seja a da França. Da última vez, os “insubmissos” chegaram ao cúmulo de virem todos vestidos apenas com uma das cores da bandeira palestina, o que provocou terror na presidente macronete da Assembleia Nacional, Yaël Braun-Pivet, de família judaica, ao se ver diante da pressão de uma nova bancada da melancia:


“Mente poluída” também pode ser considerada “wokismo”? Rs:


E por fim, uma cena que filmei outro dia e que eu poderia chamar de “wokismo reverso”...

Bolsominions: As universidades públicas são ateístas, pervertidas, perseguem os cristãos, doutrinam pro comunismo, ensinam maus valores e só sabem entrar em greve! (Nota: nunca pisaram numa universidade pública.)

Unicamp em 2024, hora do almoço: