Peço desculpas pela intermitência nos conteúdos mais elaborados, mas várias obrigações acadêmicas e familiares me obrigaram a não trabalhar com a página durante a semana, e só hoje consegui dar um respiro, pelo menos pra descansar! Aos poucos, vou retomando meu ritmo normal, embora enquanto eu não defenda minha tese de doutorado, infelizmente você não vai ver tantas atualizações quanto gostaria. Em mais este mix de política, estou soltando coisas que ficaram “represadas” nos últimos meses, embora não necessariamente se relacionem umas com as outras...
Vamos começar, infelizmente, com esses dois prints de uma cena não muito agradável no estádio de Niamey, capital do Níger, onde no fim de julho passado os militares deram um golpe de Estado que depôs o presidente Mohamed Bazoum. Instigados peja junta, vários apoiadores foram ao local participar de manifestações em apoio ao Exército, as quais tomaram um amplo caráter antifrancês, com acusações de que Paris estaria intervindo nos negócios internos do país e promessas dos golpistas de acabar com o “neocolonialismo”.
O símbolo mais famoso da França, que aparece inclusive no escudo da federação de futebol, é o galo, e foi um bichinho pintado com as cores francesas que foi “simbolicamente” imolado no estádio, numa cena de degola cujo vídeo não recomendo a visualização! Muito triste que um sentimento antigoverno bastante cego tenha justificado um desrespeito tão flagrante aos direitos dos animais, um assassinato motivado por mera diversão, quando ao menos nosso amigo de penas podia ter virado uma saborosa canja...
Jonatan Goldfarb (n. 1985), mais conhecido como Jonatan Viale, é um cientista político que também trabalha como jornalista, entre outros, no programa diário El Pase, junto com Eduardo Feinmann (n. 1968), este conhecido por sua cobertura punitivista de notícias criminais, com bordões como “Uno menos, este no jode más”. Nesta transmissão do começo de julho, eles e outros jornalistas falam dos problemas que assolam a Argentina, o maior deles sendo a inflação quase fora de controle. O ministro das Relações Exteriores, Santiago Cafiero, tinha reclamado na imprensa do preço de um mate que era, porém, um dos mais caros no mercado, enquanto imaginamos quanto ganha um ministro de Estado em relação ao grosso da população. Com a indignação seletiva típica dos defensores das elites, Viale traz à bancada outros mates mais baratos e seus preços, os quais, porém, ainda são inacessíveis a quem ganha menos.
Deixando todo o cuidado vocabular de lado e parecendo externar alguma tara recalcada típica dos leitores e adeptos do finado Olavo de Carvalho, ele começa a seguinte fala, que é a transcrição do curto trecho de vídeo colocado acima. Não vou traduzir, pois pra meus leitores cu-ltos o espanhol deve ser bastante fácil de ler:
Les trajimos de todos al canciller Cafiero, que está preocupado con el precio de la yerba. De todos los precios. 750…
(Feinmann) Pero toma de la más cara casi.
Porque lo que aumentó 800% no es Playadito: es ésta, ésta, ésta… ¡Todas! No es que son todas empresas malas que quieren joder al culo argentino.
No mesmo dia, e com a mesma fixação anal, Viale comentou uma greve nacional dos motoristas de ônibus que, segundo seus colegas, tinha sido forçada pelo governo federal peronista, escondendo que as empresas já recebiam subsídios demais e retornavam com um serviço porco (aliás, mais ou menos como algumas máfias do Brasil):
Mañana (esto es ahora)… mañana puede haber un paro total.
(Colega) A los que hay que esperar, les tengo un dato muy importante para los que están mirando: hoy a las 12 de la noche empieza el paro nacional. Hay que ver cuántos terminan sumándose de todos los sectores. Hay que pensar que en AMBA [Área Metropolitana de Buenos Aires] viajan... hay 4 millones de viajes por día. Es un desastre un paro nacional.
Sólo el Estado gasta 32 mil millones [i.e. 32 bilhões de pesos] por mes en subsidios, Eduardo, a las empresas de colectivos. Pero tienen un déficit mensual de 13 mil millones de pesos. Un colectivero en AMBA gana 220 mil pesos, y en Rosario 340 mil. La verdad es que son sueldos muy bajos, aun así yo creo que la solución no es joder la vida a la gente ¿no? […] Lo que digo es, muchachos, con esto no están jodiendo al ministro de Trasportes que viaja en helicóptero…
(Feinmann) En AMBA son 10 millones de personas.
Están jodiendo al oficinista, al chico…
(Feinmann) Hay gente que no toma un colectivo, toma tres.
E aqui, é o vídeo completo de toda a cena sem cortes, pra seu divertimento e fruição!
Enquanto fazia minha pesquisa de doutorado, ao consultar o grosso livro de Frédéric Laurent e Alain Dugrand com a biografia do comunista e milionário (!) alemão Willi Münzenberg, o maior impulsionador da máquina de propaganda da Internacional Comunista na década de 1930, localizei pela primeira vez o termo “esquerda caviar” sem ser num texto de Rodrigo Constantino ou de algum protobolsonarista que papagaiava o jeito de falar do polemista. Como disse um conhecido meu, é muito difícil que Constantino consiga ser o criador de qualquer coisa, mas embora o contexto seja bem diferente, vemos que a existência da gauche caviar não se limita a Chico Buarque, Ciro Gomes e outros defensores dos oprimidos que adoram fazer uma escala em Paris (obviamente, não em suas periferias). Não lembro a página exata, mas aí vai a tradução do trecho, cujo grifo é meu:
Conselheiro [municipal, mais ou menos como um vereador] socialista de Berna, [Karl Vital] Moor, nascido em 1851, filiado à 1.ª Internacional, tinha frequentado Bebel, Liebknecht pai e Karl Marx, ao que parece. Filho de uma atriz e de um aristocrata bávaro, esse herdeiro é uma figura pitoresca do movimento operário. Bem de vida e mulherengo, pode-se dizer que ele é um precursor da “esquerda caviar”. Ele tinha feito amizade com Lenin no congresso de Amsterdã [da 2.ª Internacional] de 1904. Vivendo de uma herança confortável, ele demonstra grande generosidade pra com seus amigos revolucionários, notadamente os refugiados russos, a quem financia sem reservas. Após ter se juntado ao movimento de Zimmerwald [que contestava a adesão da maioria dos socialistas à 1.ª Guerra Mundial] e à esquerda bolchevique, ele se dirige à Rússia durante o verão de 1917. Ele propõe então novas gratificações aos bolcheviques, que repelem sua ajuda, desconfiados quanto à origem dos fundos de que dispõe Karl Moor. Nomeado cidadão honorário, ele vai viver na URSS até 1928. Após o esmagamento do nazismo, em 1945, os arquivos alemães e austríacos vão revelar que Moor era um agente duplo, empregado por alemães e suíços, informação que explica, em retrospecto, as excelentes relações que ele mantinha há muito tempo com a representação alemã em Berna...
Nesta entrevista de junho como uma das partes do programa C dans l’air de discussão sobre atualidades, o prefeito da cidade meridional francesa de Nice, Christian Estrosi, relembra uma agressão violenta lá ocorrida contra uma senhora de idade e sua neta, no meio da rua, sem motivo aparente. Ex-motociclista, Estrosi é vice-presidente do partido Horizons (Horizontes), um puxadinho do partido Renaissance (Renascimento, antigo A República em Marcha) do presidente Macron fundado por seu ex-primeiro-ministro e provável apadrinhado à sucessão, Édouard Philippe.
Pro brasileiro acostumado a nosso noticiário trágico, parece desgraça pouca, mas nos últimos anos a violência tem explodido no sul da França, inclusive na famosa Marselha, em que alguns bairros pobres estão inclusive controlados por traficantes de drogas. Estrosi é uma das figuras da direita que, assim como os defensores dos policiais quando ocorrem os piores protestos em Paris, é crítico de abordagens consideradas leves demais contra os criminosos, às quais ele inventa o curioso epíteto de “droits-de-l’hommiste”, que poderíamos traduzir grosseiramente como “direitos-human(os)ista”. Não quero entrar no mérito da questão, mas podíamos passar pro “brasilês”, apesar da linguagem menos culta, mais ou menos como “direitos dos manos”, “defensor de bandido” ou, como diria a célebre Sherazeda, “adote um bandido”. Vamos à tradução sem transcrição:
E somos numerosos na maioria presidencial [como tipicamente é chamada a base aliada do governo no Legislativo], bem como entre Os Republicanos [antiga UMP de Sarkozy, que só vota com Macron quando lhe convém], a ter uma visão republicana: sabemos muito bem que as declarações grandiloquentes não servem pra nada se a Constituição de nosso país não for reformada no sentido de dar mais meios à Justiça, confrontando instituições empoeiradas que põem empecilhos a tudo de maneira “droit-de-l’hommiste”.
Por falar na França e no presidente Emmanuel Macron, aqui estão três vídeos aleatórios, tirados de contexto e interessantes. O primeiro é quando durante a parada da festa nacional de 14 de Julho, o primeiro-ministro barateiro indiano Narendra Modi vem como convidado de honra, um pelotão de seu exército desfila na avenida Champs-Élysées e ele bate continência na hora de sua passagem: a musiquinha é bastante agradável... O segundo é parte de uma entrevista coletiva após a recepção à presidente da Moldova, Maia Sandu, em que ele responde a uma das perguntas dizendo: Ça n’a rien à voir avec la Moldavie ! (Isso não tem nada a ver com a Moldávia/Moldova!). E o terceiro é uma frase em resposta a uma das jornalistas que o entrevistava, dizendo que o estavam comparando a Júpiter, pois queria governar isolado e resolver tudo sozinho (“de forma jupiteriana”, como se diz no jargão político, às vezes também em referência a Putin). Ele diz: J’ai jamais revendiqué cette comparaison mythologique (Nunca reivindiquei essa comparação mitológica), e completa, o que não adicionei, que preferia ser comparado a Vulcano, deus da tecnologia, da metalurgia, dos ferreiros, artesãos, escultores e similares, pois estaria sempre “trabalhando”, “no batente”.
Mas infelizmente, como comenta Axel de Tarlé, um dos apresentadores do mesmo C dans l’air, Paris já não anda mais tão na moda, como antigamente. Comentando o referido golpe no Níger, assim com os do Mali e de Burquina-Fasso, que se acompanharam de atitudes antifrancesas por parte das juntas, ele comenta uma das verdades da atualidade: “Nous ne voulons pas de la France ?” On est détestés maintenant, les Français, dans cette partie du monde ? (“Não queremos mais França?” Agora nós, franceses, somos detestados nessa parte do mundo?)