quarta-feira, 12 de julho de 2023

Lenda bragantina: ‘Qué Yakult, moço?’


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/euvirinha

Quando atualizei esta publicação há algumas semanas pra inserir um depoimento público que dei logo após terminar o Ensino Médio, descobri algo muito interessante sobre uma lenda urbana que muitas pessoas de Bragança Paulista, SP, conheceram. Fiz uma busca no Google pra obter mais informações sobre o referido periódico, o Jornal do Meio, suplemento cultural semanal que, conforme pude apurar, existiu do fim de 2002 até mais ou menos 2018, mas cujo CNPJ cobre o período de 2003 a 2020. Ele vinha dentro do Bragança-Jornal Diário, antigo e tradicional periódico da cidade também extinto em 2021 e que minha família não assinava, mas com o qual eu tinha contato em comércios, na escola e com amigos.

Nessa busca, descobri um perfil abandonado desde 2011 no site Issuu, que só tem dois arquivos (um deles inacessível) e que, pelo jeito, pretendia ser uma espécie de memorial do Jornal do Meio ou resgatar textos mais antigos. Um deles, porém, tratava de uma figura muito conhecida e com a qual brincávamos inclusive entre os colegas de escola: uma senhora de meia-idade, baixinha, corcunda e com o bumbum arrebitado, estrábica de um olho e que parecia ter alguma deficiência mental. Com seu carrinho na praça central da Catedral, parada ou empurrando, vendia garrafinhas do famoso leite fermentado Yakult e outros produtos da mesma marca, e às vezes ela também frequentava as missas das principais festas católicas na Matriz (época em que eu ainda frequentava a igreja). Mas sua marca principal, como testemunhei durante as décadas de 1990 e 2000, era chamar os passantes a comprar seus produtos com os famosos bordões “Quer Yakult, moço?”, “Quer Yakuuuult?”, “Compra Yakult, vai!” ou alguma variação, às vezes quase implorando...

Como toda figura pública, sobretudo lendas urbanas, muito conhecida, mas sobre a qual pouco se sabia realmente, ela tinha até a própria comunidade do Orkut, criada por algum bragantino bem-humorado, cujo título tinha um dos bordões dela e cuja foto colorida era da senhora, exibindo com sorriso e orgulho um Yakult em cada uma de suas mãos! Infelizmente, não tenho print da página nem achei em qualquer lugar da internet, mas na época, o que importava era a descontração! Não me lembro do conteúdo exato, mas todo mundo contava alguma passagem com ela ou alguma situação engraçada. Mas eu mesmo nunca soube detalhes, até encontrar há algumas semanas essa reportagem quase perdida, digitalizada, na página 6 do Jornal do Meio, edição de sexta-feira, 13 de dezembro de 2002.

Nem só de Red Bull Bragantino vive a Capital Nacional da Linguiça Calabresa, mas como toda cidade média de origem rural (veja que o “clã Leme” aparece em muitos nomes de logradouros...), você vai conhecer abaixo mais um mito, cuja foto em preto-e-branco do jornal também segue abaixo, já que não conheço outros registros em cores. Não tive outra opção senão redigitar o conteúdo, que não podia ter os caracteres copiados, e apenas fiz poucas atualizações ortográficas. Assim, mesmo em grande parte com as palavras da mãe já idosa da vendedora, acredito estar eternizando alguém que de fato não vejo há alguns anos, não sei desde quando, e que deve ter sofrido muito com as restrições da pandemia!



Euvirinha se prepara para mais um dia de trabalho: ela vai até a praça Raul Leme para vender Yakult.


“Moça, quer Yakult?” “Compra Yakult moço!”
Exemplo de superação: Euvirinha é a vendedora mais querida da cidade

Ouvir estas expressões ao passar pelo centro de Bragança Paulista é bastante comum. A autora das frases é a simpática Euvira Martins, a “Euvirinha”, que diariamente divide espaço com quem frequenta a praça José Bonifácio e também a rua Coronel Teófilo Leme, coração comercial da cidade. Incansável, Euvirinha vende Yakult na rua.

Aos 48 anos, a vendedora já perdeu a conta de quantos anos faz que comercializa o produto na cidade. “Já faz uns vinte anos”, ajuda a mãe, a lavadeira Terezinha Torres Martins.

Euvirinha teve problemas quando ainda era bebê. “Ela tinha ataque, assim como ataque epilético, quando tinha dois anos”, explica dona Terezinha. “Só depois de um tratamento é que ela começou a andar e a falar. Isso, aos cinco anos. Até hoje, ela [a]inda precisa de remédios”, conclui. Quando criança, Euvirinha frequentou a escola como ouvinte. “Naquela época, não tinha a APAE ainda e também não havia como ensinar crianças especiais nas escolas comuns, como acontece atualmente”, diz dona Terezinha. Ainda assim, Euvirinha foi alfabetizada por uma professora particular e aprendeu a ler, escrever e fazer contas.

“Quando ela tinha uns 28 anos, queria trabalhar de qualquer jeito. Eu não conseguia mais segurá-la em casa. Um belo dia, ela saiu para procurar emprego e apareceu aqui em casa como vendedora de um suco que tinha na época, chamado Mamy. Foi ela mesma quem arrumou o emprego”, detalha a mãe.

Depois de algum tempo, a distribuidora do produto fechou. Como boa funcionária, Euvirinha foi indicada pelos donos da loja Mamy a procurar a distribuidora Yakult. “Fui junto e ela conseguiu ser vendedora deles. Isso já tem uns 15 anos”, explica dona Terezinha. A dificuldade na fala não impede o trabalho de Euvirinha. “Lá na empresa, eles dizem que ela é vendedora número um da Yakult aqui em Bragança”, orgulha-se a mãe. Euvirinha evita dizer quanto ganha por mês. “Eu vendo bem”, resume.

Força – A vendedora mora na Vila Aparecida e carrega seu próprio carrinho até a região central da cidade para vender. “Eu carrego sozinha. Veja só como meus braços são fortes!”, mostra Euvirinha.

Força de vontade e ânimo para trabalhar é o que não falta[m] para Euvirinha. Além das vendas, ela está sempre ajudando a mãe, que lava roupas para fora. “Lavo roupas na máquina, mas a grande maioria é de lavar na mão. São roupas sociais”, diz dona Terezinha. “Como tenho problemas de desgaste nos joelhos, tenho dificuldade para estender. É a Euvirinha que estende e depois recolhe tudo para mim. Além disso, ela quer arrumar mais algum trabalho para fazer em casa. Ela gosta mesmo de trabalhar”, conta dona Terezinha.

Fora vender Yakult na praça Raul Leme e na rua Coronel Teófilo Leme, Euvirinha quer que sua freguesia a procure na casa dela. “As pessoas também podem vir até aqui em casa para comprar”, convoca a vendedora. Euvirinha, que já é figura tradicional de Bragança, mora na rua Dr. Silva Leme, n.º 2 (rua próxima à escola CEMABA), na Vila Aparecida.



“Mamy” era uma bebida de saquinho que mudou o nome pra “Mupy”.

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