segunda-feira, 3 de julho de 2023

Presidente da Bolívia, Luis Arce é ateu


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Este artigo (sem ser a versão pra celular, não abre nem com desbloqueador) do jornal boliviano Página Siete que achei por acaso me pareceu muito interessante, e decidi publicar uma versão em português. Ele se chama “Ateo y poderoso, Arce llegó a creer en la energía de la oración” (Ateu e poderoso, Arce chegou a acreditar na energia da oração) e foi publicado por Mery Vaca na madrugada de 20 de maio de 2018, quando o atual presidente da Bolívia, o socialista Luis Arce, ainda era o ministro da Economia do presidente Evo Morales, ambos pertencendo ao partido Movimento ao Socialismo (MAS), que governa o país desde janeiro de 2006. Houve apenas um interstício de novembro de 2019 a novembro de 2020, na sequência de manifestações violentas contra uma quarta vitória de Morales, considerada fraudulenta e que levou a sua renúncia e à dos sucessores imediatos, quando a senadora direitista Jeanine Áñez terminou assumindo. Isso não impediu que, em novas eleições finalmente realizadas, Arce derrotasse seus opositores e novamente levasse a esquerda à presidência.

O período Morales, primeiro mandatário de origem indígena (aimará), foi conhecido pelo desenvolvimento social e econômico inédito na Bolívia e pela estabilidade de poder, antes da qual vários presidentes se revezavam em pouco tempo e renunciavam facilmente após crises graves. Alguns fatores que possibilitaram isso foram a nacionalização das matérias-primas, também conhecidas como commodities, o aumento internacional do preço delas durante os anos 2000 (que também beneficiou muito o Brasil de Lula) e medidas de inclusão voltadas pras populações indígenas, antes alijadas do processo político. Porém, o MAS foi criticado por ter esquecido as regiões mais ricas do país e lidado com as oposições de modo violento e autoritário, inclusive interferindo no processo eleitoral. Economista e ministro da Economia de 2006 a 2017 e em 2019, Luis Arce é considerado o pai desse “milagre econômico” estatizante, e o período de pausa se deveu exatamente à doença sobre a qual conta o artigo.

Primeiro joguei o artigo no Google Tradutor, pra poupar tempo, e depois fiz várias correções de acordo com meu próprio estilo e com o que eu achava bizarro numa redação em português, além da pesquisa de pontos que precisavam de esclarecimento. Achei o conteúdo digno de tradução não só porque tenho uma admiração velada por Morales e por Arce (rs), apesar de alguns excessos políticos com que não concordo, mas porque mostra como é raro haver um ateu governando um país latino-americano, e ainda por cima respeitando as outras crenças e tendo uma relação muito pessoal com assuntos espirituais.



O ex-ministro da Economia é docente, consultor internacional e está prestes a pôr em marcha ao menos dois empreendimentos familiares.

Ele era um homem realizado e poderoso até que um dia, em 2017, descobriu que estava com câncer no rim.

Luis Arce Catacora gerenciava bilhões de dólares da economia boliviana e acreditava ser mais sortudo do que John Maynard Keynes, porque, diferentemente do economista britânico, tinha conseguido pôr em prática o modelo que aquele teorizou.

Ele chamava seus críticos, entre eles os mais respeitados economistas bolivianos, de “palpiteiros neoliberais” e lhes respondia com o atraso de que, segundo ele, sofriam igual ao neoliberalismo que professavam. A mídia internacional, como América Economía, o destacou entre os 10 melhores ministros da economia da região pela probidade com que executou o modelo boliviano.

Não fazia nem um mês que o novo prédio do Ministério da Economia e Finanças tinha sido inaugurado em meio a uma forte polêmica porque veio a público que a instalação incluía tapetes persas (que no final não foram adquiridos), móveis de design e os luxos tecnológicos mais caros. A infraestrutura, na qual Arce só pôde trabalhar por 25 dias, exigiu um investimento de 104,3 milhões de bolivianos [cerca de R$ 72,68 milhões no fim de junho de 2023; pra se ter uma noção, o PIB da Bolívia em 2022 era de cerca de 49,3 bilhões de bolivianos].

Por isso, teve de largar tudo e viajar para o Brasil para tratar da doença que, aos 54 anos, marcou um antes e um depois em sua vida. Partiu “sacrificando tudo o que tinha para sacrificar”, pois “de que adianta ter bens se não se tem saúde?”, refletiu um ano depois.

Luis Arce foi ministro da Economia por 11 anos e meio, período em que dormiu pouco, se estressou muito e acompanhou, como poucos puderam fazer, o ritmo do presidente Evo Morales.

Em 2007, médicos cubanos lhe disseram que, se quisesse durar no cargo, deveria mudar seu estilo de vida. Eles recomendaram abandonar o café, gorduras e álcool. E assim ele fez. Seguiu uma dieta rígida, a qual combinou com esportes. Luis Arce joga basquete desde os tempos da escola.

Para ter certeza de que estava tudo bem, fazia um check-up anual “da ponta dos pés à ponta dos cabelos”, e nunca foi detectado nada. De repente, dores cada vez mais fortes o alertaram de que havia algo errado.

“Se tivéssemos tido médicos mais perspicazes, teríamos diagnosticado antes”, diz ele. Mas não temos. Na Bolívia, o diagnóstico de câncer é quase uma sentença de morte. E Arce o sentiu desde o momento em que lhe disseram que queriam remover seu rim.

No Brasil, ele passou por um rígido tratamento que fez o tumor desaparecer sem que precisasse remover o órgão. “O médico está surpreso com a recuperação obtida; é algo que ele mesmo julgou ser um milagre”, aponta. Ele se arrisca a sugerir que, se tivesse sido operado, “talvez Luis Arce já não existisse mais”, porque o câncer já estaria espalhado para além do rim.

Está agora na fase de check-ups trimestrais, logo virão os check-ups semestrais e, finalmente, os anuais, tudo com o objetivo de evitar que reapareçam as células malignas, o que, segundo teria dito o médico que o atendeu, costuma ocorrer com muita frequência.

Luis Arce parece saudável e irradia otimismo. “Superamos o problema que nos afligia”, diz, sem mencionar a palavra câncer ao longo da entrevista. No entanto, ele deve cumprir o protocolo completo, o que poderá durar de três a cinco anos.

Arce é professor titular do curso de Economia da Universidade Maior de San Andrés (UMSA, La Paz). Mesmo como ministro, diz que sacrificava dois almoços por semana para continuar dando aulas, às quais voltou, por ter agora mais tempo livre.

Paralelamente, tornou-se consultor de organizações internacionais que, segundo diz, lhe pagam muito bem, o que lhe permite continuar pagando seu tratamento, que é “caro, muito caro”.

Ele não quer dar números, mas para termos uma ideia, conta que, além de passagens e hotel, deve pagar o tratamento e o hospital, fora os honorários de médicos que, sendo profissionais brasileiros de alto nível, lucram cerca de dois milhões de dólares por ano.

Segundo conta, quando foi ao Brasil para começar o tratamento, estava decidido a vender seu apartamento e seu carro SUV, mas garante que recebeu tamanha ajuda do povo, a começar pelo presidente, pelos ministros e por outras entidades, que não foi preciso desfazer-se de seus bens materiais.

Mas as pessoas não enviavam só dinheiro, mas também suas orações para que o ex-ministro se curasse. Arce afirma ser ateu, mas diz que conseguiu sentir a energia enviada pelas diversas correntes de oração feitas por sua saúde. “Sou ateu, mas senti uma energia que chegava até São Paulo, vinda dos vários grupos que oravam por minha saúde”, diz agora, agradecido.

O ex-ministro não deixou tudo nas mãos dos médicos brasileiros, mas passou a consumir produtos naturais que aumentaram sua imunidade, como noni, moringa (planta que Fidel Castro enviava a Evo na forma de comprimidos), graviola, açafrão e a mistura de bicarbonato de sódio com limão. Com a desenvoltura de um médico autodidata, diz que se a imunidade não aumentar, as células malignas avançam e logo se tornam tumores. Como prova de que o tratamento funcionou, ele conta que desde que começou não voltou sequer a resfriar-se.

Uma vida saudável, um tratamento de primeira no Brasil e produtos naturais fizeram o milagre para um ateu. Mas nada disso teria sido possível sem o desejo ardente de viver. Ele conta que quando descobriu que tinha “essa doença”, viu seus filhos, sua esposa e sua mãe desabarem emocionalmente. “Eu disse a mim mesmo: não vou me deixar vencer por isso.”

Até agora, ele pode dizer que conseguiu. Tanto é que está cheio de planos, inclusive empresariais. Ele tem quatro ideias de empreendimento e tem certeza de que vai pôr em prática pelo menos duas delas junto com a família, “para não depender de nenhuma fonte estatal, porque sempre que trabalhamos no Estado, somos observados”.

Há alguns meses, as notícias de diversas mídias falavam dos parentes no poder. Estavam nessa lista a esposa de Arce, Lourdes Durán Romero, como subgerente regional de agências, empresas e PMEs do Banco Unión, e dois de seus filhos como funcionários da YPFB [a estatal de petróleo] e da Agência Nacional de Hidrocarbonetos (ANH). De fato, há depoimentos de 2015 e 2016, respectivamente, ambos para a Controladoria Geral da Bolívia.

Na ocasião, Arce afirmou que sua esposa alcançou aquele cargo pelo mérito. “Não é ilícito a família trabalhar: se preenche todos os requisitos exigidos por um cargo, por que não pode? Ilícito é um cargo ser preenchido por indicação”, diz Arce desta vez ao Página Siete. O presidente Evo Morales pensa o mesmo.

Luis Arce e Evo Morales pensam igual em quase tudo, mais ainda quando se trata de economia, embora em seu relacionamento não faltassem discussões e “duelos”. O primeiro choque foi em 2006, quando Evo quis cumprir uma promessa eleitoral de dobrar o salário mínimo, mas Arce mostrou as cifras para convencê-lo de que isso era impossível antes que os hidrocarbonetos fossem nacionalizados.

Arce é um duende, como esses personagens de historinhas que tomam a casa e se apropriam dela. A metáfora é boa porque o ex-ministro integrou um grupo de socialistas chamado “Os Duendes”, que desde 1999 analisava a realidade todas as quartas-feiras. Lembra que, enquanto Francis Fukuyama teorizava sobre o fim da história, Os Duendes analisavam o que viria após a ruína do capitalismo.

Costumava ser convidado para esse grupo Álvaro García Linera, que convidaria Os Duendes, uma vez candidato à vice-presidência, para integrarem a equipe que elaborou o programa do Movimento ao Socialismo (MAS) em 2005.

Coube a Arce trabalhar com Carlos Villegas, um velho conhecido que tinha sido seu orientador de tese e com quem elaborou o plano econômico que logo teria que executar. Apesar de sua missão estratégica, não apertou a mão de Evo até o dia em que foi empossado ministro da Fazenda.

Depois, ao modo de um professor (embora Arce não use essa palavra para referir-se a sua relação com Evo), deveria falar com o presidente sobre PIB, reservas internacionais e inflação. Arce descreve o mandatário como “uma esponjinha” para aprender e se orgulha de ter conseguido falar com a desenvoltura de “um estadista”. Certa vez, após um discurso cheio de variáveis econômicas, o próprio Evo lhe teria perguntado: “Como fiz de você um professor?” Arce sorri satisfeito.

A relação entre os dois era (e continua sendo, segundo Arce) muito próxima. Evo Morales parece ter derramado algumas lágrimas naquele 26 de junho, quando demitiu Arce para que ele fosse ao Brasil tratar-se do câncer.

Arce saiu, mas nada mudou no Ministério da Economia, diz ele, porque deixou uma sólida equipe constituída, em sua maioria, por ex-alunos seus da UMSA e de outras universidades. “Você conhece o bom chefe quando ele sai e tudo fica igual ou melhor. Então saio feliz porque eles estão indo bem”, diz Arce, como se não fosse mesmo voltar ao governo. “Gostaria muito de voltar”, esclarece, mas prometeu à família obedecer a todo o protocolo que os médicos indicarem.

Arce recorda seu início no Banco Central da Bolívia, onde ganhava um salário de 400 bolivianos, e se orgulha ao dizer que naquela instituição recebeu o primeiro elogio do FMI; o tão difamado fundo, pode-se acrescentar. Logo viriam muitos elogios dos que acreditam que Arce teorizou e executou um modelo econômico vitorioso na Bolívia. Seus detratores, em contrapartida, argumentam que o “milagre boliviano” se deveu aos altos preços das matérias-primas que os odiados neoliberais permitiram descobrir no país.

Arce é o homem da economia boliviana da última década, disso não há dúvidas. É também é o “Superluchito”, o desenho feito por seus colaboradores, que o mostram como um gênio dos números. Porém, acima de tudo, é um filho, um pai e um marido que luta por sua saúde.



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