O Brasil voltou à cena internacional, diz o atual Presidente Luís Inácio Lula da Silva. Na verdade, não saiu, estava ali como peso morto e omisso em questões vitais para a humanidade. A volta de uma presença mais ativa na cena internacional teve um primeiro round muito positivo com a assunção dos compromissos mundiais com a agenda ambiental e cresceu com a ação pronta e imediata no socorro aos índios ianomâmis e aos vitimados pelas enchentes em São Sebastião e outras localidades. E veio, em seguida, a abordagem da questão da paz, da guerra na Ucrânia que geraram expectativas positivas. Porém, as declarações quando da visita à China e na recepção ao Chanceler Sergei Lavrov da Rússia em Brasília levaram o Brasil, objetivamente, a favorecer o agressor russo Vladimir Putin. E o Presidente Luís Inacio Lula da Silva começou a cair no crédito internacional. Já a comunidade ucraniana brasileira ficou indignada, tanto a parte que votou contra ele como a parte da comunidade que votou nele.
Na visita de Sergei Lavrov, o Brasil somente fez uma declaração pedindo o cessar-fogo, como continuidade da responsabilização por igual na continuidade da guerra para a Rússia e Ucrânia e responsabilidade da continuidade da guerra aos Estados Unidos e Europa por fornecer armas para a Ucrânia. As críticas se fizeram sentir por todos os lados, e na recepção ao Presidente da Romênia, o Presidente foi obrigado a ler texto onde afirmava o reconhecimento da integridade territorial da Ucrânia e Celso Amorim sair em campo para explicar o inexplicável. Antes, enviou o Celso Amorim a Moscou, sem visitar Kyiv ao mesmo tempo, repetindo o que fez Bolsonaro. Enfim, o Brasil ainda não firmou uma posição que o coloque no campo da democracia mundial e possa de fato favorecer o caminho da paz e da justiça.
Há um desconhecimento da história da Ucrânia e da Rússia e uma grande intoxicação, não sanada, pelas concepções stalinistas e da atual propaganda do FSB (ex-KGB) sobre a expansão da OTAN, os Estados Unidos terceirizando a guerra contra a Rússia e outras. A responsabilidade pela expansão da OTAN é da própria Rússia. Basta ver as duas últimas adesões, Suécia em curso e Finlândia já efetivada. Elas se deram não por vontade dos membros da OTAN, mas por decisão dos povos desses dois países para terem segurança frente à ameaça que representa a vizinha Rússia. E assim foi com os países bálticos, a Polônia e era a vontade da Ucrânia. Ninguém buscou a OTAN para agredir a Rússia, mas para se proteger dela. O problema para a Rússia é a própria elite russa e seu projeto.
A agressão da Rússia à Ucrânia vem desde a independência em 1991, não começou em 24 de fevereiro de 2022 nem em 2014, mas antes, está fundada em um projeto desenvolvido no âmbito do governo russo após a dissolução da União Soviética. Não se pode também esquecer o passado imperial tsarista, a crítica dos revolucionários de 1917 à elite russa por sua concepção de superioridade racial, o Holodomor e o totalitarismo stalinista. Atualmente, verificando-se o círculo no entorno de Vladimir Putin encontramos os conservadores chauvinistas russos Vladimir Iakunin, o Padre Tikhon Shevkunov e Vladislav Surkov, defensor convicto da narrativa “não há Ucrânia”, que levou Putin a escrever um texto de 20 páginas afirmando que a Ucrânia é uma invenção de Lenin. A citação mais frequente nos discursos de Putin é a de Ivan Ilin (1883-1954). Ilin foi expulso da Rússia soviética em 1922. No exílio, em Berlim e depois na Suíça, conectou-se aos emigrados russos contrarrevolucionários e abraçou o pensamento fascista. Em 1950, escreveu um ensaio que viria a ser repetidamente citado por Putin. Outros citados são Nikolai Danilevski, que pregou o messianismo da cultura eslava, Lev Gumiliov, expoente do eurasianismo, ou Konstantin Leontiev, filósofo russo monarquista conservador que defendia uma união monárquica conservadora entre a Rússia e o Oriente contra o que ele acreditava serem as catastróficas influências igualitárias, utilitárias e revolucionárias do Ocidente. Analisando-se atentamente os discursos dos últimos 20 anos de Putin, constata-se um pensamento formado em um coquetel de superioridade étnica russa, conservadorismo e expansionismo. Daí por que a ocupação da Ucrânia é uma peça no projeto eurasiático com centro em Moscou por parte de Vladimir Putin. Aleksandr Dugin disse isso com todas as tintas: “a guerra à Ucrânia como uma pré-condição para o renascimento do Império Russo.”
Sobre o dever de oferecer armas à Ucrânia. Uma situação é o fornecimento de armas para um país que agride outro, e outra situação é o fornecimento de armas para a defesa de um país agredido. No caso, os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a China e a Irlanda do Norte têm obrigação de fornecer armas para a Ucrânia se defender. A razão está que a Ucrânia aparece no cenário internacional em 1991 como a terceira potência nuclear do planeta, pelo número de ogivas nucleares existentes em seu território. Em 5 de dezembro de 1994, com a adesão da Ucrânia ao tratado de não proliferação de armas atômicas, a Rússia reconheceu as fronteiras da Ucrânia, incluindo a Crimeia. Em 5 de dezembro de 1994 é assinado o Memorando de Budapeste: “1. A Federação Russa, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e os Estados Unidos da América reafirmam seu compromisso com a Ucrânia, de acordo com os princípios da Ata Final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, em respeitar a independência e soberania e as fronteiras existentes da Ucrânia [...]”. Depois aderem ao memorando a França e a China.
A Rússia não cumpre leis e tratados internacionais. Desde 1991 nenhuma das guerras da Rússia terminou em paz negociada estável. A Rússia tende a congelar conflitos, mantê-los como desestabilizadores enquanto chantageia o mundo. Foi assim com a Moldova em 1992, conflito congelado até hoje; a Chechênia, onde a Rússia forçou a aceitar a ocupação depois de vários anos; a Geórgia em 2008, mais de 20% do território da Geórgia permanece ocupado; a Rússia ocupou a Crimeia em 2014 e se infiltrou no leste, em Donetsk e Luhansk, e depois de manter a guerra semicongelada por 8 anos, invadiu a Ucrânia em 2022 tentando derrubar o governo e ocupar o país. Portanto, se a Ucrânia parar de resistir, só serve à tática e estratégia russa de manter conflitos para mais adiante avançar mais. Cessar fogo, com soldados russos em terras ucranianas, sem exigência de desocupação total do território ucraniano pelas forças armadas russas, é favorecer a estratégia russa.
Para a constituição e sucesso de um grupo de países amigos da Paz, há que se redefinir rumos, enviar Celso Amorim de imediato a Kyiv, o Presidente deve aceitar o convite e ir à Ucrânia. E o Brasil precisa estudar mais a história da Ucrânia e considerar o que significam o governo russo para a democracia e o desenvolvimento social e cultural da humanidade e a sua política imperial belicosa. A Ucrânia precisa de amigos da paz, e não de amigos da tática e estratégia russa. Os 10 pontos da fórmula da Paz proposta pelo Presidente Zelensky conduzem à paz, e a fórmula de congelamento do conflito faz perdurarem a instabilidade e a durabilidade da guerra de agressão.
VITORIO SOROTIUK / Curitiba, 21 de abril de 2023
Presidente da Representação
Central Ucraniano-Brasileira
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