sábado, 11 de março de 2023

Macron também tuíta em georgiano


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Nos últimos dias, a Geórgia tem vistos protestos como nunca vistos há um bom tempo, porque o governo comandado pelo primeiro-ministro do partido Sonho Georgiano (parece piada, né?), um oligarca com vínculos econômicos diretos com Moscou, quis implantar uma lei sobre “agentes estrangeiros” parecida com a que Vladimir Putin impôs à Rússia em 2012. No caso de Tbilisi, entidades que recebessem mais de 20% de financiamento estrangeiro deveriam portar o referido rótulo e estar sujeitas a multas. Enquanto a maioria do povo georgiano estava apoiando o rumo pró-União Europeia seguido pelo país desde 2003, o governo do Sonho Georgiano tem se tornado um pesadelo autoritário, apoiador da Rússia e avesso a se juntar às sanções ao país que há mais de um ano invadiu militarmente a Ucrânia.

Porém, a própria presidente, que por outro lado, pelo parlamentarismo vigente, tem poderes reduzidos, também é pró-Europa e se mostrou contra o projeto, que foi apontado pela UE como um possível pretexto pra tirar o estatuto da Geórgia de candidata à entrada no bloco. Após protestos massivos e que beiraram a violência, o governo retirou o projeto, mas como o país do Cáucaso enfrenta outros problemas, o povo continua nas ruas. Obviamente, o Kremlin se mostrou “preocupado” com as ameaças a sua marionete e chamou as agitações de “tentativa de golpe de Estado orquestrada por Washington” (que novidade, né?).

Nesse meio-tempo, Emmanuel Napoléon Macron, presidente da França que também pensa que é presidente da Europa e do mundo, postou uma mensagem de apoio aos manifestantes georgianos e depois publicou uma tradução dela em georgiano, feita provavelmente por um falante nativo, e não por tradução automática, conforme vemos pela discrepância de datas. Inclusive, a presidente do país estudou na França e fala francês fluentemente, como já demonstrou em algumas entrevistas pra canais estatais de Paris. Volta e meia, Manu lança tuítes traduzidos pras línguas maternas de seus destinatários, embora ele mesmo só fale francês e inglês.

Vejamos a primeira mensagem do presidente em francês, a qual vou traduzir literalmente, e em georgiano, no peculiar alfabeto mkhedruli. Como não domino esta língua perfeitamente, vou apenas transliterar a escrita pra você ter uma noção da pronúncia, embora aprendê-la a fundo seja essencial pra entendermos como ela soa de verdade:


O apego das georgianas e georgianos aos valores democráticos e à liberdade de imprensa e de associação foi escutado. A Geórgia, voltada na direção da Europa, sabe que pode contar com a amizade da França.

Gagonilia kartvelebis ertguleba demok’rat’iuli ghirebulebebis, p’resisa da gaertianebis tavisuplebis mimart. Evrop’isk’en shet’rialebulma sakartvelom itsis, rom sheudzlia saprangetis megobrobis imedi hkondes. (Os apóstrofos inficam as chamadas consoantes “ejetivas” ou “plosivas”.)


Mesmo não sendo difícil de aprender, o alfabeto tem um desenho tão peculiar, diferente de tudo mais que existe na Europa e no Oriente Médio, que embora ele seja totalmente fonético e facilmente substituível por qualquer adaptação da escrita latina, ele dá uma identidade visual muito peculiar à língua e, por isso, é considerado um patrimônio cultural inalienável. Todavia, sempre tem aquele babaca que resolve transformar a ignorância em virtude e busca se reafirmar com um sarcasmo sem graça:

“Escrita panorâmica [envolvente?], kkkkk. Falando sério, não acho que essa escrita pertença a nenhum país.” (Na verdade, como vimos, é à língua que ele pertence, pois o país teve destinos diversos, desde constituir um poderoso reino até se tornar uma mera província da Rússia tsarista.)


Claro que a brincadeira não tinha razão de ser, mas infelizmente ela deu margem a algumas observações xenofóbicas, embora não possamos saber ao certo a nacionalidade do rapaz (não entrei no perfil dele). Quanto ao segundo tuíte, apesar da língua georgiana talvez ter se tornado independente por volta de 2700 anos atrás, os primeiros registros escritos datam do século 4. Todos os outros relatos atribuindo maior antiguidade ao alfabeto pertencem ao campo da lenda, e mesmo a afirmação de que seu inventor foi o mesmo do alfabeto armênio carece de provas arqueológicas:

“Bem descarado pra vir de um marroquino.”

“Quando teus antepassados chupavam pedras [?] pra se alimentar ainda há 250 anos, a escrita georgiana já tinha sido inventada há cerca de 2500 anos.”



Felizmente, muitas pessoas de bom senso, certamente georgianas na maioria, agradeceram ao mauricinho com um lindo madloba (obrigado) ou didi madloba (muito obrigado) em georgiano, naquele alfabeto que o árabe não considerou ser real. Isso porque quando estudo árabe, minha mãe fala que parece “coisa nenhuma, só um monte de rabiscos”, rs.

Finalmente, pra homenagear o inquilino do Élysée, gostaria de lhe oferecer esta canção do sertanejo Marcelo Aguiar, começo da década de 1990, quando ele ainda “não tinha poder de filho” nem tinha virado cantor gospel e deputado federal da Bancada da Bibra (felizmente, não reeleito em 2022):


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