Você já viu a segunda parte daquele episódio do Chaves (El Chavo del Ocho) que se passa no Dia de São Valentim (14 de fevereiro), que no Hemisfério Norte equivale ao Dia dos Namorados brasileiro (12 de junho), mas que mesmo aqui vem sendo cada vez mais celebrado? Era sempre nesse dia que o SBT exibia esse episódio, em que há duas piadas linguísticas intraduzíveis que muita gente não deve ter entendido, ou ao menos levou muito tempo pra que alguém explicasse. Porém, não é por serem intraduzíveis que deixaram de entrar no anedotário nerd brasileiro!
A piada central é quando a Chiquinha está escrevendo pro Chaves um cartão de São Valentim, e ela lhe pergunta se “Valentim” se escreve “com B de burro ou V de vaca”. Bugou? Pois é, em espanhol, assim como em galego e catalão, não existe diferença semântica entre os sons do B e do V, como ocorre em português. Porém, por causa da evolução histórica a partir do latim, as duas grafias diferentes se mantiveram! (É claro que entre vogais ou no meio da palavra às vezes escutamos um som parecido ao do V, mas não é a mesma coisa, e essa diferença não é distintiva.) Por isso, Valentín em espanhol se pronuncia “balenntínn”, e não “valẽit(ch)ĩ”, como em português. E vaca, “baka”, e não “vaka”.
Como já falei aqui em publicações sobre latim, alguns especialistas supõem que não existia nessa língua o som de V, e que partilhando a mesma grafia do atual U, talvez fosse pronunciado como o U de “Mauá” na vizinhança de outra vogal. A grafia U foi uma invenção posterior, e a pronúncia V foi uma inovação das línguas românicas (compare com a tendência alemã e nórdica de pronunciar nosso “qua”, “quo” como “kva”, “kvo”). Por alguma razão, talvez influência de línguas ibéricas nativas, os sons B e V se fundiram, mas a ortografia não acompanhou a mudança. Não sei por que no Brasil a piada não foi adaptada (porque traduzir é impossível!), mas é como se em português perguntássemos se “caçar” se escreve com Ç ou SS (“cassar”, de fato, é outra palavra).
A outra piada mais sutil é quando no final o Seu Madruga se enfurece e diz que “Chaves” se escreve com “chê” de “chato”. Realmente, em espanhol o CH (que se chamava “tchê”) era considerado uma letra à parte do alfabeto, listada entre o C e o D. Pela reforma de 2010, embora a grafia não mudasse, o dígrafo CH deixou de ser uma letra à parte, sendo mais chamado agora ce hache (cê agá). Não sei se os tradutores tinham isso em mente, mas descobri que no original mexicano não é isso que “Don Ramón” fala. Ele termina irritado a conversa dizendo que se escreve “con B de buey” (com B de boi – e não de burro!), talvez querendo prejudicar a Chiquinha, ou atribuindo ao Chaves a natureza de um boi. De qualquer forma, ambas as fórmulas são engraçadas em seus contextos.
Infelizmente, não tive tempo de lançar no último dia 14, mas espero que mesmo assim você goste do texto e do vídeo. Outros canais do YouTube dão o trecho da piada, mas só eu postei com quadro recortado e o enredo integral. Não deixe também de ver esta ótima explicação didática (canal EspanoFlix Anny Olivedo) sobre o uso de B e V em espanhol. Nota importante: Infelizmente, devido a vários enroscos com direitos autorais, vários episódios em português do Chaves foram gradualmente sumindo do YouTube. Por isso mesmo, inclusive, alguns memes que eu separava e reproduzia no antigo canal Pan-Eslavo Brasil foram sendo bloqueados ou apagados pelo próprio site. Portanto, as fontes que mencionei aqui levam a vídeos do Dailymotion que procurei antes de escrever este texto.
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