O presidente da França, Emmanuel Macron, fez em 9 de dezembro de 2021 uma apresentação oral perante inúmeros jornalistas pra exibir o programa da presidência rotativa francesa da União Europeia durante o primeiro semestre de 2022. A cada seis meses, começando de 1.º de janeiro ou de 1.º de julho, os países do bloco revezam entre si a presidência do Conselho da União, e no começo de 2022 é a França que ocupará esse posto, até o meio do ano. Mesmo que um país específico ocupe a presidência rotativa, seu chefe de Estado ou de governo deve pensar em todos os outros integrantes, o que hoje se torna difícil diante de tantas discordâncias.
No vídeo completo postado no canal do presidente, Macron faz longas dissertações sobre segurança, imigração, cultura, educação e infraestrutura, antes de responder às perguntas dos jornalistas. Destaquei apenas uma parte de dois minutos e meio, perto do final, dedicada à cultura e às universidades, em que ele declara sua vontade de criar uma “Academia da Europa”, na qual intelectuais de todos os países da União Europeia se reuniriam pra discutir problemas candentes. Macron ataca especificamente o revisionismo histórico, a negação infundada de vários consensos acadêmicos e o uso da história pra atacar os valores europeus.
No site da presidência pode ser visto o vídeo e lida a transcrição completa do discurso de Macron em francês, a partir da qual eu traduzi pro português e legendei o trecho abaixo. No texto francês que postei aqui, fiz umas poucas modificações na transcrição, que pareciam não corresponder à fala.
Português: A história europeia não é apenas a soma de 27 histórias nacionais. Ela tem uma coerência, uma unidade que cada um pressente, mas que ainda não se permite ver plenamente. Por isso, espero que possamos relançar, sob esta presidência francesa, um grande trabalho sobre a história da Europa. Mas um grande trabalho que deve ser feito dentro de um quadro historiográfico independente.
Vivemos na Europa um momento político em que o revisionismo está se instalando em vários países, em que o revisionismo histórico é utilizado por poderes que querem pôr em xeque nossos valores, nossa história, por vezes rever seu próprio papel durante nosso século vinte. Devemos sem dúvida construir um quadro acadêmico em que os historiadores de toda a Europa possam continuar operando sobre um trabalho histórico independente, fundado nas evidências, nas provas, nas controvérsias; e espero que possamos, no próximo mês de junho, na França, iniciar esse trabalho que dará lugar a uma preparação árdua e científica, por um comitê independente durante os próximos meses, visando forjar uma história e uma historiografia de nossa Europa e de uma história mundial da Europa. É indispensável, e com base nesse trabalho, deveremos aliás levar em conta como esse trabalho poderá em seguida ser desdobrado em cada país europeu. O espírito europeu não é somente um passado, uma chama que devemos animar, reacender todo dia de modo sensível em nossas escolas, em nossos museus, em nossa cultura. Por isso, em junho próximo, também organizaremos uma grande reunião das universidades europeias. Com efeito, durante o discurso da Sorbonne, eu havia proposto que pudéssemos criar universidades europeias.
Nós fomos – nossas universidades foram – extraordinariamente eficazes: hoje existem 40 universidades europeias. Fazem parte dessas realizações bem concretas que, desde o discurso da Sorbonne, fazem com que este tenha se tornado realidade. Reuniremos essas 40 universidades, mais todas as que talvez serão criadas nesse meio-tempo, na França, a fim de podermos continuar essa agenda, mas consagrar também a importância das universidades na Europa. Espero também que essa presidência seja a ocasião de criar uma Academia da Europa que reunirá intelectuais de todas as disciplinas dos 27 Estados-membro para aclarar nossos debates éticos e nossas relações com as liberdades, propor também ações e projetos culturais.
Français (francês): L’histoire européenne n’est pas seulement l’addition de 27 [vingt-sept] histoires nationales. Elle a une cohérence, une unité que chacun pressent, mais qui ne se donne pas à voir encore pleinement. C’est pourquoi je souhaite que nous puissions relancer, sous cette présidence française, un grand travail sur l’histoire de l’Europe. Mais un grand travail qui doit se faire dans un cadre historiographique indépendant.
Nous vivons un moment politique en Europe, où le révisionnisme s’installe dans plusieurs pays, où le révisionnisme historique est utilisé par des puissances qui veulent remettre en cause nos valeurs, notre histoire, parfois revoir leur propre rôle durant notre vingtième siècle. Nous devons absolument bâtir un cadre académique où les historiens de toute l’Europe pourront continuer à œuvrer sur un travail historique indépendant, reposant sur les traces, les preuves, les controverses ; et je souhaite que nous puissions, au mois de juin prochain, en France, initier ce travail qui donnera lieu à une préparation ardue et scientifique, par un comité indépendant durant les prochains mois, mais de forger une histoire et une historiographie de notre Europe et d’une histoire mondiale de l’Europe. C’est indispensable, et sur la base de ce travail, nous devrons d’ailleurs considérer comment ce travail pourra ensuite être décliné dans chaque pays européen. L’esprit européen n’est pas seulement un passé, une flamme qu’il faut animer, rallumer chaque jour de manière sensible dans nos écoles, dans nos musées, dans notre culture. C’est pourquoi nous organiserons aussi, en juin prochain, une grande réunion des universités européennes. En effet, lors du discours de la Sorbonne, j’avais proposé que nous puissions créer des universités européennes.
Nous avons été – nos universités ont été – extraordinairement efficaces : 40 [quarante] universités européennes existent aujourd’hui. Cela fait partie de ces réalisations très concrètes qui, depuis le discours de la Sorbonne, font que celui-ci est devenu une réalité. Nous réunirons ces 40 universités, plus toutes celles qui se seront créées peut-être dans l’entretemps, en France, afin de pouvoir continuer cet agenda, mais de consacrer aussi l’importance des universités en Europe. Je souhaite aussi que cette présidence soit l’occasion de créer une Académie d’Europe qui réunira des intellectuels de toutes disciplines des 27 États membres pour éclairer nos débats éthiques, nos rapports aux libertés, proposer aussi des actions et des projets culturels.
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