quarta-feira, 30 de junho de 2021

Político búlgaro se desvia de tiro (2013)


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No dia 19 de janeiro de 2013, durante a 8.ª conferência nacional do partido búlgaro Movimento por Direitos e Liberdades (sigla DPS em búlgaro), o jovem Oktay Enimehmedov tentou atirar no presidente do organismo, Ahmed Dogan, que estava deixando a liderança 23 anos após tê-lo fundado. O DPS é de orientação liberal, mas conhecido por se dizer defensor da minoria étnica turca da Bulgária e, portanto, atacado tanto pela esquerda quanto pela extrema-direita.

Como podemos ver, o aspirante a assassino falhou em seu intento, dado o engripamento da pistola bem na hora do tiro, o que possibilitou a Dogan defender-se numa luta corporal e a Oktay, ser imobilizado e moído na porrada pelos seguranças. O mais bizarro é que se tratava, segundo notícias da época, de uma pistola de pressão, ou seja, o líder poderia até sofrer de danos vitalícios, mas pouco provavelmente morreria. De fato, o jovem alegou que sua intenção era apenas “dar um susto” em Dogan e provocar-lhe algum dano sério, lamentando apenas que “a arma tivesse falhado”.

Nunca ficou clara a motivação exata do atentado fracassado, mas muitos dizem que o DPS, inserido como estava no sistema, também seria responsável pela insatisfação dos búlgaros com a corrupção e os políticos, portanto teria deixado seus próprios “protegidos” turcos na mão. Oktay mesmo era búlgaro de etnia turca, o que pode fazer estranhar um ataque que poderia ter sido motivado por xenofobia. Mas essa era a verdade, e mesmo o povo que o DPS dizia representar não o via como um partido fiável.

Na minha montagem que segue abaixo, tivemos também a gentil colaboração do Rap do Maçaranduba, do antigo programa de humor Casseta & Planeta, pra quem se lembra dele na virada do século, hehehe. Leia também uma curta matéria da Veja a respeito do incidente. P.S. Atenção, crianças, não façam isso em casa!


sábado, 26 de junho de 2021

“Lula grátis”, ou bizarrices de tradução


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Lula grátis...


Esta postagem foi colocada em 18 de abril numa página do Facebook que já apaguei, e depois a repostei em meu perfil pessoal. Escrevi mais de um mês depois dos fatos, quando observei, muito por acaso, pelo menos quatro aberrações linguísticas deste bannerLula Livre”, de quando o ex-presidente fez um longo discurso após ter recuperado seus direitos políticos em 2021. Compartilhem ao máximo, mesmo em outras redes, pois o negócio é sério e o responsável parece ter meramente posto “free” no Google Tradutor e decalcado os resultados:

0) Não vou comentar a mistura entre palavras que significam “livre” e “liberdade”, porque isso pode ter sido feito de forma proposital.

1) Vamos com o russo primeiro, já que a maioria me segue por causa dele. Bem do lado esquerdo está em cirílico “бесплатно” (besplatno), que significa... “de graça”! Pra piorar, esta forma é curta e neutra, ou seja, usada quase sempre como advérbio (gratuitamente etc.). Em russo deveríamos dizer “свободный” (svobodny), que é a palavra certa, na forma longa masculina. Ou seja, “свободный Лула”, hehehe.

2) Ainda em russo, está muito pequeno pra ler (é difícil achar fotos do púlpito em boa resolução), mas logo abaixo do grande “free” há a palavra “вольность” (volnost). Porém, esse substantivo remete ao adjetivo “вольный” (volny), que por sua vez vem do substantivo “воля” (volya), mais traduzível como “vontade”, “desejo” ou “liberdade de escolha”, implicando opção deliberada, e não ausência de limitações. Daí, referida ao já citado adjetivo “свободный”, temos a palavra correta “свобода” (svoboda).

3) A maior barbárie está no árabe e no persa, que usam um alfabeto da mesma matriz. Logo acima do russo lemos um ی د ا ز ا que equivale ao persa “âzâdi” (liberdade). A pessoa conseguiu uma façanha incompreensível: botou a ordem dos caracteres da esquerda pra direita (a ordem inversa dessa escrita) e não realizou a ligação entre as letras! Ainda que no caso de âzâdi, ela lucra com o fato das letras em questão realmente não fazerem ligação com a posterior, por regra: آزادی (e o primeiro alef deveria ter o sinal especial que parece um til).

4) Em árabe a coisa não é tão simples. Podemos ver a palavra “liberdade” logo à esquerda da expressão “Lula Livre” escrita da seguinte forma: ة ي ر ح (claro que estão bem juntinhas, mas não adquirem a forma de ligação). Lê-se mais ou menos “hurriyya”, mas torna-se algo ininteligível a um árabe comum, pois além da separação, há a inversão da ordem correta. A palavra, ainda mais diferente, deveria ser esta: حرية

5) À direita da cabeça desenhada, lemos “freiheit”. É o substantivo alemão “liberdade”, e como todo substantivo em alemão leva inicial maiúscula (a não ser por razões de estilo, o que não parece ser o caso), deveria ser “Freiheit”. Se fosse “frei” (literalmente “livre”), aí tudo bem, embora pra ser “Lula Livre” devêssemos usar a terminação do qualificativo (e não meramente predicativo), “Freier Lula”.

6) Curiosamente, várias línguas estão repetidas com as palavras “livre” e “liberdade”, mas em meio à salada exótica que inclui iorubá (que deveria ter acentos: “òmìnira”), xhosa/zulu, latim (!) e tailandês, estão ausentes línguas mais conhecidas e com maior potencial de impacto. Exemplos: japonês, hindi, as nórdicas, finlandês, romeno, esperanto (por que não?) e qualquer eslava exceto o russo (sobretudo servo-croata e checo, porque do apoio ucraniano e polonês duvido muito).

Conclusão: apesar das ótimas intenções de quem confeccionou o artefato, traduzir em outras línguas muitas vezes implica não apenas tacar palavras em tradutores automáticos, mas também conhecer as regras que regem o emprego dessas línguas, sobretudo as flexões. Você conseguiu ver mais alguma coisa estranha aí? Escreva-me sobre suas descobertas!

quinta-feira, 24 de junho de 2021

Como fazer plural de palavras em “-ão”


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Essa dica também vale pra estrangeiros, mas é muito útil a quem tem o português como língua materna e sente dificuldades com a norma culta. A formação do plural dos substantivos terminados em “-ão”, fenômeno fonético e ortográfico único no mundo, pode ser feita em “-ões” (mais comum), “-ãos” ou “-ães”. A escolha parece ilógica, mas na verdade podemos usar alguns macetes, além de certas regras que têm a ver com a etimologia (linguística histórica). Diga-se primeiro que quase nunca o gênero (masculino ou feminino) tem a ver com a opção.

1. Fazem o plural em “-ões” os substantivos abstratos, sobretudo de características e ações, terminados em “-a(n)ção”, “-e(n)ção”, “-i(n)ção”, “-o(n)ção” e “-u(n)ção”, geralmente derivados de uma terminação latina -atio(nis), -itio(nis), -utio(nis) etc.: canção → canções, direção → direções, tradição → tradições, monção → monções, junção → junções.

2. Também fazem o plural em “-ões” os substantivos terminados em “-ão” que indicam aumentativo: casarão → casarões, narigão → narigões, mulherão → mulherões.

3. Os substantivos femininos que não terminam em “-ão”, mas em “-ãe” e “-ã”, apenas adicionam “-s”: mãe → mães, irmã → irmãs, maçã → maçãs, romã → romãs.

4. Além dos citados acima, fazem o plural em “-ões” os substantivos que em latim fazem o genitivo singular em -onis e/ou que em espanhol terminam em -ón no singular: corazón → coração(ões), rationisrazón → razão(ões), leonisleón → leão(ões).

5. Fazem o plural em “-ães” os substantivos que em latim têm o nominativo e o genitivo singulares em -nis e fazem o nominativo plural em -nes, e/ou que em espanhol terminam em -an/-án no singular: panispan → pão(ães), caniscan → cão(ães), alemán → alemão(ães) (a palavra vem do latim tardio Alamannus, e esta mesma vem do alemão antigo Alaman), capitán → capitão(ães) (embora a origem seja o latim tardio capitanus, a forma clássica era capitaneus).

Via de regra, os substantivos latinos terminados em -tio e -nis pertencem à 3.ª declinação.

6. Fazem o plural em “-ãos” os substantivos que em latim têm o nominativo singular em -nus ou -num e/ou que em espanhol terminam em -ano no singular: christianuscristiano → cristão(s), ciudadano → cidadão(s), manusmano → mão(s), granumgrano → grão(s), germanus (“irmão” em latim vulgar, sem relação com “germânico”) → hermano → irmão(s).

Os substantivos latinos terminados em -nus ou -num pertencem à 2.ª e à 4.ª declinações, a 4.ª posteriormente sendo absorvida pela 2.ª devido à sua baixa abrangência.

7. “Anão(ões)” e “bênção(s)” são duas exceções apenas aparentes. De fato, nanusenano → anão(s), forma em português considerada culta, enquanto “anões” é mais comum na língua oral pela assimilação com a maioria dos plurais em “-ãos”. Em “bênção”, pela etimologia benedictio(nis), esperaríamos a forma “bênções” (hoje inexistente), mas houve assimilação com as outras paroxítonas que sempre fazem o plural em “-ãos” (orphanushuérfano → órfão, organumórgano → órgão).

Casos parecidos ao de “anão”: veranumverano → verão, villanusvillano → vilão. Coexistem as formas “verãos/vilãos” (bem menos usadas) e “verões/vilões”, mas suas origens estão no latim tardio ou medieval, e não clássico, por isso foram assimiladas à regra já generalizada. Veja também o artigo “Plural de anão”, por Flávia Neves, que inclui outros macetes.