Esta versão em alta qualidade infelizmente está perdida nos rincões do YouTube, assim como a versão mais “difundida”, que ainda assim não tem nem 300 mil visualizações. Muitos devem lembrar que no começo da década, a TV Bandeirantes apresentava um programa de humor mais politizado, chamado “CQC”, abreviatura de Custe o Que Custar e inspirado no modelo do argentino Caiga Quien Caiga. Foi ele quem lançou no cenário midiático nacional Rafinha Bastos, Danilo Gentili, Marco Luque e Mônica Iozzi, assim como Marcelo Tas, que já era um jornalista consagrado e fez papéis de ficção como o Professor Tibúrcio, do infantil Rá Tim Bum (TV Cultura). Pra muitos, o CQC era visto como uma alternativa com “humor inteligente” ao Pânico na TV!, então na Rede TV! e que sempre foi mais escrachado e apolítico.
O legado do hoje extinto CQC, contudo, é contraditório. Boa parte, inclusive, dos antigos telespectadores acredita que os artistas então lançados, na verdade, tinham pouco talento individual, além de atuações deprimentes. Não preciso falar das polêmicas de Bastos e Gentili, mas lembremos que Iozzi também não emplacou na TV Globo, ficando pouco tempo até mesmo no Video Show, que depois colocou à frente ex-BBB atrás de ex-BBB e aí terminou extinto, após décadas de existência e audiência cada vez menor. Eu não conheço, mas muitos dizem que Luque também é mau humorista e mau garoto-propaganda. Porém, a herança mais comentada é sua crítica ácida à corrupção vigente em todas as esferas políticas e a outros tipos de abuso de autoridade, num momento em que a Lei da Ficha Limpa fazia sua entrada triunfal e a posse de Dilma Rousseff parecia ser uma alternativa ao fisiologismo de Lula. Pra muitos, sua “crítica pela crítica”, seu caráter “isentão” e seu ataque pra todos os lados gerou o clima de apoliticismo e da mentalidade de que todo e qualquer político seria corrupto, desembocando no generalizado ataque feroz e violento ao PT e às esquerdas em geral.
Outro “legado”, também compartilhado pelo Superpop de Luciana Gimenez, é a apresentação de figuras políticas, religiosas e sociais que, em outros contextos, seriam consideradas exóticas e caricatas, como Enéas Carneiro era a seu tempo nos anos 90 e começo dos 2000. A mais célebre de todas foi o então deputado federal pelo PP do Rio de Janeiro, Jair Messias Bolsonaro. Ex-militar, ex-vereador pela cidade do Rio, ele foi exibido pelo CQC de modo um tanto escrachado por suas ideias favoráveis à ditadura militar, contra as cotas raciais nas universidades públicas e odiosa ao movimento LGBT. A primeira polêmica nacional criada foi justamente neste quadro que apresento, “O povo quer saber”, em que à pergunta da cantora Preta Gil sobre hipotético casamento de um filho dele com negra, ele respondeu que “não discutia promiscuidade” nem “o meio em que ela foi criada”. Na época, ficou-se na dúvida se ele tinha mesmo entendido a pergunta, mas no fim o processo dela contra Bolsonaro não deu em nada.
E de polêmica em polêmica, com as redes sociais ampliando seu papel e com uma mídia oportunista sempre buscando superar a concorrência da internet, a figura de Bolsonaro como defensor dos costumes, opositor de “privilégios” esquerdistas e simpatizante da aura reguladora e moralista da ditadura militar foi sendo projetada e construída, até sua vitória como Presidente da República em 2018. Como interessado em política e assuntos societários, já acompanho a figura desde essa polêmica de 2011, e eu não podia dizer que não sabia em quem seu eleitor estaria votando: desinformação não podia ser usada como desculpa. Após o 7 de Setembro da independência do Brasil, vamos relembrar um pouco das ideias originais de nosso presidente, lembrando como ele começou a elaboração de seu “Mito”. Destaque pra moça que perguntou “Se o senhor gosta de ditadura, por que não se muda pra Cuba?” e pro fechamento dos humoristas, que afastam qualquer suspeita de simpatia, hahaha.
Pegadinha do Mallandro! Eu introduzi aquela postagem aqui no blog como um pretexto pra apresentar vários outros memes políticos ou sobre o Bolsonaro que surgiram nos últimos meses! Nestes dois vídeos que parecem dialogar entre si, temos primeiro um garoto memético retirado desta reportagem do Jornal Nacional de 8 de julho sobre os aumentos na conta de luz elétrica e as possibilidades de economizar energia. Quanto a lidar com a divisão do videogame com a irmã no mesmo horário, ele diz: “Tem que ficar com calma e conversar com a pessoa pra ela não ficar brava e não te arrancar a cabeça”! Por outro lado, sabe quando estamos de boa, “na nossa”, e de repente vem alguém ou mais pessoas encher nosso saco, e quando revidamos somos acusados de violência? Quando não queremos armar encrenca (ou “arrumar treta”, como dizem hoje) com ninguém, mas o povo chato insiste em tirar a gente do sério? Então, eis aqui a justificativa do líder indígena Puruá Amondawa pro momento em que a gente explode! “Claro que a gente, né... não tem sentido nada de criar problema com o outro, mas se o pessoal vem pra cima da gente, a gente tem que se mexer.” Mas infelizmente o motivo é sério: uma reportagem do Jornal Nacional de 12 de agosto, abordando a invasão das terras indígenas, demarcadas pelo Estado, do povo Amondawa por madeireiros e grileiros que querem lotear os terrenos pra desmatar em Rondônia.
Pra todos os efeitos, considera-se que a eleição de Bolsonaro abriu novo “ciclo republicano”, expandindo as reformas liberais do Estado brasileiro, quebrando a polarização entre os “centro-esquerdistas” PT e PSDB (mesmo que o PT continue forte) e destruindo o papel do (P)MDB, herança da ditadura militar, como grande partido de centro que servia de “fiel da balança” nas crises políticas. O economista Edmar Bacha, protagonista desses primeiros 30 anos, foi um dos idealizadores do Plano Real, que tirou o Brasil da hiperinflação que o assolava nos anos 80 e começo dos anos 90. Ele participou do programa de entrevistas Roda Viva da TV Cultura, no dia 15 de julho de 2019. Bacha é filiado ao PSDB e considerado da ala dos “tucanos históricos”, ou seja, os fundadores mais velhos do partido, em 1988, que têm ligação maior com a universidade e a esquerda reformista e, portanto, defendem uma economia liberal, mas nos quadros de um Estado mais eficiente e que mantenha algumas (mínimas) regulações necessárias, sobretudo no campo social. Ele mesmo se define como um “liberal progressista”, diferente de Jair Bolsonaro, que seria um “liberal conservador”. Uma de suas frases mais marcantes e oportunas foi a seguinte: “Tudo tem que passar pela política”.
No primeiro trecho que selecionei e cujo quadro recortei, Bacha opina sobre por que o Brasil tem crescido tão pouco, apesar das condições macroeconômicas razoavelmente favoráveis. Pra ele, o principal problema é a escassa abertura econômica ao exterior, que proíbe a importação de bens de capital e cria um clima de pouca concorrência interna. No segundo trecho, Bacha responde a uma pergunta sobre sua avaliação dos governos do PT, em especial do período Dilma Rousseff. Ele aproveita e acaba falando que no passado, PT e PSDB tinham muito menos divergências do que se podia pensar a partir de 2002 ou 2006 (mas sobretudo 2010), pois os dois partidos acreditavam num modelo social-democrata pro Brasil, embora o PT fosse mais focado nos sindicatos tradicionais, enquanto o PSDB se centrava em questões mais técnicas. Bacha pensa que essa divisão, que virou um clima de Fla-Flu (na verdade repetido entre Bolsonaro e Haddad em 2018), foi muito ruim pro país, mas que Lula com justeza deslocou o foco pra redistribuição de renda, enquanto os tucanos, por força da ocasião, lutavam pra manter a inflação baixa e a situação fiscal estável. Sua crítica final aos petistas é o excesso de intervencionismo estatal que teria entravado a economia.
No terceiro trecho, Bacha responde a uma pergunta sobre por que inexistiriam o que se chamam “partidos liberais progressistas” no Brasil, ou seja, diferentes do “liberal-conservadorismo” defendido pelo PSL e, às vezes, o MBL e o Partido Novo, ou seja, uma mistura (exótica e própria nossa, eu diria) entre uma adoção do mercado aberto e do Estado mínimo, mas ao mesmo tempo de valores societários e religiosos tradicionais. Pro tucano, sobretudo no aspecto econômico, o que teria impedido surgirem siglas semelhantes às europeias seria a eterna opção pela substituição de importações e pelo intervencionismo estatal, permitindo que saíssemos de uma condição de país pobre pra “renda média”, mas não que alcançássemos o pleno desenvolvimento. Bacha associa essa escolha à política conduzida pelo antigo presidente Getúlio Vargas.
E no quarto trecho, Bacha relembra um episódio cômico envolvendo a comissão parlamentar que votaria um parecer favorável à medida provisória da URV, a “unidade real de valor” que antecedeu o Plano Real e a implantação do real como moeda. Em 1993, a URV foi implantada como uma espécie de unidade transitória entre o cruzeiro real, que então vigorava na época, e o real, adotado em 1.º de julho de 1994. Segundo Bacha, a URV, cujo valor em cruzeiros reais era constantemente reajustado, teria sido inclusive o primeiro exemplo prático de “moeda virtual”, bem antes de nossas atuais criptomoedas. A “comissão da URV”, que tinha 10 deputados, incluía Eduardo Suplicy, hoje vereador de São Paulo pelo PT, e Jair Bolsonaro, então no PPR (atual Progressistas) e hoje presidente da República pelo PSL. Bacha afirma ter conversado com todos, convencendo-os a votar a favor, inclusive com Suplicy e Bolsonaro, os dois resilientes. Após ter pedido a Suplicy pra “ir tomar um café” e pensar melhor, o petista mudou de ideia, mas não o ex-militar, que passaria à história como o único deputado a ter votado contra nessa comissão e como um opositor do Plano Real em seu início. O real, no fim, foi a moeda adotada, valendo antigos 2750 cruzeiros reais.
Atenção, memes de governo agora! É uma pena que todos os canais que postaram o famoso meme do vice-presidente, General Hamilton Mourão, berrando “Bom dia!” pra cadetes do Exército tenham muito poucos inscritos. E é uma pena também que todos os vídeos completos com a cerimônia em que Mourão participou no Colégio Militar no começo de 2019 tenham sido editados pra omitir a famosa cena. Por isso, pra dar mais alcance a esta pérola, baixei esta versão que achei a melhorzinha de todas e fiz diversas edições. Fiz as repetições que vocês tanto amam, dei um tempinho de espera no começo e aumentei mais ainda o áudio em certas partes (pensem no grupo de Whats da família!). O vice-presidente mais memético dos últimos tempos!
O Messias Jair, por sua vez, é um show à parte. Mas aqui eu estou falando de quando ele ainda encarnava a versão “paz e amor”, antes dele ficar pistola de novo com as questões do Fernando Santa Cruz, do “cocô dia sim, dia não” e das queimadas na Amazônia. Se eu invento de ver o Jornal Nacional, sempre acaba saindo um meme! Explicando no dia 30 de abril a suposta má interpretação de uma fala sua, o presidente diz que não pode errar em nada, senão a mídia cai de pau nele: “Eu tenho que ser mais do que perfeito, eu tenho que ser sublime, senão tudo dá errado”. Espero que ele seja assim também no resto do mandato! Era o evento oficial em que Bolsonaro assinava a chamada “MP da liberdade econômica”, que isentava o pequeno empreendedor de inúmeras obrigações burocráticas. Mas antes desse “lapso motivacional”, ele já tinha bancado o criador de neologismos em Dallas (Texas, EUA), no dia 15 de maio. Com um pouquinho de edição do material da GloboNews, circulou no WhatsApp o momento em que ele sem querer inventou que os habitantes de Nova York se chamavam nova-iorquines.
Mas pra poder governar, um presidente tem que se entender com o Congresso Nacional, ou “Parlamento”, como Bolsonaro gosta de chamar. E no meio dos primeiros problemas de articulação, mais uma vez a “pulitca” brasileira continua gerando suas pérolas, e pra quem pensou que na “Nova Era” isso ia ficar mais raro, se enganou completamente! Na sessão plenária de 21 de maio na Câmara dos Deputados, o deputado Pastor Sargento Isidório (Avante/BA), que não por acaso segura uma Bíblia debaixo do sovaco, critica vários pontos do “decreto das armas” assinado pelo Planalto.
O trecho que aparece aí é quando ele se oferece pra fazer uma interlocução entre os parlamentares e Bolsonaro, já que, segundo ele, existem muitas falhas na comunicação. Ao afirmar que seu “perfil” seria o ideal pra lançar esse diálogo, vejam só o que ele falou! Eu recebi o vídeo num grupo de política do WhatsApp, mas pra evitar que o vídeo “morra”, apesar da qualidade ruim da imagem, decidi repostar. Todos aplaudiram calorosamente, mas o presidente até cortou o microfone. O mais bizarro é ele ter enfiado o smartphone dentro da Bíblia, e vejam a Sâmia Bomfim (PSOL-SP) dando risada ali atrás!
Os “conservadores” brasileiros, vendo no mundo anglo-saxão seu modelo ideal, sempre criticaram a França e os intelectuais franceses ou radicados no país como mentores de nossa esquerda “utópica, radical e irrealista”, tendo Rousseau como mestre fundador. E parece que infelizmente, essa rusga chegou ao nível do Estado, com Bolsonaro se friccionando com Macron e a imprensa francesa ressaltando os traços mais autoritários do governo em Brasília. Dada a qualidade e interesse do conteúdo, mesmo que eu não detenha os direitos autorais da matéria, fiz um vídeo com o áudio do repórter Elcio Ramalho, do serviço em português brasileiro da Rádio França Internacional (RFI). Ele trouxe em seu programa “RFI Convida” de 6 de agosto de 2019 o jurista brasileiro Rubens Casara, que está fazendo seu pós-doutorado em Nanterre, na França.
Os temas principais da conversa foram a partidarização política do Poder Judiciário no Brasil, sua submissão aos interesses econômicos e o conceito de “pós-democracia”, segundo o qual o Estado de direito consolidado nas últimas décadas, que impunha limites ao arbítrio de certos agentes, está perdendo sua força. Ao contrário do que defendem os partidários da Lava-Jato, Casara pensa que a justiça brasileira tem partido político, sim, e tem desvelado cada vez mais sua defesa do status quo econômico em detrimento dos pobres e necessitados. A “pós-democracia”, pra ele, significa que Estados autoritários são aceitos pelo consenso geral pra que esse poder continue firme e forte: o modelo neoliberal de economia perderia seu caráter clássico pra assumir uma feição mais restritiva e predatória.
Cabe lembrar que a RFI tem uma orientação progressista levemente de esquerda e que ela tem dado ampla voz aos críticos e opositores de Bolsonaro, sobretudo brasileiros que residem em Paris ou em outras partes da França. Além disso, devido a divergências culturais, valorativas e diplomáticas, o governo do PSL tem entrado em constante conflito com o presidente Emmanuel Macron, que pretende ser uma espécie de “meio-termo” entre as direitas nacionalistas e as esquerdas combativas. Ouça também a transmissão completa da RFI, com outros quadros informativos.
E no ápice das turbulências internacionais em que Bolsonaro se meteu, sou a última pessoa a passar o pano pro Macron, que de fato foi oportunista ao se tornar presidente “alternativo”, fundando um partido com as iniciais do próprio nome, após ter servido como ministro das Finanças do socialista François Hollande. Mas também é difícil defender certas molecagens vindas de Abraham Weintraub, um ministro da Educação que pouco entende de sua própria área.
Pior foi o Bolsonaro cair na pegadinha de um Zé Mané no Facebook qualquer fazendo comparação besta entre esposas, algo além de tudo extremamente machista. Não vou repetir a história já muito difundida nas mídias. Já falei várias vezes que nunca quis apoiar nem atacar o presidente de forma ativa, mas como cidadão e pagador de impostos (como adoram falar os que não gostam de filme pornô ou gay se beijando na rua) tenho o direito de criticar essas atitudes, mesmo que o ofendido não seja digno dos melhores juízos.
Pra piorar o mico, junto a Macron nesta coletiva de imprensa estava Sebastián Piñera, presidente de nosso vizinho Chile que ainda por cima já teve de ouvir Bolsonaro falar bem do assassino Pinochet. Leiam a transcrição da fala, já traduzida em português no vídeo:
“Il se trouve qu’hier il [Bolsonaro] a considéré que c’était une bonne idée que son ministre [Weintraub] ‒ ça n’arrive jamais en France qu’un ministre de la République insulte quelque dirigeant que ce soit ‒ profère des insultes à mon endroit et lui, qu’il tienne des propos extraordinairement irrespectueux à l’égard de mon épouse. Qu’est-ce que je peux vous dire ? C’est triste. C’est triste, mais c’est triste d’abord pour lui et pour les Brésiliens. Et donc... moi, je pense que les femmes brésiliennes ont sans doute honte de lire ça de leur président. Je pense que les Brésiliens, qui sont un grand peuple, ont un peu honte de voir ces comportements, ils attendent quand on est président qu’on se comporte bien à l’égard des autres. Et comme j’ai beaucoup d’amitié et de respect pour le peuple brésilien, j’espère très rapidement qu’ils auront un président qui se comporte à la hauteur.”
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