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NOTA: Enquanto eu navegava no site da Rádio França Internacional (RFI) e escutava as notícias em francês, encontrei por acaso este artigo de tecnologia, do qual gostei muito e resolvi traduzir o quanto antes pra postar aqui. Seu título é: O “detox digital”: quando a desconexão se torna urgente. Publicado em 3 de agosto de 2019, a autoria é do jornalista David Pauget, que discorre sobre o crescente vício dos franceses em tecnologias digitais, sobretudo a internet nos smartphones, e o crescente mercado de serviços com atividades e tratamentos alternativos pra reduzir os efeitos da fadiga e ansiedade dos e-mails e redes sociais. O chamado “detox digital”, que não é novidade no Brasil, convida pra que nessas férias do verão europeu os leitores repensem seu uso viciante de celulares e computadores, aprendendo a gerir o escasso tempo livre em prol da conservação da saúde mental e corporal. Nossa modernidade é tão paradoxal que precisamos oferecer tratamentos (às vezes caros) contra os efeitos colaterais de tecnologias que tinham vindo facilitar nossas vidas e, a princípio, tornar-nos mais felizes! E além dos mais velhos já viciados, estão chegando as gerações que praticamente vivem mais ou só a vida paralela criada como escape dentro da internet.
Três em cada quatro franceses afirmam ser dependentes de seus aparelhos conectados
E-mails profissionais, SMS, redes sociais… Para alguns, as férias de verão são o momento ideal para tentar se desconectar e se revigorar. Uma abstinência que se revela cada vez mais difícil numa sociedade hiperconectada.
Antes de sair de férias, Alexandre, 30 anos, tinha prometido largar tudo: não consultar mais seus e-mails profissionais, não correr ao celular após a menor notificação e parar de atualizar o tempo todo seu feed do Twitter. Dois dias depois, o resultado é implacável: um fracasso.
“O celular devora minha vida. Ele está direto na minha mão, desde a hora em que acordo até quando eu me deito. Impossível passar sem ele”, suspira exausto esse funcionário de uma grande empresa. O vício é forte demais, e a culpa é do trabalho, segundo ele. “Meus colegas confiam tudo para mim. Alguns usam e abusam disso. Tenho que responder no mesmo instante, senão vou ficar por fora de todo o trabalho”.
Riscos para a saúde ‒ Como Alexandre, muitos são os que tentam retomar o controle de seus aparelhos eletrônicos, cientes de terem se tornado viciados neles. Três em cada quatro franceses, portanto, dizem ser dependentes de seus aparelhos conectados, segundo um estudo publicado em junho passado pelo instituto de pesquisas BVA.
Três quartos (73%) dos franceses dizem ser dependentes face a seus aparelhos conectados: não responderam (azul, 1%), nada dependentes (verde-claro, 5%), pouco dependentes (verde-escuro, 21%), um tanto dependentes (rosa, 50%), totalmente dependentes (vermelho, 23%).
Há dois anos, Clémence, gerente de projetos numa ONG, foi diagnosticada com TAG (transtorno de ansiedade generalizada). Para reagir à angústia e à ansiedade que a preocupavam, seu terapeuta lhe sugeriu que passasse menos tempo na frente das telas. “Eu desinstalei meu e-mail profissional do celular para não o consultar fora do horário de trabalho. Nos fins de semana e durante as férias, eu também desativo os aplicativos do Instagram e do Facebook”, ela explica.
“O fato de estar o tempo todo conectada, sendo chamada à ordem para compartilhar e esquematizar minhas atividades também pelo Instagram, não me deixava separar um só minuto para gerir melhor o estresse do meu dia a dia”, explica a moça de 24 anos que, desde que começou a dieta digital, se dedica ainda à música e ao desenho.
A que corresponde exatamente o termo “detox digital”? Virginie Boutin, coach profissional e coautora do livro 2h chrono pour se déconnecter (2h no cronômetro para se desconectar), prefere falar de “consciência ou regulação digital”. Segundo ela, o importante não é conseguir uma abstinência 2.0 total, mas um equilíbrio justo: “Precisamos fazer a triagem entre o que nos beneficia no emprego do digital e o que nos cansa e nos irrita, o que come nosso tempo e devora nossa energia [ce qui est chronophage et énergivore]. E depois, cuidar para mantermos só os usos benéficos, como ficar em contato com a família, e tirarmos ou reduzirmos o resto o quanto pudermos”. O “detox digital” também permitiria retomarmos uma capacidade de concentração, de criatividade e de inovação.
Pressão social para estar conectado ‒ “Sou muito reativa quando recebo uma notificação, e mesmo no caso contrário, sou propensa a passar de aplicativo em aplicativo procurando conteúdo novo: feed do Facebook ou Instagram, stories, e-mails...”, explica Myriam, graduanda em ciência política. Para ela, é impensável não consultar ao menos uma vez por dia seus e-mails e mensagens, “por medo de perder as informações”, o famoso FOMO (fear of missing out, “medo de ficar por fora” em inglês).
“Há uma pressão social pela conexão perpétua. Mesmo de férias, é preciso explicar a seus próximos, a seus colegas sobre por que não se estava conectado. Estamos numa sociedade em que o imediatismo comunicativo se tornou a norma para administrarmos o tempo”, analisa Francis Jauréguiberry, sociólogo dos usos das tecnologias de comunicação na Universidade de Pau.
Nesse contexto, a desconexão aparece como uma provação certamente dolorosa, mas no longo prazo benéfica. “Querer reintroduzir o tempo, cabines temporais em que haja silêncio, por que não tédio... É o fruto de nossa vontade. Se a tentativa dá certo, isso sempre se traduz em uma imensa satisfação”, explica Francis Jauréguiberry. Três em cada quatro franceses, aliás, reconhecem que limitar o tempo passado diante das telas faria bem para sua saúde.
Três quartos (72%) dos franceses julgam que a desconexão é benéfica: nada benéfica (vermelho, 3%), pouco benéfica (laranja, 25%), bastante benéfica (verde-claro, 48%), muito benéfica (verde-escuro, 24%).
Um negócio em expansão ‒ Uma coisa é certa: com tantas pessoas viciadas em suas telas, o mercado da desconexão tem belos dias pela frente. Os hotéis, acostumados a receber hóspedes que buscam se desconectar, estão propondo agora mais e mais tratamentos. “Esgotado, estressado, sobrecarregado? Desconecte-se temporariamente da internet para preservar sua saúde”, indica, por exemplo, o folheto do programa de “detox digital” do Vichy Célestins Spa Hotel. Logo ao chegar, o cliente é convidado a colocar seus aparelhos eletrônicos numa caixa-forte. São oferecidas atividades esportivas e de relaxamento por um custo total de 1035 euros por três noites.
São ofertas que encontramos igualmente nas pousadas. É o caso do Château La Gravière, no sudoeste da França, que propõe um acompanhamento personalizado durante toda a estadia e põe à disposição, entre outras coisas, bicicletas e jogos de tabuleiro. A tarifa sobe para 210 euros o dia, porém sem incluir alojamento e refeições.
Start-ups também estão entrando nesse nicho, como a Into the Tribe, agência de “detox digital” criada em 2015. Ela oferece palestras de desconexão para empresas, bem como cursos e conferências. “A maioria dos participantes vem da zona urbana e são jovens que têm entre 25 e 45 anos. Eles estão em empregos que exigem conexão e passam muito tempo diante das telas, mesmo em suas vidas pessoais”, detalha Vincent Dupin, fundador da start-up. Os preços são combinados dependendo do orçamento e das exigências das empresas.
Antes de chegar ao ponto de pagar uma nota por uma abstinência digital, alguns experimentam seus próprios truques para o verão. Baptiste, professor de 25 anos, decidiu assim deixar seu smartphone em casa. No lugar, ele saiu de férias com um velho celular Nokia, sem internet. “É para poder ligar em caso de emergência, mas antes de tudo para evitar qualquer tentação.”