Depois da primeira versão que traduzi há mais de 3 anos e meio junto com o Chant des partisans, finalmente uma legendagem exclusiva e com a versão quase completa da canção de guerra La Marseillaise (A Marselhesa), composta por Rouget de Lisle durante o processo da Revolução Francesa e, com o tempo, feita hino nacional da República Francesa. O vídeo de 2015 é referente ao feriado de 14 de Julho daquele ano, mas fiz a tradução numa linguagem mais arcaica e só aparecem as duas primeiras estrofes, enquanto no geral as exibições solenes mostram três. Agora também tenho a ocasião de explicar um pouco melhor sua história e atualizar a linguagem da tradução, que além de contar com o uso sistemático de “você(s)”, está menos literal pra ser mais elucidativa.
A Marselhesa foi composta inicialmente como um Canto de guerra para o Exército do Reno, de autoria do oficial francês da engenharia militar, poeta e autor dramático Claude Joseph Rouget de Lisle em 1792, durante a guerra entre a França e a Áustria. Uma famosa pintura de Isidore Pils, Rouget de Lisle chantant la Marseillaise (1849), mostra o que seria a primeira execução cantada da obra por seu próprio autor, rodeado por seus companheiros de armas. No mesmo ano, a marcha foi executada no enterro do prefeito da cidade de Étampes e fascinou o general François Mireur, que estava aí presente e coordenava a partida de voluntários do sul da França à guerra. Ele fez imprimirem o Canto de guerra... num jornal do Sul, e assim ela foi abraçada pelos voluntários de Marselha. Daí o nome A Marselhesa, embora tenha sido composta em Estrasburgo, bem ao Norte.
Ela foi decretada “canto nacional” em 14 de julho de 1795, superando Réveil du Peuple (Despertar do Povo), um canto patriótico contra o Terror. A seguir, Napoleão não proibiu formalmente A Marselhesa, mas preferiu usar Veillons au salut de l’Empire, Le chant du départ (que já publiquei aqui) ou a Marche consulaire. A monarquia da Restauração tentou popularizar a antiga ária Vive Henri IV ! (Viva Henrique 4.º!), mas a Revolução de 1830 reimpôs A Marselhesa. Em 1871, após a Comuna de Paris, foi proclamada a República, mas tentou-se adotar a recém-composta Vive la France, mais pacífica e sem “blasfêmia e subversão”. O medo do retorno da monarquia impeliu à oficialização da Marselhesa como “hino nacional” (não mais “canto nacional”) em 14 de fevereiro de 1879, reafirmando a vigência do decreto de 1795. Uma versão oficial definitiva foi fixada em 1887, e as Constituições de 1946 e 1958 reiteram a vigência da Marselhesa.
A Marselhesa ultrapassou as fronteiras da França e se tornou uma canção revolucionária tocada no mundo todo, com inúmeras traduções poéticas. Durante a vigência da Comuna de Paris, foi utilizada uma Marselhesa da Comuna como hino provisório, e entre as revoluções de fevereiro e outubro de 1917 na Rússia, o Governo Provisório usou como símbolo uma Marselhesa Operária cantada na língua local (aqui pus também os dois hinos). Durante os combates à ocupação nazista da França na 2.ª Guerra Mundial, Le chant des partisans foi conhecido como “Marselhesa da Resistência” e continuou popular após a guerra. Rouget de Lisle compôs as 6 primeiras estrofes, mas o poema todo tem pelo menos 15 estrofes, modificadas no passar do tempo. Em eventos oficiais, somente a primeira estrofe (“Allons, enfants de la Patrie...”) é cantada, mas é frequente também o emprego da sexta (“Amour sacré de la Patrie...”). Nesta gravação, adiciona-se ainda ao fim a quarta estrofe (“Tremblez, tyrans, et vous, perfides...”).
A letra da Marselhesa possui muitas variantes, mas pra esta tradução eu usei a mostrada na Wikipédia em francês. Na época em que fiz a primeira tradução (estrofes 1 e 2), eu cotejei a tradução da Wikipédia em português e a do livro Francês urgente para brasileiros, de Angela F. Perricone Pastura. A partir delas, cheguei à minha própria versão, tendo cotejado ainda com as traduções das Wikipédias em inglês, espanhol, italiano, catalão, esperanto e galego. De fato, minha leitura em francês ainda não era perfeita e minha habilidade de tradução ainda estava no começo, e por preguiça acabei mantendo “tu” e “vós” pra traduzir tu e vous e usando só presente simples ao invés do presente contínuo. A tradução de agora é totalmente reformulada, e a tradução da terceira estrofe é inédita.
Além de traduzir, eu mesmo montei o vídeo e legendei: assistam duas vezes, lendo uma legenda a cada vez! Eu baixei o áudio da famosa tradução em inglês, tendo só aumentado um pouco o volume. Em 2015, recorri também a textos que explicavam em parte A Marselhesa e que ainda recomendo (Au-delà du sens politique et historique, que signifient au juste les paroles de notre hymne national ? – leia aqui; La Marseillaise expliquée aux cons – leia aqui). Há uma polêmica sobre o real sentido de sang impur (sangue impuro), considerado uma menção racista ao inimigo, mas adotei a leitura que entende “sangue plebeu” (não azul, não puro), ou seja, o sacrifício do povo pela liberdade, e não “sangue estrangeiro”, dos que deveriam morrer. Seguem abaixo as legendas bilíngues, a letra em francês e a tradução em português:
Versões instrumental e cantada/tocada durante a celebração de 14 de Julho nos Champs-Élysées em 2023:
1. Allons, enfants de la Patrie,
Refrain :
2. Amour sacré de la Patrie,
(Refrain) 3. Tremblez, tyrans, et vous, perfides,
(Refrain) ____________________
Refrão:
2. Amor sagrado pela Pátria,
(Refrão) 3. Tremam, tiranos, e vocês, traidores,
(Refrão) |
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