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A queda progressiva na porcentagem de católicos romanos no Brasil apontada pelo Censo nas últimas décadas é um sintoma da confluência de três fenômenos principais de nosso cenário religioso: a inaptidão da Igreja Católica em acompanhar o vertiginoso progresso social, científico e tecnológico do mundo; o encaixe perfeito entre a mentalidade capitalista e os protestantismos, sobretudo os pentecostais; e, como resultado dos avanços educacionais, o crescimento gradual do grupo genericamente chamado de “sem religião”.
Apesar das constantes atualizações e acréscimos nos ritos e nos dogmas, o Vaticano segue princípios estabelecidos, em seu básico, no início da Idade Média e consolidados, com algumas revisões e fortalecimentos, por volta do final desse período. Durante esse milênio, a mentalidade da Antiguidade Clássica, traduzida em deuses atentos às necessidades e vontades terrenas de seus adoradores, foi substituída por um cristianismo ascético, supressor dos prazeres e apegos mundanos e valorizador da graça divina em detrimento das ações humanas. Pode-se notar aí um cenário de imobilismo díspar ao crescimento econômico e artístico resultantes da renascença cultural e comercial europeia, mas que se dissolveu lentamente à medida que o planeta ia interligando-se e as culturas iam misturando-se. Até hoje, aquela mentalidade pré-capitalista e milenarista do catolicismo é enfrentada pela busca de soluções rápidas para os problemas da vida e pela recriação e fusão incessante de costumes e valores.
Segundo a ideia tornada lugar-comum pelo livro A ética protestante e o espírito do capitalismo, de Max Weber, os protestantismos são, por assim dizer, a “religião orgânica” do capitalismo, pois substituíram o princípio da graça pelo do mérito e limitaram as restrições católicas feitas a aquisições materiais cada vez mais abundantes entre a burguesia. Com efeito, as religiões protestantes instituídas, com seus preceitos e rituais mais simplificados, destoavam do intenso apelo ao mágico, ao pomposo e à obediência cega predominantes até então no cristianismo e tornados velharias pelo nascente imediatismo capitalista. Esse processo de simplificação extremou-se com os recentes pentecostalismos, destacando-se a Igreja Universal do Reino de Deus, que transformou a bênção divina em um artigo comercial cujas qualidade e quantidade são proporcionais ao dinheiro que o fiel sacrifica em nome de sua afiliação. A ânsia por consolo imediato e eficaz, contrária ao clima de eterna espera e paciência da Igreja Católica, embora nem sempre envolva finanças, também é comum em outros cultos que lhe tiraram vários seguidores, como é o caso do espiritismo, entre tantos.
Devido a nossa educação ibero-católica e a despeito da tolerância que as diferentes religiões demonstram entre si, ainda são poucos os brasileiros que se dizem irreligiosos, e em número menor ainda são aqueles que assumem dispensar a crença em um ou mais deuses ou em providências sobrenaturais. É notável que mesmo os ditos simplesmente “cristãos” ou aquelas pessoas que afirmam “crer em Deus independentemente de religião” estão confinados a camadas mais educadas ou materialmente prósperas da sociedade brasileira. Em todo o caso, a livre reflexão e a decisão autônoma são realmente um apanágio de grupos que podem informar-se melhor e têm mais tempo e energia para longas reflexões pessoais; a submissão irrefletida a normas vindas de fora e a promessas de paraísos fica por conta dos apressados e fatigados. E são essas lacunas que os grupos secularistas, ainda centrados em questões mais abstratas, não estão conseguindo preencher: após desmistificar o pensamento teológico e religioso perante um público maior, esses coletivos deverão superar sua distância da realidade de pobreza material, intelectual e educacional que o País ainda precisa enfrentar.
O rebanho católico se está esvaindo, mas o comodismo comum às inteligências brasileiras faz com que as ovelhas, em última instância, procurem apenas outro pastor para conduzi-las. Atualmente, faz-se necessário começar a extinguir a mentalidade de pastoreio, mesmo entre os ateus, e criar águias livres e desbravadoras, guiadas apenas por uma consciência reta cultivada pela democratização da saúde, da instrução e da cultura.
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