No dia 25 de dezembro de 2018, que caiu numa terça-feira, o papa Francisco, chefe supremo da Igreja Católica Romana, pronunciou na Praça São Pedro, na cidade-Estado do Vaticano, a famosa mensagem de Natal e a conhecida bênção Urbi et Orbi (Para Roma e para o mundo), acompanhada de indulgência plenária. O Sumo Pontífice leu seu discurso na língua italiana e deu a bênção na língua latina, idioma litúrgico dos católicos.
No texto desse ano, Francisco destacou a necessidade das pessoas resgatarem a fraternidade como princípio de suas vidas e das relações entre elas. Sua preocupação maior foi com as zonas de guerra e as epidemias de fome, que parecem ter aumentado nos últimos anos ao invés de cair. O papa criticou as formas de discriminação e associou a fragilidade do Menino Jesus à vulnerabilidade das crianças no mundo: “Nossas diferenças não são um dano ou um perigo, são uma riqueza. Como para um artista que quer fazer um mosaico: é melhor estar munido com pastilhas de muitas cores do que de apenas algumas”.
Notavelmente, o pontífice faz uma referência à Ucrânia e à escassa expectativa de que a guerra civil entre os separatistas e o governo de Kyiv chegue logo ao fim. O país tem um razoável número de católicos, e na região oeste eles constituem uma sólida reserva nacionalista e antirrussa. Ao falar dos direitos das “nações”, acredito que Francisco aludiu veladamente à intransigência de certos setores do poder central em reconhecer um status diferenciado às províncias de maioria russa. O plano dos extremistas que desejam “a Ucrânia para os ucranianos”, claro, fracassou. O que também não implica ceder ao imperialismo da Rússia, cujo governo sempre viu católicos como espiões em potencial.
Na expressão Urbi et Orbi, as palavras Urbs e Orbis estão no caso dativo (objeto indireto), e tradicionalmente Urbs se refere também à cidade de Roma, em especial na Antiguidade, quando era um modelo por excelência. Essa bênção é dada na Páscoa e no Natal, junto com uma mensagem com a qual o papa se dirige diretamente ao público. Realizada na varanda central da Basílica de São Pedro, é precedida pela entrada de uma cruz processional e dos cardeais diáconos e também se concede após a eleição do pontífice, ou seja, no final do conclave. O traço maior da bênção é que dá uma penitência e uma indulgência plenária sob condições definidas pelo direito canônico (ter confessado e tomado a comunhão, e não ter caído em pecado mortal).
Numa próxima postagem vou pôr os textos completos em latim e em português da prece do “Ângelus”, que Francisco também pronunciou, e da Urbi et Orbi, incluindo o vídeo desses momentos legendado em português. Por enquanto, na descrição original do vídeo abaixo, vocês podem ler o texto latino da Urbi et Orbi. O texto em italiano eu mesmo traduzi, tendo tirado o escrito de um jornal da Itália. Mesmo assim, também é possível encontrar uma versão diretamente dublada em português, oficial do Vaticano, caso não queira ouvir a voz de Francisco. No original em italiano eu apenas cortei trechos desnecessários e as preces que legendei depois.
Em vários momentos do vídeo é possível também escutar as bandas militares italianas e vaticanas executando a Marcia Pontificale, hino da Cidade do Vaticano, e Fratelli d’Italia, hino nacional italiano desde 1945. A bênção Urbi et Orbi mesma só começa aos 11 min 36 seg. Espero que os católicos tenham gostado desse presente, e que quem não é católico entenda a importância histórica de tais documentos. Seguem a legendagem e a tradução em português. Aos 21 min 28 seg leia-se “Queridos irmãos e irmãs”, e não uma repetição do masculino!
Queridos irmãos e irmãs, feliz Natal!
A vocês, fiéis de Roma, a vocês, peregrinos, e a todos vocês que estão acompanhando de todos os cantos do mundo, renovo o jubiloso anúncio de Belém: “Glória a Deus no mais alto dos céus, e paz na terra aos homens por ele amados” (Lc 2, 14).
Como os pastores que primeiro se dirigiram à gruta, seguimos atônitos diante do sinal que Deus nos deu: “Um menino envolto em faixas, deitado numa manjedoura” (Lc 2, 12). Em silêncio, ajoelhamo-nos, e adoramos.
E o que nos diz aquele Menino, que nasceu para nós da Virgem Maria? Qual é a mensagem universal do Natal? Diz-nos que Deus é Pai bondoso e que todos nós somos irmãos.
Esta verdade está na base da visão cristã da humanidade. Sem a fraternidade que Jesus Cristo nos deu, nossos esforços por um mundo mais justo têm fôlego curto, e também os melhores projetos correm o risco de tornar-se estruturas inanimadas.
Por isso, o meu voto de um feliz Natal é um voto de fraternidade.
Fraternidade entre pessoas de todas as nações e culturas.
Fraternidade entre pessoas com ideias diferentes, mas capazes de respeitar-se e de escutar o outro. Fraternidade entre pessoas de religiões diferentes. Jesus veio para revelar a face de Deus a todos aqueles que o procuram.
E a face de Deus se manifestou numa face humana concreta. Não apareceu num anjo, mas num homem, nascido num tempo e num lugar. E assim, com sua encarnação, o Filho de Deus nos indica que a salvação passa através do amor, da acolhida, do respeito por esta nossa pobre humanidade que todos nós compartilhamos numa grande variedade de etnias, de línguas, de culturas... mas todos irmãos em humanidade!
Portanto, nossas diferenças não são um dano ou um perigo, são uma riqueza. Como para um artista que quer fazer um mosaico: é melhor estar munido com pastilhas de muitas cores do que de apenas algumas!
A experiência da família nos ensina isto: entre irmãos e irmãs, somos diferentes uns dos outros, e nem sempre estamos de acordo, mas há um laço indissolúvel que nos une, e o amor dos pais nos ajuda a amar-nos entre si. O mesmo vale para a família humana, mas aqui o “genitor” é Deus, o fundamento e a força de nossa fraternidade.
Que este Natal nos faça redescobrir os laços de fraternidade que nos unem como seres humanos e ligam todos os povos. Que ele permita a israelenses e palestinos retomarem o diálogo e ingressarem num caminho de paz que ponha fim a um conflito que há mais de setenta anos dilacera a Terra escolhida pelo Senhor para mostrar a sua face de amor.
Que o Menino Jesus permita à amada e atormentada Síria reencontrar a fraternidade depois desses longos anos de guerra. Que a Comunidade Internacional se empenhe resolutamente numa solução política que deixe de lado as divisões e interesses particulares, de forma que o povo sírio, especialmente todos os que tiveram de deixar as próprias terras e buscar refúgio em outro lugar, possa voltar a viver em paz na própria pátria.
Penso no Iêmen, esperando que a trégua intermediada pela Comunidade Internacional possa finalmente trazer alívio a tantas crianças e às populações exauridas pela guerra e pela carestia.
Penso, depois, na África, onde milhões de pessoas estão refugiadas ou evacuadas precisando de assistência humanitária e de segurança alimentar. Que o Divino Menino, Rei da paz, faça calarem-se as armas e surgir uma nova aurora de fraternidade em todo o continente, abençoando os esforços de todos os que se empenham em facilitar processos de reconciliação em nível político e social.
Que o Natal reforce os vínculos fraternos que unem a Península Coreana e permita-lhe prosseguir no caminho de aproximação escolhido e alcançar soluções consensuais que garantam desenvolvimento e bem-estar a todos.
Que este tempo de bênçãos permita à Venezuela reencontrar a concórdia e a todos os setores sociais trabalharem fraternalmente pelo desenvolvimento do País e pela assistência às camadas mais frágeis da população.
Que o Senhor que nasce traga alívio à amada Ucrânia, ansiosa por reconquistar uma paz duradoura que está demorando a chegar. Somente com a paz, em respeito aos direitos de todas as nações, o País pode reerguer-se dos sofrimentos vividos e restabelecer condições de vida dignas aos próprios cidadãos. Mantenho proximidade com as comunidades cristãs daquela Região e rezo para que se possam tecer laços de fraternidade e amizade.
Que diante do Menino Jesus se redescubram irmãos os habitantes da querida Nicarágua, a fim de que não prevaleçam as divisões e as discórdias, mas que todos se empenhem em facilitar a reconciliação e construir juntos o futuro do País.
Desejo recordar-me dos povos submetidos a colonizações ideológicas, culturais e econômicas, vendo dilacerada sua liberdade e sua identidade, e que sofrem com a fome e com a falta de serviços educativos e sanitários.
Dedico uma lembrança especial aos nossos irmãos e irmãs que festejam o Natal do Senhor em situações difíceis, para não dizer hostis, especialmente onde a comunidade cristã é minoritária, às vezes vulnerável ou desconsiderada. Que o Senhor permita a eles e a todas as minorias viver em paz e ver reconhecidos os próprios direitos, sobretudo a liberdade religiosa.
Que o Menino pequeno e resfriado que contemplamos hoje na manjedoura proteja todas as crianças da Terra e cada pessoa frágil, indefesa e desprezada. Que todos nós possamos receber paz e conforto com o nascimento do Salvador e, sentindo-nos amados pelo único Pai celeste, reencontrar-nos e viver como irmãos!
Reitero os meus votos de Natal a todos vocês. Um Feliz e Santo Natal!
Queridos irmãos e irmãs vindos da Itália e de diversos países, bem como aqueles que nos acompanham pelo rádio, pela televisão e por outros meios de comunicação, agradeço-os pela sua presença neste dia em que contemplamos o amor de Deus, surgido no mundo com o nascimento de Jesus. Que este amor favoreça o espírito de colaboração pelo bem comum, reavive a vontade de sermos solidários e dê a todos a esperança que vem de Deus.
Feliz e Santo Natal!