segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A Revolução Russa lida pela Comintern


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A pedido do Prof. Armando Boito (da Ciência Política, Unicamp), redigi este artigo em abril de 2017 pra uma edição comemorativa da revista Crítica Marxista pelos 100 anos da Revolução Russa de Outubro. Há muito ele conhece meu interesse pela história soviética e pelo estudo e tradução da língua russa, portanto me pediu em mensagem eletrônica pra dar essa contribuição. Devo agradecê-lo duplamente, primeiro por ter sugerido, lá em 2013, que eu prestasse o mestrado em História, e não em Ciência Política, como eu desejava inicialmente, escolha que se revelou acertada e determinou meu atual sucesso na academia. E segundo, por estar sempre me estimulando a prosseguir em meu tema de pesquisa e sugerir caminhos e oportunidades pra demonstrar meu trabalho, além, claro, de seu um colega gentil e interessado.

O nome do artigo é Uma revolução-processo: primeiras imagens da Revolução Russa na Internacional Comunista (1919-1921) (em inglês, A Revolution-Process: First Images from the Russian Revolution in the Communist International, 1919-1921), e acha-se inserido num dossiê especial do número 45 da referida revista. Originalmente, deveria ser uma análise extensiva de como a Comintern teorizava a Revolução de Outubro, mas por causa do tempo (era ainda meu primeiro semestre do doutorado), me restringi aos primeiros anos do regime soviético, em especial quando Lenin ainda estava ativo política e intelectualmente. Mesmo assim, acredito ter jogado a semente pra pensar o assunto, e embora não esteja aquela maravilha, é apenas parte de uma reflexão mais ampla que desenvolvo até hoje. Boa parte do conteúdo deriva de minhas conclusões e pesquisa de mestrado, cuja dissertação eu tinha defendido em fevereiro, então agradeço de novo à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por conceder então dois anos de bolsa pra mim.



Resumo
O objetivo deste artigo é descrever as imagens da Revolução Russa feitas pela Internacional Comunista (IC, Comintern) de 1919 a 1921. Buscou-se descobrir como Vladimir Lenin e outros dirigentes bolcheviques articulavam a construção do Poder Soviético com a onda revolucionária europeia. As principais fontes de pesquisa foram os escritos de Lenin concernentes ao movimento internacional e à administração da Rússia socialista, as atas taquigráficas e outros documentos dos Congressos Mundiais da IC e a historiografia sobre o comunismo soviético e internacional.

Palavras-chave: Internacional Comunista (Comintern), União Soviética (URSS), Vladimir Ilich Lenin (1870-1924), Revolução Russa de 1917, história política contemporânea.


Abstract
This article aims at describing the image of the Russian Revolution created by the Communist International (CI, Comintern) from 1919 to 1921. It aimed at discovering how Vladimir Lenin and other Bolsheviks’ leaders articulated the construction of the Soviet Power with the European revolutionary wave. The main sources for the research were Lenin’s writings about the international movement and the administration of socialist Russia, the shorthand minutes and other documents from the CI World Congresses, and the historiography about the soviet and international communism.

Keywords: Communist International (Comintern), Soviet Union (USSR), Vladimir Ilich Lenin (1870-1924), Russian Revolution of 1917, contemporary political history.


Evento fundador do século 20, ao lado da Primeira Guerra Mundial (1914-1917), a Revolução Russa de 1917, mais especificamente a tomada do poder de Estado russo pelo Partido Bolchevique em novembro, sob a liderança de Vladimir Ilich Lenin, (1) era vista por seus protagonistas como a centelha de uma revolução proletária internacional. A crueza das frentes de combate, instigadas pelos governos capitalistas do Ocidente e pelos impérios russo, austro-húngaro e alemão, e a adesão de quase todos os partidos social-democratas ao esforço de guerra parecia estar voltando o operariado contra uma 2.ª Internacional que abandonara os esforços para manter a paz. Para Lenin, a “traição” socialista ao pacifismo proletário teria selado a falência de sua Internacional, e ainda em suas “Teses de Abril” (1917), o líder coloca na ordem dia a criação de uma “Terceira” Internacional, mesmo envolvido no processo de desmonte do regime tsarista (Broué, 2007 [1997], p. 24 e 39-40). A Revolução de Outubro, chegando ao conhecimento dos trabalhadores de outros países, animava as esperanças dos ainda criam numa futura redenção social, e a construção do Poder Soviético lhes parecia a esperada superação do Estado e da ordem burgueses. Mas para Lenin, e também para Leon Trotsky, fundador do Exército Vermelho, a revolução na Rússia seria apenas o começo de uma verdadeira revolução mundial, em que as rebeliões populares subsequentes à guerra espalhariam a forma de governo baseada nos sovietes (conselhos) de operários, camponeses, soldados e marinheiros. O anseio por essa “República Federativa Soviética Mundial” só poderia realizar-se, em cada país, com partidos proletários fortes, disciplinados, centralizados e de vanguarda, cuja criação e direção, seguindo o modelo russo idealizado por Lenin (1978 [1902], p. 86 ss.), deveriam caber a um centro único.

Essa “Internacional Comunista” parecia uma realidade cada vez mais próxima quando, no final de 1918, instaurou-se a República e insurgiram-se os trabalhadores na Alemanha, uma das maiores potências da época e onde se julgava ser crucial a vitória de uma revolução proletária (Loureiro, 2005, p. 125 ss). Nas mais duras condições, delegados de vários países, representando frações ou partidos socialistas simpáticos aos bolcheviques, reuniram-se em Moscou de 2 a 6 de março de 1919 para enfim criarem a 3.ª Internacional, cuja existência efetiva ainda seria um desafio a concretizar-se. Qualquer que devesse ser o destino desse organismo e da Revolução de Outubro, o feito de Lenin e do agora Partido Comunista Russo (bolchevique), como instante fundador, deveria marcar as futuras discussões do movimento comunista internacional. De 1919 a 1921, em meio à ebulição do operariado europeu, a Revolução Russa esteve presente na Comintern como um processo de simultânea vivência e teorização, não se distinguindo a empreitada bolchevique das outras revoluções prestes a explodir nos países próximos.

Logo na primeira sessão do congresso fundador da Comintern, a 2 de março de 1919, Lenin atribuía ao evento uma “grande importância para a história mundial” por ele estar mostrando a “ruína de todas as ilusões na democracia burguesa” diante da “guerra civil” que, como um “fato”, desdobrava-se “não apenas na Rússia, mas também nos países capitalistas mais desenvolvidos da Europa, como a Alemanha”. Enquanto “a revolução mundial começa e se reforça em todos os países”, diante de uma burguesia apavorada, a palavra de ordem da “ditadura do proletariado” deixava de ser um “latim” para as grandes massas, “graças ao Poder Soviético na Rússia, aos espartaquistas na Alemanha e a organizações análogas em outros países, como os Shop-Stewards Committees na Inglaterra” (PRIMEIRO Congresso da Comintern, 1933, p. 3). (2) A reviravolta que se dava nas terras do antigo império tsarista parecia estar se estendendo ao resto do mundo, a começar pelas metrópoles econômicas e coloniais. O russo Grigori Zinoviev, que ocuparia a presidência da nova Internacional, ressaltou o peso nacional dos bolcheviques:

Como vocês sabem, nosso partido foi o único a proclamar a revolução proletária na Rússia. Todos os outros partidos foram contrários à Revolução de Outubro, e estava claro que a vanguarda comunista do proletariado russo, sem qualquer ajuda – pelo contrário, superando numerosos obstáculos – deveria carregar nos ombros todo o peso da luta (ibidem, p. 19).

Se elementos “pequeno-burgueses” continuavam tentando aproveitar-se da revolução, prossegue Zinoviev, o Partido Comunista Russo esforçava-se para adquirir uma feição “monolítica” basicalmente “operária” e “comunista”, enquanto era máximo o esforço para lidar com a miséria, o sangue beligerante ainda corrente e o problema da habitação, que fizeram Kautsky falar de “socialismo da pobreza na Rússia” (ibidem, p. 19 e 22). Na mesma ocasião, em informe sobre o partido russo e, em particular, sobre o Exército Vermelho, Trotsky afirma que, naquele momento, a edificação do Poder Soviético era inseparável de sua defesa bélica contra o Exército Branco e a intervenção estrangeira, e que a transformação da antiga e pequena Guarda Vermelha em um poderoso Exército Vermelho era um dos maiores feitos já atingidos então pelos bolcheviques (ibidem, p. 41 ss.). Apesar do histórico pacifismo socialista, o líder militar não julga contraditório pegar em armas em prol de objetivos maiores:

A guerra, como dizia o velho Klausewitz, não é mais do que a continuação da política por outros meios. O exército é um instrumento de guerra, e por isso deve corresponder à política. Uma vez que o governo seja proletário, então assim também deve ser o exército por sua composição social.
[...]
Desde que a República Soviética surgiu na Rússia, ela foi obrigada a conduzir a guerra, o que está fazendo até agora. Nosso front tem mais de 8 000 quilômetros; no sul e no norte, no leste e no oeste, por todo lado nos combatem de armas nas mãos, e precisamos nos defender. Sim, Kautsky até nos acusou de termos cultivado o militarismo. Mas acredito que, se desejamos manter o poder com os operários, devemos nos defender seriamente (ibidem, p. 42-43).

Essas passagens dariam razão a diversos historiadores que veem na vivência da “guerra civil”, transmutada em “guerra civil internacional”, um conceito-base do bolchevismo, segundo o qual da “guerra mundial” se passaria às “guerras civis” do proletariado contra as burguesias locais, até que elas dessem em uma só revolução soviética mundial (Pons, 2014, p. 31-32, 48-51, 151-152 e 203-204; Vigreux & Wolikow (dirs.), 2003). É verdade que os delegados de diversos países privilegiaram suas próprias situações locais ao falarem da formação de partidos e grupos comunistas, mas era constante a referência elogiosa à Revolução Russa (PRIMEIRO Congresso da Comintern, 1933, passim). Com a abstenção isolada do delegado alemão, e apesar das condições adversas, decide-se por unanimidade fundar o “Exército Mundial da Revolução” (ibidem, p. 131).

De fato, nos documentos finais do 1.º Congresso da IC, há poucas menções diretas ou detalhadas à situação na Rússia, submergidas no que os delegados criam ser uma só revolução mundial, em curso e próxima da vitória, desmontando o Estado e a economia burgueses. Um dos cuidados, claro, é diferenciar o comunismo da social-democracia, a que atribuíam grande culpa pela guerra e pelo apoio às burguesias, e a 3.ª Internacional, Comunista, da 2.ª Internacional dita reformista e falida (ibidem, p. 172 ss.). Mas notavelmente, o “poder soviético” e a “ditadura do proletariado” são vistos como fórmulas governativas universais, dada a suposta imbricação das revoluções pelo mundo:

[...] a forma da ditadura do proletariado, que já está sendo de fato desenvolvida, i. e. o Poder Soviético na Rússia, o Räte-System [sistema de conselhos] na Alemanha, os Shop-Stewards Committees e demais instituições soviéticas análogas em outros países, todas elas significam e concretizam exatamente para as classes trabalhadoras, i. e. para a imensa maioria da população, uma possibilidade real de fruir os direitos e liberdades democráticos jamais havia, mesmo de modo aproximado, nas melhores e mais democráticas repúblicas burguesas.
A essência do poder soviético consiste em que a base única e permanente de todo o poder e aparelho estatais seja a organização de massas precisamente das classes antes oprimidas pelo capitalismo, i. e. proletários e semiproletários (camponeses que não exploram o trabalho alheio e sempre recorrem à venda, mesmo que parcial, de sua força de trabalho) (ibidem, p. 185-186).

Antes mesmo desse congresso, Lenin afirmava, em sua brochura A revolução proletária e o renegado Kautsky, que o “poder soviético” em construção na Rússia estava fundado nos “fatos”, no apoio massivo do operariado, e não nas tratativas de cúpula estatais ou partidário-reformistas, e que por isso podia ser aplicado no mundo todo, escorando a futura 3.ª Internacional (Lenin, 1969a [1918], p. 303-304). Como Lenin explica em artigo posterior, sua maior discórdia com o social-democrata alemão é quanto à defesa de uma presumida “democracia”, ou mesmo “democracia pura”, contra a “ditadura” que estaria vigendo na Rússia. Ele opõe a Kautsky a noção de que a essência da democracia consiste em seu caráter de classe, e não no caráter formal, pois a mesma “democracia” defendida pelos socialistas teria levado os trabalhadores à guerra, e agora estaria reprimindo seus movimentos contestatórios (Lenin, 1969b [1919], p. 388). Em uma “Carta aos operários da Europa e da América”, Lenin sustenta que a Comintern já existia de fato no momento em que o Partido Comunista Russo, logo após o fim da guerra, enfim rompeu com a 2.ª Internacional após sua “traição” “social-chauvinista” e em que o seguiu então uma série de frações radicais na Europa, com destaque para a Liga Espartaquista alemã (Lenin, 1969c [1919], p. 454-455).

Fundada a IC, Lenin revela em artigos publicados no Pravda que está crendo ainda mais que o destino da revolução proletária mundial e de seus protagonistas está sendo decidido na Rússia soviética, foco de toda a agitação:

A fundação da 3.ª Internacional, Comunista, em Moscou, a 2 de março de 1919, foi o registro do que conquistaram não somente as massas proletárias de russos, nem somente de toda a Rússia, mas também as alemãs, austríacas, húngaras, finlandesas, suíças – em resumo, de todos os povos.
[...]
Quatro anos atrás, ainda não se podia dizer que o Poder Soviético, a forma estatal soviética, fosse uma conquista internacional. [...] Mas ainda não se podia dizer, até se verificarem os fatos, quais mudanças, e de que profundidade e importância, o desenrolar da revolução mundial viria a trazer (Lenin, 1969d [1919], p. 512).

[...] bem que tentaram cercar-nos com uma muralha da China e [...] estão exilando os bolcheviques às dezenas e às dúzias das repúblicas mais livres do mundo, temendo exatamente que uma dezena ou uma dúzia de bolcheviques possa contaminar o mundo todo. Mas bem sabemos que esse medo é ridículo, pois eles já contaminaram o mundo todo, pois a luta dos operários russos já fez as massas operárias de todos os países saberem que aqui, na Rússia, está se decidindo o destino da revolução mundial geral (Lenin, 1969e [1919], p. 515 e 519)

Para Lenin, a 3.ª Internacional continuava a Revolução de Outubro. Em várias ocasiões, falando ou escrevendo ao partido russo em 1919, ele pontua que a rebelião na Rússia teria apenas começado o processo a nível mundial, cuja vitória parecia iminente, e por isso a burguesia e suas colunas políticas, entre as quais estaria a social-democracia, investiam contra os bolcheviques e as formas “operárias” de fazer política, que eram a “ditadura do proletariado” e o “poder soviético” (Lenin, 1969f [1919], p. 41 e 71; 1969g [1919], p. 129-130 e 148; 1969h [1919], p. 301-302 e 307). Mas em 1920, enquanto o Exército Vermelho começava a bater seus inimigos na Guerra Civil Russa, já haviam fracassado a República Soviética Húngara e efêmeras comunas conselhistas na Alemanha, que no ano anterior indicavam o ânimo militante comunista, mas enfim cederam à escalada reacionária (Loureiro, 2005, cap. 3; Broué, 2007 [1997], p. 145-195; Carr, 1985 [1953], caps. 23 e 24) De abril a maio de 1920, Lenin escreveu A doença infantil do esquerdismo no comunismo, brochura preparatória para o 2.º Congresso da IC, para lembrar que a imitação radicalista e acrítica do modelo russo, cujo surgimento só teria sido possível no contexto histórico especial do regime tsarista, que no início do século 20 passou por várias metamorfoses institucionais, teve o prejuízo de rejeitar outras formas de luta, como a parlamentar, conforme as condições nacionais específicas. Daí sua teoria segundo a qual a vitória da revolução em um dos países adiantados faria da Rússia um país “atrasado”, mas “do ponto de vista socialista e ‘soviético’”. Porém, enquanto essa vitória não chegasse, a empreitada dos bolcheviques seguia sendo um modelo inesgotável, ou seja, a destruição do capitalismo, inclusive na forma da produção menor, ainda era o objetivo maior (Lenin, 1981 [1920], p. 3-4 e 6-7).

O 2.º Congresso da Comintern (julho-agosto de 1920) parecia ser o verdadeiro início das atividades da nova Internacional, a julgar pelo volumoso material produzido e pelas intensas discussões sobre a conjuntura mundial, que de alguma forma suplantaram a onipresença da Revolução Russa. Mesmo assim, Mikhail Kalinin sublinhou logo de início, como representante do Poder Soviético, o valor maior que o combate à burguesia russa e ao capital internacional tinha para operários e camponeses da Rússia, em relação a “livros e discursos”. Em seu entender,

[...] a classe operária russa e as massas camponesas russas, presentemente, voltam seu olhar com enorme atenção às classes oprimidas do Ocidente e às massas oprimidas do Oriente. Elas esperam o momento em que essas classes exploradas, junto com os operários e camponeses russos, lançar-se-ão à luta imediata pela ditadura do proletariado (SEGUNDO Congresso da Comintern, 1934, p. 12).

Além do amplo leque de temas, entre os quais formação partidária, organização no campo e questões nacional e colonial, tratou-se das cisões radicais nos antigos partidos socialistas, a continuação da política de Versalhes pelas potências ocidentais e o impacto da edificação socialista na Rússia entre os proletários europeus. Giacinto Serrati, por exemplo, saudou o Exército Vermelho, que em sua luta contra os “brancos” e os estrangeiros praticamente fundava a estrutura governativa bolchevique e consistia em um dos polos de atração de militantes radicais pelo mundo (ibidem, p. 30-32). Uma das resoluções narrava exatamente “Quando e em que condições podem formar-se sovietes de deputados operários”: refletindo as críticas de Lenin ao “esquerdismo” radical e resumindo a experiência russa, o apoio total das massas e a formação de uma situação revolucionária, com paralisia das instituições oficiais, são pressupostos essenciais (ibidem, p. 531 ss.). E entre as condições de admissão de novos partidos na Comintern, aprovadas no encontro, a 14.ª relembra a situação mundial que se vivia: (3)

Os Partidos que desejam filiar-se à Internacional Comunista devem apoiar incondicionalmente cada República Soviética em seu combate às forças contrarrevolucionárias. Os Partidos Comunistas devem buscar continuamente convencer os trabalhadores a não transportar material bélico aos inimigos dessas Repúblicas, devem realizar uma propaganda legal ou clandestina entre as tropas enviadas para sufocar as repúblicas operárias etc. (ibidem, p. 503).

Mas no próprio “País dos Sovietes”, tudo logo mudaria muito. Após o congresso da IC, como parte da ofensiva contra a invasão externa, o Exército Vermelho esteve prestes a tomar Varsóvia e aí instaurar seu próprio regime, mas foi duramente repelido. Enquanto isso, em 1920 e 1921, a economia russa estava em estado tão calamitoso que o próprio Lenin decidiu suspender o “comunismo de guerra” em março de 1921 e lançar as bases da abertura ao mercado que mais tarde seria chamada Nova Política Econômica (NEP) (Carr, 1981 [1979], p. 33-38; Broué, 2007 [1997], p. 219-224; Reis Filho, 2003, p. 71-78). Além disso, a “ação de março” alemã em 1921, uma das últimas tentativas de trazer o país à órbita soviética, fora brutalmente reprimida (Loureiro, 2005, p. 133 ss.). No 3.º Congresso da Comintern, a tática de “frente única”, anunciada por Lenin, marcaria o fim da fase ofensiva e a retirada estratégica do cenário internacional, como se nota pelas reduzidas menções à dialética entre os comunistas de Moscou e outras insurreições radiciais, de fato já amainadas pela repressão (TERCEIRO Congresso Mundial da Internacional Comunista, 1922). Estava livre o caminho à constituição dos partidos comunistas locais, à possibilidade da Rússia soviética respirar e à fixação do bolchevismo como um regime estatal.


Bibliografia

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Notas (clique no número pra voltar ao texto)

(1) Utilizo um sistema próprio de transliteração do alfabeto cirílico em cinco línguas eslavas para o alfabeto latino, cuja descrição está disponível nesta página. Acesso em: 14/03/2017.

(2) Todas as traduções são livres.

(3) Uma tradução recente das “21 condições”, comparando a versão inicial e a definitiva, e acompanhada de introdução e notas explicativas, está disponível nesta página. Acesso em: 15/03/2017.



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