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Um povo que sabe zoar de seus próprios problemas e de seus chefes ou governantes é um povo de espírito democrático inato, a despeito de como funcionem as instituições. Conservar esse dom é uma obrigação política e cultural, dado que as grandes mudanças só acontecem com crítica sincera e impiedosa. Além do mais, a censura e a perseguição ideológica deixaram no Brasil cicatrizes tão indeléveis, que nossa sociedade as repudia só de escutar falar delas, seja contra a grande mídia, seja contra os pequenos articulistas. Nem mesmo a divulgação de notícias falsas deveria servir de álibi pra restringir esses direitos, pois o correto seria investir em educação literária, e não em medidas coercitivas, tal um gado sem vontade e opinião.
Infelizmente, nos últimos anos, o acirramento das paixões políticas tem se usado como pretexto pra repudiar qualquer ressalva ou sátira com o candidato ou partido de preferência, como se os argumentos a favor fossem fracos ou os alvos de adoração fossem princípios invioláveis. Na verdade, candidatos e partidos não estão nem aí com o que falam deles, pois já têm garantidos seus benefícios do alto, e muito menos com os fanáticos que, de graça ou pagos, fazem sua bajulação pelas redes sociais ou pela internet tradicional. Esse é mais um sintoma da falta de educação psicológica e autoexaminadora.
Talvez o caso mais emblemático seja o do Partido dos Trabalhadores (PT), desde que Dilma Rousseff se candidatou pela primeira vez à presidência da República, em 2010. De maneira inédita, o Twitter, em especial (o Facebook ainda não era popular no Brasil), que estava na moda, depois da famigerada campanha “Cala a boca, Galvão” durante a Copa do Mundo, serviu de arena pra disputa entre defensores do lulismo e do candidato do PSDB, José Serra. Neste caso, obviamente não se falava em ativismo pago, e o terror principal vinha das classes médias que temiam a continuação da esquerda no poder. Nas eleições seguintes, em 2014, vários fatores acirraram a briga: a consolidação prática da cibermilitância, o apogeu do Facebook e suas tecnologias mais potentes, a crise econômica às portas do Brasil, Aécio Neves do PSDB como um político medíocre, a insatisfação dos conservadores em ver reeleita uma mulher, o uso do terror e intimidação simbólicos pelo PT (“Não vamos voltar ao passado”) e, como se saberia depois, o financiamento de militantes e de postagens robóticas de ambos os lados. Os “acampamentos digitais” petistas, na época, foram acusados de pagar por esse serviço de inundação voluntária.
Hoje estamos vivendo o segundo turno das eleições presidenciais de 2018, e muita coisa aconteceu: a crise econômica, o impeachment da Dilma, as manifestações de rua que o antecederam, a onda cultural e midiática contra o PT, as turbulências do interregno Michel Temer, a subida de Jair Bolsonaro como ícone carismático de direita e, mais que tudo, a consolidação dos smartphones como principal meio de acesso à rede, como suas tecnologias mais rápidas e precisas. O aplicativo (já não site) WhatsApp, que se resume aos dois recursos mais usados nas antigas redes sociais (chats e grupos), tornou-se a bola da vez, e em paralelo se difundiu a prática não mais do mero flood, mas da real distorção, fabricação ou falsificação de informações contra opositores – chamadas por Donald Trump pela célebre designação fake news.
Independente de quem vença o pleito de hoje, estamos certos de que chega ao fim um longo ciclo de nosso período republicano iniciado em 1985, no máximo 1990. Os antigos políticos, militantes e intelectuais ligados à ditadura militar ou educados em sua resistência cedem lugar aos mais ou menos jovens que, mesmo aderindo ideologicamente a um dos lados, já não se caracterizam pela participação ou vivência atuantes. Sarney, Collor (e Itamar), FHC, Lula e Dilma (e Temer), junto com suas famílias ou apadrinhados, saíram de cena ou perderam a relevância nacional, enquanto Bolsonaro, a despeito de seu substrato discursivo, só depois passou a ganhar destaque, e Fernando Haddad e Manuela D’Ávila, descontadas suas afiliações, são safras muito mais recentes. O chamado “petismo”, mesmo sendo heterogêneo ou muito mais atacado do que praticado, foi a última etapa desse ciclo, e como todo fenômeno ou grupo longamente ocupando o poder, sofreu seus desgastes e, portanto, suas sátiras e atos falhos.
Nesta postagem, quero reunir alguns memes ou momentos hilários acumulados no decorrer desses anos de governos Lula e Dilma. Fico chateado que tantos ditos “petistas” ou “progressistas” não aceitam sequer uma piada ou uma cena que, tirada de contexto, pode parecer cômica, e isso demonstra a real insegurança ou desespero quanto à desilusão ou abalo de suas convicções quase religiosas. Nem todos os vídeos são feitos por ou tratam diretamente de membros do PT, mas têm alguma ligação com o contexto político mais geral. As postagensseguem abaixo por ordem histórica, com os comentários concernentes:
Embora ela tenha dado depois muitas explicações, Angela Guadagnin, deputada federal do PT por São Paulo, foi flagrada em 2006 dançando jocosamente após primeiras absolvições pelo plenário do Congresso Nacional no que passaria à história como o “escândalo do mensalão”. A política de São José dos Campos ficou famosa no Brasil inteiro pela chamada “dança da pizza”, enquanto Delúbio Soares, Silvinho do PT e o “valerioduto” entravam no nosso saber cotidiano.
É óbvio que o Judiciário e a Polícia Federal podem errar ou às vezes abusar, mas desde então o Partido dos Trabalhadores vem cobrindo o envolvimento na corrupção com “panos quentes”, embora a maioria dos grandes partidos nacionais estivesse envolvida no esquema. (E, claro, também se envolveriam nos principais escândalos posteriores, como o “petrolão”, ainda mais amplo e aparelhado.) Mas pra época, o choque foi grande, porque era apenas o terceiro ano do mandato de Lula (2005), cujo projeto alardeado sempre foi matar a corrupção e instaurar a moralidade nas instituições. Foi um dos episódios que mais causou cisões no PT, levando inclusive à criação do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que se propunha “voltar às raízes” e retomar as bandeiras radicais. Canalizando a decepção, a candidata do PSOL à presidência em 2006, Heloísa Helena, coligada ao PSTU e ao PCB, conseguiu obter o terceiro lugar, com números e uniões que jamais seriam vistos de novo.
Como livre-pensador, sempre critiquei o PT, mesmo não sendo adepto dos partidos que lhe fazem frente diretamente. Mas nestas eleições não tomo posição explícita, e só relembro estas cenas pra juventude ficar conhecendo, e pra fazer uma brincadeira boba sem compromisso. Isto é, coloquei umas tomadas dela disponíveis no YouTube (postadas na época mesmo, por isso a baixa qualidade das imagens) e pus por cima a abertura instrumental da canção Ialta, do russo Ievgeni Osin. Foi esta música que Boris Ieltsin dançou na campanha presidencial de 1996, como sabemos pelo meme que lancei, e agora vemos também Guadagnin dançando, com a imagem acelerada.
Como era de se esperar, os uploads ficaram abandonados (também, quase ninguém usava YouTube em 2006), e nos esquecemos de como os deputados e políticos em geral adoram sambar na cara do povo na primeira oportunidade. E fazem isso de modo escrachado e aberto, sabendo que nada sério pode os prejudicar. O primeiro vídeo foi uma montagem amadora, feita pra dar a imagem de uma “pizza” italiana, e o segundo vídeo é um trecho do Jornal da Globo, quando Arnaldo Jabor ainda fazia comentários ao vivo nos telejornais.
Achei tão sagaz que resolvi postar como vídeo à parte: comentando a polêmica “dança da pizza” de Angela Guadagnin, Arnaldo Jabor deu opiniões muito cortantes numa edição do Jornal da Globo em 2006. Resolvi fazer uma edição humorística, retirando menções localizadas no tempo e deixando uma mensagem que vale pras eleições de hoje, e que será sempre, sempre atual.
Eu retirei o vídeo do referido trecho do Jornal da Globo, postado em 2006 mesmo, e por isso a qualidade não está tão boa, e também por isso terminou “abandonado” (quase ninguém então usava YouTube), mais um escracho que passou esquecido pela cultura popular. Minha intenção não foi revirar carniça, nem falar mal da Angela, mas acho que as palavras de Jabor foram tão sábias, que generalizam bem o sentimento de todas as épocas. E que importa se ele é a favor ou contra os Estados Unidos e o liberalismo? Quod dixit, dixit!
As pessoas se indignam, e os políticos desfrutam a sensação de que, blindados numa torre de marfim, nada devem a seus eleitores nem à população em geral. Por isso, empregando a mais fina ironia (atenção a esse pormenor, coxinhas carrancudos de direita e de esquerda!), ele estabelece que realmente, nós é que não prestamos. Sobretudo com essa linda maioria recém-formada pelo ex-nanico PSL na Câmara dos Deputados, com seus nobres e cristãos propósitos, este Congresso Nacional não estava, não está e nunca estará pro nosso bico!
Durante a cerimônia de assinatura de contratos do programa Minha Casa, Minha Vida, numa quinta-feira (10 de dezembro de 2009), em São Luís, capital do Maranhão, o então presidente Lula empregou um palavrão. O termo foi usado durante um discurso no qual ele defendeu que nenhum governo investiu tanto em saneamento básico. Isto vai explicar a escolha destas palavras: “Eu quero saber se o povo tá na m..., e eu quero tirar o povo da m... [em] que ele se encontra.”
Por incrível que pareça, tal como o célebre vídeo da dança de Angela Guadagnin, esta ocasião ficou durante anos esquecida dos brasileiros, chafurdando nas profundezas do YouTube. Eu mesmo me lembro da declaração na época, e só há alguns dias resolvi procurar. E não é que dois canais chegaram então a publicar, mas sem terem alcançado grandes visualizações? (Como eu disse antes, eram tempos em que poucos conheciam a plataforma.)
Num contexto de tanta turbulência, brigas e expectativa por causa da eleição presidencial, é sempre bom relembrar um pouco de nossa história contemporânea recente. Tirei o vídeo, produzido originalmente pela Globo News, deste canal que tem mais reportagens de época, removi a introdução da jornalista e fiz o corte no quadro, inserindo, como vocês conhecem, as velhas repetições humorísticas. Leiam também esta matéria do jornal O Globo, “Relembre as 50 frases mais polêmicas de Lula durante os oito anos de mandato” (réveillon de 2010), ou a imediata análise crítica de Reinaldo Azevedo (“Lula: do ‘povo na m...’ ao ‘povo de m...’”), quando ele ainda escrevia pra Veja.
Embora o Lula fosse zoeiro, quem mais gerou memes involuntários por causa da lentidão comunicativa foi a ex-presidenta Dilma Rousseff. Quando criei a montagem dela com cenas da viagem à Bulgária em 2011, separei algumas frases isoladas que ela disse pra jornalistas e que podiam ser usadas hilariamente em outros contextos. Como postei muito tempo depois da montagem original, elas não tiveram grande sucesso, apesar da minha intenção de torná-las “memes”, e foram menos visitadas do que as outras coletâneas com Dilma falando em francês e em algo parecido com o espanhol.
Dilma, então, estava no vilarejo de Gabrovo, terra natal de seu pai Petar Rusev (Pedro Rousseff). No primeiro caso, tem coisa que não é usual mesmo, como prometer um programa de esquerda e realizar um governo de direita, deixando a via aberta pra um sucessor reacionário. E no segundo caso, parece uma descrição “absolutamente perfeita” de seus 5 anos e 3 meses de mandato, enquanto o governo Temer, por sua vez, foi uma tragédia mesmo.
O terceiro vídeo é autoexplicativo: após um discurso em português, e depois num corpo-a-corpo pelas ruas, Dilma repete exaustivamente a palavra “Благодаря” (Blagodariá), “Obrigado”, literalmente “agradeço”, uma das raras que aprendeu em búlgaro. A pronúncia real fica mais próxima de “blagodaryá” do que de “blagodari-á”: é que em português temos o hábito de quebrar os ditongos depois de consoante.
Atualização de 2020:
Já em agosto de 2017, quando mal se falavam em pré-candidaturas presidenciais, os brasileiros achavam-se polarizados entre esquerda e direita. Imaginem agora, que estamos esperando os resultados das urnas e realmente entramos na fase de virar a mesa!
Esta legendagem cômica, já que não entendo nem o árabe padrão nem os seus dialetos, foi baseada originalmente no que se pretendia ser um debate em 2014, entre defensores de posições opostas sobre a guerra civil na Síria, promovido pela TV jordaniana. Foi algo que eu também tinha visto pela TV na época, e depois deixei passar, só me lembrando anos depois. A guerra entre o regime do presidente Bashar al-Assad e seus opositores armados continua desde 2011 até hoje, e não tem prazo pra terminar, mas esse vídeo podia ser usado pra qualquer caso onde tivesse discussão acirrada e terminada em briga.
Adendo (25/11/2018): Já depois do segundo turno, com um plano de montagem na cabeça, eu estava dando uma olhada em uns vídeos de Fernando Haddad fazendo comícios como candidato do PT. Acabei desistindo, mas o petista falou tanta coisa engraçada que a maioria podia virar meme! Num desses discursos em Recife, bem na reta final, ele mandou aquela “indireta direta” pro adversário: se ele achava que os negros, mulheres e nordestinos se faziam de coitados pra conseguir proteção federal, “Seu arregão, coitado é você!”
Sabe aquele amigo? Aquele colega? Aquele primo, vizinho ou patrão? Pois é! Essa frase se encaixaria muito bem em diversas situações, e por isso eu a coloquei separada ali em cima. Mas vale a pena, como registro histórico, ver o documento completo, pois quando a situação já estava ruim pro PT, Haddad apelou a coisas do tipo: “Como o cara diz que é militar, mas a estratégia dele é se esconder [evitando debates televisivos]? Soldadinho de araque!” Foi a última pérola desses 13 ou 16 anos de reinado. A estrela vermelha pode descansar em paz.
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