Uns meses atrás, eu decidi gravar em áudio todos os textos dos livros Gradus Primus e Gradus Secundus, de Paulo Rónai, traduzi-los e postar os vídeos com as ilustrações correspondentes no meu canal do YouTube. A essa série chamei Latim Pronunciado, com minha leitura em voz alta das leituras destinadas ao ensino de latim no ginásio (mais ou menos 5.º a 9.º ano atuais) e criadas por volta dos anos 50. Paulo Rónai foi linguista, tradutor, escritor e crítico literário, e nasceu na Hungria antes de se radicar no Brasil.
Uma das críticas feitas por latinistas acadêmicos a esse método é que os textos são muito artificiais e não refletem a realidade romana antiga da língua. Mas eu gosto muito dele porque pra quem não sabe nada, é uma introdução bem didática, e serve ainda muito bem como manual autodidata. Se algum de vocês tiver qualquer dúvida sobre o idioma, pode me perguntar nos comentários ao vídeo.
Como eu disse na postagem anterior, optei por seguir a chamada “pronúncia eclesiástica”, baseada na língua italiana e atualmente usada em larga escala (quando se usa o latim) pela Igreja Católica Romana, porque ela é a mais fácil, menos artificial e não padece da condição de hipótese, tal como a “pronúncia reconstituída”. Estou fazendo esta série por diversão, e pra quem não sabe nada da língua latina, embora não seja propriamente um curso. O latim também foi importante pra evangelização dos eslavos, e pra elaboração cultural feita pelos santos Cirilo e Metódio, codificadores da primeira língua eslava escrita. Além disso, muitos povos eslavos (ocidentais, além de croatas e eslovenos) não vieram à influência ortodoxa de matriz grega.
Seguem abaixo os vídeos das lições de 1 a 10 do Gradus Primus que eu já tinha gravado. Em breve, postarei as outras 10 lições, e depois mais 10, até chegar na lição 30. Vocês lerão também as traduções livres que eu mesmo fiz, já que elas não acompanham os livros:
A MENINA CANTA
A menina canta (ou “está cantando”). A professora educa. A águia voa.
As meninas cantam. As professoras educam. As águias voam.
A aluna pula (A discípula salta). O poeta recita. O agricultor trabalha.
As rãs nadam. As rainhas reinam. Os marinheiros navegam.
A PROFESSORA E AS ALUNAS
Semprônia é professora. Lívia é aluna. As alunas são aplicadas. Júlia e Sílvia também são alunas. Uma boa aluna é sempre aplicada. A professora educa (ensina), as meninas trabalham: Lívia canta, Júlia recita, Sílvia pula. As más alunas não trabalham. A professora é severa.
Conversação:
– Semprônia: Você é aplicada, Lívia?
– Lívia: Sou.
– Semprônia: Vocês são aplicadas, meninas?
– Alunas: Somos.
A SENHORA E AS ESCRAVAS
Lucrécia manda (ordena). Ana, Drusila e Lucila obedecem. Lucrécia é uma senhora. Ana, Drusila e Lucila são escravas.
As escravas gostam da (estimam a) senhora. Hoje Lucrécia aguarda convidados (comensais). Por isso, as escravas estão atentas. Ana prepara o jantar, Lucila decora (orna) a mesa, Drusila vigia (guarda) a porta. A senhora gosta das (estima as) escravas.
A ESCOLA DE SEMPRÔNIA
A escola de Semprônia é famosa. As alunas de Semprônia amam a professora. As alunas aplicadas frequentam assiduamente a escola. A professora muitas vezes narra (conta) fábulas. As fábulas dos poetas agradam às (deleitam as) alunas.
Conversação:
– Lucrécia: Sílvia, você gosta da escola de Semprônia?
– Sílvia: Amo muito.
– Lucrécia: E vocês, meninas, gostam da professora?
– Lívia: Nós também gostamos tanto da professora quanto da escola.
– Lucrécia: Não é uma professora rígida (severa)?
– Júlia: É severa, mas justa.
AS ALUNAS APLICADAS E AS PREGUIÇOSAS
A professora dita sentenças dos poetas às meninas. Depois, as aulas aplicadas recitam as sentenças à professora. As alunas preguiçosas ignoram as sentenças. A professora elogia as aplicadas e castiga as preguiçosas. Semprônia dá (está dando) uma boneca a Sílvia, porque ela trabalha (está trabalhando) assiduamente. As alunas saúdam Semprônia afavelmente.
(AS) DUAS AMIGAS
Sílvia é amiga de Júlia. As amigas sempre estão juntas; juntas trabalham, cantam, riem, jogam (brincam com a) bola. Júlia ama muito a (sua) amiga: Sílvia se alegra muito com a amizade de Júlia. Hoje as amigas estão decorando (ornando) os altares das deusas com rosas.
A PROFESSORA ADVERTE AS MENINAS
Lívia, cale-se! Júlia, trabalhe! Sílvia, seja boa e aplicada! Alunas, frequentem assiduamente a escola, sejam aplicadas, obedeçam às professoras! Deem-me as tabuinhas! Recitem a fábula! Meninas, reguem as plantas com água! Amem os poetas, meditem a história da pátria!
Perto do final do texto, notem a palavra aquā com o mácron (sinal longo) no segundo “a”: ele está aí a diferenciando da palavra aqua com o último “a” curto, que está no nominativo singular. No texto, com a última vogal longa, ela está no ablativo singular, ou seja, não significa simplesmente “(a) água”, mas “com água”, “por meio da água”. Notem também o pronome oblíquo mihi (para mim, a mim, me), dativo de ego (eu), sendo pronunciado “míqui”, e não “mírri” ou “míi”.
A PROFESSORA LÊ SENTENÇAS PARA AS MENINAS
Semprônia está lendo as belas sentenças dos poetas para as meninas. As meninas copiam e aprendem as sentenças. Eis as sentenças:
1. Não aprendemos para a escola, mas para a vida.
2. A história é a mestra da vida.
3. A águia não captura moscas.
4. É melhor receber do que cometer uma ofensa (É melhor ser ofendido do que ofender).
As sentenças dos poetas agradam às meninas.
(Não pude deixar de me lembrar desta cena do célebre filme Sociedade dos Poetas Mortos, com uma curta cena de uma aula chatérrima de latim com a declinação da palavra agricola, rs.)
A VIDA DOS AGRICULTORES
Os agricultores sempre vivem ao ar livre. Dormem pouco e se levantam cedo. Aram a terra e regam as plantas com água. Ouvem os passarinhos e se alegram com a sombra das árvores. A laboriosidade dos agricultores nutre a pátria. Os poetas louvam a vida dos agricultores.
SOBRE A ARANHA E A MOSCA
A aranha mora sobre a janela. Ela tece uma teia e espera o jantar.
Da rua, uma pequena mosca entra voando pela janela. Enquanto examina (ou “Ao examinar”) o belo tecido, subitamente cai na teia.
A aranha acorre e agarra o inseto curioso.
Por causa da imprudência, a mosca perde a vida.
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