domingo, 29 de outubro de 2017

Parlamento proclama República Catalã


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Mais um capítulo da queda de braço entre a Espanha e a Região Autônoma da Catalunha se consumou na última sexta-feira. Após um mês inteiro de debates, discursos e um referendo, em que os catalães disseram ter obtido sua independência dos espanhóis de forma unilateral, o Parlamento local finalmente votou a Declaração dos Representantes da Catalunha, isto é, proclamação da independência, conforme texto já dado no dia 10 de outubro e agora acrescido dos dispositivos resolutivos. A presidenta da casa, Carme Forcadell, conduziu os trabalhos, até se obter a contagem de 70 votos pela separação, 10 contra e duas abstenções. Com o resultado, e mesmo com a saída da oposição do plenário, em tese Carles Puigdemont, presidente da Generalitat, o governo da Catalunha, passaria a ser reconhecido como o presidente da nova República Catalã.

Mas no mesmo dia, a pedido do primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy, o Senado nacional aprovou a demissão de Puigdemont e o controle do governo local diretamente pelo governo da Espanha. Mesmo assim, os catalães fizeram festa, comemoraram com fogos, música e bebidas a declaração do Sim e pareceram não ligar pro que Madri pudesse vir a fazer. O projeto independentista não deixou de ter farpas, e como se pode ver, os opositores de Puigdemont deixaram suas cadeiras vazias e aí colocaram bandeiras da Espanha junto com as da Catalunha, em sinal de apoio à unidade dos dois territórios. Mesmo quase sem reconhecimento internacional, o Parlamento proclamou a República Catalã, que conta com uma boa parte do patrimônio econômico, artístico, histórico, universitário, turístico e cultural reivindicado por todo o Reino da Espanha. Outras regiões do país expressaram apoio aos catalães, sobretudo o País Basco (Euskadi), outra região de tendência separatista, mas o processo deste está menos avançado, e contaria com repressão ainda maior.

A presidenta do Parlamento, Carme Forcadell, em longa e concorrida sessão, leu o texto completo da declaração de independência e colocou em votação a pergunta sobre se a Catalunha deveria se constituir num Estado independente em forma de República. Podemos ver o momento em que ela mesma e o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont, depositam seus votos na urna, pela qual não se puderam depreender os nomes de quem votou Sim ou Não. O barbudo à direita de Puigdemont, no final do vídeo, é o vice-presidente da Generalitat, Oriol Junqueras. Eu cortei alguns pedaços do vídeo original pra manter apenas o essencial, e fiz um novo enquadramento que tirasse o logotipo do jornal, já que não achei outra gravação resumida e sem marcas. Mas recomendo fortemente que vejam também o vídeo original no canal do El Periódico, que tem uma opinião independente dos grandes.

Logo após essa declaração unilateral de independência, os deputados e outros presentes começaram a entoar o hino nacional catalão, a canção Els Segadors, cujos primeiros acordes podem ser ouvidos baixinho no final do vídeo. O mesmo se deu nas ruas, onde os cidadãos o cantaram com muita força. Há uma diferença entre a bandeira catalã com o triângulo azul e a estrela branca, que simboliza apenas a luta pela independência, e a que possui apenas as listras amarelas e vermelhas, que é realmente a nacional. Nos vídeos de notícias a respeito desses fatos, postados na própria Espanha ou Catalunha, pode-se notar uma onda de enfurecimento, ofensas e contrariedade por parte dos espanhóis (mais raramente, de catalães contrários à secessão), que xingam os vizinhos e seus políticos na língua castelhana e descurtem em massa as postagens. Por mais que se possa duvidar da futura efetividade desse gesto político, não se pode negar que foi uma atitude corajosa vinda de Forcadell e Puigdemont, por encararem uma potência europeia da qual faziam parte há séculos, estarem dispostos a sofrer até consequências físicas e não contarem nem com apoio internacional.

Quero muito que vocês vejam também o evento completo, se tiverem tempo (5 horas!) e conexão de internet, pois gosto muito deste canal, onde sempre há vídeos interessantes com reportagens da Catalunha. Eu mesmo traduzi e legendei, baseando boa parte da fala dela no que está escrito na própria resolução, em documento carimbado e assinado na sexta-feira, uma relíquia histórica. Pra vocês procurarem ocasionalmente palavras em catalão com definição na própria língua, consultem este ótimo dicionário. Seguem abaixo o trecho falado por Forcadell em catalão, a transcrição e sua tradução em português:


En virtut de tot el que s’acaba d’exposar, nosaltres, representants democràtics del poble de Catalunya, en el lliure exercici del dret d’autodeterminació, i d’acord amb el mandat rebut de la ciutadania de Catalunya, [...]

CONSTITUÏM la República catalana, com a Estat independent i sobirà, de dret, democràtic i social. [...]

ASSUMIM el mandat del poble de Catalunya expressat en el Referèndum d’Autodeterminació de l’1 d’octubre i declarem que Catalunya esdevé un estat independent en forma de República.

I a continuació, votarem la part resolutiva d’aquesta proposta de resolució.

Anem a procedir al recompte.

La resolució de la Declaració dels representants del Parlament queda aprovada per 70 (setanta) vots a favor, 10 (deu) en contra i 2 (dues = dos) vots en blanc.

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Em virtude de tudo o que acabamos de expor, nós, representantes democráticos do povo da Catalunha, no livre exercício do direito de autodeterminação, e conforme o mandato recebido dos cidadãos da Catalunha, [...]

CONSTITUÍMOS a República Catalã como Estado independente e soberano, de direito, democrático e social. [...]

ASSUMIMOS o mandato do povo da Catalunha expressado no Referendo de Autodeterminação de 1.º de outubro e declaramos que a Catalunha agora é um Estado independente em forma de República.

E a seguir, votaremos a parte resolutiva desta proposta de resolução.

Vamos proceder à contagem.

A resolução da Declaração dos Representantes do Parlamento foi aprovada por 70 votos a favor, 10 contra e 2 abstenções.

quarta-feira, 25 de outubro de 2017

Puigdemont contra ataque à Generalitat


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Benvolguts ciutadans, benvolgudes ciutadanes, Visca Catalunya! Foi assim que Carles Puigdemont, Presidente da Generalitat, como é chamado o governo autônomo da Catalunha, encerrou seu primeiro discurso público-televisivo após a semideclaração de independência da região, em 10 de outubro de 2017. Esta alocução foi proferida no dia 21 seguinte, e até a colocação da bandeira da União Europeia junto à catalã tenta passar um ar de que o cabeludinho já falava como chefe de um novo Estado independente e constituído. Porém, até agora nenhum governo mais ou menos sério se atreveu a reconhecer Barcelona abertamente, e dois aliados que seriam cruciais, Alemanha e França, declararam total repúdio ao “separatismo”. A UE, por sua vez, também preferiu apoiar a Espanha, que é um de seus membros, e tirou o sustento a Puigdemont, cujo sonho é fazer de seu próprio torrão um novo Estado-membro do bloco.

Esta é uma das situações geopolíticas mais estranhas já vista até hoje, ou ao menos “estranha” pro padrão tradicional de guerras, diplomacia, líderes fortes e secessões territoriais forçadas. Carles Puigdemont tem 54 anos e é considerado um político “jovem” pros padrões locais, tendo saído não da burguesia catalã, como os presidentes anteriores, mas de uma família de padeiros radicada na fronteira com o sul da França. Amante do rock, toca guitarra e violão, tem sua inconfundível franjinha inspirada nos Beatles e fala, além do espanhol e catalão, as línguas inglesa, francesa e romena, que é a nativa de sua esposa jornalista. Aproveitando a impopularidade de líderes anteriores, que também foram pouco ofensivos na questão da separação, chegou a seu posto no início de 2016 por meio de uma coalizão de partidos separatistas chamada “Junts pel Sí” (Juntos pelo Sim) e prometeu levar a cabo o referendo previsto em lei, que daria a palavra final sobre o pertencimento ou não à Espanha. Vale lembrar que o Presidente da Generalitat é eleito pelo Parlamento local, e não por voto universal.

Considerado corajoso, seu intento, porém, não é consensual nem dentro do Parlamento catalão, nem dentro da Catalunha, embora o povo daí de forma alguma se considere “espanhol”. A primeira grande ruptura veio com a insatisfação dos partidos separatistas mais radicais, que só conheceram o texto do discurso de 10 de outubro pouco antes da leitura e detestaram a ideia da suspensão da independência. Mas Mariano Rajoy, primeiro-ministro espanhol de direita e cavaleiro da unidade nacional, não perdeu tempo e tratou, alguns dias depois, de pôr em prática o dispositivo previsto no artigo 155 da Constituição espanhola, que manda, em caso de insurgência, temporariamente suspender o governo autônomo da Catalunha e pôr o controle de sua política e finanças sob enviados diretos de Madri. O problema é que, embora vários militantes secessionistas já tenham sido presos, aquele dispositivo nunca tinha sido usado, e nem se previa que o seria, por isso seu emprego causou e ainda causa muita discussão. O próprio Rajoy diz tentar adiar medidas mais drásticas, mas, com os catalães já na rua, esta semana promete ser muito agitada.

Como eu disse, o que parece “estranho” nessa quixotada (perdoem a ironia)? De início, a própria “suspensão de efeitos” da independência, um recuo compreensível, mas ignorado por Madri. Imagino um meme com D. Pedro 1.º no 7 de Setembro legendado assim: “Independência ou... não, péra, vamos suspender os efeitos do Grito do Ipiranga por algumas semanas”. Outro problema são as passeatas: a Catalunha tem mais de 7 milhões de habitantes, mas apenas em torno de 100 mil costumam aparecer nos protestos, tanto pró quanto contra a separação. Isso, nos anos 30, pararia o país, e poderia ter precipitado a guerra civil. Ao que parece, como já está ocorrendo com outros fenômenos políticos, as redes sociais estão roubando o protagonismo, e estamos diante de um caso inédito em que: um jornalista semelhante a um boneco Playmobil quer legitimar a independência de seu país por meio do Facebook; conversa com seus cidadãos e colegas por aplicativos de mensagem; mistura línguas estrangeiras na alocução nacional, aqui começadas por “Queria dirigir uma mensagem...”; e passa uma mensagem extremamente rasa, típica de quem só lê memes, apelando menos à crua e infeliz realidade da lei vigente do que ao argumento moralista e voluntarista de um típico millennial, que quer que seja assim porque tem que ser e ponto final.

Eu baixei o vídeo sem legendas desta página, que colocou alguns selos, mas uma versão com interpretação em espanhol, que usei no começo, mas depois dispensei, também está neste vídeo. O que realmente me ajudou e que encontrei só depois foi esta transcrição de um periódico livre catalão, que também usei pra fazer a versão corrigida abaixo. Eu mesmo traduzi direto do catalão (às vezes do espanhol) e legendei, e seguem abaixo as legendas e a tradução em português, mais refinada do que o texto daquelas:


Caras e caros concidadãos!

Todas as propostas de diálogo endereçadas ao Estado espanhol tiveram a mesma resposta: ou o silêncio, ou a repressão. Em minha última carta ao premiê espanhol, reiterei-lhe a necessidade de falarmos e recordei-lhe que este é um clamor que muita gente de muitos lugares dirige para nós. Hoje, o Conselho de Ministros encarregou-se de dar um verdadeiro virar de costas a esse clamor e a esse desejo, anunciando diversas medidas e demissões que representam diretamente a liquidação de nosso autogoverno e da vontade democrática dos catalães. Aquilo que os catalães decidiram nas urnas é anulado pelo governo espanhol em canetadas.

Dessa maneira, o governo espanhol, com o apoio do PSOE e do Ciudadanos, empreendeu o pior ataque às instituições e ao povo da Catalunha desde os decretos do ditador militar Francisco Franco que aboliam a Generalitat da Catalunha. Menosprezando a vontade popular expressada de maneira nítida e massiva nas eleições de 27 de setembro de 2015, violentando nosso Parlamento e todas as garantias e direitos dos deputados e deputadas que escolheram o Presidente da Generalitat e aprovaram o programa de governo, o governo espanhol autoproclamou-se de forma ilegítima o representante da vontade dos catalães.

Sem passar pelas urnas, com um apoio escasso e de encontro à vontade da maioria, o governo de Mariano Rajoy quer nomear um diretório para que em Madri ele dirija à distância a vida da Catalunha.

Não é a primeira vez que, também com a intervenção do Rei, as instituições catalãs recebem um golpe por parte do Estado espanhol para serem rebaixadas, reorientadas ou diretamente suprimidas. A cada vez, o povo catalão sobrepôs-se mais forte e mais determinado, consciente de que as agressões sempre ocultaram a capacidade de fazer política por parte do Estado e de que era preciso, consequentemente, conquistar mais porções de autogoverno. Do regionalismo no começo do século 20 até o soberanismo do século 21, a ideologia hegemônica foi sempre a mesma na Catalunha.

A Generalitat não é uma instituição nascida com a Constituição Espanhola atual. Muito antes da aprovação da Carta Magna, a Generalitat já funcionava, e foi restabelecida em caráter provisório conforme sua legitimidade histórica e a continuidade que, no exílio, haviam-lhe garantido os presidentes Companys, Irla e Tarradellas. Portanto, nenhuma decisão de nenhum governo pode apagar este fato que persistiu ao longo do tempo: foi a vontade dos catalães que permitiu defendermos e restabelecermos nossas instituições. O que nós temos, nós obtivemos sempre com a força das pessoas e com a força da democracia.

As instituições catalãs e o povo da Catalunha não podem aceitar esse ataque. A humilhação pretendida pelo governo espanhol, fazendo-se tutor de toda a vida pública catalã, desde o governo até os meios públicos de comunicação, é incompatível com uma atitude democrática e situa-se fora do estado de direito. Porque impor uma forma de governo não escolhida pelos cidadãos, sem uma maioria parlamentar que o ratifique, é incompatível com o estado de direito.

Como o é agir impunemente com violência contra cidadãos pacíficos, usar códigos penais antigos para manter na prisão duas pessoas de paz que não cometeram nenhum crime e perseguir ideias e meios de comunicação ou estimular a instabilidade econômica de maneira irresponsável. Ou como foi também gravíssima a irresponsabilidade do Partido Popular com o hoje premiê Mariano Rajoy como condutor de uma infame coleta de assinaturas contra a Catalunha e a vergonhosa sentença do Tribunal Constitucional depois, reitero, depois de ter sido aprovado o Estatuto da Catalunha num referendo legal e consentido. Aqueles irresponsáveis que menosprezaram a vontade dos catalães e agrediram o pacto constitucional de 1978 são os que hoje querem governar-nos.

Estou ciente, portanto, da ameaça que pesa sobre todo o povo da Catalunha se o Estado perpetrar seu intento liquidador. Devemos nos comprometer a defender de novo nossas instituições, como sempre fizemos, de maneira pacífica e civilizada, porém carregados de dignidade e de motivos. Por isso vou pedir ao Parlamento que fixe a convocatória de uma sessão plenária onde os representantes da soberania cidadã, escolhidos pelos votos dos cidadãos, por vocês, debatamos e decidamos sobre o intento de liquidar nosso autogoverno e nossa democracia e atuemos de forma consequente.

(Parágrafo em espanhol) Quero dirigir uma mensagem aos democratas espanhóis. O que se está fazendo com a Catalunha é um ataque direto à democracia, que abre caminho para outros abusos da mesma natureza em qualquer lugar, não somente na Catalunha. Criminalizar os dissidentes, negar a realidade e erguer muros de legalidades na frente das janelas da vontade cidadã: se tudo isso triunfa, o prejuízo à democracia, e portanto aos cidadãos, será muito pesado e acarretará um retrocesso monumental. Não devemos permitir que isso ocorra.

(Parágrafo em inglês) Quero dirigir uma mensagem para a Europa. Não somente a seus líderes políticos, mas também, e sobretudo, a todos os cidadãos europeus, nossos irmãos e irmãs, com os quais compartilhamos a cidadania europeia. Se os valores fundacionais europeus estiverem em risco na Catalunha, eles também o estarão na Europa. Decidir democraticamente o futuro de uma nação não é um crime. Reprimir vai contra os fundamentos que unem os cidadãos europeus através de sua diversidade. A Catalunha é uma nação europeia antiga e está no centro dos valores europeus. Estamos fazendo tudo isso porque acreditamos numa Europa democrática e pacífica, a Europa da Carta de Direitos Fundamentais que deve proteger todos e cada um de nós. Vocês devem saber que aquilo pelo que vocês estão lutando em casa, também estamos lutando na Catalunha. E assim continuaremos fazendo.

Senhoras e senhores, caros concidadãos, caras concidadãs, viva a Catalunha!



domingo, 22 de outubro de 2017

Sau – “Boig per tu” (Louco por você)


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Aproveitando que a Catalunha ainda está na moda, hoje apresento a que acredito ser a música popular mais famosa da região, em especial no gênero rock: Boig per tu (lê-se “bôtch pâr tú”), Louco por você, cantada pelo antigo grupo Sau e cuja letra foi escrita por seus três membros, Pep Sala (também fez a melodia), Carles Sabater y Joan Capdevila. Ela foi gravada em 1990 em seu álbum Quina nit (Que noite!), quando o grupo estava chegando no auge da carreira e o rock catalão, após a redemocratização da Espanha, começava a afirmar-se como gênero independente.

A música Boig per tu foi regravada por diversos artistas, entre os quais a cantora Shakira, que também gravou a versão em espanhol Loca por ti e dedicou a seu marido catalão, o jogador Gerard Piqué. Segundo a Wikipédia em espanhol, a letra é uma declaração de amor à Lua, na qual também pode se subentender uma mulher. Um cara saudoso da mulher (nena), bebendo num bar e olhando pro fundo do copo, no Brasil, só poderia hoje ser chamado de “sofrência”! Mas é uma sofrência, claro, com muito mais “catiguria” porque envolve delírio na chuva, romantismo na letra e não menciona motel...

Como vocês podem ver, o idioma catalão é bem bonito, e também pertence ao grupo românico, mas ao ramo occitano, em que também está o provençal (sul da França). À primeira vista, parece um misto de espanhol e francês, mas na verdade é um código todo próprio, que bebe de três grandes influências: França, Itália e Espanha, e tem traços em comum até mesmo com o napolitano. Na Idade Média e começo da Idade Moderna, as línguas occitano-romances formavam toda uma tradição autônoma de trovadores e cancioneiros, mais tarde suplantados pelos três grandes Estados nacionais da região.

O grupo de pop-rock catalão Sau foi formado em 1987 e se dissolveu em 1999, quando o vocalista Carles Sabater desmaiou após um show, foi levado ao hospital e morreu de parada cardiorrespiratória. Sabater também foi ator, e a banda deixou uma enorme lembrança na vida cultural da Catalunha, tendo vivido seu auge nos anos de 1990 a 1992. O pop-rock catalão tem principalmente uma origem reivindicativa em prol da língua local, cujos movimentos aumentaram no pós-franquismo dos anos 70 e deram espaço à música local nos anos 80. No final da década e nos anos 90, houve uma grande onda de bandas de rock, das quais Sau foi a mais representativa, embora hoje ainda dominem as línguas inglesa e espanhola nesse gênero musical.

Eu baixei o vídeo sem legendas desta página, em que se afirma ter sido o show dado em Barcelona, 23 de abril de 1991, e transmitido pela TVE. Este vídeo possui uma montagem com fotos do grupo Sau e o áudio em estúdio no mesmo andamento, e este vídeo tem o áudio de uma gravação ao vivo mais lenta e a letra em catalão. Existe também um canal muito interessante, que possui raro e rico acervo de canções, apresentações e entrevistas do Sau. Eu mesmo traduzi e legendei a letra direto do catalão, tendo apenas recortado o enquadramento do vídeo. Seguem abaixo as legendas, a letra em catalão e a tradução em português:


En la terra humida escric
“Nena, estic boig per tu”
Em passo els dies
Esperant la nit

Com et puc estimar
Si de mi estàs tan lluny
Servil i acabat
Boig per tu

Sé molt bé que des d’aquest bar
Jo no puc arribar on ets tu
Però dins la meva copa veig
Reflexada la teva llum

Me la beuré
Servil i acabat
Boig per tu

Quan no hi siguis al matí
Les llàgrimes es perdran
Entre la pluja
Que caurà avui

Em quedaré atrapat
Ebri d’aquesta llum
Servil i acabat
Boig per tu

Sé molt bé que des d’aquest bar
Jo no puc arribar on ets tu
Però dins la meva copa veig
Reflexada la teva llum

Me la beuré
Servil i acabat
Boig per tu

____________________


Escrevo na terra molhada
“Mina, estou louco por você”
Eu passo os meus dias
Esperando a noite

Como posso amar você
Se está tão longe de mim?
Prostrado e exaurido
Estou louco por você

Sei muito bem que deste bar
Eu não chego onde você está
Mas dentro da minha taça
Vejo refletida a sua luz

Eu vou bebê-la
Prostrado, exaurido
E louco por você

Com você ausente de manhã
Minhas lágrimas vão se perder
No meio da chuva
Que vai cair hoje

Vou permanecer detido
Embriagado por essa luz
Prostrado, exaurido
E louco por você

Sei muito bem que deste bar
Eu não chego onde você está
Mas dentro da minha taça
Vejo refletida a sua luz

Eu vou bebê-la
Prostrado, exaurido
E louco por você


quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Hino da Catalunha: Els Segadors (1993)


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Esta tinha sido minha primeira legendagem em catalão, esperando que viessem muitas outras por aí. Eu traduzi e legendei o Hino Nacional da Catalunha, Els Segadors (Os Segadores ou Os Ceifadores), em referência ao ato de ceifar, ou segar, a colheita de trigo e outros plantios de subsistência. A letra atual é de Emili Guanyavents, que a escreveu em 1899, baseado num poema popular recolhido em 1882, e a melodia é de Francesc Alió, que a compôs em 1892 adaptando a melodia de uma outra canção. A origem do texto é uma sublevação catalã de 1640, conhecida como “guerra dos ceifadores”, contra o rei Felipe 4.º, na qual os camponeses tiveram um importante papel. Até hoje, a agricultura é relevante pra economia da Catalunha, embora seja uma região rica e industrializada.

Em fins do século 19, este hino foi se tornando um símbolo da identidade catalã, e por lei do Parlamento local de 25 de fevereiro de 1993, ele foi oficializado em sua função simbólica nacional (“nacional” se referindo a nacionalidade, tal como é a catalã, e não nação, a qual só é, por lei, considerada a Espanha como um todo). Há várias polêmicas sobre a origem da melodia, desde se teria vindo de uma canção erótica até de um hino religioso judaico. Nesta página vocês podem escutar uma versão coral do texto original, que é bem mais comprido. A gravação oficial do hino está nesta página, é mais lenta e aparece em segundo no meu vídeo. Pra deixar minha montagem mais rica, também pus no começo uma versão com melhor instrumentação e ânimo, que pode ser ouvida nesta página.

Este canal deu uma primeira tradução em 2016, muito boa, do hino Els Segadors. Contudo, eu mesmo decidi também fazer minha tradução, legendando nesse modelo já típico. Não usei esse vídeo anterior como base, tendo traduzido diretamente do catalão e confrontado com traduções em outras línguas na Wikipédia. Neste vídeo, vocês podem assistir também a uma linda execução orquestral do hino, ao vivo. Eu tirei as informações históricas e a letra em catalão da Wikipédia em espanhol, e seguem abaixo as legendas, a letra em catalão e a tradução em português:


1. Catalunya, triomfant,
Tornarà a ser rica i plena!
Endarrere aquesta gent
Tan ufana i tan superba!

Tornada:
Bon cop de falç!
Bon cop de falç,
Defensors de la terra!
Bon cop de falç!

2. Ara és hora, segadors!
Ara és hora d’estar alerta!
Per quan vingui un altre juny
Esmolem ben bé les eines!

(Tornada)

3. Que tremoli l’enemic
En veient la nostra ensenya:
Com fem caure espigues d’or,
Quan convé seguem cadenes!

(Tornada)

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1. Triunfante, a Catalunha
Voltará a ser rica e plena!
Façamos recuar essa gente
Tão arrogante e soberba!

Refrão:
Manejem bem a foice!
Manejem bem a foice,
Guardiães da terra!
Manejem bem a foice!

2. Chegou a hora, ceifadores!
É hora de ficarmos alerta!
No aguardo de outro junho
Afiemos bem as ferramentas!

(Refrão)

3. Que o inimigo tremule
Ao ver nossa bandeira:
Tal como espigas douradas,
Ceifamos grilhões, se preciso!

(Refrão)


domingo, 15 de outubro de 2017

Declaração da Catalunha independente


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Esta legendagem foi um dos maiores desafios pra mim, não somente porque levei quatro dias fazendo (fui intercalando com atividades acadêmicas), mas também porque enfrentei sobrepostos o discurso que estava sendo proferido em catalão e a interpretação simultânea em espanhol. Este é o discurso feito por Carles Puigdemont, Presidente da Generalitat da Catalunha, nome que se dá ao governo da região autônoma espanhola, no Parlamento local a partir das 19h (14h no horário de Brasília) de 10 de outubro de 2017, início atrasado em uma hora. O líder apresentaria então à casa o resultado oficial do referendo do último dia 1.º, que tinha aprovado a formação do Estado catalão como república e sua separação da Espanha monárquica.

O conflito entre espanhóis e catalães, entre Madri e Barcelona, é secular e sempre teve pontos altos de tensão. A Catalunha usa um idioma muito próximo do italiano falado no sul do Mediterrâneo, mas que pertence não ao ramo itálico das línguas românicas, mas ao ramo occitano, do qual o outro único representante ainda hoje relevante é o idioma occitano, falado por minorias no extremo sul da França. (O catalão, por exemplo, está muito longe de ser língua de minorias ou próxima da extinção.) Na Idade Média, as línguas occitanas gozavam de grande prestígio junto aos trovadores, poetas e cancioneiros, mas no fim dessa era começaram a surgir os grandes Estados nacionais, e a Catalunha passou a integrar no século 16 o Império Espanhol. Sempre houve um vaivém na liberalização ou repressão da língua catalã, mas o momento mais brutal foi na repressão do ditador Franco, que perseguiu todas as minorias culturais. Apenas após sua morte, em 1975, os catalães obteriam mais liberdade pra escolher seus destinos.

Mas o sonho pela independência continuou. Catalães e espanhóis (sem contar que a Espanha tem ainda outras minorias nacionais, como galegos, bascos etc.) têm culturas um tanto distintas, e a Catalunha é a região mais rica, que responde por 1/5 do PIB, com as melhores universidades e o F. C. Barcelona (Barça), midiático e lucrativo clube de futebol. Nos últimos anos, as relações entre o centro e a província foram se desgastando, e aumentou a frequência das consultas populares sobre a independência nacional. Após o plebiscito de 2014, sem efeito jurídico, finalmente em 1.º de outubro de 2017 a Generalitat catalã convocou um referendo que daria a palavra final. Mas sem a anuência de Madri, os eleitores foram brutalmente reprimidos e muitos colégios eleitorais foram fechados. No dia 10, o presidente regional Puigdemont (ler “pudj-demôn”) daria no Parlamento uma alocução que poderia significar a declaração de independência unilateral.

Marcado pras 18h (13h em Brasília), ele começou apenas alguns minutos depois das 19h (14h em Brasília), adiamento atribuído a uma última busca por intermediários internacionais. Ao findar o discurso, Puigdemont confirmou a intenção de proclamar a Catalunha uma república independente, mas solicitou que os “efeitos” da independência só começassem a valer dentro de algumas semanas, pra que fossem abertos novos canais de diálogo com a Espanha. A verdade é que o intento da Generalitat quase não encontrou respaldo mundial: a Espanha ameaçou a suspensão do autogoverno; a França e a Alemanha disseram não reconhecer a separação (a própria França tem minorias parecidas, a começar pela que faz fronteira com a Catalunha, que poderia querer se juntar a esta, além dos bretões do norte); a União Europeia não deu sinal favorável, pelo contrário, apelou pela “unidade espanhola”. Além disso, embora o Sim tenha ganhado por mais de 90% dos votos, menos da metade dos eleitores aptos foi votar, talvez por medo da polícia, talvez por indiferença à questão.

Irritados com esse recuo, os deputados do CUP, partido de esquerda independentista que formou a base do movimento com o Junts pel Sí de Puigdemont, sequer aplaudiu o discurso, como se vê no vídeo. Pra piorar, Mariano Rajoy, premiê espanhol, pediu explicações sobre se essa sessão declarou ou não a separação. Notavelmente, o entusiasmo do povo que assistia ao discurso nas praças foi-se amainando com as últimas palavras do presidente, dando lugar a uma perplexidade e incompreensão. A cobertura da mídia espanhola é implacável: até o El País em português online baba de raiva ao falar do assunto, e nesse vídeo que legendei, abre-se mesmo um breve link ao vivo de uma sessão no Congresso dos Deputados em Madri, tratando do mesmo problema. Inclusive no Brasil, pelo menos no Jornal Nacional que eu tenho visto mais, a omissão é cabal, passando a mesma imagem de “delirantes” feita pela Espanha. Espero que este vídeo, mesmo com 3 dias de atraso, e a concernente versão escrita possam suprir um pouco essa lacuna.

Este vídeo sem legendas foi o primeiro que achei logo depois do discurso, e depois não procurei outros em catalão ou espanhol. A maior parte do catalão de Puigdemont é coberta pelo espanhol do intérprete, o qual usei como base pra traduzir. Porém, onde pude, me baseei também em fragmentos do original que eu ia escutando (estudei um pouco de catalão sozinho), e inclusive, pra sincronizar as legendas, ora me apoiava na fala de Puigdemont, ora na do intérprete. Este mesmo, em alguns momentos, se embromava ou se atrasava todo! Por isso, só pude fazer o trabalho apoiado neste rascunho de tradução em espanhol, o qual, contudo, também omite algumas partes.

Somente depois de legendar descobri uma transcrição completa na página de um periódico catalão, e pra fazer esta postagem no blog, decidi pegar o texto das legendas, compará-lo com essa transcrição e fazer uma versão escrita corrigida e definitiva, e menos condensada do que o exigido no audiovisual. Infelizmente, percebi que eu (ou o intérprete!) cometi alguns erros de tradução no vídeo, mas nada impede a fruição total da mensagem. Seguem abaixo minha legendagem e a tradução pra impressão:


Compareço diante deste Parlamento por petição própria para apresentar-lhes os resultados do referendo celebrado no dia 1.º de outubro e para explicar-lhes as consequências políticas dele derivadas. Tenho ciência, como seguramente muitos dos senhores, que também estou comparecendo hoje diante do povo da Catalunha e de muitas outras pessoas que fixaram sua atenção no que hoje possa ocorrer nesta Câmara.

Vivemos um momento excepcional, de alcance histórico. Suas consequências e efeitos vão muito além de nosso país, e ficou evidente que, longe de ser assunto doméstico e interno, como fomos muitas vezes obrigados a escutar da parte dos que se esquivaram da responsabilidade ao não quererem inteirar-se do que ocorria, a Catalunha é um assunto europeu.

De meu discurso, não esperem chantagens, ameaças ou insultos. O momento é sério o bastante para que todos assumamos nossa parte de responsabilidade devida na necessidade imperiosa de diminuir a tensão e não contribuir com palavras ou gestos para fomentá-la. Pelo contrário, quero dirigir-me ao conjunto da população, aos que se mobilizaram nos dias 1.º e 3 de outubro, aos que o fizeram no sábado, na manifestação em prol do diálogo, aos que o fizeram massivamente no domingo, em defesa da unidade da Espanha, e aos que não se mobilizaram em nenhum desses comícios. Todos, na diferença e na discrepância, no que nos entendemos e no que não nos entendemos, formamos um mesmo povo e devemos seguir assim junto a despeito de tudo, porque é assim que se constrói o caminho de povos que procuram seu futuro.

Nunca estaremos de acordo em tudo, é óbvio. Mas entendemos, como já mostramos muitas vezes, que não há outra maneira de avançar senão a democracia e a paz. Quer dizer, o respeito por quem pensa diferente e a descoberta de como realizar as aspirações coletivas, o que exige obviamente grandes doses de diálogo e empatia.

Como vocês podem supor, nestes últimos dias e horas, muitas pessoas se dirigiram a mim sugerindo o que devia fazer ou evitar fazer. Todas essas sugestões são respeitáveis e lícitas, próprias a um momento como o atual. Agradeci todos aqueles que pude, porque reconheci de cada um razões fundamentadas, dignas de se escutarem. Também eu pedi a opinião de diferentes pessoas que me ajudaram a enriquecer a análise do momento e a perspectiva para o futuro, e por isso quero agradecê-las de todo coração.

Porém, senhoras e senhores deputados, o que vou lhes expor neste dia não é minha decisão pessoal nem mania de ninguém: é o resultado do 1.º de outubro, da vontade do Governo que presido de honrar seu compromisso em convocar, organizar e celebrar o referendo de autodeterminação e, claro, da análise dos fatos posteriores que partilhamos com o Governo. Hoje devemos no Parlamento falar dos resultados da votação, e é o que faremos.

Estamos aqui porque no último domingo, 1.º de outubro, a Catalunha celebrou seu referendo de autodeterminação, em condições mais que difíceis, de fato extremas. É a primeira vez na história das democracias da Europa que uma jornada eleitoral se desdobra em meio a violentos ataques policiais contra votantes que fazem fila para depositar sua cédula. Desde as 8 da manhã até a hora de fechar os colégios, a polícia e a Guarda Civil golpearam pessoas indefesas e forçaram os serviços de emergência a atenderem mais de 800 pessoas. Todos nós vimos isso, e todo o mundo também viu e se chocou com as imagens que ia recebendo.

O objetivo não era somente confiscar urnas e cédulas, mas provocar pânico generalizado e fazer as pessoas, vendo as imagens de violência policial indiscriminada, ficarem e casa e renunciarem a seu direito de votar. Porém, aos responsáveis políticos por essa ignomínia, o tiro saiu pela culatra: 2.286.217 cidadãos venceram o medo, saíram de casa e votaram. Não sabemos quantos tentaram e não conseguiram, mas sabemos que os colégios fechados de forma violenta representam um acréscimo de 770 mil pessoas.

Mais de 2,2 milhões de catalães puderam votar porque venceram o medo, e também porque quando chegaram a seu colégio, encontraram urnas, envelopes, cédulas, mesas constituídas e uma contagem confiável e operante. As operações e registros policiais das semanas passadas, em busca de urnas e cédulas, não impediram o referendo. As prisões dentro do alto escalão e do funcionalismo governamentais também não findaram a votação. As escutas telefônicas, a perseguição de pessoas, os ataques na internet, o fechamento de 140 sites e as violações de correspondência tampouco barraram o referendo. Repito: apesar do esforço e dos recursos voltados a combatê-lo, quando os cidadãos chegaram aos colégios eleitorais, encontraram urnas, envelopes, cédulas, mesas constituídas e uma contagem fidedigna e operante.

Quero dar, portanto, meu reconhecimento a todas as pessoas que tornaram possível este êxito logístico e político: aos voluntários que dormiram nas escolas, aos cidadãos que guardaram as urnas em casa, aos gráficos que imprimiram as cédulas, aos programadores que projetaram e desenvolveram o sistema de contagem universal, aos trabalhadores e trabalhadoras do Governo, aos que votaram no Sim, que votaram no Não ou que votaram em branco, a tantíssimas pessoas anônimas que puseram seu grão de areia para tornar tudo possível. Quero enviar, sobretudo, minha afeição, minha solidariedade e meu apoio a todos os feridos e agredidos pela operação policial. As imagens ficarão registradas em nossa memória para sempre. Nunca vamos esquecê-las.

Deve-se reconhecer e denunciar que a atuação do Estado conseguiu introduzir tensão e inquietude na sociedade catalã. Como Presidente da Catalunha, tenho toda ciência de que nessas horas há muitas pessoas preocupadas, angustiadas e mesmo assustadas com o que está ocorrendo e com o que pode ocorrer, pessoas de todas as ideologias e correntes. A violência gratuita e a decisão de algumas empresas de transferirem suas matrizes – uma decisão, deixem-me dizer, mais ligada aos mercados do que com dados reais de nossa economia, sobre a qual o impacto real são na verdade os 16 bilhões de euros catalães que são obrigados a mudar de matriz todo ano – sem dúvida são fatos que, admito, anuviaram o ambiente. A todas essas pessoas com medo quero enviar uma mensagem de compreensão e empatia, e também de serenidade e tranquilidade: o Governo da Catalunha não vai se desviar um milímetro de seu compromisso com o progresso social e econômico, a democracia, o diálogo, a tolerância, o respeito às divergências e a vontade de negociar. Como Presidente, sempre atuarei com responsabilidade e levando em conta os 7,5 milhões de cidadãos do país.

Gostaria de explicar aonde chegamos e, sobretudo, por que aí estamos. Hoje, quando muitos estrangeiros nos observam e, sobretudo hoje, quando o mundo todo nos escuta, penso que vale a pena explicar de novo.

Desde a morte do ditador militar Francisco Franco, a Catalunha foi a que mais contribuiu para consolidar a democracia espanhola. A Catalunha não foi somente o motor econômico da Espanha, mas também um fator de modernização e estabilidade. A Catalunha acreditou que a Constituição espanhola de 1978 podia ser um bom ponto de partida para garantir seu autogoverno e seu progresso material. A Catalunha se envolveu a fundo na operação que devolveu o Estado espanhol às instituições europeias e internacionais após 40 anos de isolamento e autarquia.

Passados os anos, porém, pudemos constatar que o novo edifício institucional surgido da Transição, que na Catalunha era visto como um ponto de partida do qual se evoluiria para níveis mais altos de democracia e autogoverno, era entendido pelas elites hegemônicas do Estado não como um ponto de partida, mas como um ponto de chegada. E ao longo dos anos, o sistema não somente parou de evoluir na direção desejada pelo povo da Catalunha, mas também começou a regredir.

Conforme a essa constatação, em 2005, a vasta maioria, 88% deste Parlamento, repito, uma maioria de 88% deste Parlamento, seguindo os procedimentos determinados pela Constituição, repito, seguindo os procedimentos determinados pela Constituição, aprovou a proposta de um novo Estatuto de Autonomia e a enviou ao Congresso dos Deputados. A proposta catalã desencadeou uma autêntica campanha de catalanofobia, atiçada de maneira irresponsável pelos que queriam governar a Espanha a qualquer preço.

O texto finalmente submetido a referendo em 2006 já era muito diferente da proposta inicial do Parlamento da Catalunha. Porém, apesar de tudo, foi aprovado pelos cidadãos que foram votar. 47% dos votantes aptos participaram, e os votos favoráveis ao Estatuto foram de 1.899.897. Quero ressaltar que são 145 mil votos a menos do que obteve o Sim à independência no último 1.º de outubro.

Porém, ao Estado não bastou o primeiro decepamento. Em 2010, quatro anos depois de entrar em vigor o Estatuto decepado, um Tribunal Constitucional formado por magistrados escolhidos a dedo basicamente pelos dois grandes partidos espanhóis, o PSOE e o PP, proferiu uma sentença, de infame lembrança, que decepava o Estatuto uma segunda vez e modificava o conteúdo que já havia sido aprovado pelo povo em referendo.

Recordemos e destaquemos esse fato: apesar de termos seguido os procedimentos previstos na Constituição, ou seja, apesar de termos obedecido mando e normas constitucionais, apesar dos 88% do Parlamento da Catalunha que apoiaram e apesar do voto popular em referendo legal e consentido, a ação coordenada do Congresso dos Deputados e, em especial, do Tribunal Constitucional converteram a proposta catalã num texto irreconhecível. E convém relembrar e destacar também: esse texto irreconhecível, duas vezes decepado e não referendado pelos catalães, é a lei vigente hoje em dia. Esse foi o resultado da última tentativa da Catalunha de modificar seu status jurídico-político pelas vias constitucionais, ou seja, uma humilhação.

Mas isso não é tudo. Desde a sentença do Tribunal Constitucional contra o Estatuto votado pelo povo, o sistema político espanhol não somente não moveu uma palha para tentar voltar atrás e consertar o dano feito, mas também pôs em marcha um programa agressivo e sistemático de recentralização. Do ponto de vista do autogoverno, os últimos sete anos foram os piores dos últimos 40: supressão contínua de incumbências por meio de decretos, leis e sentenças; desatenção e desinvestimento no sistema básico de infraestruturas da Catalunha, peça-chave do progresso econômico do país; e um injurioso menosprezo para com a língua, a cultura e o jeito de ser e viver de nosso país.

Tudo isso que explico condensadamente em algumas linhas teve um impacto profundo na sociedade catalã, muito fundo, a ponto de, durante esse período, muitos cidadãos, de fato milhões de cidadãos, chegaram racionalmente à conclusão de que a única forma de assegurar a sobrevivência não só do autogoverno, mas também de nossos valores como sociedade, é a Catalunha constituir-se num Estado. Os resultados das últimas eleições para o Parlamento da Catalunha testemunham isso.

Além disso, ocorreu algo ainda mais relevante: paralelamente à formação da maioria absoluta independentista no Parlamento, formou-se um consenso muito amplo e transversal em torno da ideia de que o futuro da Catalunha, fosse qual fosse, devia ser traçado pelos catalães de forma democrática e pacífica, por meio de um referendo. De fato, na pesquisa mais recente de um importante diário de Madri, não daqui, mas de Madri, 82% dos catalães assim se expressam.

Pois bem, com o objetivo de pôr em prática esse referendo, nos últimos anos as instituições e a sociedade civil catalãs lançaram numerosas iniciativas ante o governo e as instituições espanhóis. Todas estão documentadas: até 18 vezes e em todos os formatos possíveis, solicitamos abertura de um diálogo para combinar um referendo como o celebrado na Escócia em 18 de setembro de 2014. Um referendo com uma data e uma pergunta combinadas entre as duas partes, no qual as duas partes pudessem fazer campanha e expor seus argumentos e no qual ambas partes se comprometessem a aceitar e aplicar o resultado por meio de uma negociação que protegesse os respectivos interesses. Se isso pôde ter sido feito numa das democracias mais antigas, consolidadas e exemplares do mundo como o Reino Unido, por que não podia se fazer igual na Espanha?

A resposta a todas essas iniciativas foi uma negativa radical e absoluta, combinada com a perseguição policial e judicial das autoridades catalãs. O ex-presidente Artur Mas, hoje aqui conosco, as ex-conselheiras Joana Ortega e Irene Rigau, esta também deputada hoje, e o ex-conselheiro da Presidência Francesc Homs, também presente, foram todos inabilitados por terem promovido um processo participativo não vinculante e sem efeito jurídico no dia 9 de novembro de 2014. E não só inabilitados, mas também multados de forma arbitrária e abusiva: se não depositarem mais de 5 milhões de euros ao Tribunal de Contas espanhol em alguns dias, todos os seus bens serão embargados e eles e suas famílias poderão ver-se gravemente prejudicados.

Além deles, uma parte importante da Mesa deste Parlamento e dezenas de políticos municipais eleitos foram processados por expressarem seu apoio ao direito de decidir e permitir debates sobre o referendo. Relembro e repito: foram lançados processos contra a presidenta e membros da mesa do Parlamento, por quê? Para impedir que este Parlamento pudesse debater! A última onda repressiva contra as instituições catalãs implicou a detenção e a transferência a dependências policiais de 16 políticos e servidores públicos do Governo da Catalunha, que tiveram de depor algemados e sem serem informados de qual era a acusação que pesava contra eles. O mundo também deve saber que os líderes das entidades que lideraram as manifestações mais massivas e, ao mesmo tempo, pacíficas da história da Europa, estão hoje acusados de um delito de sedição que pode acarretar até 15 anos de prisão: os responsáveis por terem promovido manifestações que maravilharam o mundo por sua organização, seu civismo e sua total ausência de incidentes.

Essa foi a resposta do Estado espanhol às demandas catalãs, exigências que sempre, sempre foram expressas e devem ser expressas de forma pacífica e por meio das maiorias obtidas nas urnas. O povo da da Catalunha reclama há muitos anos liberdade para poder decidir. É muito simples. Contudo, não encontramos interlocutores no passado e não estamos ainda encontrando. Não há nenhuma instituição do Estado que se abra para falar do pedido majoritário deste Parlamento e da sociedade catalã. A última esperança que podíamos ter era que a monarquia exercesse o papel de árbitro e moderador que a Constituição lhe outorga, mas o discurso da semana passada confirmou a pior das hipóteses.

(Parágrafo em espanhol) Quero dirigir-me agora aos cidadãos do conjunto do Estado espanhol que seguem com preocupação o que acontece na Catalunha. Quero passar-lhes uma mensagem de serenidade, respeito, vontade de diálogo e acordo político, como sempre foi nosso desejo e nossa prioridade. Estou ciente das informações que vocês recebem da maioria das mídias e de qual foi a narrativa que se consolidou. Ouso, porém, pedir-lhes um esforço para o bem de todos; um esforço para que conheçam e reconheçam o que nos levou até aqui e as razões que nos impeliram. Não somos delinquentes. Não somos loucos. Não somos golpistas. Não somos alienados. Somos pessoas normais que pedem para poder votar e que estiveram dispostas a todo diálogo que fosse necessário para fazê-lo de maneira consentida. Não temos nada contra a Espanha e os espanhóis. Ao contrário, queremos de novo nos entender melhor e esse é o desejo majoritário que existe na Catalunha. Pois hoje, desde há muitos anos já, a relação não está funcionando e nada foi feito para reverter uma situação que se tornou insustentável. E um povo não pode ser obrigado, contra sua vontade, a aceitar um status quo no qual não votou e o qual não quer. Efetivamente, a Constituição é um marco democrático, mas é igualmente certo que a democracia vai mais além da Constituição.

Senhoras e senhores, com os resultados do referendo de 1.º de outubro passado, a Catalunha ganhou o direito de ser um Estado independente e ganhou o direito de ser escutada e respeitada.

E devo dizer que ser escutada é o que está ocorrendo ultimamente, porque o que tem se dado nesse âmbito nos últimos dias não se dava em anos, e hoje a Catalunha é ouvida e estimada para além de nossas fronteiras.

O Sim à independência ganhou eleições por maioria absoluta, e após dois anos ganhou um referendo sob uma chuva de golpes de cassetete. As urnas, a única linguagem que entendemos, dizem SIM à independência, e este é o caminho que estou comprometido a percorrer.

Como se sabe, a Lei de Referendo estabelece que, dois dias após a proclamação oficial dos resultados, e caso os votos do Sim tenham superado os votos do Não, o Parlamento, e cito textualmente a lei: “celebrará uma sessão ordinária para efetuar uma declaração formal de independência da Catalunha com seus efeitos e agendar o início do processo constituinte”.

Há um antes e um depois do 1.º de outubro. Conseguimos o que no princípio da legislatura nos comprometemos a fazer.

Chegado esse momento histórico, e como Presidente da Generalitat, assumo o dever de mostrar o resultado do referendo diante do Parlamento e de nossos concidadãos, mostrar o mandato para que a Catalunha se converta num Estado independente em forma de República.

Isso é o que nos toca fazer hoje, por responsabilidade e respeito.

E com a mesma solenidade, o Governo e eu mesmo propomos que o Parlamento suspenda os efeitos da declaração de independência, para que nas próximas semanas promovamos um diálogo, sem o qual não é possível chegar a uma solução consensual. Acreditamos firmemente que o momento exige não somente amainar a tensão, mas, sobretudo, agirmos com clareza e compromisso para avançarmos as demandas do povo da Catalunha a partir dos resultados de 1.º de outubro, os quais temos imprescindivelmente de levar em conta na etapa de diálogo que estamos dispostos a abrir.

Todos os senhores sabem que, desde o dia seguinte ao referendo, lançaram-se várias iniciativas de mediação, diálogo e negociação a nível nacional, estatal e internacional. Algumas delas são públicas, outras ainda não, mas logo o serão. Todas são muito sérias e eram difíceis de se imaginar há algum tempo. As chamadas ao diálogo e à não violência partiram de todos os cantos do planeta: a declaração feita ontem por oito vencedores do Nobel da Paz; a declaração do The Elders, cujo líder é Kofi Annan, ex-secretário-geral da ONU, e que é formado por personalidades de eminência mundial; os posicionamentos de presidentes e primeiros-ministros de países europeus e de líderes políticos europeus. O clamor por diálogo percorre a Europa, porque ela já se sente interpelada sobre os efeitos que pode ter uma resolução ruim deste conflito. Todas essas vozes merecem ser escutadas, e todas, sem exceção, nos pediram que deixemos um tempo para dar oportunidade ao diálogo com o Estado espanhol.

Hoje, também isso deve ser feito por responsabilidade e respeito.

Encerrando, faço isso com apelo a que todos sejam responsáveis. Aos cidadãos da Catalunha, peço que continuem se exprimindo como têm feito até agora: com liberdade e respeito aos que pensam diferente. Às empresas e agentes econômicos, peço que continuem gerando riqueza e não caiam na tentação de usar seu poder para assustar o povo. Às forças políticas, peço que contribuam com suas palavras e ações para amainar a tensão. Faço o mesmo pedido aos meios de comunicação. Ao governo espanhol, peço que escute, não mais a nós, se não quiser, mas aos que pedem a mediação, à comunidade internacional e aos milhões de cidadãos de toda a Espanha, que lhe rogam deixar a repressão e a imposição. E à União Europeia, peço que se envolva a fundo e que zele por seus próprios valores fundacionais.

Hoje, o Governo da Catalunha está fazendo um gesto responsável e generoso e volta a estender a mão ao diálogo. Estou convencido de que, se nos próximos dias, todos agirem com a mesma responsabilidade e cumprirem com suas obrigações, o conflito entre a Catalunha e o Estado espanhol pode ser resolvido de forma serena e consensual, respeitando a vontade dos cidadãos. Ainda não é o fim para nós. Pois queremos ser fiéis à nossa longa história, a todos os que sofreram e se sacrificaram, e porque sonhamos com um futuro digno para nossos filhos e filhas e para todas as pessoas que queiram fazer da Catalunha sua terra de acolhida e esperança.

Muito obrigado!



quarta-feira, 11 de outubro de 2017

“Славься” (Glória) em coro/orquestra


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/slavsia2

Esta é a terceira versão de uma canção patriótica muito tocada e celebrada na Rússia. Trata-se da letra original (inicial) da chamada “Славься” (Slavsia), Glória ou Glorie-se, que integra a cena final da ópera A vida pelo Tsar (ou Ivan Susanin), composta por Mikhail Glinka em 1836. A melodia, claro, é dele, e a letra desse poema é de Vasili Zhukovski e Iegor Rozen, embora atualmente seja mais corrente um texto escrito por Sergei Gorodetski, muito tempo depois. Eu já legendei duas vezes essa segunda letra, como vocês viram aqui há alguns dias.

A versão mais antiga tem alusões à monarquia, pois trata da história de Ivan Susanin, um camponês russo que viveu entre os séculos 16 e 17. Segundo a lenda, ele salvou o tsar Mikhail Romanov, o primeiro tsar da dinastia dos Romanov, de ser morto pelos inimigos polaco-lituanos numa guerra que durou de 1609 a 1618. O próprio Susanin morreu em 1613, e se tornou um herói nacional, glorificado até hoje.

Quem está executando essa parte da ópera, talvez como uma peça separada, é o coral e orquestra do Teatro Mikhailovski, um dos mais tradicionais da Rússia, dirigido pelo maestro Aleksei Karabanov. A apresentação é de 6 de março de 2013, feita no Hermitage de São Petersburgo, a capital cultural do país. Eu baixei o vídeo sem legendas do canal, aparentemente, do próprio Karabanov. Essa letra não é exatamente igual à apresentada como “primeira variante” na Wikipédia em russo, então eu procurei o texto da ópera no Google e fui direto à parte final. Conforme o texto que achei, eu pude reconstituir o que parece ser cantado pelo coral.

Os espectadores do meu antigo canal do YouTube me indicaram esta linda canção patriótica porque ela consiste numa espécie de hino não oficial da Rússia, e por isso eu mesmo a traduzi e legendei, tendo nele carregado o vídeo. Seguem abaixo a legendagem, a letra em russo e a tradução em português:


3x:
Славься, славься, наш русский Царь!
Господом данный нам Царь-Государь!
Да будет бессмертен твой Царский род!
Да им благоденствует русский народ!

Славься, славься, наш русский Царь!
Господом данный нам Царь-Государь!
Славься, славься...

Утешьтесь, вас Царь наградит,
И народ возгласит:
Память вовек Сусанину!

Славься, славься, наш русский Царь!
Господом данный нам Царь-Государь!
Славься, славься,
Слава Царю!

Вас Царь наградит,
И народ возгласит:
Память вовек Сусанину!

Слава нашему Царю,
Слава Руси святой,
Слава нашему Царю,
Слава, слава, греми, Москва!

Празднуй торжественный день Государя,
Ликуй, веселися: царский ход всё ближе!
Царь идёт, Царь идёт, Царь идёт!

Наш Царь идёт!
Слава нашему Царю,
Слава Руси святой,
Слава нашему Царю,
Слава, слава, греми, Москва!

Празднуй торжественный день Государя,
Ликуй, веселися: царский ход всё ближе!
Царь идёт, Царь идёт, Наш Царь!

Наш Царь идёт!
Наш Царь... идёт!
Слава нашему Царю,
Ура! Ура! Ура!

____________________


3x:
Glória, glória ao nosso Tsar russo!
Soberano dado a nós pelo Senhor!
Seja imortal sua linhagem imperial,
Que com ele o povo russo prospere!

Glória, glória ao nosso Tsar russo!
Soberano dado a nós pelo Senhor!
Glória, glória...

Consolem-se, o Tsar os premiará
E o povo exclamará:
Memória eterna a Susanin!

Glória, glória ao nosso Tsar russo!
Soberano dado a nós pelo Senhor!
Glória, glória,
Glória ao Tsar!

O Tsar premiará vocês
E o povo exclamará:
Memória eterna a Susanin!

Glória a nosso Tsar,
Glória à Santa Rússia,
Glória a nosso Tsar,
Glória, glória, ressoe, Moscou!

Celebrem o dia solene do Soberano,
Cantem, alegrem-se, ele se aproxima!
O Tsar vem, o Tsar vem, o Tsar vem!

Nosso Tsar vem vindo!
Glória a nosso Tsar,
Glória à Santa Rússia,
Glória a nosso Tsar,
Glória, glória, ressoe, Moscou!

Celebrem o dia solene do Soberano,
Cantem, alegrem-se, ele se aproxima!
O Tsar vem, o Tsar vem, nosso Tsar!

Nosso Tsar está vindo!
Nosso Tsar se aproxima!
Glória a nosso Tsar,
Hurra! Hurra! Hurra!



domingo, 8 de outubro de 2017

“Славься” (Glória), hino marcial russo


Os espectadores do meu antigo canal no YouTube me indicaram esta linda canção patriótica que consiste numa espécie de hino não oficial da Rússia. Ela se chama simplesmente “Славься” (Slavsia), Glória ou Glorie-se, e possui melodia de Mikhail Glinka e letra de Sergei Gorodetski. Uma letra original, fazendo alusão ao tsar e a outras feudalices, foi escrita por Vasili Zhukovski e Iegor Rozen, mas eu traduzi apenas a mais recente.

A melodia foi tirada da cena final da ópera Ivan Susanin, do próprio Glinka (1804-1957) e escrita em 1836. A versão do poeta Gorodetski (1884-1967) deve ser da era soviética, e não contém alusões à monarquia, embora seja bastante patriótica. A nova versão é considerada um hino não oficial da Rússia, e ainda hoje seu emprego marcial ou orquestral ainda se dá em paradas militares e outras datas notavelmente solenes.

O primeiro vídeo, que eu mesmo traduzi, montei e legendei, tem duas versões da canção: uma abreviada, com as famosas legendas triplas (russo cirílico, russo latino e português), e outra completa, apenas com o russo transliterado e a tradução em português. Eu tirei o primeiro aúdio deste vídeo, e o segundo áudio, deste vídeo. Ambas as montagens originais têm lindas imagens, por isso recomendo que vocês também as assistam.

O segundo vídeo foi gravado durante uma Prova Avaliativa Estatal aberta ao público, dirigida aos estudantes, professores e estagiários da área de Arte do Canto Popular, linha de Canto Popular Coral, na Academia Russa Gnesinykh de Música. O Coral Popular dessa escola fez a apresentação em 8 de junho de 2016, com direção artística de D. V. Morozov e regência de Ie. N. Baikova e A. B. Boldyreva. A adaptação pro canto coral é de D. V. Morozov, o arranjo é de V. Maliarov e a elaboração é de T. Ieliseieva e P. Osipenko. Vasili, Aleksandr e Andrei Fomenko filmaram, e Vasili Fomenko fez a montagem. Vocês podem visitar o site oficial desse coral pra melhor conhecê-lo. Eu baixei o vídeo original sem legendas do próprio canal do Coral Popular, e eles cantam a mesma letra, mas no meio adicionam alguns versos que, infelizmente, não entendi todos de ouvido. Pedi então ajuda a amigos, e foi Volodymyr Tkach quem me ajudou com atenção. Eu mesmo traduzi e legendei.

Seguem abaixo as duas legendagens, com texto russo latino baseado no meu próprio sistema de transliteração, a letra em russo (a inserção do Coral Popular está entre colchetes) e a tradução em português:




Славься, славься, ты Русь моя,
Славься, ты русская наша земля!
Да будет во веки веков сильна
Любимая наша родная страна!

Славься, славься из рода в род,
Славься великий наш русский народ!
Врагов посягнувших на край родной
Рази беспощадно могучей рукой!

Слава, слава героям-бойцам,
Родины нашей отважным сынам!
Кто кровь за Отчизну свою прольёт,
Того никогда не забудет народ.

Славься, славься, ты Русь моя,
Славься, ты русская наша земля!
Слава, слава!
[Запомнит весь русский народ
И навек сбережет память бойцов
Бойцов Руси святой,
Слава всем бойцам, сынам нашим!
Слава Руси святой, слава всем героям!
Слава бойцам всем!
Слава бойцам, хвала,]
Хвала войскам [бойцам]!

Вот он, наш Кремль!
С ним вся Русь и весь мир!
Пой весь мир! Веселись,
Русский люд! Песни пой!
Светлый день, весёлый день для нас настал!
Весёлый день для нас настал!

Здравствуй, наш край!
Наш край родной!
Будь жив, будь здрав, весь наш край!
Ура! Ура! Ура!

____________________


Glória a ti, minha Mãe-Rússia,
Glória a ti, nossa terra russa!
Seja forte por todos os séculos,
Nosso querido país natal!

Glória de geração a geração,
Glória, nosso grande povo russo!
O inimigo que violar a terra natal
Pereça sem dó sob mão potente!

Glória aos heróis que lutaram,
Aos bravos filhos de nossa Pátria!
Quem der seu sangue pela Pátria
Nunca será esquecido pelo povo.

Glória a ti, minha Mãe-Rússia,
Glória a ti, nossa terra russa!
Glória, glória!
[Todo o povo russo lembrará
E guardará para sempre a memória dos lutadores,
Combatentes da Santa Rússia,
Glória a todos os lutadores, nossos filhos!
Glória à Santa Mãe-Rússia, glória a todos os heróis!
Glória a todos os combatentes!
Glória, louvemos os combatentes,]
Louvores às tropas [aos lutadores]!

Eis ali nosso Kremlin!
Com ele, toda Rússia e o mundo!
Que o mundo cante! Alegre-se,
Povo russo! Cante a canção!
Raiou para nós um dia alegre, dia luminoso!
Raiou para nós um dia alegre!

Saudações à nossa terra!
Nosso torrão natal!
Seja viva, tenha saúde, toda nossa terra!
Hurra! Hurra! Hurra!




quarta-feira, 4 de outubro de 2017

“Да здравствует наша держава”, hino


Esta canção deve traduzir a máxima dos comentadores de YouTube: “O comunismo falhou, mas as músicas eram demais”... Descobri muito por acaso, fuçando no YouTube, esta linda marcha nomeada “Да здравствует наша держава” (Da zdravstvuiet nasha derzhava), Viva nosso Estado-potência, composta no inverno de 1942 por Boris Aleksandrovich Aleksandrov (melodia) e Aleksandr Viacheslavovich Shilov (letra). Em 1943, concorreu num concurso pro novo Hino Nacional da URSS, mas perdeu pra magna versão que conhecemos.

Segundo o autor da melodia, ele a compôs tendo-se impressionado com a derrota das tropas alemãs nos arredores de Moscou, durante a 2.ª Guerra Mundial, e logo depois Shilov, solista do Coral do Exército Vermelho, escreveu uma letra que se encaixou perfeitamente na música. Em 1943, bem em meio à Guerra Mundial, houve o concurso pra escolher o novo Hino Nacional da URSS, que já mencionei outras vezes. Entretanto, embora muitas belas composições tivessem concorrido, foi escolhida aquela que baseou inclusive a versão de 1977 do hino soviético, bem como a melodia do atual hino da Rússia. No tempo do comunismo, e mesmo hoje, ainda é executada nas paradas militares e permanece no repertório do Conjunto Aleksandrov de Canto e Dança. A melodia também está no hino da Transnístria, uma parte da Moldova que se reivindica como república independente.

Boris era filho de Aleksandr Aleksandrov, que compôs a melodia da versão vitoriosa. Tem uns traços da letra que eu queria comentar. A palavra “держава” significa tanto “Estado” (como em bielo-russo e ucraniano) quanto “potência” (um “país potência”), por isso, a fim de aproveitar o espaço livre, uni os dois conceitos em Estado-potência. Onde se fala no começo “Tem batido”, usa-se o verbo imperfeito no passado “побеждала”, ao invés do aspecto perfeito, que indicaria um conjunto de ações já concluídas. Poderia ser traduzido “batia” ou “derrotava” (pretérito imperfeito), mas sabendo que, em russo, um verbo imperfeito no passado também pode traduzir exatamente o present perfect inglês (“ação que começou no passado e cujas consequências se veem ainda hoje”, lembram da tchítcher?), e que a guerra ainda estava em curso, usei “tem batido” pra indicar algo ainda corrente. Quanto à palavra “станица”, que traduzi como “povoado”, na verdade era uma povoação autossuficiente de cossacos da Rússia e, sobretudo, Ucrânia pré-1917, mas como essa instituição acabou, e como talvez a intenção tenha sido só rimar, poupei o espaço.

O hino deve ter perdido porque não tinha menções a Stalin. Eu mesmo traduzi, legendei e montei o vídeo abaixo, tendo tirado desta página o áudio e a letra da descrição. Fiz a legenda russa em alfabeto latino, pra conforto de vocês, baseado no meu próprio sistema de transliteração. Vejam o vídeo duas vezes, lendo uma legenda de cada vez! Seguem abaixo a legendagem, o texto em russo e a tradução em português:


1. Да здравствует наша держава,
Отчизна великих идей,
Страна всенародного права
На радость и счастье людей!
За это священное право,
За жизнь и свободу свою
Великая наша держава
Врагов побеждала в бою.

Припев:
Над Москвою чудесной,
Над любимой землёй
Лейся, радостная песня
По нашей стране молодой!
Вейся, красное знамя,
Символ наших побед!
Ты горишь всегда над нами,
Как солнца ликующий свет!

2. По ленинским мудрым заветам
Идёт наш великий народ.
Дорогою счастья и света
Нас партия твёрдо ведёт.
Несметны республик богатства,
И сил богатырских не счесть
В стране всенародного братства,
Где труд – это доблесть и честь.

(Припев)

3. От дальней советской границы
До башен старинных Кремля
Растут города и станицы,
Цветут золотые поля.
И с каждым зерном урожая,
И с новым ударом станка
Всё крепнет и крепнет родная,
Великая наша страна!

(Припев)

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1. Viva nosso Estado-potência,
Pátria de grandes ideias,
País de direito universal
Para alegria e fortuna do povo!
Por esse direito sagrado,
Por sua vida e liberdade
Nosso magno Estado-potência
Tem batido inimigos na guerra.

Refrão:
Sobre a admirável Moscou,
Sobre a terra adorada
Ressoe, canção alegre
Em todo nosso jovem país!
Ondule, bandeira vermelha,
Símbolo de nossas vitórias
Que sempre reluz sobre nós
Como luz jubilante do Sol!

2. Os sábios preceitos de Lenin
Orientam nosso grande povo.
Pela via de felicidade e luz
O partido nos conduz firme.
Ótimas riquezas das repúblicas
E incontáveis forças heroicas
No país de irmandade universal
Onde labor é bravura e honra.

(Refrão)

3. Da distante fronteira soviética
Às velhas torres do Kremlin
Crescem cidades e povoados,
Florescem campos dourados.
E com cada grão colhido
E novo pulsar de máquina
Vai se reforçando o querido
E grande país nosso!

(Refrão)



domingo, 1 de outubro de 2017

Гимн свободной России (hino, 1917)


Este é um dos dois projetos alternativos de hinos da Rússia que descobri por acaso e que também resolvi postar, após ter dado conta de todos os oficiais. Pra mim é sempre um orgulho trazer ao público canções russas que poucos no Brasil conhecem, e talvez mesmo no Ocidente. Este é o chamado “Гимн свободной России” (Gimn svobodnoi Rossii), o Hino da Rússia livre, composto logo após a Revolução Russa de fevereiro de 1917, e no meio do calor dela, pelo poeta Konstantin Dmitrievich Balmont (letra) e pelo compositor Aleksandr Tikhonovich Grechaninov (melodia). Assim como outras variantes, a canção não foi adotada pelo Governo Provisório, que preferiu A Marselhesa Operária, nem por vários conselhos de artistas da época. É interessante que, por razões polissêmicas, o título também poderia significar “Hino à Rússia livre”.

Em depoimento no livro Minha vida (Nova York, 1954), Grechaninov escreveu que a melodia foi composta em meia hora, e que tendo tirado a parte “Viva a Rússia, um país livre!” de um poema de Fiodor Sologub, mas não gostado do texto restante, incumbiu Balmont de escrever a letra. Ele o fez em poucos minutos, e não demoraria pra letra ser impressa e a música ganhar vários teatros da Rússia. Entre os exilados russos, a canção faria muito sucesso, principalmente nos EUA, onde David Medov a gravaria pela primeira vez. Lá também, a rádio anticomunista Svoboda, financiada pelo Congresso Nacional, usou a batida como tema musical.

Eu mesmo traduzi a letra, que é muito simplória (as propostas falhas de hinos russos se parecem muito entre si), montei o vídeo abaixo e legendei. É incrível a tradição da Rússia de viver trocando seu hino nacional, e pra todos os que foram adotados, haver outros tantos que foram rejeitados. Sinal de uma cultura rica – poética e esteticamente! Eu tirei da Wikipédia russa a letra e as informações acima. Eu baixei o áudio deste vídeo, mas também existem outras representações, como a deste coral da cidade de Mytischi, próxima a Moscou.

Eu fiz duas legendas, uma em português e, pra conforto de vocês, outra em russo transliterado conforme meu próprio sistema. Vejam o vídeo duas vezes, lendo uma legenda de cada vez! Seguem abaixo a legendagem, o texto curtíssimo em russo e a tradução em português:


Да здравствует Россия, свободная страна!
Свободная стихия великой суждена!

Могучая держава, безбрежный океан!
Борцам за волю слава, развеявшим туман!

Да здравствует Россия, свободная страна!
Свободная стихия великой суждена!

Леса, поля, и нивы, и степи, и моря,
Мы вольны и счастливы, нам всем горит заря!

Да здравствует Россия, свободная страна!
Свободная стихия великой суждена!

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Viva a Rússia, um país livre!
Encarna a liberdade, destina-se à grandeza!

Potência vigorosa, oceano infinito!
Glória a heróis da liberdade que dissiparam as trevas!

Viva a Rússia, um país livre!
Encarna a liberdade, destina-se à grandeza!

Matas, campos, lavouras, estepes, mares,
Somos livres e felizes, o Sol nasce a todos nós!

Viva a Rússia, um país livre!
Encarna a liberdade, destina-se à grandeza!