domingo, 6 de agosto de 2017

Línguas eslavas e sotaques do Brasil


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/sotaques



Originalmente, este pequeno texto era uma nota de Facebook, que escrevi há muitos anos, provavelmente em 2015, quando apaguei minha última conta pessoal (tive contas outras duas breves vezes, mas não com minha identidade real). Seu argumento geral é meio bizarro, mas serve pra divertir, e talvez tornar mais próximo o tema da palatização consonantal nas línguas eslavas, que é tão difícil aos brasileiros, mas tem paralelos em nossos falares.

O modo como varia entre as línguas eslavas o comportamento das letras/sons “d” e “t” antes da vogal “i”, ou quando sofrem o fenômeno da palatização antes de outras vogais, lembra muito como ocorre a mesma variação entre diversos sotaques do Brasil. Isso, ao menos na minha percepção pessoal, baseada na experiência de ouvido.

O comportamento em tcheco lembra o sotaque do português brasileiro padrão, que se ouve na maior parte da mídia falada brasileira, especialmente nas rádios da cidade de São Paulo e na bancada do Jornal Nacional da TV Globo. É como se fossem um “dj” e um “tch”, mas pronunciados como um som só. Quase não se percebe o “j” ou o “ch”. Ouçam a palavra dítě e escutem a pronúncia das consoantes.

No polonês, a rigor não existem as combinações “di” e “ti”, mas elas sempre viram “dzi” e “ci” na escrita, cuja pronúncia lembra o “di” e o “ti” falados com sotaque carioca, ou seja, mais chiado do que em São Paulo. São praticamente “dji” e “tchi” mesmo, mas o “j” e o “ch” são suaves, não são “duros”, como se estivesse pronunciando as palavras inglesas job e chalk. Ouçam logo no comecinho desta frase longa a palavra dzieci, como se fosse um “djétchi”.

Em algumas regiões do Brasil, especialmente no interior de São Paulo (já ouvi próximo de Campinas e em algumas pessoas de Bragança Paulista) e do Paraná, essas palatizações já se parecem quase com um “dzi” e um “tsi” feitos como se fossem um som só, sem quase se perceberem o “z” e o “s”. São sons que se parecem com o “d” e o “t” palatizados antes de “i” no russo, e falando no jargão linguístico, são realmente os sons puros “d” e “t” palatizados. Vocês podem escutar esses dois sons na palavra russa “дети” (dieti, Д = D).

Finalmente, em duas línguas é fácil descrever e não preciso dos áudios. Em sérvio, búlgaro (que usam cirílico) e croata (que usa alfabeto latino), o “d” e o “t” antes de “i” (em cirílico se escrevem respectivamente Д, Т e И) sempre são pronunciados duros, como se estivessem na frente de qualquer outra vogal, como em “da”/“ta”, “do”/“to”, e da mesma forma em “di”/“ti”. Essa pronúncia soa mais arcaica no interior de São Paulo e do Paraná, e algumas pessoas de mais idade a fazem sempre (ouçam as músicas do sertanejo José Rico), mas às vezes os habitantes mais jovens a fazem em situações mais informais ou irônicas. Por fim, em bielo-russo, o “d” e o “t” antes de “i” sempre se transformam em “dz” e “ts”, articulados de forma palatal, mas com o “z” e o “s” bem nítidos, ou seja, praticamente “dzi” e “tsi” (ДЗІ, ЦІ). Eu já escutei essas combinações em pronúncias brasileiras ditas “afetadas”, como entre alguns gays e mulheres “peruas” caricatas apresentando programas televisivos de futilidades.




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe suas impressões, mas não perca a gentileza nem o senso de utilidade! Tomo a liberdade de apagar comentários mentirosos, xenofóbicos, fora do tema ou cujo objetivo é me ofender pessoalmente.