Mas talvez o lado mais interessante da música seja o background histórico. Como eu já tive a oportunidade de escrever, a canção A oração do cossaco, de autoria desconhecida, foi composta em meados do século 19 e passou a simbolizar a beligerância russa pela defesa de suas fronteiras. Um dos aspectos que ela envolve é justamente a reação do não russo ante esse protecionismo ou expansionismo, simbolizado na letra pela palavra “oisia”, que designa vários povos do Cáucaso, em referência a um grito que eles dão em dança. No vídeo do Givi, aparece também outra faceta desse contato, que é a mistura cultural, ou seja, os cossacos do Cáucaso assimilaram a dança local da lezginka e lhe criaram canções com palavras características do russo daquela região. São exatamente esses passos que podem ser vistos na festa de aniversário.
A descrição não ficaria completa se eu não falasse ainda da própria versão que está sendo cantada. A melodia de Oisia ty oisia é de domínio popular, por isso foram feitas várias versões ao longo dos anos, pras mais diversas situações. A versão abaixo foi escrita pelo cantor russo Aleksandr Dadali, que a batizou de Ataman volny (Um atamano livre). Os atamanos, como eu também descrevi em outras postagens, eram líderes militares cossacos dos tempos tsaristas, cuja atuação sempre foi muito romantizada pela cultura popular. E exatamente, este poema moderno está narrando o suposto cotidiano de um atamano, com episódios peculiares e passagens heroicas. O próprio Dadali é quem está cantando no Donbás com um karaokê de fundo, como pode ser visto em fotos da época em sua conta do VK, mas neste vídeo não aparece a primeira estrofe (que não traduzi). Aliás, alterando o original, ele canta “Donbás” onde tinha gravado “Kuban”, famosa cidade russa. Vejam o site pessoal do cantor.
Dadali é um dos muitos artistas populares russos ou de língua russa que sustentam os terroristas do Donbás e deturpam a cultura tradicional pra adaptá-la aos novos gostos e mídias. A própria execução em ritmo de reggae destoa com a letra antiquada em conteúdo e vocabulário. Quanto à tradução de “oisia” por “camarada”, devo explicar: como nos mais variados contextos pode diferir quem seja o “oisia” – o estranho, forasteiro, enfrentador, caucasiano ou apenas desconhecido –, traduzi de uma forma como se o atamano estivesse falando com o ouvinte no refrão, o que não acontece nas outras estrofes. “Oisia” pode apenas fazer chamar a atenção, mas seu emprego fica polêmico quando se lembra da intromissão na Ucrânia, onde agentes de Putin inventaram um separatismo inexistente.
Quem filmou e postou o vídeo sem legendas em seu canal, e que também aparece ao final dizendo “Parabéns, Givi!” com sotaque, foi Graham Phillips, apoiador do terrorismo putinista e que documentava então os acontecimentos. Ele se autodenomina repórter, e no canal podem ser vistos muitos outros vídeos, inclusive dessa mesma festa. Nesta página, pode ser lida a letra completa em russo e ouvido o áudio com a canção em estúdio. Eu mesmo traduzi e legendei a canção, e seguem abaixo as legendas, a letra em russo e a tradução:
1. В град добрался стольный стал с коня умылся Припев (2x): 2. Шёл на каторгу жиган чёрные сапожки (Припев) (Соло) 3. На царёв конвой посвист налетели други (Припев) 4. Водка без стакана, пуля без нагана (Припев) ____________________ 1. Na capital, o atamano saiu do cavalo, lavou-se Foi à mesa com os manos, bebeu e se divertiu Partiu à casa, mas no caminho, uma armadilha Apanhou, fizeram-no correr, ficou sem tabaco Refrão (2x): 2. Um reincidente ia às galés de botinas pretas (Refrão) (Solo) 3. A um guarda do tsar se precipitaram os amigos (Refrão) 4. Vodca sem copo, bala sem pistola, (Refrão) |
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