No dia 20 de abril, a França esteve de novo às voltas com o terror dos extremistas islâmicos, sem contar os pequenos ataques que são debelados ou que ocorrem em escala restrita. Na famosa Avenida dos Champs-Élysées, um dos símbolos não apenas de Paris, mas de toda a França, um criminoso francês, mas de religião e origem islâmicas, atirou com um fuzil Kalashnikov contra um furgão de policiais e conseguiu matar um deles e ferir outros dois. Foi por volta das 20h50min (15h50min no horário de Brasília), instaurando um clima de terror entre os passantes e levando ao fechamento do bairro quase de imediato. Logo depois, ele mesmo também foi morto, identificado como Karim Cheurfi, de 39 anos, com o qual se encontrou uma carta jurando fidelidade ao grupo Estado Islâmico. Este, por sua vez, reivindicou rapidamente a autoria, dizendo que Cheurfi era um dos seus, embora ele tivesse, de fato, várias passagens policiais por roubo e tentativa de assassinato desde 2001.
O grande baque desse fato é que no domingo seguinte, ocorreria o primeiro turno das eleições presidenciais, em cujas sondagens o candidato de Hollande, Benoît Hamon (PS), estava então num insólito quinto lugar, ou seja, o último entre os principais candidatos. Os candidatos mais contestadores de todos os lados, que eram Marine Le Pen (FN, extrema-direita), Jean-Luc Mélenchon (FI, extrema-esquerda) e Emmanuel Macron (En Marche!, centro, mas ex-ministro de Hollande), estavam à frente, com votação bem próxima. Mesmo François Fillon, do partido dos ex-presidentes Sarkozy e Chirac (Les Républicains), estava atrás deles, embora terminasse a disputa em terceiro. O maior medo dos socialistas era que Le Pen, que há anos explora mais esse medo do islã, saísse na frente, mas ao final ela terminou os dois turnos em segundo lugar (embora a passagem pro segundo já fosse por si só um susto). No momento do atentado, estava havendo o último debate televisivo entre todos os candidatos, e ao saberem do fato, tiveram que abordar inevitavelmente, mais do que queriam ou previam, o tema do terrorismo. Apesar do medo de um “Frexit” (“Brexit” francês) com Marine vitoriosa, Macron elegeu-se presidente com larga vantagem, marcando após décadas a primeira eleição em que nem PS, nem Les Reps chegam à final.
Neste vídeo, Hollande deplora o assassinato, dirige seus sentimentos à família do policial, garante a mobilização das forças de segurança e repete lamentavelmente a mesma ladainha que já apareceu aqui no blog tantas vezes, em traduções dele. No começo de abril mesmo, eu já tinha postado o vídeo de Putin comentando os atentados no metrô de São Petersburgo. A França não vive apenas uma crise de violência, mas também econômica, social e moral, com o país extremamente dividido (em todo caso, contra o Partido Socialista). Contudo, no dia 18 de março, Hollande teve estômago pra escrever esta mensagem no Twitter: “Hoje, meu orgulho é poder estar transmitindo ao meu sucessor um país mais forte, mais digno, mais coeso e mais coerente do que em 2012.” Hashtag #Crolles, pequena cidade do sudeste em que ele fazia uma visita, mas que, segundo os internautas, que caíram de pau, deveria ser #Troll (o -es não é pronunciado).
Não haveria pior fim de mandato! No YouTube, este vídeo foi o único sem legendas, num canal amador sobre política, que achei na íntegra e sem marcas de outros canais, mas com qualidade e áudio menos bons. O texto integral transcrito desta fala de Hollande foi apagado do site da Presidência, mas há outra cópia nesta página, embora em letra menor. Foi a partir dele que eu traduzi e legendei. Seguem abaixo as legendas e a tradução em português mais refinada:
Senhoras e senhores,
Esta noite, exatamente às 21h, nos Champs-Élysées, ocorreu um ataque visando policiais e a van em que eles se encontravam.
Um policial foi morto. Dois outros foram feridos. Uma pedestre também foi atingida. O próprio criminoso foi neutralizado por outros policiais.
O bairro todo foi cercado. As pessoas que estavam lá puderam ser evacuadas. Estamos certos de que as pistas, que podem conduzir à investigação e deverão revelar toda a verdade, indicam um ato terrorista. Aliás, o Polo Antiterrorista foi acionado, e o inquérito será comandado por ele, para se conhecerem as razões e os eventuais cúmplices.
Convoquei para amanhã, às 8 da manhã, um Conselho de Defesa. Fazemos tudo para que a mobilização de nossas forças de segurança, militares e corpos policiais se encontre no mais alto nível nas circunstâncias que conhecemos, o que já ocorre mesmo há meses. Faremos vigilância absoluta, em especial com vistas às eleições.
Mas todos entenderão neste momento que meus sentimentos estão com a família do policial morto, bem como com o círculo íntimo dos policiais feridos. Uma homenagem nacional será prestada a esse policial que foi assassinado tão covardemente.
Devemos todos ter em mente que nossas forças de segurança fazem um trabalho especialmente difícil, que ficam expostas, como também vimos esta noite, e que o apoio da nação é total para com elas. Reitero aqui todos os meus compromissos tomados em relação aos militares e às forças policiais, apoios também válidos à proteção da Nação e à segurança de todos. Tudo deve ser feito para que a Polícia e o Exército possam cumprir sua missão, claro, dentro do Estado de direito e seguindo as regras, mas com a confiança de toda a Nação.
Essa é a mensagem que quero dirigir esta noite, não só a militares e policiais, mas também a todos os nossos concidadãos, que estão protegidos, devem estar e estarão. Todas as medidas que puderam ser tomadas vão nessa direção.
Mas o princípio básico, que deve ser toda vez relembrado, é a confiança, a solidariedade e o apoio da Nação para com as forças de segurança. Esse é meu pensamento esta noite, um pensamento com grande tristeza por causa desse funcionário que fez seu trabalho até o fim, de sua família e dos policiais feridos, mas também com ciência de nossa grande determinação a fazer tudo para combater o terrorismo, no país e onde quer que nossas tropas estejam atuando. Obrigado.