domingo, 15 de janeiro de 2017

Poemas de Stalin (1): “Alba” e “Luar”


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Hmm, vejamos: “Minha terra tem estepes, onde canta o rouxinol...”

O tema desta postagem não é controverso, mas poderá espantar muita gente. Nem os mais ferrenhos comunistas, nem os mais babantes direitistas, sabem que Iosif Stalin, ditador e marechal da União Soviética, também escreveu poesia em sua primeira juventude. É realmente um assunto pouco divulgado entre quem não conhece algo da língua russa, mas alguns de seus poemas foram traduzidos no ápice de seu regime e ficaram guardados por décadas, sendo publicados há algum tempo.

A. Andreienko organizou e comentou em 2005 uma seleta de poemas e cartas escritos por Stalin na juventude, chamando-a I. V. Stalin: Poemas. Correspondência com a mãe e parentes (Сталин И. В.: Стихи. Переписка с матерью и родными), publicada em Minsk pela FUAinform. Mesmo no cenário russo, o aparecimento desse volume deve ter parecido peculiar. Andreienko introduz dizendo que a tradição poética continuou, por muito mais tempo, bem mais vigorosa na Rússia e na Ásia Oriental (mesmo entre grandes governantes) do que na Europa Ocidental, onde sua antiga relação, inclusive, com a ciência foi perdida há séculos. Para ele, o poeta não é necessariamente quem “vive no mundo da Lua”, mas até o contrário, pois saber escrever em versos revelaria um pensamento claro e sintetizador. Esse seria o caso de vários grandes líderes da atualidade (obviamente ele só cita comunistas leste-asiáticos), e com Stalin não poderia ser diferente.

Enquanto estava no seminário religioso em Tbilisi, o jovem Ioseb Dzhugashvili escreveu alguns poemas em georgiano, dos quais seis foram publicados na mesma época (meados da década de 1890). O primeiro deles, escrito com apenas 16 anos de idade, chama-se “Manhã” (em russo, “Utro”, e em georgiano, “Dila”) e saiu em 1895 no n.º 123 do jornal Iveria, dirigido pelo grande poeta e publicista georgiano Ilia Chavchavadze, hoje considerado “Pai da Pátria”. Entre junho e dezembro, sairiam outros quatro ainda, e o último em 28 de julho de 1896, no n.º 32 do jornal Kvali. Stalin, que ainda não tinha adotado esse pseudônimo, assinava seus poemas como “Soso” ou “Soselo”, nome com que também era conhecido entre os íntimos.

Poemas do jovem Ioseb também apareceram numa crestomatia de textos georgianos editada em 1907 pelo ativista M. Kelendzheridze, ao lado de outros grandes poetas, e na abertura de um manual de alfabetização lançado em 1916 pelo pedagogo Yakob Gogebashvili (o poema “Utro”). O agora Stalin não publicou poemas no período soviético, mas num arroubo extremo de puxa-saquismo, Lavrenti Beria, chefe da polícia política (ele mesmo também georgiano), convocou em segredo os melhores especialistas, entre eles Boris Pasternak e Arseni Tarkovski, para transformar em poemas as traduções literais em russo dos textos do patrão. Deveriam compor uma coletânea de luxo para os 70 anos de Stalin, em 1949, mas o poeta, por razões misteriosas, ao descobrir o plano, chutou o pau da barraca e mandou parar tudo.

A seguir no livro, narra-se outro episódio folclórico envolvendo Stalin e a poesia épica georgiana, e então vêm os poemas, em russo. São 6 páginas, seguidas de mais 6 páginas com “poemas sobre Stalin”, e depois lembranças sobre a juventude do líder, as cartas etc. Estou começando a traduzir os poemas de Stalin, mas infelizmente é a partir do russo, pois não sei georgiano. Acho que, pela qualidade alegada dos tradutores, deve ser uma fonte confiável. Seguem abaixo dois desses poemas, “Alba” (em russo “Утро”, Utro) e “Luar” (em russo “Луне”, Lune, ou antes “lunié”). Seus nomes originais significam literalmente “Manhã” e “À Lua”.

Eu traduzi o primeiro poema em 9 de dezembro de 2016, quando estava dando uma pausa na redação da dissertação de mestrado na minha casa. O segundo, traduzi ontem, 14 de janeiro de 2017, quando estava dando uma pausa num passeio em Holambra (SP). Procurei levar em conta o esquema rítmico e métrico do russo, mas não quis fazer rima com os mesmos sons do russo, e por vezes, como é comum na poesia em português, também traduzi palavras oxítonas no fim dos versos por palavras paroxítonas. Uma coisa que sempre gosto de fazer é manter o mesmo ritmo também no título, assim “Alba” se esquematiza como “Utro” (AL-ba; U-tro), e “Luar” se esquematiza como “Lune” (lu-AR; lu-NE), sendo que de fato em português uma preposição faria exceder o espaço.

Lembro que as traduções são poéticas, e não literais, mas procurei manter ao máximo as mesmas informações passadas. Existem algumas explicações adicionais que decidi dar só junto dos poemas. Ao longo das semanas, vou postando traduções novas, se tiver tempo de fazer. Boa leitura!

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Утро

Раскрылся розовый бутон,
Прильнул к фиалке голубой,
И, лёгким ветром пробуждён,
Склонился ландыш над травой.

Пел жаворонок в синеве,
Взлетая выше облаков,
И сладкозвучный соловей
Пел детям песню из кустов:

“Цвети, о Грузия моя!
Пусть мир царит в родном краю!
А вы учёбою, друзья,
Прославьте Родину свою!”

Alba

Abriu-se a rosa do botão,
Na violeta se achegou,
E com o vento de raspão,
Na grama o lírio despertou.

No céu, o pio da cotovia
Passou por sobre o nuvaréu,
E o rouxinol fez cantoria
Do mato aos ninos, voz de mel:

“Floresça, meu Sakartvelo!
Na Pátria, que haja paz normal!
Irmãos, instruam no louvor
O amor por seu torrão natal!”


Nino: forma abreviada de “menino”. Sakartvelo: nome do país Geórgia em georgiano. Em russo, figura “Gruzia”, mas como também não quis causar nenhuma similaridade com o estado norte-americano, coloquei o próprio nome nativo, que, além de tudo, prestou-se à riqueza poética.


Луне

Плыви, как прежде, неустанно
Над скрытой тучами землёй,
Своим серебряным сияньем
Развей тумана мрак густой.

К земле, раскинувшейся сонно,
С улыбкой нежною склонись,
Пой колыбельную Казбеку,
Чьи льды к тебе стремятся ввысь.

Но твёрдо знай, кто был однажды
Повергнут в прах и угнетён,
Ещё сравняется с Мтацминдой,
Своей надеждой окрылён.

Сияй на тёмном небосводе,
Лучами бледными играй
И, как бывало, ровным светом
Ты озари мне отчий край.

Я грудь свою тебе раскрою,
Навстречу руку протяну
И снова с трепетом душевным
Увижу светлую луну.

Luar

Como antes, voe sem fadiga
Por sobre a terra enevoada,
Dissolva as nuvens, muro em liga,
Com sua auréola prateada.

Ao horizonte espreguiçante
Deslize com sorriso terno,
O Monte Gélido acalante,
Kazbek a te aspirar eterno.

Mas saiba bem, quem fora inteiro
Prostrado em pó na terra mansa,
Com o Mtatsminda, Santo Outeiro,
Se iguala ainda na esperança.

Clareie este breu sem brilho
Com luzes pálidas, traquinas,
E, como outrora, retilíneo,
Lumine a pátria-mãe tão minha.

Eu vou dilacerar meu peito
Para você, dar minha mão
E ver, com ânimo desfeito,
De novo o luar em seu clarão.


Kazbek: um dos maiores montes que fica no massivo fronteiriço à Rússia e à Geórgia; o nome em georgiano significa “cume gelado”, por isso coloquei antes “Monte Gélido”. Mtatsminda: montanha nos arredores de Tbilisi, capital da Geórgia, no pé da qual está a Igreja de São Davi; por isso, é chamada “montanha santa”, e em associação a alguns montes com igrejas no Brasil, e com seu tamanho menor do que o do Kazbek, expliquei-o em seguida como “Santo Outeiro”. Nos nomes de montanhas, pus essas expressões a mais pra dar a entender o que são, pois não estariam óbvios ao leitor brasileiro.




“De tudo à minha Nádia serei atento antes, e com tal zelo, e tanto...”

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