domingo, 29 de janeiro de 2017

“Ночь” (“Noite”), Maiakovski musicado


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Mais um vídeo que legendei com as meninas russas do canal do YouTube “3/4”, numa peculiar interpretação de um poema de Vladimir Maiakovski, musicalizado pelo artista russo Lobo e que se chama “Ночь” (Noch), Noite, com um texto bem próprio do futurismo russo.

Na Rússia, parece muito mais comum do que no Brasil os musicistas e cantores fazerem versões musicais dos versos de grandes poetas russos, os quais o povo preza muito, e Maiakovski, o poeta comunista das primeiras décadas da Revolução de Outubro, é um dos objetos preferidos. Seus trabalhos são muito inovadores, e favorecem tais iniciativas suas palavras provocantes e sonoras, suas formas nem sempre tradicionais e seus temas tão caros a quem tem sensibilidade artística. O poema Noite apresenta dificuldades especiais, pois o tempo todo ele usa metáforas e alguns vocábulos não muito comuns na língua cotidiana. Como futurista, pra descrever o pôr-do-sol, o anoitecer e a cidade noturna, ele usou na primeira estrofe a imagem de um cassino (a roleta “rubra e branca”, os panos “verdes” das mesas, as “cartas”), e na terceira, a de pessoas se abarrotando e depois saindo de uma sala, supostamente pra ouvir o poeta. Nas outras partes, ele usa outras figuras, mais ou menos inteligíveis. Por isso mesmo, a tradução literal parece não dizer muita coisa, e fica à inventividade de cada um traduzir as imagens pra si...

De fato, eu mesmo “boiei” enquanto traduzia literalmente, e precisei da ajuda de um site poético pra decifrar as figuras de linguagem. Quem lê russo, dê uma olhada nesta página. O que eu disse atrás é uma versão bem resumida do que se lê aí. Contudo, tomem cuidado pra não caírem ocasionalmente na mesma confusão em que caí no começo: esta versão musicada do poema Noite faz parte de uma iniciativa russa, em que diversos artistas gravaram versões musicadas de poemas de Maiakovski, e o artista Lobo é um deles. Nesta página há mais informações e é possível baixar todas as gravações, mesmo as que não entraram no CD original. Em 1984, o cantor soviético Nikolai Noskov representou na TV uma canção chamada “Ночь” (ou às vezes, Inacabado), mas baseada em versos de Maiakovski que estavam guardados, como rascunho de um poema que não veio a lume. Não é essa a canção em questão, a qual, aliás, foi proibida naquele tempo e realmente gravada só em 2012.

Quanto às meninas do vídeo, repito o que disse outras vezes: elas têm um canal chamado “3/4”, cantam e tocam muito bem e a pronúncia do seu russo é bem clara e bonita, constituindo um ótimo material ao estudante. Recomendo que o visitem e ouçam as muitas outras performances delas! O vídeo sem legendas está nesta página, e o texto do poema eu tirei desta página. Eu mesmo traduzi literalmente (e não poeticamente, embora eu tivesse de encurtar um pouco a letra pra caber na legenda) e legendei conforme se vê abaixo. Depois do vídeo, seguem a letra completa em russo, em que adicionei os pontos nas letras Ё (io), em geral ausentes de texto impresso, e a tradução:


Багровый и белый отброшен и скомкан,
в зелёный бросали горстями дукаты,
а чёрным ладоням сбежавшихся окон
раздали горящие жёлтые карты.

Бульварам и площади было не странно
увидеть на зданиях синие тоги.
И раньше бегущим, как жёлтые раны,
огни обручали браслетами ноги.

Толпа – пестрошёрстая быстрая кошка –
плыла, изгибаясь, дверями влекома;
каждый хотел протащить хоть немножко
громаду из смеха отлитого кома.

Я, чувствуя платья зовущие лапы,
в глаза им улыбку протиснул, пугая
ударами в жесть, хохотали арапы,
над лбом расцветивши крыло попугая.

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O rubro e branco está jogado e amarrotado,
no verde lançaram punhados de moedas,
e às mãos negras das janelas convergentes
repartiram cartas amarelas ardentes.

As alamedas e praças não estranhavam
ver os prédios com togas azuis.
E antes os fogos, como chagas amarelas,
noivavam pernas passantes com pulseiras.

A multidão, gato rápido multicor,
fluía, arqueada, empurrada pelas portas;
todos queriam arrastar, mesmo um pouco,
o mundaréu dos risos da massa fundida.

Sentido as chamativas garras da roupa,
pus-lhes nos olhos um sorriso, com medo
das batidas na lata, gargalhavam patifes,
tendo florido asa de papagaio na testa.



quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Putin felicita Donald Trump pela vitória


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Há mais de 6 anos, os seguidores do meu antigo canal no YouTube esperavam por um discurso de legendado em português. Não sei se outro canal já tinha publicado algum, mas desde 2011, no mínimo, viviam me pedindo legendagens dele em comentários. No domingo passado, enfim cumpri minha promessa e atendi aos pedidos, começando por um vídeo curto, não tão histórico, mas que espero ser o primeiro de muitos.

No dia 9 de novembro de 2016, logo depois que se confirmou a vitória de Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, Vladimir Putin, presidente da Rússia, deu uma declaração pública de felicitação ao vencedor, especialmente calorosa por causa das intenções do bilionário de melhorar as relações russo-americanas, que há muito se acham estagnadas. Durante a campanha, Trump fez várias declarações apoiando as ideias e ações de Putin, não se sabe se por alguma comunhão de interesses ou por real afinidade ideológica. Em todo caso, ia de encontro ao que fazia e dizia Barack Obama, seu antecessor, então bastante indisposto com o Kremlin por causa das guerras civis na Ucrânia e na Síria e das rixas sobre os meios de combater o terrorismo islâmico internacional.

Em inúmeros aspectos, o triunfo de Trump foi uma devastadora derrota pra Obama e sua base política, seus feitos dentro dos EUA e o modo como estava conduzindo a diplomacia global. Há poucos dias, Trump tomou posse, mas ainda não se sabe ao certo se essa lua-de-mel com os russos vai durar e se suas ações na arena mundial realmente serão eficazes pra costurar melhores acordos políticos e suprimir perigos bélicos. Em todo caso, esse parece ser o primeiro passo no impulso à derrubada do agrupamento político globalista que bloqueava a influência de Putin, ou seja, Obama, David Cameron, François Hollande, Angela Merkel e Matteo Renzi. Por isso, estes parabéns foram especiais, e sua filmagem veio ao canal em boa hora, enquanto se agravam as tensões internacionais.

Eu tirei o vídeo sem legendas desta página. A transcrição em russo da fala, entremeada em comentários jornalísticos, está nesta página. Eu fiz a tradução em português a partir de uma transcrição revisada, que deixei mais de acordo com o que Putin realmente fala, e ela segue abaixo, após o vídeo legendado. Logo depois há a tradução completa, cujo texto, por razões técnicas, eu abreviei quando fiz as legendas:


Несколько часов назад в США завершились президентские выборы. Мы внимательно следили за этой кампанией. Хочу поздравить американский народ с завершением избирательного цикла, а господина Дональда Трампа – с победой на этих выборах. Мы слышали предвыборные заявления еще кандидата в президенты США, которые были направлены на восстановление отношений между Россией и США. Мы понимаем и отдаём себе отчёт, что это будет непростой путь, с учётом той деградации, в которой, к сожалению, находятся отношения между США и Россией. И это, как я уже многократно говорил, не наша вина, что российско-американские отношения находятся в таком состоянии. Но Россия готова и хочет восстановления полноформатных отношений с США. Повторяю, исходим из того, что это будет непростой путь, но мы готовы пройти свою часть и сделать всё, чтобы вернуть российско-американские отношения на устойчивую траекторию развития. Это пошло бы на пользу как российскому, так и американскому народам и позитивно сказалось бы на общем климате в мировых делах, учитывая особую ответственность России и США за поддержание глобальной стабильности и безопасности.

Há algumas horas, terminaram nos EUA as eleições presidenciais. Acompanhamos atentamente essa campanha. Quero parabenizar o povo americano pela conclusão do ciclo eleitoral, e o sr. Donald Trump pela vitória nessas eleições. Antes do pleito, ouvimos declarações do ainda candidato a presidente dos EUA voltadas para a recuperação das relações entre a Rússia e os EUA. Entendemos e nos damos conta de que o trajeto será difícil, em vista da degradação em que infelizmente se encontram as relações entre os EUA e a Rússia. E nós, como eu já disse várias vezes, não temos culpa das relações russo-americanas estarem nesse estado. Mas a Rússia está pronta e quer restaurar a plenitude das relações com os EUA. Repito, assumimos que o trajeto será difícil, mas estamos prontos para andar nosso trecho e para fazer tudo que devolva às relações russo-americanas sua trajetória de evolução contínua. Seria proveitoso tanto para o povo russo quanto para o americano e influiria positivamente no clima geral dos assuntos mundiais, considerando a responsabilidade especial da Rússia e dos EUA na manutenção da estabilidade e segurança globais.


domingo, 22 de janeiro de 2017

Bisneto de Stalin e Conferência de Ialta


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Eis uma raridade na videosfera brasileira: um descendente de Stalin falando a respeito de temas políticos passados e presentes. Esse é Iakov Dzhugashvili (ou, em inglês, Jacob Jugashvili), ativista conhecido na Rússia e artista de profissão, mas também atuante em iniciativas pra defender a memória de seu bisavô e outras bandeiras da extrema-esquerda. Cheguei a tê-lo como contato no Facebook, mas nunca trocamos ideia. Ele sempre postava coisas a favor de Stalin e encontrava muitos brasileiros que, geralmente em inglês, o apoiavam.

Nesta entrevista, concedida na Praça Vermelha a um grupo em que ele milita, a favor de maior responsabilização do poder público perante o povo, Iakov relata uma ocasião em que foi convidado para eventos na Crimeia celebrando os 70 anos da Conferência de Ialta, uma das que contaram com a presença de Stalin, Franklin Roosevelt e Winston Churchill para definir o futuro do mundo após a 2.ª Guerra Mundial. Bem a caminho de Simferopol, capital da península, onde se dariam os debates, recebeu mensagem dizendo que os organizadores não iam gostar de sua presença lá, supostamente, segundo Iakov, por causa das ideias que ele defende na internet. Mesmo assim, ele afirma que gostaria de ter ido não apenas pra defender o papel de Stalin naquele período histórico, mas também posições próprias a respeito da geopolítica atual. É de se perceber que a Crimeia já estava anexada à Rússia em 2015, e Iakov se refere não somente à sua defesa de Stalin, que o próprio governo russo não execra, mas não executa abertamente, bem como à sua militância contra os abusos de Putin.

Iakov Ievgenievich Dzhugashvili nasceu em 1972 em Tbilisi, capital da Geórgia, tem a cidadania georgiana e de profissão é artista plástico, embora também atue muito como ativista político e social. Ele é filho de Ievgeni Dzhugashvili (1936-2016), cientista militar (engenheiro e historiador) que também defendia a memória de Stalin e era, por sua vez, filho de Iakov Dzhugashvili (1907-1943), único filho de Iekaterina Svanidze, primeira esposa de Stalin morta prematuramente, e morto pelos alemães na Segunda Guerra. O Iakov atual formou-se em artes plásticas em Tbilisi e completou os estudos no Reino Unido, onde também trabalhou e expôs várias obras. Atualmente vive na capital georgiana com a esposa Nina Lomkatsi e a filha Olga. Chegou a enviar carta a Putin pedindo a concessão da plena cidadania russa, talvez sem resposta. Também critica a postura intervencionista do Kremlin na Ucrânia e o tratamento desigual que ele lhe dispensa em comparação com outros países. Seu Facebook pessoal está nesta página.

Eu tirei o vídeo sem legendas desta página. Quem o filmou foi o grupo de militância por um poder público responsável, em que ele atua. Fiz uma primeira tentativa de transcrição da fala, que ficou quase completa, mas quem a corrigiu totalmente foi Anatoliy Oveka. Contudo, eu mesmo traduzi em português e legendei. Seguem abaixo as legendas, a transcrição corrigida (com os números também por extenso) e a tradução literal, cujo texto foi abreviado para compor as legendas:


В декабре месяце 2014 года я получил предложение принять участие в мероприятиях, посвящённых 70-летию (семидесятилетию) Ялтинской конференции (Крымской конференции) глав держав антигитлеровской коалиции. А эти мероприятия должны были пройти в Ялте, в Крыму, 4-6 (четвёртого-шестого) февраля 2015 (две тысячи пятнадцатого) года. Я согласился. Значит в январе мы согласовали детали моей поездки, мне выслали, значить меня проинформировали о программе мероприятий. Значит выслали даже список приглашённых. В общем всё шло нормально, мы готовились к поездке. Я должен был значит прибыть в Москву первого числа, чтобы 3-го (третьего) февраля отправиться вместе с остальными участниками конференции в Симферополь. Однако 30-го (тридцатого) января я получил сообщение о том, что... буквально скажу дословно… было написано так, что моё присутствие на мероприятиях организаторы считают «нежелательным» ввиду межэтнической напряжённости в Крыму. Вот такой был ответ. Я не могу сказать точно, какова истинная причина, об этих причинах можно только догадываться. Моя догадка такова, что скорее всего организаторы мероприятий слишком поздно, наверное, знакомились с материалами, которые я публикую на своём сайте и, наверное, сочли это политически значит неприемлемым для них. Наверно так, потому что другого объяснения я найти не могу.

Ялта 45-го (сорок пятого) коснулась миллионов людей. И я считаю, что любые мероприятия, посвящённые Ялтинской конференции, они должны иметь какой-то общественно полезный характер, они должны быть общественно полезны. А по программе, которую я получил, в соответствии с этой программой, там было девять докладчиков, это минимум девять часов. Понимаете, это был такой... какой-то научный междусобойчик, что ли. Я бы хотел, я ехал туда с намерением как-то говорить о проблемах не совсем Ялты, а скорее о проблемах... тех проблемах, которые стоят сейчас перед нами. Но и заодно рассказать моё видение роли Сталина в истории не только Советского Союза, но и мира.

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No mês de dezembro de 2014 recebi a proposta de participar de eventos dedicados aos 70 anos da Conferência de Ialta (Conferência da Crimeia), que reuniu os líderes das potências contra Hitler. Esses eventos deveriam ocorrer em Ialta, na Crimeia, de 4 a 6 de fevereiro de 2015. Eu aceitei. Então, em janeiro acertamos os detalhes da minha viagem, depois me enviaram informações sobre a programação dos eventos. E enviaram até mesmo a lista dos convidados. No geral tudo ia bem, nos aprontamos para a viagem. Então eu tive de ir até Moscou no dia 1.º para partir em 3 de fevereiro junto com os demais participantes da conferência para Simferopol. Porém, no dia 30 de janeiro, fui comunicado de que... vou repetir ao pé da letra... estava escrito que minha presença nos eventos, para os organizadores, era “indesejável” por causa da tensão interétnica na Crimeia. Foi essa a resposta. Não posso dizer ao certo quais foram os reais motivos, e sobre eles só podemos conjeturar. Minha suposição mais provável é a de que os organizadores dos eventos talvez tenham, tarde demais, travado contato com o material que publico em meu site e o considerado politicamente, digamos, inaceitável para eles. Deve ser isso, pois não posso achar outra explicação.

Em 45, Ialta concernia a milhões de pessoas. E julgo que quaisquer eventos dedicados à Conferência de Ialta devam ter um caráter de utilidade pública, devam ser socialmente úteis. E no programa que recebi, olhado mais atentamente, havia nove palestrantes, eram no mínimo nove horas. Será então que não se tratava de algo como um conchavo científico? Eu queria ter ido lá pensando em abordar algo dos problemas nem mesmo de Ialta, mas antes dos problemas que estamos presenciando agora. Mas, como acertado, também exporia minha visão sobre o papel de Stalin na história não apenas da União Soviética, como do mundo.


quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Mais Roberto Carlos em italiano (1972)


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Essa não era minha prioridade, mas quando eu estava pesquisando interpretações em vídeo da Canzone per te pelo Roberto Carlos (as quais eu já postei aqui), achei um vídeo em que ele faz um pot-pourri na Itália em 1972, filmado no Teatro 10 pelo canal RAI, de algumas músicas da época e de versões italianas de músicas suas. A versão da própria Canzone per te não achei adequada pra legendar, mas duas das músicas julguei bonitas e interessantes, por isso traduzi-as e legendei-as.

A primeira é La donna di un amico mio (A mulher/namorada de um amigo meu), que, como alguns já devem ter pressuposto, é a tradução de seu sucesso Namoradinha de um amigo meu, e por isso tem essa batida de “jovem guarda”. Quem escreveu essa versão foi Daniele Pace, e fala de um dilema que ficará óbvio a todos ao assistirem ao vídeo. Lembra aquele ditado brasileiro “Mulher de amigo meu pra mim é homem”, mas a resposta que o Roberto dá é inversa, por exemplo, à da dupla nordestina Caju e Castanha, que fez sucesso com uma canção a respeito nos anos 2000... A segunda canção é Un gatto nel blu (Um gato no céu), com letra de Giancarlo Bigazzi e melodia de Totò Savio, composta pra disputar o famoso Festival de Sanremo de 1972. Roberto Carlos já tinha vencido o concurso em 1968, com a Canzone per te, e dessa vez ele não levou, mas por muito tempo o hit ficou no topo das paradas, inclusive em tradução pra outras línguas.

Essa apresentação deve ter sido pra um programa de TV específico, e não pro Festival de Sanremo. Nota-se no vídeo que, sendo começo dos anos 70, o Roberto estava numa fase de transição do estilo “jovem guarda” mais loucão, típico dos anos 60 (a canção mesmo tem um pouco da batida desse gênero), pra aquele estilo brega-romântico que o caracterizou nos anos 70 e parte dos 80. É algo visível no famoso medalhão redondo que ele tanto usou por um tempo, bem como no cabelo mais armado e nas roupas mais cheias de acessórios, mas já mais “adultas” (calça boca de sino etc.). Roberto estava então consolidando sua carreira como grande cantor brasileiro da MPB e muito famoso no exterior, já aí enriquecendo seu repertório com canções em diversos idiomas.

Existe uma história curiosa quanto à versão em espanhol da música Un gatto nel blu, que também foi gravada pelo Rei logo depois e igualmente vendeu pra caramba. O título é Un gato en la oscuridad, e num dos versos do refrão canta-se “El gato que está triste y azul...”. Por décadas não se entendeu por que o gato “estava azul”, mas segundo alguns, foi um “erro de tradução” decorrente da tradução literal do italiano blu como “azul”, quando na verdade é uma metáfora designando o céu. No caso, ajudaria a manter a rima, mas pra outros, poderia ter a ver também com a gíria inglesa to be blue, ou seja, “estar triste”, o que explica a denominação do estilo do blues. Este artigo de um blogueiro espanhol dá mais detalhes sobre a polêmica.

Quanto aos compositores de Un gatto nel blu, Gaetano Savio (1937-2004), mais conhecido como Toto ou Totò Savio, era músico, cantor, letrista, produtor fonográfico e arranjador. Guitarrista, fundador e componente de várias bandas, teve seus primeiros sucessos bombados na segunda metade dos anos 60, e na década seguinte continuou prolífico trabalho na composição, na televisão e num duo com a esposa. Nos anos 80, entre outros trabalhos e sucessos no Festival de Sanremo, dirigiu a orquestra do canal RAI em vários programas, mas nos anos 90 sofreu com um câncer na garganta, cuja operação lhe causou a perda da voz, e com uma cirrose hepática. Sofreria com doenças e hospitais até sua morte. Giancarlo Bigazzi (1940-2012), às vezes usando o pseudônimo Katamar, também foi compositor, produtor e letrista, e chegou a participar por um tempo da banda Squallor junto com Savio. Desde muito novo já teve sucessos estourados, e escreveu muitas letras famosíssimas, por vezes em colaboração com a esposa. Atuou com outros grandes nomes em diversas iniciativas artísticas, muitas delas rompidas depois, e também ajudou no êxito de vários cantores iniciantes.

Eu mesmo traduzi as duas canções (no primeiro caso, uma retradução da tradução...), cortei os vídeos pra um formato mais moderno e legendei. Nesta página está o vídeo com todas as músicas e sem legendas. As letras de La donna di un amico mio e Un gatto nel blu eu tirei de um site musical, mas me apoiei apenas parcialmente nas traduções que são apresentadas. Pra vocês compararem no primeiro caso, leiam a canção original em português, e no segundo caso, uma versão em português feita por Carlos Colla (Um gato que vai) e gravada por Daniel em 2002. Abaixo, seguem as legendagens, as letras em italiano e a tradução em português (no vídeo, a primeira canção não é cantada inteira):



La donna di um amico mio

Perché mi sono innamorato
Proprio della donna
Di un amico mio?

Con tante donne al mondo,
Proprio della donna
Di un amico mio.

È proprio vero che
L’amore fa così
Non guarda in faccia mai a nessuno, mai.

Mi sono innamorato
Proprio della donna
Di un amico mio.

Ma occhi così belli
In tutta la mia vita
Non ne ho visti mai.

Il mondo è grande ma
Diventa piccolo
Se tu conosci una donna così.

Non dite niente a lui,
Né a lui,
Né ad altri, mai.

2x:
Non voglio dire al mondo
Che amo la ragazza
Di un amico mio.

E adesso cosa faccio,
Meglio stare zitti,
Non sognare più.

Se sono un vero amico
Io soffro nel silenzio
E non ci penso più.

È proprio vero che
Bisogna piangere
E dire addio alla felicità.

Non dite niente a lui,
Né a lui,
Né ad altri, mai.

Non voglio dire al mondo
Che amavo la ragazza
Di un amico mio.

Non voglio dire al mondo
Che amo la ragazza
Di un amico mio.

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Namorada de um amigo meu

Por que fui me apaixonar
Justo pela namorada
De um amigo meu?

Com tanta mulher no mundo,
Justo pela namorada
De um amigo meu?

É mesmo verdade que
O amor tem dessas coisas
Nunca escolhe quem quer atingir.

Eu fui me apaixonar
Justo pela namorada
De um amigo meu.

Mas olhos tão bonitos
Em toda a minha vida
Eu nunca tinha visto.

O mundo é grande, mas
Se torna pequeno
Ao se conhecer uma mulher assim.

Não falem nada pra ele,
Nem pra ele,
Nem pra mais ninguém.

2x:
Não quero que todos saibam
Que amo a namorada
De um amigo meu.

E agora o que faço?
Melhor ficar calado,
E não sonhar mais.

Se sou um amigo de verdade
Vou sofrer em silêncio
E não pensar mais nisso.

É mesmo verdade que
Vou ter que chorar
E dar adeus à felicidade.

Não falem nada pra ele,
Nem pra ele,
Nem pra mais ninguém.

Não quero que todos saibam
Que eu amava a namorada
De um amigo meu.

Não quero que todos saibam
Que amo a namorada
De um amigo meu.



Un gatto nel blu

Quand’ero bambino, che allegria
Giocare alla guerra per la via
Saltare un cancello io e te e poi
Una mela, l’emozione, gli occhi tuoi

Le rose, l’amore, casa mia
E un gatto per farci compagnia
Ma da quando è finita io non so perché
La finestra è piu grande senza te

Un gatto nel blu guarda le stelle
Non vuol tornare in casa senza te
Sapessi quaggiù che notte bella
Chissà se un gran dolore si cancella

Un gatto nel blu, ecco che tu
Spunti dal cuore, mio caro amore
Fra poco sarai negli occhi miei
Anche stasera una lacrima sei

Bambina, bambina, vita mia
Profumo di tiglio che va via
Se amare é uno sbaglio, colpa mia, però
Io, in fondo, della vita che ne so?

Un gatto nel blu guarda le stelle
Non vuol tornare in casa senza te
Sapessi quaggiù che notte bella
Chissà se un gran dolore si cancella

Un gatto nel blu, ecco che tu
Spunti dal cuore, mio caro amore
Fra poco sarai negli occhi miei
Lacrima chiara di primavera

Un gatto nel blu, ecco che tu
Anche stasera una lacrima sei

2x:
Un gatto nel blu, ecco che tu
Spunti dal cuore, mio caro amore
Fra poco sarai negli occhi miei
Lacrima chiara di primavera

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Um gato no céu

Quando era menino, que alegre
Eu brincava de guerra pela rua
Pulava um portão, eu e você, e depois
Uma maçã, a emoção, seus olhos

As rosas, o amor, minha casa
E um gato nos fazendo companhia
Mas desde que acabou, não sei por que
A janela ficou maior sem você

Um gato no céu olha as estrelas
Não quer vir pra casa sem você
Se você visse a linda noite aqui
Talvez uma grande dor findasse

Um gato no céu, e súbito você
Surge no meu peito, querido amor
E logo vai estar nos meus olhos
Ainda esta noite, é uma lágrima

Menina, menina, vida minha
Perfume de tília indo embora
Se amar é errado, me culpo, porém
O que eu, no fundo, sei da vida?

Um gato no céu olha as estrelas
Não quer vir pra casa sem você
Se você visse a linda noite aqui
Talvez uma grande dor findasse

Um gato no céu, e súbito você
Surge no meu peito, querido amor
E logo vai ser nos meus olhos
Uma lágrima clara de primavera

Um gato no céu, e súbito você
Ainda esta noite, é uma lágrima

2x:
Um gato no céu, e súbito você
Surge no meu peito, querido amor
E logo vai ser nos meus olhos
Uma lágrima clara de primavera




domingo, 15 de janeiro de 2017

Poemas de Stalin (1): “Alba” e “Luar”


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Hmm, vejamos: “Minha terra tem estepes, onde canta o rouxinol...”

O tema desta postagem não é controverso, mas poderá espantar muita gente. Nem os mais ferrenhos comunistas, nem os mais babantes direitistas, sabem que Iosif Stalin, ditador e marechal da União Soviética, também escreveu poesia em sua primeira juventude. É realmente um assunto pouco divulgado entre quem não conhece algo da língua russa, mas alguns de seus poemas foram traduzidos no ápice de seu regime e ficaram guardados por décadas, sendo publicados há algum tempo.

A. Andreienko organizou e comentou em 2005 uma seleta de poemas e cartas escritos por Stalin na juventude, chamando-a I. V. Stalin: Poemas. Correspondência com a mãe e parentes (Сталин И. В.: Стихи. Переписка с матерью и родными), publicada em Minsk pela FUAinform. Mesmo no cenário russo, o aparecimento desse volume deve ter parecido peculiar. Andreienko introduz dizendo que a tradição poética continuou, por muito mais tempo, bem mais vigorosa na Rússia e na Ásia Oriental (mesmo entre grandes governantes) do que na Europa Ocidental, onde sua antiga relação, inclusive, com a ciência foi perdida há séculos. Para ele, o poeta não é necessariamente quem “vive no mundo da Lua”, mas até o contrário, pois saber escrever em versos revelaria um pensamento claro e sintetizador. Esse seria o caso de vários grandes líderes da atualidade (obviamente ele só cita comunistas leste-asiáticos), e com Stalin não poderia ser diferente.

Enquanto estava no seminário religioso em Tbilisi, o jovem Ioseb Dzhugashvili escreveu alguns poemas em georgiano, dos quais seis foram publicados na mesma época (meados da década de 1890). O primeiro deles, escrito com apenas 16 anos de idade, chama-se “Manhã” (em russo, “Utro”, e em georgiano, “Dila”) e saiu em 1895 no n.º 123 do jornal Iveria, dirigido pelo grande poeta e publicista georgiano Ilia Chavchavadze, hoje considerado “Pai da Pátria”. Entre junho e dezembro, sairiam outros quatro ainda, e o último em 28 de julho de 1896, no n.º 32 do jornal Kvali. Stalin, que ainda não tinha adotado esse pseudônimo, assinava seus poemas como “Soso” ou “Soselo”, nome com que também era conhecido entre os íntimos.

Poemas do jovem Ioseb também apareceram numa crestomatia de textos georgianos editada em 1907 pelo ativista M. Kelendzheridze, ao lado de outros grandes poetas, e na abertura de um manual de alfabetização lançado em 1916 pelo pedagogo Yakob Gogebashvili (o poema “Utro”). O agora Stalin não publicou poemas no período soviético, mas num arroubo extremo de puxa-saquismo, Lavrenti Beria, chefe da polícia política (ele mesmo também georgiano), convocou em segredo os melhores especialistas, entre eles Boris Pasternak e Arseni Tarkovski, para transformar em poemas as traduções literais em russo dos textos do patrão. Deveriam compor uma coletânea de luxo para os 70 anos de Stalin, em 1949, mas o poeta, por razões misteriosas, ao descobrir o plano, chutou o pau da barraca e mandou parar tudo.

A seguir no livro, narra-se outro episódio folclórico envolvendo Stalin e a poesia épica georgiana, e então vêm os poemas, em russo. São 6 páginas, seguidas de mais 6 páginas com “poemas sobre Stalin”, e depois lembranças sobre a juventude do líder, as cartas etc. Estou começando a traduzir os poemas de Stalin, mas infelizmente é a partir do russo, pois não sei georgiano. Acho que, pela qualidade alegada dos tradutores, deve ser uma fonte confiável. Seguem abaixo dois desses poemas, “Alba” (em russo “Утро”, Utro) e “Luar” (em russo “Луне”, Lune, ou antes “lunié”). Seus nomes originais significam literalmente “Manhã” e “À Lua”.

Eu traduzi o primeiro poema em 9 de dezembro de 2016, quando estava dando uma pausa na redação da dissertação de mestrado na minha casa. O segundo, traduzi ontem, 14 de janeiro de 2017, quando estava dando uma pausa num passeio em Holambra (SP). Procurei levar em conta o esquema rítmico e métrico do russo, mas não quis fazer rima com os mesmos sons do russo, e por vezes, como é comum na poesia em português, também traduzi palavras oxítonas no fim dos versos por palavras paroxítonas. Uma coisa que sempre gosto de fazer é manter o mesmo ritmo também no título, assim “Alba” se esquematiza como “Utro” (AL-ba; U-tro), e “Luar” se esquematiza como “Lune” (lu-AR; lu-NE), sendo que de fato em português uma preposição faria exceder o espaço.

Lembro que as traduções são poéticas, e não literais, mas procurei manter ao máximo as mesmas informações passadas. Existem algumas explicações adicionais que decidi dar só junto dos poemas. Ao longo das semanas, vou postando traduções novas, se tiver tempo de fazer. Boa leitura!

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Утро

Раскрылся розовый бутон,
Прильнул к фиалке голубой,
И, лёгким ветром пробуждён,
Склонился ландыш над травой.

Пел жаворонок в синеве,
Взлетая выше облаков,
И сладкозвучный соловей
Пел детям песню из кустов:

“Цвети, о Грузия моя!
Пусть мир царит в родном краю!
А вы учёбою, друзья,
Прославьте Родину свою!”

Alba

Abriu-se a rosa do botão,
Na violeta se achegou,
E com o vento de raspão,
Na grama o lírio despertou.

No céu, o pio da cotovia
Passou por sobre o nuvaréu,
E o rouxinol fez cantoria
Do mato aos ninos, voz de mel:

“Floresça, meu Sakartvelo!
Na Pátria, que haja paz normal!
Irmãos, instruam no louvor
O amor por seu torrão natal!”


Nino: forma abreviada de “menino”. Sakartvelo: nome do país Geórgia em georgiano. Em russo, figura “Gruzia”, mas como também não quis causar nenhuma similaridade com o estado norte-americano, coloquei o próprio nome nativo, que, além de tudo, prestou-se à riqueza poética.


Луне

Плыви, как прежде, неустанно
Над скрытой тучами землёй,
Своим серебряным сияньем
Развей тумана мрак густой.

К земле, раскинувшейся сонно,
С улыбкой нежною склонись,
Пой колыбельную Казбеку,
Чьи льды к тебе стремятся ввысь.

Но твёрдо знай, кто был однажды
Повергнут в прах и угнетён,
Ещё сравняется с Мтацминдой,
Своей надеждой окрылён.

Сияй на тёмном небосводе,
Лучами бледными играй
И, как бывало, ровным светом
Ты озари мне отчий край.

Я грудь свою тебе раскрою,
Навстречу руку протяну
И снова с трепетом душевным
Увижу светлую луну.

Luar

Como antes, voe sem fadiga
Por sobre a terra enevoada,
Dissolva as nuvens, muro em liga,
Com sua auréola prateada.

Ao horizonte espreguiçante
Deslize com sorriso terno,
O Monte Gélido acalante,
Kazbek a te aspirar eterno.

Mas saiba bem, quem fora inteiro
Prostrado em pó na terra mansa,
Com o Mtatsminda, Santo Outeiro,
Se iguala ainda na esperança.

Clareie este breu sem brilho
Com luzes pálidas, traquinas,
E, como outrora, retilíneo,
Lumine a pátria-mãe tão minha.

Eu vou dilacerar meu peito
Para você, dar minha mão
E ver, com ânimo desfeito,
De novo o luar em seu clarão.


Kazbek: um dos maiores montes que fica no massivo fronteiriço à Rússia e à Geórgia; o nome em georgiano significa “cume gelado”, por isso coloquei antes “Monte Gélido”. Mtatsminda: montanha nos arredores de Tbilisi, capital da Geórgia, no pé da qual está a Igreja de São Davi; por isso, é chamada “montanha santa”, e em associação a alguns montes com igrejas no Brasil, e com seu tamanho menor do que o do Kazbek, expliquei-o em seguida como “Santo Outeiro”. Nos nomes de montanhas, pus essas expressões a mais pra dar a entender o que são, pois não estariam óbvios ao leitor brasileiro.




“De tudo à minha Nádia serei atento antes, e com tal zelo, e tanto...”

quarta-feira, 11 de janeiro de 2017

Roberto Carlos – “Canzone per te”


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Primeiro, me desculpem pela ausência no domingo e pelo atraso de hoje. Estava finalizando minha dissertação de mestrado! Há algum tempo, publiquei no blog a tradução e duas legendagens da canção italiana Canzone per te (Canção para você), interpretadas pelo grande e saudoso Sergio Endrigo. Na época, mencionei que nosso Roberto Carlos a tinha interpretado de forma vitoriosa no Festival de Sanremo, em 1968, e eu também tinha feito as legendas pra uma dessas atuações dele.

Mas a letra que O Rei costuma cantar há muitos anos em seus shows é levemente diferente, e eu queria há muito tempo tê-la legendado também. Demorei um pouco pra achar uma versão legal em vídeo, fiquei muito ocupado com tarefas acadêmicas, e enfim consegui traduzir e legendar no começo do ano. Essa é a que tem uma interpretação mais clara e completa da letra, e mesmo assim cortei alguns trechos que não achei interessantes no começo e no fim, e além disso tem umas marcas chatas da pessoa que editou e postou... O vídeo completo e sem legendas está nesta página.

A Canzone per te foi composta por Luis Bacalov, Sergio Bardotti e Sergio Endrigo, e provavelmente essa apresentação, tirada de uma fita VHS, é o trecho de um dos especiais de fim de ano que há décadas ele faz na Rede Globo, por volta dos anos 70, quando ele usava esse visual. Como eu já disse na outra postagem, achei muito bonita a descrição que a Wikipédia em italiano faz da música: “A letra fala de um amor tão belo que não consegue se acabar. O desejo é que a dor devida ao fim desse amor possa terminar para que os dois consigam amar outra pessoa.” No Festival de Sanremo de 1968, Roberto Carlos ficou consagrado internacionalmente pela bela atuação que fez, abrindo caminho à brilhante carreira que faria no Brasil, mas as versões com Endrigo são igualmente lindas.

Curiosamente, existe essa diferença na letra de Endrigo e na letra atual do Roberto. Dizem que há toda uma história por trás dessa distinção, mas nunca achei nada na internet. As traduções disponíveis em português são tão ruins que nem me incomodei em cotejar, e fiz minha própria versão, usando alguns trechos da outra letra que já tinha legendado. Eu tirei a letra em italiano do Letras.mus.br, mas tinha dois problemas: havia muitos erros de digitação e estava flexionada no feminino, pois a intérprete indicada era Zizi Possi. Assim, eu mesmo fiz também a transcrição em italiano, que segue abaixo, depois dos dois vídeos legendados e antes da tradução em português:




La festa appena cominciata
È già finita
Il cielo non è più con noi
Il nostro amore era l’invidia di chi è solo
La mia ricchezza
La tua allegria

Perchè giurare che sarai
L’ultima volta?
Il cuore non ti crederà
Qualcuno ti darà la mano
E con un bacio
Un’altra storia nascerà

E tu, tu mi dirai
Che sei felice
Come non sei stata mai
E a un altra io dirò
Le cose che dicevo a te

Ma oggi devo dire che
Ti voglio bene
Per questo canto e canto te
La solitudine che tu mi hai regalato
Io la coltivo come a un fiore

____________________


A festa mal começou
E já acabou
O céu não está mais com a gente
O nosso amor fazia inveja nos sozinhos
Era minha riqueza
E sua alegria

Por que jurar que será
Sua última vez?
Seu coração não vai acreditar
Um qualquer vai te dar a mão
E com um beijo
Vai nascer uma outra história

E você vai me dizer
Que está feliz
Como nunca antes
E a outra eu vou dizer
As coisas que eu te dizia

Mas hoje devo dizer que
Te amo muito
Por isso te exalto sem parar
Você me presenteou com solidão
E hoje a cultivo como uma flor



Adendo (16/7/2023): Parece que finalmente solucionei o mistério das letras diferentes entre as gravações de Endrigo e de Roberto Carlos! Encontrei por acaso esta tesi di laurea (equivalente ao TCC brasileiro) defendida por Antonio Mercogliano em 2007, sob a orientação do Prof. Maurizio Griffo, intitulada Politica, società e costume nelle canzoni di Sergio Endrigo (Política, sociedade e costumes nas canções de Sergio Endrigo). Concernente à especialização em história das doutrinas políticas na Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Nápoles “Federico 2.º”, revela ainda um Endrigo crítico da sociedade burguesa e simpatizante do mundo comunista, mesmo nunca tendo se filiado formalmente ao PCI nem lido os clássicos do marxismo, e sempre afetado psiquicamente por sua infância muito pobre.

Nas páginas 76 e 77, Mercogliano relata a vitória com Canzone per te no Festival de Sanremo de 1968, a qual, segundo o cantor, não teria tido tanta importância pra ele, enquanto pra Roberto Carlos fê-lo ser recebido como herói após voltar da Itália e propulsionado na carreira brasileira. Citando as páginas 64 e 65 do texto “Sergio Endrigo, le sue canzoni... e altro”, escrito por Luciano Ceri pro livro Sergio Endrigo. La voce dell’uomo (Sergio Endrigo. A voz do homem, Roma, Edizioni Associate, 2002), organizado por Doriano Fasoli e Stefano Crippa, traz este trecho do que deve ser uma entrevista com Endrigo: após o fracasso em convidar Astrud Gilberto e Iva Zanicchi pra acompanhá-lo,

No final alguém sugeriu o nome de Roberto Carlos, então lhe mandamos uma amostra de áudio [provino] e ele aceitou. Depois, ele a gravou tendo como orientação o texto da amostra, enquanto nesse meio-tempo eu e Bardotti tínhamos modificado ligeiramente a letra, e por isso sua versão em disco é diferente da que eu mesmo gravei. Quando Roberto Carlos voltou ao Brasil após a vitória de Sanremo, havia milhares de pessoas o esperando no aeroporto, como se fosse um ídolo da seleção de futebol. Vencer Sanremo talvez tenha sido mais útil pra ele do que pra mim.

quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Нам Сталин – отец (Stalin é nosso pai)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/stalin-pai

Há muito me pediram pra legendar essa música, mas só há uns dias, quando traduzi e pesquisei dados sobre o autor e as figuras históricas citadas, não vi aí apenas mais uma homenagem moderna a Stalin, mas o descortinamento de toda a situação geopolítica atual, somado à reinserção da Rússia na geopolítica global e à ideologia que o presidente Putin está insuflando pra promovê-la.

Esta canção se chama oficialmente “Нам Сталин-отец” (Nam Stalin-otets), Para nós Stalin é um pai, ou Stalin é nosso pai, mas também é conhecida na internet como “Песня памяти Сталина” (Pesnia pamiati Stalina), Canção em memória de Stalin. Ela foi composta em dezembro de 1998 pelo engenheiro, poeta, cantor e ativista social Aleksandr Kharchikov. O vídeo o apresenta como um bard, isto é, um “bardo”, que nada mais é do que o equivalente ao trovador da cultura medieval românica entre outros povos europeus, principalmente celtas. Pela indicação do vídeo, também se diz que quem está cantando é uma pioneira comunista de “Leningrado” (São Petersburgo?), a garota Tatiana (Tania) Kontareva.

O russo Aleksandr Anatolievich Kharchikov nasceu em Kensha, em 21 de dezembro (aniversário de Stalin) de 1949, e serviu no aparelho naval egípcio durante a guerra do Sinai, em 1968. A Wikipédia russa destaca que suas canções se tornaram famosas nos anos 90 por incutirem o patriotismo, relembrarem com louvor a antiga URSS e destacarem as tradições russas mais caras ao povo, o que o tornaria um “bardo popular” e um poeta de relevo no rol da cultura nacional.

Mas a Wikipédia em inglês destaca, embora a russa não omita de todo, o tom stalinista, antissemita, antiucraniano e provocador de suas letras, o que lhe rendeu a declaração oficial de suas músicas como “extremistas” e inúmeras suspensões de seus sites. O fato de nunca ter enfrentado uma ação judicial fez muitos pensarem que Kharchikov contava com a proteção tácita do governo russo, e sua produção é muito admirada pelos chamados “nacionais-bolcheviques” (nazbols) e outros grupos que unem xenofobia grã-russa e nostalgia pela URSS.

Eu mesmo, traduzindo a letra, vi um pastiche histórico muito palatável ao moderno nacionalismo russo pró-Putin, que consegue misturar o saudosismo da potência soviética com a sensação de superioridade étnico-nacional sobre os outros povos que vivem na Rússia. A homenagem é a Stalin, feita aparentemente pelos comunistas russos (o KPRF) e cantada por uma “pioneira”, recriação dos grupos infantis soviéticos assimilados aos escoteiros ocidentais. Essa música “bolchevique” não cita comunismo, marxismo, Lenin, proletariado, luta de classes ou a Revolução de Outubro, mas cita Roma, Pedro o Grande e o patriarca ortodoxo Sérgio (Sergi), não por acaso conhecido pela sua submissão a Stalin e pela reconciliação da Igreja com o regime. A linguagem religiosa não é novidade no cânone stalinista, o que só comprova a viabilidade de associar a URSS não a um Estado que aplicava o socialismo iluminista, mas a uma modernização da autocracia e do imperialismo russos. Mesmo assim, é interessante relacionar o ano de 1998, quando a canção foi feita, e a situação russa de então, da qual a primeira estrofe parece ser uma descrição.

Outras notas linguísticas e históricas: no refrão, o Poder Soviético é “irmão e amigo”, mas em russo a palavra é feminina (Sovetskaia Vlast), e por isso canta-se “irmã e amiga” (sestra i podruga). Quando a letra fala em “vândalos e bárbaros”, na versão em russo que achei está escrito “bandidos e hunos”, mas a menina canta “vândalos e hunos”. De fato, vândalos e hunos eram dois dos povos bárbaros que faziam cerco a Roma, e na língua russa são sinônimo de “bandidos, bárbaros”. Coloquei “bárbaros” porque “vândalos” diz algo pra quem fala português, mas “hunos” não.

Eu baixei o vídeo sem legendas desta página, e tirei a letra em russo desta página, mas ela também segue abaixo do vídeo legendado, junto com a tradução. Antes do poema, segue também o texto falado no começo do vídeo:


Сталин – наша гордость! Сталин – наше знамя! Сталин – нашей веры трепетное пламя! Сталин – справедливый вождь большевиков! Сталин – свет и правда будущих веков! Песню памяти Сталина на стихи и музыку русского барда Александра Харчикова исполнет Ленинградская пионерка Таня Контарева.

1. Средь мора и глада, мороза и тьмы
Останки когда-то великой страны.
Эй, кто там живой? Гневом сердце согрей,
Напрасные слёзы не лей!

Припев:
Нам Сталин – отец, нам Родина – Мать,
Сестра и подруга – Советская Власть,
В заступниках – Сергий, в сподвижницах – Русь,
Соратник – Советский Союз!

2. Здесь наша земля, наш истерзанный Рим.
Бандиты [Вандалы] и гунны глумятся над ним,
Да будет непринявшим рабства в пример;
Наш сталинский эСэСэСэР!

(Припев)

3. Тот истинно русский на Русской Земле,
Кто быть за неё сам себе повелел,
России вовеки достоин лишь тот,
Кто в бой за Россию идёт!

(Припев)

4. Был русским Сусанин, был русским царь Пётр.
И мы – не изгои, мы – Русский Народ.
Взрастим же по-сталински твёрдых вождей
Во имя победы своей!

(Припев)

5. И знайте, друзья, что торжественно – прост,
За Русский Народ поднимает свой тост
Учитель и вождь, государь и мудрец
Наш, русский, грузин и отец!

(Припев)

Да! Нам Сталин – отец, нам Родина – Мать,
Сестра и подруга – Советская Власть,
В заступниках – Сергий, в сподвижницах – Русь,
Соратник – Советский Союз!

____________________


Stalin, nosso orgulho! Stalin, nossa bandeira! Stalin, chama tremulante de nossa fé! Stalin, líder equânime dos bolcheviques! Stalin, luz e verdade dos séculos futuros! Canção em memória de Stalin. Letra e melodia do trovador russo Aleksandr Kharchikov. Canta Tania Kontareva, pioneira de Leningrado.

1. Em plena peste e fome, frio e trevas,
As cinzas de um país outrora grande.
Ei, alguém vivo aí? Inflame o peito de ira,
Não chore lágrimas inúteis!

Refrão:
Stalin é nosso pai, a Pátria é nossa mãe,
O Poder Soviético é um irmão e amigo,
Sérgio intercede por nós, a Rússia ajuda
E a União Soviética combate conosco!

2. Aqui é nossa terra, nossa Roma mutilada.
Vândalos e bárbaros zombam dela,
Que não faça da servidão um exemplo;
Nossa U-R-S-S staliniana!

(Refrão)

3. É russo genuíno na Terra Russa
Quem jurou a si mesmo defendê-la,
Só é digno para sempre da Rússia
Quem vai para a guerra por ela!

(Refrão)

4. Susanin foi russo, o tsar Pedro foi russo.
E não somos párias, mas o Povo Russo.
Criemos, pois, líderes fortes como Stalin
Em nome de nossa vitória!

(Refrão)

5. E saibam, amigos, que ergue, tim-tim!
Seu brinde solene pelo Povo Russo
O mestre e guia, soberano e sábio
Nosso pai, russo e georgiano!

(Refrão)

Sim! Stalin é nosso pai, a Pátria é nossa mãe,
O Poder Soviético é um irmão e amigo,
Sérgio intercede por nós, a Rússia ajuda
E a União Soviética combate conosco!



domingo, 1 de janeiro de 2017

Os hinos nacionais dos países eslavos


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/eslavos


Esta listagem reúne todas as publicações que fiz no ano passado, apresentando as letras e as traduções dos hinos nacionais de todos os países eslavos contemporâneos. São os hinos de uso atual e ratificado por lei, acompanhados de um breve histórico, da legendagem com a letra em alfabeto latino e a tradução em português e da letra em alfabeto cirílico, quando for o caso, ou novamente em alfabeto latino, quando o cirílico não é o alfabeto da língua.

Há muito tempo eu tinha o projeto de traduzir e legendar todos os hinos nacionais dos países eslavos em português. Entre 2010 e 2011, eu fiz isso apenas com a Rússia, a Ucrânia, Belarus e seus equivalentes dentro da URSS, incluindo o próprio hino soviético. No caso russo, também legendei em 2011 o hino republicano após a Revolução de Fevereiro de 1917 e o hino utilizado no período Ieltsin, e em 2016 legendei também um projeto de hino para a RSFS da Rússia, composto em 1946 e não adotado. Comecei a fazer as traduções e legendagens em agosto de 2016 e terminei em outubro. Logo depois, também fui publicando aos poucos na página as versões escritas, e agora estou enfim unificando o material.

A maioria dos países eslavos só existe como nação independente há apenas algumas décadas, ou aproximadamente um século. Muitos deles surgiram da desagregação de antigos impérios europeus, como o austro-húngaro e o otomano, ou do desmembramento de antigas unidades federadas, como a Iugoslávia e a União Soviética. (De fato, muitas repúblicas soviéticas eram partes do antigo Império Russo, transformadas em entidades autônomas.) Contudo, sua cultura e sua língua são bem antigas, e suas expressões mais altas datam do século 19. Então, houve um grande surto nacionalista na Europa, e os idiomas locais começaram a ser forjados e valorizados ao lado das grandes línguas imperiais.

Por isso, a maioria dos hinos nacionais eslavos se baseia em canções ou trechos de canções do século 19, valorizando a história étnica, os grandes eventos heroicos e as paisagens locais. Muitos possuem uma estrutura poética, temática e expressiva semelhante, enquanto outros, como os hinos da Rússia e de Belarus, foram baseados em composições feitas nos quadros do poder comunista.

Дзяржаўны гімн Рэспублікі Беларусь
Hino Nacional da República de Belarus
Državna himna Bosne i Hercegovine (Intermeco)
Hino Nacional da Bósnia e Herzegóvina (Intermezzo)
Мила Родино (Ó, querida Pátria)
Hino Nacional da Bulgária
Lijepa naša domovino (Ó, bela pátria nossa)
Hino Nacional da Croácia
Nad Tatrou sa blýska (Sobre os Tatras fulguram)
Hino Nacional da Eslováquia
Zdravljica (Um brinde)
Hino Nacional da Eslovênia
Денес над Македонија (Hoje sobre a Macedônia)
Hino Nacional da Macedônia do Norte
Oj, svijetla majska zoro (Ó, clara aurora de maio)
Hino Nacional de Montenegro
Mazurek Dąbrowskiego (Mazurca de Dąbrowski)
Hino Nacional da Polônia
Kde domov můj (Onde é meu lar)
Hino Nacional da República Checa
Государственный гимн Российской Федерации
Hino Nacional da Federação Russa
Боже правде (Ó, Deus de justiça)
Hino Nacional da Sérvia
Державний Гімн України
Hino Nacional da Ucrânia (versões: 1992 e 2003)

A lista acima, em ordem alfabética, contém os hinos nacionais de todos os países eslavos (bandeira, título do hino na língua local, tradução desse nome e país em que ele é usado). Não constam aqui o período de uso e informações históricas, que devem ser lidos em cada postagem. Também não há aqui hinos históricos desses países, ou seja, hinos que foram utilizados em outros tempos ou que serviram a nações hoje extintas, como a Iugoslávia e a União Soviética. Os hinos históricos dos países eslavos ou de Estados antigos podem ser consultados em publicações avulsas. Eu fiz novas legendagens inclusive dos hinos que eu já tinha traduzido em anos anteriores, e as duas ou mais versões estão anexadas em cada publicação.

A transliteração dos alfabetos cirílicos segue meu próprio sistema, à exceção das línguas que já são escritas no alfabeto latino, cuja grafia eu mantive. Nem todas as traduções/legendagens transmitem palavra por palavra o texto na língua eslava, ou seja, às vezes encurtei o texto em português por razões de espaço, às vezes modifiquei a forma de expressão pra soar como algo realmente palatável a quem fala português. Porém, não considero a tradução “palavra por palavra” o critério real de fidelidade (que é um mito tradutológico), e sim a transmissão mais próxima possível da ideia que o escritor desejou passar, cuja perfeição nem sempre se alcança. Devo destacar também que o padrão em que traduzo e escrevo é o português brasileiro, embora quase sempre eu evite termos e expressões exclusivos do Brasil. Note-se o uso difundido de você(s) (ao invés de tu/vós) e de tempos verbais compostos, no intuito de modernizar a linguagem.

Espero que vocês gostem de usar esse material pra seu aprendizado, pesquisa ou entretenimento, e peço que divulguem ao máximo a quem curte o assunto. Ótimo 2017 pra todo mundo!